Quando chegou a Grimmauld Square, Harry já estava enregelado até os ossos novamente. Mesmo cortando a rota que Olho-Tonto Moddy tomara no ano passado, ele só conseguiu diminuir o tempo do percurso em trinta minutos, e para completar uma frente fria que atravessava o céu da noite fez sua viagem bastante desconfortável.
Ele sobrevoou a praça duas vezes para se certificar de que não havia nenhum pedestre passeando, até que encontrou um lugar escuro para pousar. Harry desamarrou seu malão e a gaiola da coruja, alongou os membros para passar as câimbras e aqueceu as mãos.
Ele não tinha o "apagueiro" de Dumbledore, então achou melhor entrar o mais depressa possível no número 12 de Grimmauld Place.
Ele pegou a chave enviada pelo Executor Sênior de Testamentos de Gringott's e saiu correndo, puxando o malão e a gaiola da coruja atrás de si, o mais rápido que pôde.
A Residência da Família Black apareceu do espaço entre os números 11 e 13 nos poucos segundos que ele levou para pensar no endereço. Harry olhou uma última vez a seu redor antes de colocar a chave na fechadura e entrar na casa imapeável.
Uma vez do lado de dentro, ele sabia que estava livre para fazer mágicas sem que o Ministério tomasse conhecimento disso. Sob a proteção da magia que deixava a casa escondida de olhos curiosos, Harry podia fazer várias coisas para as quais antes não tinha permissão. Ele levou a mão a um bolso interno e retirou sua varinha.
— Lumos — ele disse baixinho, sem querer acordar o porta-retrato da mãe de Sirius pendurado próximo à entrada e coberto por uma cortina esfarrapada que chegava ao chão.
Para sua surpresa, o porta-retrato não estava mais lá e uma mancha de fogo cobria o local onde ele estava preso.
Ele soube por uma coruja que recebeu de Remus Lupin que a Ordem da Fênix tinha abandonado a Residência dos Black para passar a usar a Sala dos Requerimentos de Hogwarts. Agora que o Ministério já tinha reconhecido publicamente o retorno de Lord Voldemort, Dumbledore não precisava mais trabalhar no mais completo sigilo e não se utilizava mais da casa. Bem melhor para Harry.
— Torca Ignis!
Os bicos de gás que serviam para iluminação se acenderam e iluminaram o corredor dos vários cômodos do andar de baixo, assim como as escadarias e seus patamares acima. A casa parecia abandonada, o que era uma boa coisa. A mobília tinha sido coberta por lençóis para protegê-la da poeira e de várias infestações mágicas que uma vez se proliferaram pela casa.
Harry sabia que, se a Sra. Weasley estivesse ali, iria tratar de arrumar logo tudo para que ele se sentisse mais confortável.
As primeiras coisas que lhe vieram em mente foram a carta de Sirius e a vontade de beber alguma coisa. Sua boca estava ressecada pela viagem e ele esperava encontrar alguma coisa sobrando para, se não comer, ao menos beber.
Harry entrou na cozinha e andou até a caixa refrigeradora lá dentro. A caixa refrigeradora era uma forma bruxa de geladeira que não precisava de eletricidade. Ela funcionava graças a um Feitiço Congelante no seu alto e a um Feitiço Refrigerador no compartimento de baixo.
Ele encontrou várias garrafas de cerveja amanteigada e vinho que tinham sido deixadas para trás, mas, para seu desalento, não achou comida, exceto por alguns temperos bem guardados no balcão.
Harry decidiu começar pela cerveja amanteigada, já que nunca tinha provado vinho antes e não queria passar bêbado sua primeira noite completamente sozinho. Ele sentou-se à mesa, abriu a garrafa, tomou alguns goles e resolveu tentar ler a carta de Sirius. Para sua felicidade, ela se abriu sem qualquer problema.
Caro Harry,
Primeiro, eu queria dizer que sinto muito. Se você está lendo isso, então eu já estou morto e cumpri a predição de Molly de que eu iria fazer alguma coisa idiota e acabar cedo no cemitério.
Tem muitas coisas que eu queria te contar, Harry. Sobre seu pai e sua mãe… muitas coisas. Mas eu perdi a chance. Então, eu vou deixar pra você tudo que era meu: esta casa e a fortuna da família Black, intacta. Você nunca mais vai passar por problemas financeiros e sempre vai ter uma casa onde se esconder. É tudo o que eu posso lhe dar.
Quando eu me tornei seu padrinho, prometi a seus pais que sempre ia tomar conta de você e mantê-lo longe do perigo. Bem, não posso mais fazer isso. Então eu fiz a coisa mais próxima disso. Antes da minha morte, eu fiz alguns arranjos para desligar a lareira da Rede do Flu e coloquei feitiços ainda mais fortes ao redor da casa.
Depois que a Ordem for embora, só três pessoas poderão entrar nesta casa. Você, claro, e as duas pessoas por quem você daria sua vida e que dariam as deles por você. Estou falando de Rony e Hermione. Eu sei que você confia cegamente neles e eles em você.
Não esqueça essa amizade, Harry. Não a deixe vacilar.
Fique seguro pelos anos que virão e talvez nos vejamos novamente, daqui a muitos, muitos anos.
Meu último conselho é que você sempre siga seu coração. O cérebro não sabe metade do que fala, mas o coração sempre entende tudo.
Com amor do seu padrinho,
Sirius
Harry deixou a carta cair sobre a mesa e se inclinou na sua cadeira, tomando mais um gole da garrafa de cerveja amanteigada. Sua mandíbula se cerrou e ele fechou a mão vazia.
A pensamento de Sirius ter partido para sempre o tinha feito chorar demais durante as últimas semanas. Ele não choraria mais. Ele já não agüentava mais profecias, lordes das trevas, Comensais da Morte e professores que o paparicavam para fazê-lo acreditar que era jovem demais para tomar decisões importantes a respeito da sua própria vida.
Essa era sua vida, e a partir dali ele controlaria o próprio destino.
