MARY SUE: A VERDADE POR TRÁS DO MITO!
Capítulo III – Aquele em que Mary Sue dá à luz anjos de candura!

Já se passavam duas semanas desde a cerimônia de abertura do ano letivo, mas, mesmo assim, Mary Sue continuava causando furor em qualquer lugar que colocasse os seus pequenos e preciosos pés.

Todos os rapazes estavam ansiosos para ganhar sua atenção, nem que fosse por alguns instantes. Os mais inteligentes se ofereciam para fazer sua lição de casa. Os mais bonitos estavam sempre se exibindo e os mais articulados lhe escreviam poesias.

Lilá Brown e Parvati Patil, as duas novas melhores amigas de Mary Sue, eram muito criteriosas na escolha daqueles cartõezinhos e cartinhas que deixavam passar para a requisitada colega ler, portanto, os rapazes sempre davam o máximo de si ao escrevê-los, temendo que sua mensagem não passasse na seleção.

As meninas também disputavam a tapas as posições no segundo escalão de amigas de Mary Sue. A menina construiu uma hierarquia na escola, na qual ela ocupava o topo: era a abelha rainha, a mais cobiçada de todas as meninas de Hogwarts. Logo abaixo, vinham seus braços direito e esquerdo, as duas comparsas, Lilá e Parvati, responsáveis por separar a endeusada Mary Sue daqueles que não fossem dignos de seu esplendor magnífico. Ou seja, separá-la dos nerds, dos bêbados, dos hippies sujos, do gordo melequento e das meninas feias, gordas e ridículas que gostam da Avril Lavigne.

As meninas que não se enquadrassem nessas restrições eram as que ocupavam o segundo escalão de amigas de Mary Sue.

– Ai! Que ótimo! – comemorou uma jovenzinha da Corvinal. – Eu pensei que elas fossem achar que eu não era anoréxica o bastante! Mas elas disseram que eu só estou um pouquinho acima do peso e com um pouquinho só de esforço, eu posso fazer parte até da nata do segundo escalão!

– MEU DEUS! – exclamou Hermione. – Não é possível que vocês não vejam que essa menina é uma fútil!

– Ora, sua despeitada! – retrucou a menina da Corvinal. – Só diz isso porque você é uma nerd com um cabelo indomável! Agora, com licença, que eu tenho de ir ao banheiro vomitar o meu almoço para ficar magra!

A menina sumiu pelo corredor, batendo pé. Hermione entrou nas masmorras onde tinham aulas de Poções e se tacou numa das cadeiras. Rony e Harry chegaram logo em seguida e sentaram nas carteiras atrás de Hermione. Entraram na sala, então, Lilá Brown, Parvati Patil e a monumental Mary Sue.

Mary Sue escolheu a carteira vazia logo ao lado de Hermione para se sentar. A menina fuzilou-a com os olhos e bufou de raiva.

– Algum problema, querida? – perguntou Mary Sue, enquanto jogava os cabelos para o lado, encantando os meninos.

– Não! Nenhum! – Hermione apertou o tinteiro em sua mão com tanta raiva que o partiu ao meio, encharcando a manga da veste e a mesa de tinta negra.

– Oh! Mais que acidente terrível! – lamentou Mary Sue. – Deixe-me ajudá-la!

Mary Sue sacou a varinha e evocou um poderoso feitiço que aprendera na sua antiga escola, no Brasil:

Feitiçus Removedorus de Cagadaes Feitaes por Meninaes Burraes!

Em alguns minutos a tinta evaporou. A turma toda aplaudiu, e Mary Sue retribuiu as palmas com um belo sorriso que fez os meninos suspirarem.

– Tome! Pode usar o meu tinteiro reserva! – disse Mary Sue, passando para a colega um vidro recheado de pigmento rosa.

– Sua tinta é rosa? – perguntou Hermione, ainda irritada.

– É para combinar com a minha pena e a minha coruja!

Mary Sue sacou da bolsa um gigantesco penacho espalhafatoso carmesim e uma pequena coruja rosa shocking.

– Como você arrumou uma coruja cor-de-rosa? – perguntou Hermione boquiaberta.

– Ora, ela era branca e eu fiz um feitiço para deixá-la assim! Coisa simples! Acho que até mesmo você conseguiria fazer!

– Como assim até mesmo você? Está me chamando de burra?

– Na verdade, eu estava mais inclinada para incompetente, mas se a carapuça serve...

Hermione ia responder, mas Snape entrou na sala, capa esvoaçante como sempre, e anunciou com um sorriso sádico:

– PROVA SURPRESA!

Os alunos protestaram, irritados:

– De novo? É a terceira só essa semana!

– Calem a boca! – esbravejou Snape. – E anotem os ingredientes que eu vou ditar.

Enquanto Snape falava, Hermione olhou com o canto do olho para Mary Sue e percebeu que ela estava lixando as unhas.

– Que menina maluca! – pensou. – Acho que ela não conhece o Snape! Vai dar um gritão na cara dela, dar-lhe uma bordoada na cabeça com o caldeirão e ainda vai dizer que seu pai nasceu careca e sua mãe nasceu pelada!

– Professor! – Draco levantou a mão. – Posso saber que poção é essa?

– É a poção Tomahawk, Malfoy. A poção mais difícil do mundo.

– A MAIS DIFÍCIL DO MUNDO? – a turma perguntou em coro.

– Mas é claro! – respondeu Snape. – Eu quero ferrar com todos vocês! Esperavam que eu pedisse a mais fácil?

Snape andou por entre as carteiras e falou:

– E mesmo que eu pedisse a poção mais fácil do mundo, é provável que o Longbottom ainda fizesse tudo errado! – e depois virou para Neville e falou. – Pare de mastigar isso, seu idiota! Isso é perna de cabra velha! Depois vai cair no chão estrebuchando, vai ter uma entorse e não vai saber o porquê!

Snape virou uma pirueta que fez a capa girar tanto que acertou a cara de Rony. Falou então:

– COMECEM! Vocês têm cinco segundos!

Hermione começou a picar folhas, misturar pós e sovar papas como uma desesperada, enquanto Snape contava os segundos.

– CINCO!

Hermione mexia o caldeirão com a mão esquerda, enquanto ia adicionando os ingredientes com a mão direita, amassava uns pedaços de cascalho com os cotovelos, mastigava um apanhado de ervas silvestres e ainda aproveitou que os pés estavam livres para subir numa bicicleta ergométrica e pedalar para perder uns quilinhos.

– QUATRO!

Harry e Rony estavam tão perdidos que, ao invés de misturar ovo de salamandra malandra com rabo de lagartixa, colocaram ovas de esturjão grandão e sementes de girassol. Hermione, a mil por hora na bicicleta, fazendo tanta coisa ao mesmo tempo que daria até inveja no Hermeto Pascoal, deixou boa parte da classe boquiaberta.

– TRÊS! – Snape não parava de girar como uma bailarina enquanto fazia a contagem, sempre com sua capa rodopiando pelos ares.

– AI, DEUS! – exclamou Hermione. – ACHO QUE NÃO VAI DAR TEMPO!

Enquanto isso, ao seu lado, Mary Sue continuava impassível, rabiscando qualquer coisa no pergaminho com seu penacho grená.

– DOIS, UM, ACABOOOOOOOOOU! – Snape ainda fez questão de invalidar os dois últimos segundos. – ZERO PARA TODOS, EU IMAGINO!

– Espere, Professor! – gritou Hermione. – Eu terminei. Veja!

Hermione deixou a última gota de urina de unicórnio cair na poção dentro do caldeirão. Um bastonete de luz saiu, ribombou pelo ar, atravessou a sala como um cometa, passou dentro da fechadura da porta, deu duas voltas ao redor da escola, voltou à sala de aula atravessando pelo centro da terra, e explodiu no alto do teto, voando brindes para todos.

A turma aplaudiu entusiasticamente; o feitiço fora realizado com exímia perfeição. Hermione sorriu satisfeita. Mary Sue fazia questão de aplaudir de pé, o que deixou nossa querida bruxa-trouxa irritada. Ela preferia que Mary Sue se roesse de inveja.

Snape, contrariado, aproximou-se da menina e falou:

– OK, Granger! Nota nove!

– NOVE? Mas a poção ficou perfeita! Deu tudo certo!

– Tem razão! – os lábios de Snape crisparam. – Nota OITO por ser uma abusada e contestar a decisão do professor!

– Professor! – Mary Sue ergueu a mão.

– Diga, minha cara! – falou Snape, num tom muito mais cordial que o normal.

– Eu não fiz a poção, mas escrevi esse poeminha! Escute!

Mary Sue se levantou da carteira e olhou para a classe com uma expressão divagadora-sonhadora-visionária e falou:

– Sou pequenininha com a perninha grossa! De vestidinho curto papai não gosta!

A turma toda – a exceção de Hermione – explodiu em palmas. Um barulho ensurdecedor se fez ouvir na sala de Poções durante cerca de cinco minutos, durante os quais a expressão de Hermione passou de irritação-implicante para incontrolável-cólera-assassina-psicótica.

– BRAVO! BRAVÍSSIMO! – Snape era um dos mais entusiasmados com a poesia da vaporosa Mary Sue.

– Não acredito nisso! – Hermione estava perplexa.

– NOTA DEZ, MARY SUE! – anunciou Snape.

– Mas isso só pode ser um pesadelo! Só me falta ficar nua, e todos apontarem para mim rindo! – os olhos de Hermione eram uma mistura de impotência com perplexidade.

Findas as palmas, Snape se sentou em sua cadeira e falou:

– Sinto-me honrado de lecionar para tamanha literata. Jamais vi um potencial intelectual tão gigantesco nessa escola desde que eu próprio estudei aqui, anos atrás!

– Séculos atrás, ele quer dizer! – cochichou Rony.

– Depois de tão grande contribuição para a literatura nacional, não me resta outra opção senão terminar a aula agora. Naturalmente, todos os outros estão com zero!

Habitualmente, a turma estaria esbravejando por Snape ser um carrasco e ferrar com a nota de todos, mas hoje era diferente. Estavam todos tão inspirados pelo brilhantismo da produção literária da colega que não puderam deixar o ódio, a ira e o rancor se avolumarem em seus agora puros e inocentes corações. Mary Sue fizera de seus amigos anjos de candura!