Título
O carro deslizava lentamente pela avenida encharcada. Kagome sabia que dirigir com aquele tempo era perigosíssimo, mas quando sua vida havia deixado de ser perigosa? Bater o veículo num poste não podia ser pior do que ser cortada ao meio por um youkai, era? Sua mãe e seu avô haviam morrido num acidente de carro...
Quando se deu conta, ela havia entrado à direita em uma rua por onde deveria seguir reto, e o trajeto que fazia agora não era totalmente desconhecido. Ela percorrera aquele caminho por toda a sua vida: estava indo direto ao templo Higurashi. Ir até lá, rever sua casa, o único lugar que fôra seu lar, rever o poço... Aquilo ia doer, mais do qualquer outra coisa. Mas por que fugir? Sua vida já era uma droga mesmo... Ela se deixou levar, mergulhada novamente em lembranças.
Kagome começou a lembrar daquele dia - como se algum dia o tivesse esquecido! Naquele dia ela caminhara devagar até o vilarejo, e encontrara uma Sango muito aflita à sua procura. Depois, tudo passara num borrão: as explicações, a compreensão deles, o choro de Shippou e Sango, as despedidas. E então as cenas voltavam a ser detalhadas. A garota pedira para ir sozinha até o poço-come-ossos. Fizera a última despedida ainda no vilarejo, e se encaminhara completamente só à floresta.
*****~*****~***** Flashback *****~*****~*****
Depois de jogar a mochila no poço, Kagome olhou em volta. Aquelas eram as últimas imagens que veria daquela era. Ela deitou-se na grama e ficou olhando as nuvens, enquanto lágrimas corriam soltas pela sua face. Em sua mente, um furacão de pensamentos:
"Mas o que eu estou esperando afinal? Que o Inuyasha apareça com um sorriso doce e diga que me ama, que não quer que eu vá? Não seja idiota, Kagome, não vai acontecer nada. Você pode passar a noite aqui esperando, porque ele não vai vir! Droga!!!"
Enfurecida consigo mesma, ela levanta e prepara-se para pular, mas ouve a voz que ecoava eternamente em sua mente chamando-a:
_ Kagome, eu quero que saiba que é melhor assim.
_ Inuyasha...
Ele correu até ela e a puxou para junto de si. Frente a frente, o desejo venceu, e ele procurou sôfrego os lábios quentes de sua amada. Ela retribuiu o beijo ansioso e significativo, pois os dois sabiam que esse seria o primeiro e único. Impulsivamente como tinham começado, os dois se separaram, sem palavras. Elas não eram necessárias. Não contendo um soluço, Kagome se atirou no poço.
Inuyasha debruçou-se e olhou para o fundo. Era difícil demais, e ele chorou. Chorou por tudo o que havia perdido. Chorou porque tinha dúvidas. Chorou porque não tinha certeza de que amava Kagome, e aquilo o corroía.
*****~*****~***** Fim do Flashback *****~*****~*****
Kagome parou o carro na frente do templo e desceu, ignorando a chuva que rapidamente a encharcou. Remexendo no decote, retirou uma fina corrente com uma chave dourada na ponta. Aquela chave guardava todos os seus sentimentos. Aquela era a chave para a sua felicidade ou a sua perdição. Ela usou aquela chave para abrir o portão de sua antiga casa.
A jovem entrou lentamente, e um soluço seco a sufocou. O templo, antes sempre limpo e bem cuidado, era agora uma casa apodrecida, coberta pelo mato e por plantas viscosas, trepadeiras que devoravam as paredes cobertas de mofo. Instintivamente, ela olhou na direção do poço, e se surpreendeu: ali, o lugar continuava limpo e florido. Olhando para a grande construção, mais lembranças.
*****~*****~***** Flashback *****~*****~*****
Depois de recuperada do choque que fôra perder a mãe e o avô tão repentinamente, Kagome finalmente pôde assinar os papéis e receber o que lhe era devido. Souta requisitara para si a casa americana, e ela então herdaria o templo. Kagome entendeu perfeitamente os motivos do irmão ir morar em outro país: além de estudar, ele gostaria de passar algum tempo longe das lembranças.
Bem, ela não teria a mesma sorte, mas de algum modo teria que recomeçar a sua vida, e sozinha. A primeira coisa que fez foi lacrar o poço com o poder que havia começado a compreender. Um poder que era seu por direito, mas que ela daria a qualquer um naquele momento. Depois, mandou levantar quatro paredes em volta do poço-come-ossos, sem nenhuma abertura, algo como um túmulo. Um túmulo para quem ela uma dia havia sido. Revestiu-as com mármore, gravou uma bela inscrição e trancou o templo para sempre, sem retirar nada de dentro dele, apenas as roupas dela e de Souta. Ali, ela enterrara seus sentimentos.
Um ano depois, Kagome se formava em História, curso que havia começado logo que terminara o colegial. Comprara um apartamento e lecionava na escola municipal, especializada na Era Feudal Japonesa.
*****~*****~***** Fim do Flashback *****~*****~*****
Parada em frente ao "túmulo", Kagome lia e relia as palavras que ela mesma escrevera na pedra branca, e se admirava com as pequenas flores amarelas que se enroscavam ao redor das letras. Toda a pureza que ela usara para lacrar o poço se estendia por um raio de dois metros, mantendo a grama verde, as flores bonitas e o chão limpo.
Subitamente, uma dor aguda a despertou. Algo martelava em sua cabeça, no fundo de sua alma. Uma dor pulsante, viva, que parecia querer tomar todo o corpo da jovem. Kagome sabia o que era, e praguejou mentalmente a idéia estúpida que tivera ao entrar ali. Ali, ela estava mais perto de tudo o que havia negado. Ali, ela estava mais perto da Era Feudal, e por isso a influência mística era bem maior. Ali, ela estava mais perto de Inuyasha do que estivera em sete anos, e todo o seu ser implorava para vê-lo. Sem contar, é claro, que ali ela estava mais perto de suas emoções, de seus sentimentos.
As imagens começaram a embaralhar, tudo ficava escuro, e a chuva não ajudava. A jovem tentou fugir, mas caiu no primeiro passo em direção ao portão. Achando que ia morrer, Kagome gritou o nome dele em sua mente, mas de sua boca saíam apenas sussurros. Ela trancara o portão ao entrar, o que significava que ninguém viria ajudá-la, mesmo que alguém soubesse que ela estava ali. Mas ninguém sabia, ela não contara a ninguém que aquele templo era dela, e ninguém se importava. Se não morresse pela dor, certamente morreria de pneumonia por passar a noite na chuva. Ela tentou levantar-se mais uma vez, enquanto cada poro do seu corpo gritava o nome de Inuyasha. Ela não queria morrer sem vê-lo mais uma vez.
Com um espasmo violento, Kagome fechou os olhos e tudo apagou.
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Inuyasha estava caminhando, como ele tinha feito nos últimos anos. Desde que Kagome lacrara o poço, esta era a rotina de Inuyasha. Ele acabara ficando no vilarejo da senhora Kaede. Não ajudava muito, mas não atrapalhava e até mantinha a ordem por ali. Mas Kaede tinha muita pena do meio-youkai: ele perdera tudo o que ele amava de uma vez só, e ainda tivera que lidar com as acusações constantes de Shippou por ter deixado Kagome partir. Por fim, quando ela morrera, quase dois anos depois da partida da jovem, Inuyasha ficara com sua casa a pedido dela e cuidava de tudo. Era incrível como o hanyou havia amadurecido, com certeza em função dos dias amargos que vivera sozinho naqueles sete anos.
Mas naquele dia, Inuyasha saíra para caminhar muito cedo. Porque naquele dia ele acordara com um desejo aterrador em sua mente: ele precisava ver Kagome. Era um absurdo, mas era sua vontade. Nos últimos sete anos ele não deixara de pensar nela um só dia, e não houve um só dia em que ele não se arrependesse daquela decisão. Nesse tempo, ele pensara o bastante para ter certeza de uma coisa que todos tentaram lhe dizer: ele amava Kagome mais do que tudo, e não tinha nada a ver com a alma de Kikyou.
De repente, ele sentiu o cheiro dela. Só por um segundo, mas foi o suficiente para levá-lo até o poço. Ele sabia que ela havia selado a passagem, e que era irracional tentar atravessá-la, mas quem disse que o amor é racional? Ele pulou. E não atravessou. Levantou e pulou de novo. Falhou novamente. Então Inuyasha sentou-se no fundo do poço, no escuro, e ficou ali, esperando qualquer coisa que levasse sua mente para longe dela. Ao invés disso, ele ouviu sua voz, chamando-o.
_ Kagome? Kagome... Kagome!!! _ gritou ele em resposta.
Inuyasha começou a socar a terra úmida, pois a voz dela estava cheia de mágoa e dor. Muita dor. Ele queria ajudá-la, mas a "droga do poço está lacrada!" Inuyasha praguejava e socava o chão. Continuou assim até que a voz foi cessando. Suas mãos estavam vermelhas, mas isso não importava, porque Kagome parecia estar morrendo, junto com aquela voz. A última coisa que ele ouviu foi um sussurro baixo e débil:
_ Eu queria te ver... uma última vez... meu querido Inuyasha.
Ela ia morrer? O hanyou não acreditava, ele não podia aceitar aquilo. Seus olhos se encheram de lágrimas e ele voltou a socar tudo o que estava ao seu alcance. Logo uma das gotas caiu. Rolou pelo seu rosto e atingiu o chão. Então aconteceu.
O chão brilhou momentaneamente, e tudo ficou em silêncio. O meio-youkai concentrou a audição privilegiada e pôde ouvir um barulho fluido e ritmado, como gotas sobre uma superfície dura. Pulando para fora do poço, ele se encontrou em um lugar completamente fechado e escuro. Mas havia algo ali que o provocava, um cheiro familiar e saudoso. Finalmente Inuyasha percebeu que se encontrava entre quatro paredes, que estava chovendo, e que o aroma suave de Kagome vinha lá de fora. Sem hesitar, ele levantou o punho e investiu com toda a força contra um ponto qualquer. A parte interna da parede rachou, deixando um fio de luar entrar. Outro soco, e a rachadura aumentou. Mais um, dois, e no terceiro a parede caiu, revelando a visão que arrancou um sorriso do meio-youkai: o templo Higurashi sob a chuva forte e a luz do luar.
O sorriso logo se desfez quando o hanyou observou mais atentamente. O mato tomava conta do lugar, e bem no centro do pátio, algo branco jazia ao chão. Aproximando-se, e adivinhando o que seria, Inuyasha deu de cara com uma Kagome inconsciente e maravilhosa.
"Parece um anjo! O meu anjo. A minha Kagome..."
De fato, a jovem usava um vestido de seda creme, e os cabelos em uma trança já bagunçada, mas não menos bela.
Tomando consciência da situação, o meio-youkai percebeu os lábios roxos e a expressão de dor dela. Além do fato de ela estar caída no meio do pátio do templo, sozinha, tomando chuva. Levantando-a como se fosse quebrar, Inuyasha correu em direção à casa, derrubou a porta apodrecida com um chute e subiu com ela.
Indo direto para o andar de cima, o hanyou entrou em um quarto grande e colocou Kagome, que jazia molemente em seus braços, sobre a cama de casal. Esta, estranhamente, estava arrumada. Os lençóis não estavam limpos, nem a colcha perfumada, mas a cama estava arrumada, com alguns travesseiros poeirentos por cima.
Essa observação não levou mais de dois segundos, pois sobre a cama arrumada havia algo mais para o meio-youkai se preocupar. Primeiro, ele puxou o acolchoado que se estendia sob a jovem. Em seguida, virou-a de costas com cuidado e desabotoou o vestido. Deslizando o tecido pela pele molhada dela, diversas coisas passaram pela mente de Inuyasha. Acima de tudo, estava a certeza de que ela ficaria doente se continuasse com aquela roupa molhada, mas ele não pôde deixar certos pensamentos de lado quando a viu apenas com a roupa de baixo.
"Ela vai brigar comigo quando acordar..."
Bem, no fim das contas, ele não tinha muita escolha...
Depois de tirar o vestido molhado dela, o hanyou abriu os armários, logo achando o que procurava: uma toalha. Secou a jovem rapidamente e cobriu-a com o cobertor. Agora era só esperar que ela acordasse...
Sentando-se numa poltrona próxima, Inuyasha ficou observando a única coisa que realmente importava para ele: Kagome.
Continua...
Bom, eu sei que esse fic tá meio corrido, mas é porque eu não estava com paciência para muita enrolação. Espero que estejam gostando. Por favor, não deixem de me dizer o que estão achando...
Bjus da Queen!
