10. 05 de julho.
Nada... apesar terem uma estrutura um pouco parecida... ambos magros, Lupin era evidentemente muito maior... e nada de suas roupas velhas ficava "decentemente" vestível... tanto vestes trouxas quando bruxas, não tinha tantas roupas assim...
-Bom... acho que você está acostumado com roupas grandes não?- sorriu incomodado vendo o garoto meio tremendo ainda envolto em duas enormes tolhas sobre a roupa molhada... estendeu um moletom preto tão surrado que parecia cinza... "vou ter que dar um pulo até o beco..."
-Estou...- disse baixo com um nó na garganta.- estou sim... Lupin... não...- Suspirou... não se importou com a cara preocupada do outro... agora não.- Não se preocupe.- sorriu sem nenhuma vontade de sorrir.
Só porque não conseguia reprimir uma imensa vontade de gritar... de dor e tristeza... simples assim... triste... desde que se sentara na cama embolado nas toalhas para não umedecer o colchão... estava imerso numa tristeza inexplicável... que doía tanto que sentia-a mesmo... como se tivesse levado um murro no peito...
-Vou providenciar um café da manhã, certo?- disse Remo olhando-o ali, parado... entre o confuso e o sonolento... "será uma longa conversa... depois... acho que é hora dele ir..." balançou a cabeça e saiu do quarto preocupado.
-Tá...- disse baixo e viu o outro sair preocupado...
-Até quando?- deitou-se e fechou os olhos ardidos...- Até quando?
Não havia resposta... até crescer e andar com as próprias pernas... só isso... passou a mão nervosamente pelo rosto espantando qualquer possibilidade de surgirem lágrimas... cansado de estar agindo como um idiota... se levantou subitamente furioso consigo mesmo... despiu-se, jogou a calça imensa azul sobre o corpo, enrolando a barra das pernas... realmente isso já era um hábito automático... pegou o moletom... parecia com os seus... surrado e enorme... sem perceber cheirou-o... um cheiro diferente... perfume e cerveja... Lupin bebia? Pensou vestindo o moleton , passou a mão devagar pela manga... realmente tinha o mesmo cheiro... só então percebeu o que acabara de fazer...
-Que belo miserável eu sou... como ele me atura?
Ele... pela primeira vez sentiu um real arrepio que foi e voltou pela coluna... ficou parado de pé... sem entender metade do que ocorria... ainda parado, bem uns cinco minutos até sem querer se olhar no espelho...
Nunca se gostara... não havia nada pra gostar... até a maldita cicatriz... sim maldita, porque quando gostava dela era um moleque burro que não sabia o que ela significava... não havia nada mesmo pra se gostar na imagem adoentada refletida naquele espelho... não tinha tamanho, não tinha corpo, era um chumaço de cabelos espetados... como uma vassoura... uma vassoura com olheiras.
-Você... é mesmo uma coisa.- disse olhando o espelho.
-Na verdade, coisa pode ser aplicado nesse caso.- respondeu um espelho mau-humorado.
-Que maravilha....- exclamou pegando as toalhas com raiva.
Se não fosse o sentido de audição um pouco mais apurado, Harry teria entrado sem ser notado, se virou para vê-lo entrar... viu-o sentar cabisbaixo e a coruja planar até seus joelhos, e ele ficou ali, aéreo acariciando as penas da coruja que se arrepiava toda... "qualquer um se arrepiaria..." pensou ao vê-lo... ainda meio virado olhando o bule que pusera para fazer um chá... ele sabe que é assim... bonito?
Conhecia as histórias de elfos trouxas... aquelas criaturas bonitas e graciosas... totalmente diferentes dos elfos que os bruxos conheciam... se tivesse que explicar a concepção trouxa de elfo para um bruxo... descreveria aquela cena... Harry sentado, absorto em pensamento acariciando a coruja... chama da lareira brincando de fazer relexos no cabelo totalmente negro e bem arrepiado agora que ia secando "é mesmo filho do Tiago...", a linha leve do pescoço ao ombro revelada porque a gola do moletom era imena e caia ombro abaixo... tão pensativo que nem se lembrara de ajeitá-lo... mão pequena de dedos longos se enfiando entre as penas da coruja... os pés descalços apoiados na cadeira da frente... pés brancos... na verdade Harry estava um pouco pálido demais... os olhos brilhantes fixos na chama...
As duas lágrimas escorreram rápidamente, grandes, pesadas... tanto que ali... ao admirá-lo, Lupin quase nem as percebeu... então muito constrangido de estar devorando o outro com os olhos se aproximou e perguntou baixo.
-O que foi Harry?
-Ãh?- Harry nem tinha percebido que Lupin estava ali tão perto... perdido em lembranças... na verdade lembranças boas... sorriu enxugando os olhos... porque estava chorando? Havia lembrando de um momento feliz...- Ah... nada...
-Nada?- Lupin perguntou preocupado entortado o rosto procurando os olhos escondidos pela armação dos óculos e pelos cabelos agora mais compridos...
-Bobagem... eu só... só estava lembrando quando ganhei Edwiges...
-Ganhou do Hagrid, não?- esticou a mão para a coruja evidentemente satisfeita por ganhar tanto carinho de uma só vez... e sentiu seus dedos roçarem nos de Harry.
-É... foi meu primeiro presente de verdade...- sentiu-se corar "porque estou falando isso?" sentiu-se aquecer ao sentir os dedos do outro encontrarem os seus sobre as penas da coruja... ah... isso é realmente estranho.
Lupin o olhou, Harry ainda tinha sentimentos muito puros, e de certo modo, um pouco infantis... bom, nada da vida daquele menino era normal afinal... e quem era ele para pensar em normalidade? Tirou a mão de cima da coruja...
"Porque eu quero que ele me abrace de novo..." foi a resposta que uma vozinha muito quente lhe soprou aos ouvidos... "é isso que eu quero... por isso disse aquilo... e isso é ainda mais errado... é um engodo... uma armadilha..." parou desapontado quando Lupin levantou.
-Você percebeu o que aconteceu essa noite Harry?
Todo o calor que sentira até agora lhe fugiu do corpo, um desagradável frio tomou seu lugar...
-Eu fui descuidado... eu não devia ter bebido aquilo... mas eu não tive intenção...
Lupin balançou a cabeça, colocou a mão sobre o ombro nú dele e disse gravemente.
-Não Harry... eu entendi isso, certo?- "Não errado... tire essa mão do ombro dele... para o bem de sua própria sanidade..."- Essa noite eu esqueci de trancar a porta do porão e andei como lobo pela casa inteira... entende isso?
Harry concordou com a cabeça... incapaz de falar nada ao sentir a mão quente dele em seu ombro... "e daí?"
-Harry... mesmo bebendo a poção e não tendo a necessidade de atacar... uma mordida é perigosa...
Concordou com a cabeça... eu lembro do trabalho da Mione... sabia? Se surpreendeu com o suspiro cansado e o ato de Lupin afastar o cabelo castanho com a mão...
-Vou pedir para Dumbledore o mandar agora para Hogwarts... Snape cuidará de voc...
-NÃO!!!- se levantou e segurou os ombros de Lupin.- Não!!! POR FAVOR! Não quero ir prá lá agora! Por favor...
Sua voz morreu ao olhar a palidez acentuada do homem a sua frente.
