Interlude – Cena IV – Família
"Sunday is gloomy, the hours are slumberless
Dearest of shadows I live with are numberless
Little white flowers will never awaken you
Not where the dark coach of sorrow has taken you
Angels have no thought of ever returning you
Would they be angry if I thought of joining you?"
– Sinead O'Connor, "Gloomy Sunday"
Leahnny notara que o pai estava cada vez mais calado e pensativo. Harry até tentava reagir na presença da filha, mas ela era esperta o suficiente para notar o mal que a separação fizera. Procurou conversar com ele algumas vezes, contudo, Harry evitava falar sobre Hermione com a filha, talvez por achar que Leahnny não queria realmente ou talvez por ter conhecimento da dificuldade da conversa.
Entretanto, em certas ocasiões, tornava-se impossível não tocar no assunto, como quando a garotinha – ansiosa para finalmente ir à escola – perguntou se a mãe estaria presente quando Harry fosse levá-la.
– Ela... a sua mãe...
– Eu quero que ela vá com a gente, papai.
– Eu sei, querida – ele respondeu, sentando-se no sofá e pegando a filha no colo.
– A mamãe não vem buscar as coisas dela, papai? Onde ela 'tá morando?
– Com a professora McGonagall, Leah – respondeu Harry, pacientemente.
– Posso visitá-la?
– Hum... pode – ele consentiu, embora sem muita segurança.
– Quando?
– Eu não sei, querida, eu pergunto ao Lupin, 'tá bem?
– Por que você não fala com ela, papai?
– Acho que sua mãe não vai querer falar comigo...
– Nunca mais, papai?
– Eu não sei, querida.
– Eu posso falar com ela? Você não vai ficar zangado comigo?
– Não, é claro que não vou ficar, filha – ele respondeu, a última coisa que queria era que a filha se sentisse culpada por causa da briga.
Harry respondia às perguntas com paciência, embora passasse o tempo todo desejando que suas explicações fossem suficientes e que a filha não fizesse uma nova indagação.
Quando faltavam apenas três dias para o início das aulas, a garotinha foi acometida por um grave resfriado. Foi naquele dia chuvoso que as dúvidas de Leahnny foram substituídas pelas incertezas de Harry. Claro que ele já cuidara da filha inúmeras vezes quando essa tinha uma simples tosse ou um pouco de febre, isso não deveria ser realmente um problema agora. A questão era se ele deveria contatar ela ou simplesmente pedir que Lupin avisasse o que se passava.
Passara parte da noite banhando a testa de Leahnny com compressas de água fria, esperando que a febre cedesse um pouco. Podia ver o peito da garotinha subindo e descendo em um movimento continuado, ainda ocasionalmente ele fosse fortemente sacudido pela tosse. Ao terminar, deixou o pano gelado sobre a cabeça da filha e levantou-se para escrever um rápido bilhete a Lupin.
O barulho da fechadura sendo aberta distraiu Harry e trouxe sua mente de volta à realidade do apartamento. Já era de manhã, mas as cortinas eram mantidas fechadas para que o sol – que decidira finalmente aparecer – não incomodasse o sono da filha. Ele ainda estava sentado à beira da cama de Leahnny, segurando a mãozinha dela, tentando confortá-la. Não se deu ao trabalho de levantar-se para ver quem era; apenas três pessoas tinham cópias da chave do apartamento... ele, Lupin – que deveria estar entrando – e Hermione, a quem ainda não contara nada.
Entretanto, quem entrou pela porta já aberta do quarto não foi o homem de cabelos já grisalhos que Harry aguardava; ao contrário, Hermione viera visitar a filha e – provavelmente – buscar seus pertences.
Hermione encostou-se na beirada da cama de Leahnny e curvou-se sobre a filha, para beijar-lhe a face. Então, adquirindo novamente postura ereta, voltou-se para Harry e murmurou um cumprimento.
– Oi, Mione – respondeu ele.
Harry esperava que, ao vê-la novamente, a encontraria acabada ou deprimida, mas nem se importou em observar isso naquele momento, sua atenção estava totalmente voltada à garotinha deitada.
– Ela está dormindo há tempo? – ela continuou com a voz baixa, evitando acordar a filha.
– Um pouco, acho que desde as três da manhã, por aí. Lupin lhe avisou?
– Foi. Ele está viajando, disse que estará livre amanhã à noitinha, mas se precisarmos, devemos chamá-lo.
– Certo. Hermione... já tomou café-da-manhã? Eu posso preparar alguma coisa enquanto você fica com a Leah...
– Você pode ficar aqui, se quiser, eu não me importo...
Mas Harry não ficou. Saiu do quarto para comer alguma coisa e aproveitou para dar mais privacidade àquela que ainda era sua esposa, ou pelo menos ele esperava que fosse.
Mais tarde, ele voltou para ver a filha, mas ficou encostado no batente da porta, sem entrar, somente observando a garotinha que ainda dormia. Hermione estava sentada na cama e colocara a cabeça da filha sobre seu colo. Assim que vira Harry, ela informara que a febre da filha baixara e que, depois disso, Leahnny dormira tranqüilamente.
Aos poucos, a garotinha foi recobrando a consciência. Ela abriu os olhinhos, encontrou o rosto da mãe, debruçado sobre o seu, ainda que não o visse realmente. Estava confusa e a primeira coisa que fez foi chamar pelo pai, ainda com a voz sonolenta e debilitada.
– O que foi, querida? – ele perguntou, aproximando-se no mesmo momento e ajoelhando-se ao lado da cama.
– Papai... – Leahnny virou um pouco a cabecinha, ainda sem notar realmente que Harry estava ali.
– Estou aqui, querida, não se preocupe – assegurou Harry à filha, enquanto Hermione os observava e mexia no cabelo da filha.
– O que está acontecendo, papai? Quem está aqui?
– É a mamãe – respondeu Hermione –, sua mãe está aqui, Leah.
– A mamãe voltou? – a garotinha levantou o olhar para Hermione.
– Sim, voltei, querida. Vou cuidar de você, está bem?
– Papai... – Leahnny continuou falando, enquanto respirava pela boca – papai, estou com frio...
– Eu sei, querida, mas não posso colocar mais cobertas... só tente dormir de novo, está bem? Você vai ficar boa.
E de fato, o que Harry previra, aconteceu. Depois que Hermione passou os dois dias seguintes cuidando da filha, Leahnny apresentou uma melhora significante. Já no terceiro dia, ela saíra da cama e, ao achar que sua ajuda não era mais necessária, Hermione decidiu preparar-se para partir.
– Harry, eu vou... pegar minhas coisas... – ela começou, com a voz o mais gentil possível, ao entrar no quarto e encontrar o marido.
– Sei... – ele murmurou e baixou os olhos imediatamente.
– Posso?
– São suas coisas – Harry deu os ombros.
– Certo. É que eu... vou precisar de um tempo e...
– Quer que eu saia?
– Se você não se incomodar...
– Eu me incomodo, sim.
– Ótimo, fique então – Hermione respondeu, cortando qualquer gentileza que ainda pudesse haver em seu tom.
Harry não queria, de forma alguma, ir embora, não agora que a esposa viera para casa. Tão pouco queria incomodá-la, esperava que, se não o fizesse, surgisse uma remota possibilidade para que Hermione ficasse.
Depois que as malas estavam prontas, Hermione foi ao quarto da filha para conversar com ela mais um pouco antes de ir embora. Aproveitou para matar as saudades e responder às perguntas que a garotinha insistia em fazer, já que nos dias anteriores as duas não puderam conversar muito.
Aparentemente, Leahnny gostara de ocupar-se defendendo o pai. Ela passou um bom tempo contando o quanto Harry estava sofrendo, o quanto o pai ficara abalado com os acontecimentos...
Hermione sentiu raiva dele, da situação, de ter deixado a filha ali para ela visse apenas o sofrimento do pai e ficasse julgando-na culpada pela separação. Sentiu raiva pela filha não ter visto que ela ficara abalada a ponto de estragar o resultado de seis meses de trabalho, sentiu raiva por Leahnny não ter visto que ela mal dormira naqueles dias que passara longe de casa, que ela não conseguira trocar mais de duas frases com Minerva sobre a separação, sem começar a chorar ou perder o controle.
Poucos segundos depois, começou a pensar se não era realmente uma péssima mãe. Onde estava com a cabeça, desejando que Leahnny a visse sofrendo? Não bastava ela ter visto o pai daquele jeito?
Culpou Harry novamente, por não ter se controlado, por ter deixado Leahnny acreditar que ele era o único atingido, quando a separação, na verdade, trazia mais vítimas do que apenas eles dois.
– Filha, a mamãe precisa pegar umas coisas lá no outro quarto... mas eu volto aqui mais tarde para lhe dar um beijo, está bem?
– Você não vai ficar aqui, mamãe? Fique até amanhã...
– Já conversamos sobre isso, Leah.
– Hum... mas você pode ficar no meu quarto de novo... o papai deixa, eu sei que ele não vai ligar...
– Ouça, Leah, seu pai e eu...
– Vocês já ficaram bastante tempo separados...
Hermione mordeu o lábio inferior e não respondeu à filha. No fundo, achava que Leahnny tinha razão... ficara muito tempo brigada com Harry. Contudo, havia uma parte – uma grande parte – de si, que lembrava das cobranças do marido, da última discussão, de tudo de ruim que acontecera entre eles.
"Eu peço para ele deixar você ficar!" Continuou a garotinha, sorrindo. "Eu sei que ele quer que você volta para casa, mamãe." Acrescentou ela, fazendo Hermione lembrar-se do tom que ela própria usava ao responder às perguntas feitas nas aulas de Poções, em Hogwarts.
– Leah, olhe para mim. Eu vou até o outro quarto pegar as minhas coisas, dou um beijo em você e volto amanhã.
– Não seja teimosa, mamãe – respondeu ela, amarrando a cara.
– Hei! Essa frase é minha, garotinha! – respondeu Hermione, fazeno cócegas na filha e a obrigando a sorrir novamente.
Uma leve batida na porta foi sucedida pela entrada de Harry no quarto. Leahnny continuou sorrindo, mas Hermione baixou os olhos imediatamente, passando a respirar um pouco mais rápido que o normal.
– Ahn... Desculpe... Leah, está na hora da janta, querida.
– Estou sem fome, papai. Quero ficar aqui com a mamãe...
– Filha, vá jantar – disse Hermione, ainda achando os próprios pés extremamente interessantes.
– Só se você for junto, mãe.
– Leah, eu preciso...
– Se você quiser jantar com a sua filha, Hermione...
– Não, não se incomode, Harry. Só vou pegar minhas coisas e voltar para...
– O laboratório? – adiantou-se ele.
– Para a casa da Minerva – corrigiu Hermione.
– Ah... bom, se você não estiver ocupada e quiser passar os últimos dias com a Leah antes de ela ir para a escola...
Ela finalmente ergueu os olhos e encarou-o, interrogativa. Harry ainda estava muito nervoso, mas sua expressão estava menos severa do que antes.
– Eu quero sim – Hermione respondeu.
– Então aproveite e jante com ela hoje.
– Harry, eu não quero-
– Atrapalhar? Essa casa também é sua.
– Mas...
– Eu fico no quarto, se você quiser.
– Não! – ela assustou-se com a própria rapidez. – Quer dizer... por que não jantamos nós três?
Harry sorriu. Leahnny levantou-se da cama e saiu correndo do quarto.
– Vou pôr mais um prato na mesa! – gritou ela, da sala.
Hermione levantou-se devagar, estendendo a colcha sobre a cama da filha. Demorou-se o máximo que pôde, evitando os olhos de Harry. Quando a cama estava perfeitamente arrumada, ela esboçou um sorriso e disse:
– Como ela reagiu... quando ficou sabendo?
– Eu acho que você deveria perguntar isso ao Lupin.
– Foi ele que contou?
– Eles conversaram... depois...
– Você... a Leah comentou que você...
– Acho melhor irmos para a cozinha, a janta está esfriando...
– Na verdade, eu estou sem fome.
– Eu também, mas a Leah ficou tão feliz em ouvir que jantaríamos juntos, então...
– Está fazendo isso por ela? – perguntou Hermione, imediatamente.
– Você está? Esqueça. Hermione, eu... fui...
– Precisamos conversar, Harry, mas não agora... com a Leah por perto...
– Eu... não posso esperar até ela ir para a escola, Mione – Harry disse, sua voz carregando o nervosismo que visivelmente dominava ele e Hermione.
– Harry... ela vai notar que estamos demorando e vai voltar daqui a pouco.
– C... Como você está?
– Bem... e, você?
– Eu continuo...
– Não quero que fique assim por minha causa.
– Estou assim por nossa causa. Só que... bem, acho que você não deve saber como é, já que-
– Isso não é uma competição para ver quem sofre mais, amor...
– Amor?
– Harry! – Hermione se corrigiu no mesmo instante.
– Desculpa, Mione – ele pediu, sem dar a nenhum dos dois a certeza se que estava arrependido pelo que dissera ou pela separação.
– Eu estou... eu não... – Hermione apertou os olhos. – Não quero as suas desculpas, fazem eu me sentir mais culpada.
– Sinto muito.
– Você não tem idéia do que foram esses últimos dias para mim...
– Eu sei...
– Não sabe. Você tinha a Leah. Eu perdi os dois.
– Você não nos perdeu, amor.
– Mas é como se tivesse perdido, não vai ser mais a mesma coisa...
– Só se você não quiser... – disse Harry.
– Não deixe a decisão toda sobre os meus ombros.
– Eu já me decidi... onze dias foram suficientes, amor. Eu não agüento mais. Ouça, já sei até como vou passar o tem que você estiver no laboratório...
– E a Leah?
– A Leah vai para a escola... estive conversando com Remo, ele acha que posso conseguir um diploma de equivalência e...
– Har, não adianta voltarmos... eu vou continuar no laboratório e cedo ou tarde brigaremos por isso novamente.
– Você disse três semanas... já se passaram duas...
– Isso foi antes de eu estragar todo o projeto.
– Como assim?
– Eu quebrei na bancada o frasco com a poção que demoramos seis meses para desenvolver.
– Por quê?
– Não pergunte... – Hermione fez um gesto displicente com a mão. – Tivemos de começar tudo de novo.
– Puxa, eu... sinto muito...
– Não sinta, estava dando tudo errado mesmo.
– Eu tenho culpa nisso?
– Tem – ela respondeu sorrindo.
– Ops...
– Vamos jantar? – ela decidiu se levantar e se afastar da cama.
– Você disse que estava sem fome.
– Acabou de voltar. Macarrão?
– Hum-hum – negou ele. – Eu aprimorei meus conhecimentos culinários nesses seis anos, Sra. Potter.
Hermione prendeu a respiração ao ouvir Harry chamá-la desse modo, mas não desfez o sorriso.
– O que é, então?
– Pizza! – anunciou Harry, rindo.
– É... – ela comentou, incerta – eu adoro comida italiana...
