Título: Half of my Heart
Autora: Poly
Beta: Deia
Resumo: Elizabeth Bennet se casou, ainda nova, com um comerciante de Londres. De repente ela se vê viúva e com uma filha pequena, e aquilo que quer para sua vida parece ir contra as expectativas de sua família e da sociedade. Até que ela se encontra cara a cara com Mr. Darcy, o cavalheiro que só conhecia pelas cartas da irmã. E este encontro irá gerar grandes mudanças em sua vida.
Disclaimer: Não detenho nenhum tipo de direito sobre os personagens, a história ou os livros.
N/a: Há algum tempo que não me aventuro a escrever, e com certeza não com Orgulho e Preconceito - essa é minha primeira fic neste fandom. No entanto, essa ideia não me deixou em paz desde que surgiu e tive certeza que eu teria que desenrolá-la. Eu já tenho grande parte dela escrita, então sei que ela não será uma história sem final. Eu realmente estou curtindo o processo de escrevê-la, espero que você goste de lê-la! Reviews fazem autores felizes, por isso não hesite em deixar um comentário :)
Uma observação: Tenho dificuldade em separar o título em inglês dos nomes, como Mr. Darcy e Mrs. Bennet, por isso optei por usá-los dessa forma. Me avise caso isso seja irritante demais.
Capítulo 1 - De volta a Longbourn
Londres, fevereiro de 1812
Elizabeth observou a chuva molhar as ruas de pedra de Londres, dando a tudo um tom melancólico. A sensação combinava com a que a conversa que tivera com sua criada lhe deixou. Nancy estava ao seu lado desde que Elizabeth casara e havia se tornado, com o passar do tempo, uma amiga e confidente. Alguns assuntos do passado só seriam possíveis de ser discutidos com ela e aquela conversa precisava ter acontecido. Mas isso não a tornara mais fácil.
Além da conversa com Nancy, outro assunto ocupava seus pensamentos. Ela havia finalmente decidido visitar a família em Longbourn. Era uma viagem há muito adiada, pois sempre havia algo para resolver, o que a impedia de deixar Londres. Ao tentar fazer as contas de quanto tempo fazia desde que estivera na casa da família, Elizabeth percebeu, com um susto, que seu período de luto estava quase no fim. Fazia quase um ano que James falecera e ela se deu conta que pensar na morte dele não mais a deixava triste.
Ela e James não haviam tido um casamento perfeito. Ela era muito nova quando se casaram, e ele tinha o dobro de sua idade. Ele dedicara a maior parte de sua vida ao seu negócio, a fabricação de carroças, e havia conseguido alcançar uma vida confortável graças ao sucesso desse negócio. Ele havia perdido os pais ainda novo e se acostumara a viver sozinho e a tomar decisões sozinho. Com o sucesso da empreitada ele decidira que estava na hora de conseguir um herdeiro que cuidasse do negócio depois que ele morresse – e foi essa a lógica que o fez procurar uma esposa.
Ele e Elizabeth se conheceram em uma festa em que ela estava com os tios, à época que ela havia acabado de ser apresentada à sociedade. James era conhecido de seu tio, e os dois se conheceram. Já tendo ouvido a respeito da sobrinha do Mr. Gardiner, ele se convenceu de que ela seria uma boa escolha e usou de todos os seus artifícios para conquistá-la. Ele sempre gostara muito de poesia e fora isso que fizera a jovem Elizabeth acreditar que um homem que citava versos com tanta paixão seria um ótimo companheiro. Ela acreditava que amava ele, e ele, a seu modo, a amava.
Mas o que se provou com o tempo foi que o relacionamento dos dois carecia, além do amor, de respeito. James aplicava a paixão não só na recitação da poesia, mas em tudo o que fazia – em seu trabalho, o que o fazia passar longas horas longe de casa, em suas ideias e convicções, o que o fazia ter longas discussões com a esposa que nunca levavam a nada. Ele descartava a opinião dela como se fosse tão inferior que não valesse o esforço. Ele reagia com tal explosão a problemas que ela pudesse trazer até ele que ela começou a escondê-los. Preferia resolver qualquer assunto doméstico sem consultá-lo, e era nisso, e só nisso, que conseguia ter certa liberdade.
Era irônico que ele havia morrido e ela agora precisava tomar todas as decisões, inclusive quanto aos negócios. Era irônico que ele se casara unicamente para ter um herdeiro e morrera pouco depois, sem realizar seu intento.
Elizabeth ouviu o bater suave de pés descalços no chão de madeira e se virou para a porta da sala, sorrindo. James não tivera o herdeiro que desejava. Mas a pequena Lucille era tudo que Elizabeth sempre precisara.
-Lucy, eu sei que você está aí.
Alguns segundos de silêncio se passaram e Elizabeth saiu para o corredor, correndo atrás da menina que se dirigia à escada.
-O que você está fazendo acordada? Já devia estar na cama há horas! - disse ela, pegando a menina no colo e lhe fazendo cócegas.
Ela subiu as escadas com a menina nos braços, seu riso ressoando no hall. Quando alcançaram o patamar ela virou à direita, abrindo a porta do quarto iluminado apenas por uma vela. Colocou a menina na cama, e ela levou alguns segundos para recuperar o fôlego.
-Você não leu uma história. - disse a menina, fazendo beiço.
-Está tarde demais para isso, e eu estou cansada. - Elizabeth sabia que, em meio à grande quantidade de coisas que tivera de resolver ultimamente, a filha havia ficado em segundo plano. Mas muito do que fazia era pelo bem da menina. Ela tinha que garantir que as duas teriam sua forma de vida garantida.
-O que aconteceu com Grace?
-Ela saiu depois que eu dormi. Demorou bastante, viu?
-Se você sabe disso não estava realmente dormindo.
-Mas não é justo, mama! Você pode ficar acordada até tarde, conversando por horas, e eu tenho que ficar na minha cama, quietinha.
-Não é justo realmente, porque eu daria tudo para estar na minha cama, quietinha, agora nesse momento. E é por isso que a senhorita vai realmente se esforçar em fechar os olhos e dormir.
A menina se virou para o lado, dando as costas para a mãe. Ela achou que a batalha seria mais longa, mas aparentemente ela também estava cansada. Ela se aproximou, deixando um beijo em sua bochecha.
-Boa noite, Lucy. Tenha bons sonhos.
Ela observou a criança da porta, mas não ouviu resposta. Ela suspirou, cansada, decidida a ir para a cama e não se preocupar. Não se preocupar com a criança, com a estabilidade financeira delas, com o futuro. Ela vinha se preocupando demais ultimamente e isso lhe roubava horas de sono. Não mais. Elas ficariam bem. Ela ficaria bem.
~X~
Elizabeth dobrou a carta da irmã. O que mais a movia para visitar Longbourn era Jane. E agora, lendo sua última carta, ela decidiu que faria o possível para viajar o quanto antes. Jane lhe narrara os acontecimentos dos últimos meses, da chegada de dois homens solteiros à residência antes vazia de Netherfield, o alvoroço que sua mãe e irmãs mais novas fizeram a respeito do fato. Mas Elizabeth também percebeu, à medida que as cartas se seguiam, que a frequência com que Jane mencionava Mr. Bingley aumentava tanto que, ela achava, logo a carta seria basicamente uma descrição de tudo que ele havia feito e falado.
Ela havia aguardado com ansiedade a carta que descrevia o esperado baile de Netherfield e agora Jane lhe dizia que todos os ocupantes da casa haviam ido embora sem maiores explicações. Ela sabia, pelo tom da carta e pela curta nota, que sua irmã estava magoada, mas bravamente escondendo o sentimento. Mesmo na carta anterior, que falava a respeito do casamento de Mary com Mr. Collins (ao qual ela também não havia conseguido comparecer), a alegria de Jane parecia reservada.
E como o casamento em questão havia tomado Elizabeth de surpresa, ainda mais quando ouvira os relatos acerca do noivo. Ainda lhe chateava o fato de que Mary havia aquiescido sem maiores discussões quando o homem, que manifestara o desejo de se casar com Jane, havia facilmente movido o interesse para a próxima filha em idade após a mãe delas lhe dizer que a mais velha estava para ficar noiva. Mary sempre fora alguém difícil de ler, mas Elizabeth desconfiava que a união não era de seu total agrado.
~X~
Deixando inúmeras recomendações para Mrs. Poe, a governanta em Portland Place, Elizabeth conseguiu partir com a filha em uma segunda-feira fria. Lucy, apesar de feliz com a perspectiva de ver as tias e avós, estava um pouco quieta e taciturna, e mesmo com as conversas e brincadeiras de Elizabeth na carruagem, não saiu de sua concha. Ela decidiu deixar a menina estar, sabia bem que quando ela adotava essa postura, era melhor dar-lhe tempo. Olhando a paisagem que passava, Elizabeth pensou a respeito do número de vezes que fizera aquele caminho entre Hertfordshire e Londres ao longo daqueles cinco anos. Não tantas quanto gostaria, no início devido ao marido e, mais tarde, devido às inúmeras questões que tinha que resolver, agora como viúva.
Ela mergulhou em pensamentos que haviam começado a lhe surgir desde que James morrera. O que teria acontecido se não tivesse casado com ele? Estaria ela ainda morando com os pais? Seria mais feliz? Então ela olhou para a pequena Lucy, que caía no sono ao balanço da carruagem, e não imaginou ser possível ser feliz sem ela.
-Elizabeth! A Elizabeth chegou! - gritou Jane, vendo a carruagem se aproximar pela janela da sala.
Um tumulto se seguiu, com membros da família Bennet se aproximando da entrada para receber Elizabeth e Lucy. Abraços e conversas atravessadas se seguiram, e Elizabeth ficou feliz em ver que sua filha havia saído de seu estado taciturno, agora rindo no colo de Jane, que lhe fazia cócegas.
-Eu tenho certeza que Mr. Brooks irá pedir Kitty em casamento. - disse Mrs. Bennet à Elizabeth, à guisa de cumprimento. - Mrs. Thomas nos disse que ouviu na cidade que o boato no regimento é de que ele não consegue parar de pensar nela!
-Que ótimo, mamãe. Como estão todos? Tem falado com Mary? - perguntou Elizabeth, depois de dar um longo abraço no pai.
-Ela está se saindo muito bem em Hunsford. Espero a qualquer momento uma carta dizendo que terei mais um neto. - disse a mulher, apertando as bochechas de Lucy enquanto falava. - Eu realmente espero que, quando ela os tenha, seja mais consciente que você na escolha de um nome.
Elizabeth rolou os olhos. Todas as vezes que encontrava a mãe, essa mencionava que Elizabeth deveria ter optado por nomes tradicionais da família Sheffield, o mínimo que poderia fazer uma vez que tivera uma menina, e não um menino.
Mas sua mãe nunca saberia o que levara Lucy a receber este nome, disso Elizabeth tinha certeza.
~X~
-Lucy, sua avó trouxe ameixas para você. - disse Elizabeth, gritando da porta da casa para a filha, que brincava com os gansos.
A menina sorriu, seu rosto se iluminando e fazendo surgir covinhas nas bochechas. Elizabeth adorava aquele sorriso e não se conteve, a segurando e enchendo de beijos.
-Mamãe, deixa eu ir! As ameixas me esperam!
Elizabeth riu, a liberando.
-Você está fazendo um bom trabalho. - ela se virou, vendo Jane sentada nos degraus. - Não deve ser fácil criá-la sozinha.
-Ela facilita muito, é uma criança incrível. - disse Elizabeth, sentando-se ao lado da irmã. - A mamãe falou algo sobre eu me casar agora que o período de luto está terminando?
-É o novo assunto favorito dela.
-É claro. - disse Elizabeth, rindo - E você, está bem?
Jane olhou para a irmã com uma expressão séria e cansada, sabendo bem que ela se referia a um assunto em específico.
-Lizzy, eu superei. Se o visse de novo, não sentiria nada.
Elizabeth olhou para a irmã, sem acreditar no que ela dizia.
-É sério! E para que saiba, eu realmente considerei o seu convite para passar alguns dias em Londres, mas achei que mamãe precisaria de mim aqui.
-Jane, mamãe não parece estar terrivelmente sentindo a falta de Mary.
Jane não respondeu, concentrando a atenção no pedaço de capim que tinha nas mãos e despedaçava pouco a pouco. Ela sabia muito bem que sua desculpa era fraca.
-Vocês não vão para Norfolk depois?
-Talvez. Estou começando a mudar de ideia. Londres pode ser tão triste no inverno, mas a primavera é inspiradora.
Jane riu.
-O quê?
-Você, falando com tanta propriedade da vida londrina.
-Tem sido meu lar nos últimos anos.
-Você não volta para Norfolk desde que Lucy nasceu?
-Não. - Lembranças demais, pensou Elizabeth, sem coragem de falar em voz alta.
-A propriedade lá parece ser ótima, e é revigorante estar perto do mar... se um dia quiser companhia, terei prazer em acompanhá-la.
-Obrigada, Janie. Achei que este ano eu estaria pronta para a viagem, mas parece que não, afinal. Lucy sempre manifesta a imensa vontade que tem de ir para lá.
-É parte da história dela, apesar dela não se lembrar. Você deveria levá-la.
Elizabeth suspirou, memórias de uma primavera quase cinco anos antes lhe inundando.
-Estive pensando... o que você acha que teria acontecido se eu não tivesse casado com James tão nova?
-Lizzy, você não está afundando em arrependimento de novo, está? Você o amava, e apostou neste amor.
-Nós tínhamos interesses em comum! Eu tinha 16 anos, não sabia o que era amor ou relacionamentos!
-E agora você sabe?
-Acredito saber mais do que sabia então.
-Apenas porque você passou por essa experiência. Lizzy... não ligue para o que a mamãe fala ou deixa de falar. Se você realmente sentir que está pronta para se casar novamente, vá em frente. Se não... ao menos você está em uma posição mais confortável do que eu. Eu sou mais velha do que você e ainda solteira! - Jane disse isso rindo, mas Elizabeth sabia quão bem a irmã conseguia esconder seus sentimentos.
-Isso nunca lhe incomodou antes.
-E não me incomoda. - ela disse com um suspiro e Elizabeth entendeu que aquilo incomodava-a sim, mesmo que ela nunca falasse no assunto.
-Vocês estão seguras em Longbourn, agora que Mary está casada com Collins.
-Não enquanto eles não tiverem um herdeiro.
As duas olharam para o chão, pensativas.
-Não consigo imaginar como é a experiência de dar à luz a uma criança. Talvez nunca saiba.
-Jane...
-Me diga que é extremamente doloroso para eu não me sentir mal em perder a experiência.
Elizabeth desviou os olhos da irmã, o que Jane tomou como estranho.
-A pior dor que já senti. - ela disse simplesmente, a voz falhando no final. Então se levantou rápido, entrando na casa e deixando Jane a mirá-la, imaginando o que dissera de errado.
Mais tarde Elizabeth fechou a porta para não ouvir sua mãe falar quão inadequado era ela dormir com Jane e Lucy na antiga cama que dividira com a irmã. A verdade é que aquelas noites renovavam as suas forças de uma forma que não acontecia com frequência ultimamente. Ela apagou a vela e se deitou, a pequena já adormecida.
Elizabeth sentia falta das noites que passava na cama de James. Os dois podiam ter tido seus desentendimentos, principalmente quando ele tentava limitá-la de fazer as coisas que queria, mas ele havia sido um bom companheiro em muitos aspectos. Ele era um pai carinhoso e se preocupava com o bem-estar dela e da filha. Mas, em algumas noites como aquela, o que ela mais sentia falta era do lado sexual de seu relacionamento.
Durante o dia ela podia se ocupar das tantas questões necessárias para manter as coisas funcionando. Mas à noite, quando ela se deitava na cama sozinha, nada a impedia de lembrar de seu marido. Os olhos castanhos dele brilhavam com malícia quando a via abrir a porta que comunicava ambos os quartos. Era reconfortante saber que, sempre que ela quisesse, ele estava a uma porta de distância.
Eles haviam passado muitas noites em claro, preocupados. Mas também passaram noites maravilhosas. E, ao lembrar disso, ela pensava em considerar a sugestão da mãe de se casar novamente. Mas só de pensar em todo o jogo de cortejo ela tinha preguiça. Sem contar o fato de que ela era uma viúva com uma filha, não era qualquer homem que aceitaria o pacote todo, mesmo considerando os pagamentos anuais que ela recebia em nome da filha. E havia Lord Henry.
Seu falecido marido havia feito seu dinheiro trabalhando e, por isso, não era aceito nos altos círculos da sociedade londrina. O único parente vivo que ainda tinha era Lord Henry, um primo de sua mãe. Lord Henry não tinha o dinheiro que James tinha, sendo o último membro de uma família tradicional, mas falida. No entanto ele ainda detinha o título, e isso sempre o fizera olhar o parente com desprezo.
Quando James morrera Lord Henry estava certo de que receberia algum tipo de benefício – oras, James não deixara herdeiro. No entanto, o marido de Elizabeth não a deixara desamparada. Ele garantira que, mesmo sem herdeiro, ela poderia se beneficiar de um pagamento anual, correspondente a um terço dos lucros que ele originalmente recebia, até que Lucy completasse a maioridade. O resto ia para os sócios dele. Lord Henry, ela sabia, ainda fazia o que podia para encontrar uma forma de garantir que Elizabeth não tivesse direito ao dinheiro.
Ele também tinha extremo interesse na residência em Londres, Portland Place, que havia pertencido à sua família em tempos melhores. A única coisa que ainda a amparava era uma carta do marido, guardada pelo advogado, garantindo que ela recebesse o pagamento e morasse na residência em Londres até que Lucy completasse a maioridade. Se não fosse essa carta, a probabilidade de que Elizabeth tivesse sido obrigada a procurar um casamento era muito maior.
Ela se virou na cama, sentindo o corpo quente da filha contra suas costas e decidindo que aquilo era suficiente em sua vida.
