Super Drive

Avisos:- Heero Pov , AU, tentativa de humor (como sempre "), Fluflly, Sap, Presença de Baterias, Baixos, Guitarras e todas essas coisas boas

Casais:- futuramente, 1X2, possível 3X4 (mas não vou garantir)

Spoilers:- Nada! Esse fic é spoiler-free.

Disclaimer:- Ontem, eu e Duo fomos a uma loja de guitarras para testar os equipamentos. Nos empolgamos com algumas delas e no final de nosso pequeno show, quebramos nossos instrumentos como autênticos roqueiros que somos. Mas as guitarras não eram nossas, e eram muito caras...$$, tão caras que eu tive que vender meus direitos autorais para poder pagar o estrago ...portanto, por mais que eu tenha me divertido, eu ainda não sou dona dos Garotos Gundam e nem nada relacionado sobre a série. Isso aqui é um trabalho de ficção sem fins lucrativos (infelizmente TT)

Quanto ao fic:- Ok, antes que alguém fique confuso, vamos a umas poucas informações que vem muito a calhar. Isso NÃO é uma songfic. Pronto, isso já ajuda bastante. Quem conhece o meu estilo de escrita sabe que eu utilizo as músicas apenas e tão somente como base para nomes dos fics, e também como meu esqueleto pessoal que pode ou não (como muitos de vocês já puderam notar) ser coerente com o conteúdo do capítulo. Eu sempre uso um parágrafo da música logo no inicio da fic, e esse padrão repete-se aqui. A diferença que ira apresentar-se nesse fic em particular, é que em muitos capítulos letras de OUTRAS músicas irão aparecer no meio da trama. Não se engane, nenhuma dessas será a musica que nomeia o fic. Essas outras musicas são parte IMPORTANTE da trama, razão pela qual eu estarei colocando a tradução delas no pé de página dos respectivos capítulos nos quais elas aparecerem.
Acredito que isso deixe a questão esclarecida.
Em mais uma pequena nota, eu estarei usando a versão traduzida da música "Super Drive" nos trechos que utilizo no início da fic, simplesmente por que eu sei que muito mais gente é capaz de entender inglês, do que japonês (língua original da música). Ufa! " já chega né?
...e é claro que a música "Super Drive" não me pertence TT

Agradecimentos a Lien Li por ser uma beta na velocidade da luz e pelos ótimos comentários

"No, wanna sell your soul
With a tasteful touch of yellow
No, forget smile again
I just want to keep on dancing forever..."

Desde que me conheço por gente faço uso de uma prática simples e eficiente quando sinto a necessidade de não entrar em contato com uma pessoa. Eu simplesmente a ignoro. É fácil, é descomplicado, e acima de tudo, é uma ação que não deixa vestígios, uma vez que o indivíduo ignorado jamais saberá se eu o estou realmente evitando ou se tudo não passa de uma casualidade.

É uma técnica infalível. Algo que sempre dava certo.

Ou assim eu pensava.

De uma forma completamente irritante, nas duas últimas semanas de minha vida, muitas das coisas que eu tinha como certas vinham despedaçando a minha volta. E claro que não era por puro acaso do destino que esse período coincidia exatamente com o número de dias que haviam se passado desde que eu havia conhecido Duo Maxwell.

Duo Maxwell, essa pessoa que eu ignorava com todas as minhas forças e que, mesmo assim, parecia não ser sequer afetada por isso. Ou pelos olhares frios. Ou pelos comentários secos.

Essa pessoa que era inteiramente responsável por eu ter perdido minha técnica secreta de auto preservação, e que, além disso, podia muito bem ser o responsável pela perda gradual de minha paciência.

Depois de nosso primeiro - um tanto tumultuado - encontro, ficou estabelecido que ele tornaria-se o novo vocalista da "Wings", e o fato de eu ser o responsável pelo segundo vocal, fez com que eu percebesse que tinha acabado de receber em meus ombros todo o peso de uma sina da qual eu não poderia escapar. Eu teria de conviver com ele.

Mas por alguma razão desconhecida, minha mente tentou livrar-se disso da maneira que ela sabia melhor. E eu pensei que talvez aquilo funcionasse. Não demorou muito para que eu notasse que seria um esforço inútil.

Em menos de dois meses estaríamos entrando em estúdio para gravar o primeiro single que seria lançado. A primeira música é de importância vital, uma vez que ela serve como um cartão de visitas da banda, e é responsável por passar a nossa primeira impressão ao público. Logicamente, as demais canções do disco eram igualmente importantes, mas a primeira a ser lançada era cercada de cuidados e considerações.

E nós não tínhamos sequer a letra dela.

Zechs, o antigo vocalista, além de possuir uma voz das mais belas de que já se teve notícia, era um letrista excepcional. Porém, uma vez fora da banda, obviamente, suas composições foram levadas junto. Agora, nós nos víamos numa situação bastante desagradável, pelo menos aos meus olhos: teríamos de confiar em Duo, não somente para assumir o vocal da banda, mas também, as letras das músicas.

Parte das melodias podia ficar ou não em sua responsabilidade também, mas eu preferia pensar que ele não seria capaz de assumir mais esta tarefa. A mera noção de ter essa pessoa como parte tão importante da banda não me agradava nem um pouco, e no momento, a idéia de ser jogado nu em um banheira com gelo até a boca me parecia infinitamente mais agradável do que isso.

Mas eu não podia fazer nada. A não ser ignorá-lo com todas as minhas forças.

Ou assim eu pensava.

Na semana seguinte a adesão de Duo a banda, ele começou a vir aos ensaios apenas para nos assistir. Costumávamos praticar com composições nossas, já que por hora não possuíamos as músicas completas para o disco. Duo simplesmente sentava-se em um dos cantos do estúdio, um caderno em mãos, e ficava anotando coisas incessantemente.

Não tendo recebido qualquer explicação sobre a razão dele estar fazendo aquelas anotações todas, e ao mesmo tempo perturbado pelo fato de que nenhum de meus outros amigos parecia sequer se incomodar com aquela presença intrusa nos observando, no terceiro dia de ensaio, decidi que já tinha suportado o suficiente daquilo.

Aproveitei um dos intervalos, e, usando a desculpa de que ficaria ali mesmo para afinar minha guitarra, aproveitei-me da ausência de todos no estúdio para pegar o caderno de anotações de Duo. Notei com uma grande quantidade de surpresa que tratava-se de um caderno de música, daqueles com partituras em branco nas folhas.

As partituras daquele caderno porém, não estavam em branco. Elas estavam completas com melodias que me eram muito familiares. Extremamente familiares na verdade, considerando que uma boa parte delas eu mesmo havia ajudado a criar. Haviam alguns poucos erros em algumas notas, mas a maior parte das músicas eram idênticas as que estampavam as minhas partituras e a de meus outros amigos de banda. Partituras que já tínhamos de cabeça, de tanto praticar.

Não entendi a razão daquilo. Por que ele estaria copiando as partituras das músicas? Obviamente ele precisaria daquilo se quisesse criar letras em cima das melodias que já existiam, mas isso não justificava o fato de estar fazendo tudo a mão, quando ele poderia muito bem xerocar as cópias já existentes.

Sarcasticamente, comecei a me indagar se talvez esse cara fosse mais estranho do que eu pensava...

Não tive tempo de terminar meus pensamentos nessa direção, pois antes disso fui surpreendido por uma voz que entrou em minha mente sem que eu ordenasse.

'Conseguiu afiná-la?', disse Duo ao entrar na sala, com um pequeno sorriso.

'O quê?', respondi, meu tom irritado entrando em minha voz instintivamente.

'A guitarra', ele respondeu, levantando uma sobrancelha, 'você disse que iria ficar aqui para afiná-la.', ele terminou, aquele rosto exibindo um rastro de divertimento diante da minha confusão momentânea, que não me agradava em nada.

'Hm', respondi, não querendo que aquela conversa se prolongasse e nem tão pouco querendo lhe dar qualquer tipo de satisfação sobre o que estava fazendo. Um segundo mais tarde eu descobri que isso seria um pouco mais difícil, uma vez que eu ainda estava segurando o caderno DELE em minhas mãos.

Quando ele notou o fato, pareceu levemente surpreso, mas a expressão logo se dissipou dando lugar a um novo sorriso, e ele então veio em minha direção. Pegou o caderno de minhas mãos sem dizer uma palavra, e sem que eu o tivesse soltado. Suas mãos tocaram levemente nas minhas no processo, e retirei minha mão como se tivesse levado um choque.

Ele me lançou um olhar suavemente confuso, e inconscientemente senti minha face ficar quente diante daquilo. Mas que diabos?

Virei meu rosto rapidamente, indo em direção a minha guitarra, esperando que ele não tivesse notado aquela pequena reação involuntária e estúpida – para não citar inapropriada e estranha – de meu corpo.

Felizmente, ele pareceu não notar, porque em seguida havia sentado no pequeno sofá que ele vinha ocupando durante nossos ensaios nos últimos três dias, e virou-se para mim novamente com uma pergunta. 'Você viu as partituras? Elas estão corretas?'

Olhei em volta para me certificar de que não havia realmente mais ninguém naquela sala. A presença de uma outra pessoa poderia me livrar da obrigação de dar uma resposta aquela indagação, que nada mais era do que a confirmação de que ele tinha me pego no ato de bisbilhotar seu caderno.

Sem ter qualquer opção que não fosse a de lhe dar um resposta minimamente civilizada, respondi. 'Existem alguns erros nas melodias três e cinco'.

Ele pareceu considerar o que eu lhe disse, e enquanto me virava de costas para ele, voltando a tarefa de fingir que afinava meu instrumento, novamente para não ter que olhar em sua direção, ouvi os sons das páginas do caderno sendo viradas.

De repente, uma questão me veio a mente. Algo que me senti tentado a falar, não apenas porque eu possuía uma curiosidade genuína em saber, mas também porque mostraria Duo exatamente com quem ele estava lidando.

'Por que você simplesmente não xeroca as partituras ao invés de copiá-las? Assim não haveriam os erros', falei em meu tom frio usual quando dirigido a ele. De que adiantava tentar se mostrar esforçado para a banda? Nós não éramos um bando de idiotas, e o fato de que ele estava copiando as melodias na mão ao invés de simplesmente tirar uma cópia delas não mostrava esforço nenhum da parte dele.

Eu não podia ver sua face, e meu cérebro interpretou o simples silêncio, que ele me deu como resposta durante alguns segundos, como minha primeira vitória. E logo em seguida, tive a visão do troféu sendo retirado de minhas mãos pelas palavras que me foram dirigidas.

'Eu não estou copiando as partituras', ele respondeu , e o tom de voz era tão casual, que não pude evitar o movimento quase involuntário de meu corpo virando-se para que eu pudesse olhar a expressão que ele possuía.

Ele estava olhando pra baixo, seu rosto praticamente em branco, e então, sem que eu fizesse qualquer outra pergunta ou som, ele levantou sua cabeça em minha direção, e mais uma vez o sorriso aparecia em seus lábios. Aquele sorriso irritante, típico das pessoas prontas a revelar uma verdade óbvia.

'Eu estou tirando as melodias de ouvido', ele falou simplesmente, o sorriso sumindo enquanto ele voltava seus olhos as folhas do caderno em suas mãos.

Foi a minha vez de ficar alguns segundos em silêncio. O que dizer diante daquilo?

E mais uma vez, sem que eu solicitasse, Duo continuou a responder as questões que voavam em minha mente fora de meu controle.

'Eu...pensei que...', ele falou, hesitante, sem olhar para mim, 'não seria justo simplesmente chegar na banda e impor a vocês qualquer coisa que eu escrevesse. Por isso eu estou aprendendo o estilo de vocês, para só depois começar a compor, a partir do estilo do grupo'

Ele terminou, finalmente levantando o rosto para olhar para mim, um olhar de incerteza em seu rosto. 'Afinal', ele continuou, olhando diretamente em meus olhos, 'agora nós somos um grupo, não?'

Abri minha boca para lhe responder que não. Não éramos um grupo, e nem nunca seríamos. Fui invadido por um sentimento fora do meu controle. Era algo muito semelhante a raiva irracional que sentimos quando somos indiscutivelmente contrariados, e a resposta automática que ameaçava abandonar meus lábios era a reação direta disso.

Até hoje não sei o que deteve as palavras dentro de minha boca, aonde elas morreram. E eu simplesmente continuei olhando para ele, boca semi-aberta para falar, mas completamente em silêncio.

Felizmente, fomos interrompidos nesse exato momento pela voz de Quatre, voltando do intervalo, com o restante de meus companheiros de banda seguindo-o logo atrás.

'E então Duo, como está indo com a tarefa de tirar as músicas?', meu companheiro perguntou alegremente, ao ver que o outro ainda segurava seus caderno em mãos.

Aquilo me chamou atenção para o fato de que ele sabia. Quatre sabia que Duo estivera durante toda aquela semana nos ouvindo e fazendo anotações, e, enquanto eu pensara que ele escrevia sobre o que estava vendo, ele na verdade escrevia o que estava ouvindo.

Se Quatre tinha conhecimento daquilo, e considerando que Trowa e Wufei também não apresentavam qualquer tipo de surpresa diante do fato, tudo o que eu podia concluir era que os dois também estiveram cientes de tudo também. Por que então eu não tinha ficado sabendo daquilo tudo antes?

'Quatre não te contou?', Trowa falou, interrompendo meus pensamentos.

Se tivesse sido qualquer outra pessoa a me fazer tal pergunta, eu teria simplesmente ignorado, fazendo com que o indivíduo sentisse-se estúpido ao me perguntar algo que eu nem sequer tinha citado. Mas Trowa me conhecia bem demais, e eu sabia que ele tinha descoberto minha questão interna apenas ao olhar minha expressão diante da situação que acontecia naquele momento a nossa volta.

Respondi sacudindo minha cabeça suavemente, e fazendo meu melhor para parecer indiferente, sabendo que Trowa não engoliria o ato, mas que apesar disso, não me questionaria sobre ele.

'No final da semana passada, Duo marcou uma pequena reunião conosco logo depois do ensaio, lembra?', ele falou, enquanto fazia ajustes microscópicos na afinação de seu baixo.

Respondi com um aceno da cabeça. Eu me lembrava. Me lembrava também de voluntariamente não ter aparecido na tal reunião, tendo inventado uma conveniente dor de cabeça que fez com que eu fosse diretamente para a casa naquele dia.

'Naquele dia', ele continuou, 'Duo nos contou que queria aprender mais sobre nossas melodias, e que para isso ele queria poder tirá-las de ouvido. Ele pediu para comparecer aos ensaios e nós concordamos. Pensamos que você não se importaria...', ele terminou, olhando então para mim.

'Hmp', respondi, novamente tentando parecer indiferente diante do fato.

Trowa pareceu satisfeito com a resposta, e tomamos novamente as posições para que o ensaio continuasse. Quatre e Duo ainda conversavam alegremente com as partituras em mãos, Quatre parecendo muito satisfeito com o que via, enquanto Duo apenas observava suas reações e ambos riam sobre alguma piada que compartilhavam.

Observei a cena com as sobrancelhas cerradas, e fui surpreendido por Duo, que ao notar a direção de meu olhar, me lançou um sorriso. Senti o calor inconsciente tentar voltar a minha face, e, na tentativa de ignorar mais aquela reação não solicitada de meu corpo, dei a primeira nota na guitarra, indicando sem palavras que tinha toda a intenção de voltar ao ensaio.

Meus companheiros voltaram a seus postos e Duo a seu caderno.

Durante o resto daquela semana eu continuei a ignorá-lo da melhor maneira que sabia como.

A semana seguinte provou que essa tarefa seria praticamente impossível.

Um outro pedido havia sido feito por Maxwell naquela maldita reunião, da qual agora eu me arrependia imensamente de não ter participado. Um pedido que Trowa falhou em me contar.

A observação de Duo seria feita em duas fases. A primeira delas consistia em tentar tirar as nossas melodias de ouvido, tarefa essa que ele havia cumprido em uma semana. A segunda fase seria algo mais profundo.

Ele havia se proposto a passar um dia de ensaios ao lado de cada um de nós, para poder ver exatamente qual era o nosso estilo, técnica, e particularidades quanto a nossos instrumentos.

Tudo isso me dizia que ele realmente tinha pretensões de não só escrever as letras da banda, mas também as melodias. E isso me irritava.

O fato de que meus amigos não se incomodavam com aquilo também era estranhamente perturbador . Seria eu o único, daquele grupo, a alimentar um certo orgulho quanto ao que tínhamos feito até agora? Por que eles insistiam em ter fé nas capacidades daquele estranho?

Logicamente eu não podia dizer isso a eles. Eu acreditava piamente no julgamento de meus melhores amigos, e tinha conhecimento que eles sabiam, tão bem quanto eu, o que era melhor para todos da banda. Tudo o que podia esperar era que aquele surto de confiança em Duo fosse passageiro, e que eles logo notassem isso, ou que....talvez...eles estivessem certos.

Mas essa era uma possibilidade muito remota.

Dessa forma, na semana que se seguiu, Duo passou cada um dos dias literalmente ao lado de um dos membros da banda.

Na segunda-feira ele havia ficado ao lado de Quatre no teclado, e, além de observá-lo durante todo o ensaio, no final deste, eles ficaram por muito tempo conversando entre si a respeito do que eles haviam feito naquele dia. Não sei exatamente por quanto tempo eles ficaram conversando, mas sei que foi um tempo considerável, uma vez que quando eu abandonara o estúdio – e em geral sou sempre o último a me retirar – eles ainda estavam lá.

Ignorei a vontade quase arrebatadora que me ocorreu de tirar Quatre de lá o mais rápido possível, ponderando que seria realmente ridículo de minha parte fazer uma coisa como aquela.

No segundo dia, ele sentou-se ao lado de Wufei na bateria.

Passamos tranqüilamente pelas três horas de ensaio, e logo depois disso, Quatre, Trowa e eu tivemos de abandonar o estúdio mais cedo, para atender a uma reunião de alunos e mestres no conservatório.

Dirigi-me ao vestiário, e antes de ir embora, ouvi partindo do estúdio um grito agudo de Wufei.

'Maxwell!!!', ele gritou, e ouvindo aquilo, dirigi-me imediatamente a pequena janela de vidro da sala de ensaios, observando o lado de dentro para verificar se havia acontecido alguma coisa que justificasse aquela explosão anormal de meu amigo.

Tudo que meus olhos encontraram dentro do estúdio foi a figura de Duo, sentado a bateria, par de baquetas em mãos, e rindo como se tivesse ouvido a piada mais engraçada de todos os tempos. Ao seu lado estava Wufei, um sorriso brincando em seus lábios ao mesmo tempo em que as sobrancelhas cerravam-se tentando passar algum aspecto de desaprovação.

Fui embora irritado antes de presenciar o restante da cena.

No dia seguinte, foi a vez de Trowa e, não pude deixar de notar que Duo – apesar de todos os apesares – não era um idiota qualquer. Enquanto sua observação para com os outros dois havia sido uma coisa extremamente pessoal, com Trowa, ele pareceu manter sua distância.

Um movimento sábio de sua parte, uma vez que Trowa jamais permitiria uma dissecação completamente intrusa de sua técnica.

Mesmo isso, me incomodava. Afinal, em pouco tempo, ele havia descoberto como se aproximar de cada um de nós, e aquilo tudo, para mim, era obviamente um ato. Uma encenação muito bem planejada daquela cabeça trançada para que não nos opuséssemos as idéias que viriam mais tarde.

Mas ele não me enganaria, não a mim.

E , contando com isso, no dia seguinte, o dia que seria obviamente destinado a minha observação, eu "acidentalmente" cheguei com quatro horas de atraso ao ensaio. Logicamente eu sabia que aquilo irritaria meus companheiros de banda, mas um pequeno atrito certamente era algo mais fácil de se lidar do que a presença de Duo ao meu lado, julgando aquilo que eu sabia fazer de melhor.

Quando cheguei no estúdio aquela tarde, para minha surpresa, encontrei apenas as figuras de Trowa e Wufei.

Depois de seus questionamentos sobre meu atraso, perguntas das quais me esquivei dando uma reunião inesperada no conservatório e um ônibus com o pneu furado como desculpa, fiquei sabendo que Duo e Quatre haviam saído juntos, tendo chegado a conclusão de que, sem a minha presença, os ensaios do dia tinham sido cancelados.

A idéia de que meu amigo estava saindo com Duo fora dos limites do estúdio, não me agradava nem um pouco, mas o alivio de ter escapado de minha "sessão" daquele dia, preveniu que minha mente engajasse-se muito mais naquele assunto.

Isso obviamente durou muito pouco.

No dia seguinte a meu atraso, Duo não apareceu no horário combinado para o ensaio, e aquilo me pareceu uma benção dos céus. Essa sensação também durou muito pouco, porque menos de duas horas depois ele apareceu, junto a Treize, um sorriso que ia de um lado ao outro no rosto quase rachando sua face ao meio, e algumas folhas de papel em mãos.

'Nossa canção está pronta!', ele proclamou ao entrar na sala, sacudindo uma das folhas alegremente em uma das mãos.

Paramos de tocar diante da exclamação e os outros rapazes foram na direção dele, querendo saber mais informações sobre a nova melodia e sua letra.

Fiquei imóvel em meu lugar, não querendo participar da comoção diante daquilo.

Duo, como sempre ignorando minhas tentativas praticamente óbvias de não ter qualquer tipo de contato com ele, veio até mim e estendeu uma das cópias da nova canção em minha direção.

Eu retirei o papel bruscamente de suas mãos, sem sequer olhar para sua face antes de colocar a partitura a minha frente e examinar as notas da nova melodia. Notei quase que imediatamente que a primeira parte da canção era um semi-solo de guitarra, alterado de uma de nossas músicas, e não pude evitar a expressão de surpresa que certamente veio a meu rosto.

'Eu gosto muito da sua técnica Heero', ele falou, fazendo com que eu quase desse um pulo de surpresa ao perceber que ele não havia se retirado de perto de mim.

'E como não pude estudá-la mais profundamente', ele continuou, olhando para a partitura em suas mãos em um gesto que notei que visava obviamente evitar meu olhar, 'tirei o melhor proveito do que tinha em mãos.'

Ele então finalmente levantou seu rosto em minha direção, e disse, 'Eu espero que um dia possamos trabalhar em uma dessas juntos'

E ao dizer isso ele deixou seu lugar, dirigindo-se novamente para perto de meus outros companheiros de grupo, que o receberam com congratulações pela canção e sorrisos, enquanto eu ficava de longe, observando a cena e mais uma vez com a boca semi-aberta, na iminência de frases que se recusavam a deixar minha mente para serem vocalizadas.

Eu queria dizer que eu nunca tocaria ou comporia com ele, que eu nem sequer entendia o porquê dele querer se aproximar de uma pessoa que só o tratava com desprezo.

Desprezo injustificado.

A descoberta de uma ponta de remorso diante do que eu vinha fazendo nos últimos dias, fez com que eu me voltasse para a partitura em mãos, tentando me esquecer de todas as dúvidas que giravam em minha cabeça naquele momento.

Passamos o restante daquela tarde ensaiando a nova canção, e Duo acompanhou essa primeira parte do processo cuidadosamente dando dicas periódicas a respeito da elevação de certas notas para cada um de nós.

Depois de algumas horas de ensaios, Treize – que havia ausentado-se durante nosso tempo de prática - reapareceu, imediatamente entrando na sala para abraçar Duo e parabenizá-lo pela composição e em seguida parabenizando cada um individualmente pelo trabalho bem feito.

Naquele início de noite, fomos levados até um estúdio diferente aonde finalmente veríamos Duo cantar pela primeira vez. Treize tinha gravado nosso ensaio e, utilizando essa gravação, o que presenciaríamos hoje era um teste da junção da melodia com a voz.

Fomos colocados em uma sala com grandes fones de ouvido para cada um de nós, com vista para um outro pequeno cômodo com um microfone ao centro. Pouco tempo depois de termos colocando os fones em nossas orelhas, Duo entrou na sala que observávamos. Ele também usava um fone de ouvido.

Treize fez alguns sinais para o operador da mesa de som, e segundos depois ouvimos a música entrar em nossas mentes através do fones.

A canção era realmente muito boa, rápida e cativante, mas o efeito que esta possuía sobre o ouvinte mudava completamente uma vez que o vocal se tornasse presente.

Tive um momento assustador no qual cheguei a uma conclusão inesperada.

Pensei que, partindo da premissa de que todas as pessoas possuem pelo menos uma única qualidade que lhes torna útil de alguma forma, essa mais do que certamente era a qualidade que tornava Duo algo aproveitável no mundo dos vivos. Sua voz.

A voz dele é algo que não se pode descrever em palavras, pelo menos não sem que novas palavras sejam inventadas. Palavras que contenham em si o significado do surgimento de um raio de sol depois da chuva, de um pedaço azul no meio do céu de um dia cinza, de uma flor nascendo no meio do deserto.

Todas essas conotações surgiram em minha mente no primeiro momento em que ouvi Duo cantar, ao mesmo tempo em que todos os meus sentidos pareceram perder intensidade, dando aos ouvidos a chance de usar todo o seu poder naquele instante em que eles sentiam-se abençoados por sua capacidade única.

Quando a música terminou, todas as pessoas da sala pareciam estar frenéticas, como que consumidas pelo o que havíamos acabado de presenciar. Treize dava instruções ao operador da mesa de som com uma voz orgulhosa, Quatre tinha um sorriso brilhante em seu rosto, Trowa exibia um olhar raro de aprovação e um pequeno sorriso, e Wufei fez um sinal amplo de positivo com as mãos na direção de Duo. Sinal que ele respondeu alegremente, em seguida retirando seus fones de ouvido e retirando-se da sala a qual tínhamos vista, saindo de nosso campo de visão.

Um segundo depois, Duo estava dentro de nossa sala, sendo recepcionado com apertos de mão de meus companheiros e um longo abraço de Treize.

Mantive-me um pouco distante de tudo aquilo, não querendo dar o braço a torcer diante da perfeição do que havíamos acabado de criar.

Retirei meus fones de ouvido, e notei que Quatre parecia estar tendo alguma dificuldade em retirar os seus, uma expressão leve de dor invadindo seu rosto quando um dos lados do fone enroscou em seu cabelo.

Para minha surpresa, Duo imediatamente ajudou-o com aquela tarefa tão simples, retirando com cuidado a haste da cabeça de meu amigo. Em seguida, ele piscou para ele e dizendo, 'Hey, você tem que tomar cuidado com a orelha. Está cicatrizando ainda.'

Foi quando eu notei um objeto estranho em Quatre. Algo novo que não havia estado ali antes da última vez que eu o vira.

E Wufei provavelmente foi o segundo a notar, porque antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ouvi sua voz dizer. ' Você esta usando brinco???'

'Sim!', Quatre respondeu, rindo na direção de Duo e parecendo estar se divertindo com a surpresa de nosso amigo, ' Ontem , depois que Heero não apareceu, eu falei para Duo sobre minha vontade de fazer um desses e ele me levou a um amigo dele, que fez o furo pra mim. Não ficou legal?', ele terminou, sorrindo, e colocando suas mexas loiras atrás da orelha, para que pudéssemos ver com mais clareza a argola dourada que adornava seu lóbulo.

'Deixa eu ver isso!', Wufei falou, aproximando-se e cutucando a orelha de Quatre para provocá-lo.

Eu permaneci a distância, observando Trowa em busca de sinais de desaprovação diante daquela atitude que obviamente não era típica de Quatre.

Porém, tudo que encontrei em sua face foi um brilho quase estranho em seus olhos, estes, parecendo levemente fascinados ao encontrar o olhar contente de nosso companheiro loiro, que agora havia aproximado-se dele para lhe mostrar sua jóia com mais detalhes.

Me vi repentinamente no meio de um labirinto sem saída. Meus amigos haviam recebido Duo de braços abertos, e a capacidade que o novo vocalista tinha era indiscutível. Eu porém, não conseguia tirar de minha cabeça a idéia de que ele seria o responsável por tirar de mim tudo o que eu tinha construído até agora.

Minha banda, que seria completamente mudada com suas idéias. Meus amigos, que seriam completamente mudados por sua influência. Meu sonho, que seria completamente atrapalhado pela simples presença dele...de alguma forma.

Aquilo tudo era mais do que eu podia ou queria agüentar, e, sem dizer uma palavra, me retirei da sala rapidamente, andando pelo corredor com toda a intenção de pegar minha blusa no vestiário e partir daquele lugar o mais rápido o possível.

Antes que eu chegasse a meu destino porém, fui detido por uma mão forte segurando-me pelo braço.

Estarrecido diante da ação inesperada, voltei-me para olhar quem se atrevia a me interromper, e dei de cara com o rosto de Duo, uma expressão irritada em sua face. Isso era algo que eu jamais tinha imaginado ver, e que, agora que estava a minha frente, fazia com que uma expressão igualmente irritada involuntariamente aparecesse em meu próprio rosto.

Puxei meu braço com força tentando livrar-me daquilo sem ter que dizer uma palavra sequer, meu cérebro, ainda amarrado a idéia de que mesmo numa situação como aquela eu poderia ignorá-lo de alguma forma.

Mas o braço de Duo não permitiu que eu me soltasse, e antes que eu pudesse insistir na tentativa, fui jogado bruscamente contra a parede do corredor, vendo-me mais do que repentinamente com uma mão no meio de meu peito, e face a face com olhos violetas que brilhavam quase com fúria.

'O que você pensa que está fazendo?', falei, meu tom avisando que caso ele não me soltasse, seria pior para ele.

'Eu é que pergunto, Heero. O que VOCÊ pensa que está fazendo?', ele respondeu, me batendo novamente contra a parede, enfatizando suas palavras.

Fiquei sem saber o que responder, surpreendido por aquela demonstração de que talvez eu tivesse levado meu incômodo com a presença de Duo um passo longe demais.

'Tudo o que eu quero é fazer parte dessa banda. Me unir a vocês, estar entre vocês e dar todo o apoio e colaboração que eu puder. Eu estou tentando meu melhor aqui para fazer minha parte, mas isso é realmente difícil de levar adiante com você se colocando no meu caminho', ele falou, tom de voz subindo gradualmente.

Tomado pela raiva, me sacudi de forma selvagem, finalmente conseguindo me livrar do punho de Duo e rapidamente colocando-o na situação em que eu estivera a poucos segundos atrás.

Agora eu tinha ele preso a parede com minhas mãos. 'EU estou no seu caminho? Foi você que entrou nos meus planos, sem ser convidado.'

'Eu sinto muito', ele respondeu, olhos fechados e os lábios cerrados em indicação clara de ódio reprimido.

'Eu sei muito bem que não fazia parte dos seus planos, e nem dos planos dos outros rapazes', ele continuou, olhos agora abertos, focalizados no chão, 'E é por isso que estou me esforçando, não para estragar o sonho de vocês, mas sim, para ajudá-los a alcançar isso. Isto é, se vocês permitirem'

A sinceridade na voz dele fez com que eu instintivamente suavizasse a posição de meus braços, e eu o soltei.

'Eu não estou pedindo para que você goste de mim', ele falou, olhos agora fixos nos meus, com uma intensidade que me dizia que aquilo não se tratava de um ato, e nem nunca havia sido assim. 'Tudo o que eu quero é que possamos trabalhar juntos. Nós dois queremos a mesma coisa aqui, e não sei quanto a você, mas eu estou disposto a enfrentar o que for para chegar onde eu quero'.

Eu o olhei criticamente, como que para me certificar de que tudo aquilo não passava de uma farsa, e ele terminou, 'Posso até enfrentar o seu desprezo. Só não posso trabalhar com alguém que não me dê um mínimo de colaboração.'

As palavras de Duo foram as responsáveis por me fazer enxergar naquele momento, o quão estúpido eu havia sido em meu julgamento. Claro, ele não era uma pessoa que eu adoraria ou admiraria tão cedo, mas eu também não tinha o direito de culpá-lo por todas as minhas inseguranças e preocupações quanto ao futuro daquela banda.

Eu não havia sido justo com ele, e eu sabia disso.

Me afastei dele, em seguida olhando em seus olhos. Repentinamente, tomei uma decisão e estendi minha mão em sua direção.

Ele observou o gesto, parecendo genuinamente surpreso com minha reação e em seguida colocou uma questão em seu olhar, que por incrível que pareça, eu fui capaz de ler com facilidade.

'Eu posso trabalhar com você, colaborar com você, contanto que você possa me garantir que o que você quer para essa banda é o mesmo que eu.', falei.

'Eu posso.', ele respondeu após pensar durante alguns segundos. Em seguida ele apertou minha mão, e olhamo-nos longamente.

Naquele momento Duo e eu selamos um pacto silencioso.

A promessa de que, dali por diante, nos esforçaríamos o máximo que pudéssemos para alcançar nossos sonhos. A partir de agora agiríamos cada um por si, mas de certa forma, estaríamos também juntos.

Talvez não fosse tão ruim.


Fim do Capítulo 2

Nyay xX, escrever esse capítulo foi um pouco mais difícil do que eu pensei que seria...mas hey, ele esta aí e eu gosto dele mesmo assim =.