Beco Diagonal

Às onze horas o dia já estava quente demais para se ficar dentro de casa. Muito menos dentro de um metrô. Mas Will e Lyra estavam a caminho do centro de Londres, para um lugar chamado O Caldeirão Furado. Era lá onde muitos bruxos tinham acesso ao Beco Diagonal. Lyra sabia disso. Sabia muito mais sobre o lugar para onde estavam indo, mas de uns tempos pra cá, ela tinha preferido esquecer.

Mesmo depois de toda a conversa com Will, ela estava um pouco tensa. Fazia mais de cinco anos que não ia para aquele lugar. Seu pai costumava levá-la para passear e comer doces, como Feijõezinhos de Todos os Sabores. Ela adorava. Mas gostava mais ainda de olhar centenas de garotos e garotas que iam anualmente no verão para às compras escolares. Meninos comprando sapos e corujas. Outros muitos excitados com suas varinhas novas e uniformes sendo feitos e os mais velhos admirando vassouras de quadribol naquela loja da esquina.

Mas tudo isso deixou de ser admirado, para ser odiado, pelo menos até aquele momento. Estava tentando se preparar psicologicamente para estar relaxada, como havia prometido para Will. Tentaria o máximo, por ele.

Eles saíram da estação do metrô e foram andando pelas ruas, conversando besteiras dos dois. Chegaram até um local que parecia um bar abandonado, mas, surpreendentemente, havia pessoas sentadas às mesas. Lyra conhecia o clima do lugar, mas era inevitável reparar em tudo outra vez. Uma pequena placa dizia "O Caldeirão Furado". Eles entraram, cumprimentaram o que parecia ser o dono do estabelecimento e passaram por uma porta que dava em um quarto com paredes de tijolos. Will prontamente sacou sua varinha e bateu em alguns dos tijolos em uma seqüência específica. Os tijolos começaram a se mexer, dando passagem para os garotos até uma longa rua cheia de gente e lojas. Tinham chegado ao Beco Diagonal.

Tudo estava como Lyra se lembrava. O banco Gringotes, onde seu pai a levava quando ia tirar dinheiro, continuava ali, torto e sem cair, como costumava pensar. Ela adorava os passeios nos carrinhos até chegar ao cofre da sua família. Depois, Asriel a levava para a loja de doces do outro lado da rua, que continuava no mesmo lugar, onde ela comprava dúzias de guloseimas, enquanto seu pai, ria da sua cara melada de chocolate. Aqueles eram momentos felizes. E Lyra se lembrou do quanto ela achava maravilhoso aquele lugar. Ficou parada um instante com a boca semi-aberta, meio abobalhada.

- Vamos, Ly! Quero te mostrar uma coisa! - Dizendo isso ele puxou o braço dela fazendo com que ela voltasse à realidade.

Eles passaram por diversas lojas dos mais diversos artigos mágicos, onde muita gente entrava e saía a todo momento. Mas, em uma loja em especial, Will parou e entrou. Ele não deu nem tempo para Lyra ler o que dizia a placa da entrada, mas logo ela viu do que se tratava aquela loja.

O lugar estava abarrotado de adolescentes e crianças que mexiam nas prateleiras e mostruários. Alguns comiam pequenos bombons coloridos que faziam as pessoas mudarem de cor, ou espirrarem sem parar ou até mesmo aparecer milhões de espinhas em todo o corpo. Do outro lado, alguns meninos brincavam de fingir que iam jogar umas bolas com aparência não muito agradável, que fediam um pouco. Ao passar por perto deles, ouviram o menino mais novo dizer:

- Ai, não, Tom! Não joga essa bomba de bosta em mim!

- Hahaha!! Não vou jogar, não! Mas vou comprar! Imagine só a cara da mamãe se descobrir que a gente tá comprando isso! Hahaha! - O menino mais velho ria sem parar com a bola mal cheirosa na mão.

Lyra, um pouco incomodada, perguntou:

- Will, o que a gente está fazendo aqui?

- Eu queria te mostrar essa loja de logros mágicos! Gemialidades Weasley. Não é demais?

- Não era exatamente o que eu tinha em mente, mas...

- Calma, eu sei que você vai gostar daqui, é só eu te mostrar a coisa certa!

- Mas... - ela foi interrompida por outro puxão no braço.

Eles passaram por um grupo de meninas que riam sem parar de alguma coisa escondida entre elas. Lyra até tentou espiar por cima do ombro delas, mas Will continuava puxando-a. Chegaram finalmente até uma estante onde havia cadernos e livros cobrindo todas as prateleiras. Ela ficou encantada com as cores e o tipo de encaderrnamento daqueles livros. Eram tão bonitos! Ela resolveu examinar um, em especial, que dizia "Em Branco" na lombada preta. Puxou e olhou a capa.

- Ah! Esses são ótimos! - Exclamou Will. - Você põe o título que você quiser e ainda pode mudar a cor da capa! Sabia que você ia gostar desse! E ainda dá pra colocar uns encantamentos para ninguém ler!

- É! Realmente muito interessante... Pena que não posso usar. - E ela devolveu o livro para a prateleira.

- Por que você não pode usar? - Ele pegou o livro novamente.

- Porque eu não nasci do jeito que você nasceu. - Disse ela um pouco magoada.

- É aí que você se engana! Não precisa ser bruxo para usar esse daqui! Já está tudo embutido! - Ele, então, abriu o livro e Lyra viu que ali havia escrito uma série de instruções de uso do livro "Em Branco".

Ela ficou maravilhada com a descoberta. Folheava o livro com as folhas em branco, como se estivessem escritas. Gostou muito daquela seção da loja, em particular, onde tinham outros livros engraçados. "Como guardar bombas de bosta sem sua mãe perceber", "Faça você mesmo - Logros Mágicos" dentre outros, que nem livros eram realmente.

Havia um que parecia um diário, com um cadeado e senha, mas quando você abria era uma caixa bem grande, daquelas que são encantadas para parecerem pequenas por fora, mas são grandes por dentro.

Depois de muito olhar e se divertirem lendo as besteiras dali, eles perceberam que estavam com fome, e saíram à procura de uma loja de doces. Entraram lá e fizeram muita bagunça. Aqueles doces, Lyra conhecia, e ali ela soube o que queria. Comprou vários saquinhos de Feijõezinhos de Todos os Sabores, Sapos de Chocolate, Doces de abóbora e outras tantas guloseimas. Enquanto tentavam capturar um sapo fugitivo, alguns garotos da mesma idade deles entraram na loja.

- Olha, só! Will! Não sabia que você estaria aqui hoje! - Um dos garotos falou assim que reconheceu o menino abaixado, de cabelos castanhos escuros junto com uma menina loira, que eles não conheciam.

Will olhou para a porta e logo reconheceu o rapaz que ali se encontrava.

- Oi, Max! Como é que você está? - Ele se levantou e foi cumprimentar o amigo.

- Eu estou bem!

- Oi, Will. - Outros dois meninos disseram.

- Rick, James! É bom ver você por aqui. - Disse Will se esquecendo de Lyra, que já tinha desistido de capturar o sapo de chocolate.

- Você nem nos mandou uma coruja avisando que você vinha aqui hoje! - Falou Max, o garoto de porte atlético com os cabelos bem pretos.

- Ah, eu vim de última hora... - De repente ele se lembrou que viera com Lyra e olhou para trás, onde ela se encontrava com uma cara de quem não gostou do abandono. - Pessoal, essa é que é a Lyra, minha vizinha.

- Oi, Lyra! Legal te conhecer, o Will fala muito de você pra gente! - Max falou sorrindo, e quando olhou para Will ele estava com uma expressão de "Você me paga!".

- Oi! - Lyra respondeu sem graça.

Ela nem reparou nos olhares estranhos dos meninos, só estava repetindo as últimas palavras de Will na cabeça: "Minha vizinha..." - Ela pensou - "Ah, é? Sua vizinha? Ele anda falando muito da vizinha dele para vocês é, meninos? Fala que nos vemos quando ele vai colocar o lixo para fora? Só isso? Achei que éramos AMIGOS, William!"

A expressão em seu rosto ia ficando cada vez mais forte. Um olhar fulminante cortava a sala. Ela ficou vermelha de raiva, mas resolveu que era melhor não transparecer, se ainda tivesse chance.

- Então você veio comprar seus materiais, Will? - Perguntou Rick.

- Não, não... Já comprei semana passada. Só vim dar uma volta mesmo. Queria mostrar umas coisas pra ela. - Nesse momento, passou um braço por cima do ombro de Lyra, que tentava ignorá-lo.

- Tá certo então, cara! A gente se vê no começo das aulas! - Max e os outros se despediram.

Lyra ainda conseguiu forçar um sorriso para os rapazes, que adentravam a loja à procura do que petiscar. Enquanto isso, ela saiu, seguida por Will, que percebeu a maneira abrupta com a qual ela deixava o recinto.

- Que foi, Ly? - "Ah, como era bom ouvir aquilo... Mas ai que ódio dele..." - Ficou chateada porque perdemos o sapo? - Ingenuamente ele se preocupava com a amiga.

- Não, o que é isso?! - Falou ela com tom irônico. - O sapo é o de menos!

- O que foi que aconteceu?

Ele olhou para ela como se tivesse acontecido a pior coisa do mundo. Olhava em seus olhos, tocando seus ombros, suplicando um motivo para aquela pessoa ter se chateado. Então ela percebeu que ele estava se importando, que ele se preocupava com ela. Mas por que diabos ele falou aquilo? Resolveu deixar para lá... Talvez não valesse o esforço.

- Nada... - Tentou disfarçar, mas já não conseguia. Sua irritação era evidente, por mais que se esforçasse.

- Poxa... Foi algo que eu fiz?

- Mais ou menos...

- Você não quer me dizer?

- Olha, vamos esquecer isso, ok?

Mesmo um pouco decepcionado, Will fez a vontade da amiga e resolveu surpreendê-la.

- Então, para recompensar qualquer coisa que eu tenha feito, espera um pouco aqui, que eu vou te dar uma coisa. - Antes que ela pudesse fazer qualquer objeção, ele saiu andando pela rua, deixando Lyra parada em frente à loja de doces.

"O que será que ele vai me aprontar?"