Na manhã seguinte, Harry decidiu ficar em Grimmauld Place por algumas semanas, até que ele ficasse entediado ou que começassem a procurar por ele sem descanso. Contudo, ele precisava de algumas coisas, principalmente comida, o que seria difícil de conseguir com metade do Ministério de olho nele. Então, ele resolveu dar uma de Mundungus Fletcher e para isso encontrou algumas roupas velhas no porão.
Depois de uma manhã sem maiores acontecimentos durante a qual ele passou no Gringott's, entregou a chave para um aturdido Executor Sênior, visitou seu novo cofre expandido e trocou alguns dos seus galeões por dinheiro trouxa, ele foi fazer compras longe dos bruxos.
Ele voltou ao número 12 de Grimmauld Place no começo da tarde com o estômago revirando. O sorvete que ele tinha comprado na Sorveteria Fortescue não adiantou muito para matar sua fome.
Em menos de duas horas, depois de dois sanduíches e duas garrafas de cerveja amanteigada, ele se encontrava dormindo na grande cama do antigo quarto de Sirius.
— Harry, acorde!
Ele acordou com os seus ombros sendo balançados violentamente por uma silhueta ágil sobre seu corpo. O quarto ainda estava escuro e ele estendeu a mão para pegar sua varinha sobre a mesa de cabeceira.
— Ah, não seja imbecil, Harry. Sou eu.
Harry reconheceu a voz de cara e ao invés da varinha pegou os óculos.
— Hermione?
Ele sentou-se na cama ao lado dele e suspirou.
— Ah, Harry. O que você tá fazendo aqui?
Sua mente ainda não estava muito clara devido ao sono.
— Como você entrou? Como você sabia onde eu tava?
— Torca Ignis! — ela disse para as paredes e os bicos de gás se acenderam, iluminando fracamente o quarto.
Harry piscou com a luz repentina que tomou o lugar da escuridão.
— No futuro, Harry, quando você fugir e se esconder, eu sugiro que você vá a algum lugar onde você não compartilhe um porta-retrato de algum bruxo com o diretor de Hogwarts.
Harry encolheu-se à menção do porta-retrato esquecido de Phineas Nigellus, trisavô de Sirius Black, que ficava no cômodo principal no andar de baixo. Dumbledore tinha um porta-retrato similar entre os dos antigos diretores de Hogwarts. Foi um erro estúpido que custou a liberdade de Harry.
Agora ele tinha certeza de que os membros da Ordem da Fênix estariam aparecendo a qualquer momento para levá-lo de volta à casa dos Dursley ou para as masmorras de Hogwarts, talvez para ser acorrentado à parede do escritório de Snape devido a sua tentativa de fuga.
— Eu sou um idiota — Harry proclamou com as mãos na cabeça.
Hermione balançou a cabeça.
— O Professor Dumbledore tentou vir até aqui por Flu e descobriu que a casa foi desligada da rede. Você sabia disso, Harry?
Ele balançou a cabeça em silêncio.
— Depois, ele disse que tentou aparatar na vizinhança e não conseguiu permissão para entrar na casa. Então ele tentou uma última coisa antes de apelar pra magia avançada que poderia revelar essa casa aos trouxas.
Harry finalmente desenterrou o rosto das mãos.
— Você.
Ela balançou a cabeça afirmativamente.
— Bem, eu estava mais perto.
Ele olhou para suas roupas, ou melhor, para a ausência delas.
— Hermione, você pode me dar alguns minutos? Eu não estou vestido.
Os olhos dela se arregalaram e seu rosto corou quando ela olhou para os ombros e peito nus de Harry. Ela levantou a mão para cobrir os olhos e abriu a boca em espanto.
— Ah, Harry! Me desculpa! Que burrice a minha! Eu… eu…
Ela se levantou depressa e tropeçou num tapete largado sobre o chão, caindo de joelhos.
— Hermione, você tá bem? — Harry teria pulado da cama se o seu sentido esmagador de decência não o tivesse segurado no último momento.
Hermione ainda estava com os olhos cobertos e arrastou-se para fora do quarto.
— Eu tou bem, Harry. Me encontre na cozinha quando estiver vestido.
Harry podia jurar que ouviu a voz dela dizendo por trás da porta: Burra! Burra!
Isso fez surgir no seu rosto um sorriso, algo que não vinha acontecendo fazia algum tempo. Pouco tempo depois, ele se juntou a Hermione na cozinha. Ela ainda estava com o rosto vermelho de embaraço.
— Harry, me desculpa. Eu não estava pensando.
Ele balançou a mão e sentou-se à mesa de frente para ela.
— Esquece.
Ele a observou enquanto ela apertava a mão e examinava as falhas da mesa tentando furiosamente não encontrar seus olhos.
— Você não acha que Dumbledore vai me deixar ficar sozinho, acha? — ele perguntou já sabendo a resposta.
Ela balançou a cabeça.
— Duvido muito.
Depois, passado um momento:
— Harry, por quê você fez isso?
Foi a vez de Harry de examinar a mesa. Ele passou a mão sobre o tampo, jogando migalhas imaginárias no chão.
— Eu não quero que ninguém mais morra por causa de mim, Mione.
Ela encontrou coragem para falar no choque que tomou.
— E fugir vai evitar isso?
Harry fez que sim uma vez com a cabeça.
— Vai, se eu não estiver por perto pra colocar todos os meus amigos em perigo porque Voldemort me possuiu.
Ela estendeu o braço por sobre a mesa e segurou a mão dele antes que ele conseguisse evitar.
— Harry, não foi sua culpa.
Ele levantou seus olhos e encontrou os dela.
— Você sabe que foi, Hermione. Se eu tivesse praticado minha Oclumência todos os dias como devia, nada disso teria acontecido. Sirius ainda estaria…
— Morto — ela terminou.
Harry se encolheu e puxou a mão.
— Você não sabe disso.
Hermione armou-se de toda a sua determinação.
— E você não sabe se praticar teria feito algum efeito. Pelo que você me disse, Voldemort tem uma ligação com você. Talvez você precisasse ser um mestre em Oclumência para surtir algum efeito.
Harry lembrou-se do que Snape lhe dissera na sua primeira aula. Voldemort era um mestre nessa arte e tinha anos de prática, contra seus poucos meses. No fim das contas, ele duvidava que fosse ter mesmo alguma chance.
— Talvez você esteja certa — ele disse, mais para conforto dela do que para seu próprio.
— Harry, você tem que voltar para Hogwarts no outono pela mesma razão que está te fazendo fugir agora.
Ele olhou para ela procurando alguma explicação.
— Você tem que se tornar um bruxo melhor pra poder derrotar Voldemort de uma vez por todas. Se você não fizer isso, ele vai continuar matando pessoas. A diferença é que você não vai estar lá pra ajudar. Você vai estar ignorando e dando as costas para as mesmas pessoas de quem você está fugindo.
De má vontade, ele admitiu que ela estava certa.
— Eu vou pensar nisso.
Então, ele acrescentou:
— Mas eu não vou voltar para a casa dos Dursley.
Ela sorriu animadamente.
— Você não precisa. O Professor Dumbledore disse que você já passou lá o tempo que precisava e que você poderia ficar na Toca ou aqui, se você preferir — o nariz dela se torceu indicando que ela estava confusa. — O que ele quis dizer com tempo necessário na casa dos Dursley?
Harry encolheu os ombros.
— Lá eu estou a salvo de Voldemort. Alguma coisa a ver com o sangue da minha mãe e com a minha tia evitando que ele me machuque enquanto eu estiver lá.
Os olhos dela se acenderam em entendimento.
— Claro, por quê eu não pensei nisso antes? Foi sua mãe que te salvou e sua tia é irmã dela. Agora tudo faz sentido.
Harry bocejou longamente.
— Me desculpa, Harry. Você deve estar muito cansado. Afinal, tá muito tarde.
Ele balançou de leve a cabeça afirmativamente e passou a mão pelo cabelo.
— E quando é que a minha casa vai ser invadida?
— Não vai — ela respondeu cuidadosamente. — O Professor Dumbledore disse que tá tudo bem se você precisar ficar algum tempo sozinho pra pôr as coisas em ordem, mas ele perguntou se eu ia ficar com você ou se o Rony teria ao menos um de nós dois com ele.
Isso o deixou surpreso. Hermione ainda não tinha dezesseis anos. Dois adolescentes sozinhos em uma casa imapeável?
— Pode tirar esse olhar do rosto, Harry Potter. O Professor sabe que nós somos apenas amigos e que nada de mais vai acontecer. Ele disse para os meus pais que nós íamos ser vigiados e eles confiam nele.
Ele esqueceu o assunto e se levantou.
— Vem. Vou te mostrar onde estão os lençóis limpos. Nós dois precisamos dormir.
