Notas do Autor
Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.
Capítulo 32 - Não me envie flores, envie narcisos
Eu me senti flutuando enquanto entrava no meio de uma densa neblina. Permiti que a névoa se fechasse ao meu redor, mesmo sabendo que precisava lutar, que deveria me apegar à minha consciência e não me deixar afundar, mas, uma parte de mim, queria continuar flutuando na névoa e deixar a atração para a morte me levar embora. Mas havia algo que me puxava.
Abri os olhos no meio de um suspiro, como se ressurgisse de ser submersa por muito tempo. Minha visão estava embaçada e eu sentia tanta dor que me sentia entorpecida, como se minha consciência estivesse apenas semi-ligada ao meu corpo. Porque eu podia dizer que doía, mas não podia sentir como deveria. E isso me preocupou, essa desconexão.
— Ela está acordada. — Parecia Eddie, mas eu não tinha certeza. — Hermione, você pode me ouvir?
— Sim — Minha voz soou estranha para meus próprios ouvidos. A memória dos meus últimos momentos conscientes me sacudiu e me fez entrar em pânico. Eu não podia me mover ou enxergar e parecia que todos meus músculos estavam tensos. Um terror crescente inchou o meu peito. — Eu não posso sentir… — Qualquer coisa, eu queria completar.
— Hermione, não tente se mover — Parecia Papoula Pomfrey. Sua voz era suave, mas eu conseguia ouvir o estresse no tom dela —, você sofreu um estrunchamento e perdeu muito sangue. Estamos trabalhando para curá-la. — Papoula inalou e ficou quieta. — Eddie não é… — O que a curandeira chefe do Saint Mungus estava prestes a dizer foi abafado. — Hermione, eu preciso que você fique calma.
Como curandeira e inúmeras vezes paciente também, eu sabia que isso é muito mais fácil falar do que fazer. Minha visão começou a clarear, algo que deveria ter feito as coisas melhorarem, mas teve o efeito oposto: conseguir enxergar fez com que as luzes artificiais queimassem ainda mais os meus olhos e uma onda de histeria se arrastou por todos os lados da minha consciência. Cada novo espasmo tornou mais difícil ficar parada. Me forcei a controlar a respiração para assumir o meu próprio corpo e forçá-lo a descer, mas não funcionou.
— Quão... ruim? — Tossi, tentando não engasgar com o nódulo na minha garganta. — A verdade.
Houve uma pausa.
— Mesmo depois da primeira dose de antídoto, o veneno não está facilitando a cura.
Muito ruim. Talvez eu não precisasse saber.
— H-how... Você sabia o veneno?
— Sim, ele nos disse.
Hermione sentiu algo a impedindo de respirar e outro espasmo de dor, difícil dizer onde, mas também ouviu o barulho de um feitiço.
— Perfeito. — Papoula soou momentaneamente aliviada. — Oh, inferno sangrento! Sua frequência cardíaca está muito alta, Hermione! Eu preciso que você se acalme.
— Eu não consigo. — Sussurrei. Respire! Pânico e dor aumentaram constantemente à medida que cada sentido retornava. Minha visão e audição pareciam muito aguçados.
— Graças a Merlin — disse Papoula de repente. — Venha aqui!
Eu tive um momento para questionar antes de sentir algo que não era dor: uma mão na minha. Os olhos verdes quentes e o rosto do meu melhor amigo preencheram meu campo de visão, reconfortantes e familiares. Harry. Ele estava horrível e, no momento seguinte em que nossos olhos se encontraram, eu vi o medo estampado neles.
— Tudo limpo? — Eddie soou rabugento e impaciente. — Eu preciso tirá-la do chão da área de emergência. É seguro?
— Suficiente. Ela está estável. — Pomfrey respondeu.
Eu teria soluçado se pudesse.
— Vai ter que funcionar. Eu vou fazer os preparativos. — Ouvi Eddie levantar, seus sapatos guinchando no chão enquanto ele corria.
— Potter, segure os braços dela quando eu levitá-la. Snape…
Severus. Eu não fazia ideia que ele estava lá e não o vi até que me tiraram do chão. Um rastro de vermelho manchava o queixo dele e havia sangue seco em suas mãos. Outra tosse queimou o meu peito. Ele desviou o olhar.
— Pomfrey, o quê…
— Cale a boca, Snape. Estou ocupada montando-a de novo. Faça Hermione relaxar.
Era impossível quando eu me sentia rasgada por dentro. A proximidade me fez olhar de novo para Harry primeiro, mas o medo nos olhos dele reacendeu minha náusea. Lentamente desviei meu olhar para Severus, mantendo meu foco treinado nele e foi infinitamente mais fácil porque eu não podia lê-lo — não sabia o que ele estava sentindo ou o que estava passando pela cabeça dele. Ele mantinha aquela fachada de pedra.
O mundo diminuiu ainda mais quando senti sua mão quente pressionar contra a minha testa, sua outra escorregou para segurar minha mão quando eu tossi; meu corpo tremeu com respirações pesadas enquanto eu lutava por ar. Severus apertou minha mão o suficiente para que eu conseguisse sentir o leve tremor na dele.
— Madame Pomfrey. — A voz do Harry estava fraca.
— Eu sei. Estou fazendo tudo o que posso.
A dor em mim cresceu novamente, mais forte e mais complexa, emudecendo o som de tudo, exceto minhas próprias respirações esfarrapadas e ofegantes. Uma tempestade de emoções e medo se enfureceu dentro de mim, esmagando tudo. O choque começou a ofuscar minha visão e entorpeceu meus sentidos e desbotou as cores ao meu redor. Não havia nada além do som de uma voz falando uma palavra. Um apelo.
— Hermione.
Tudo caiu em um alto e ensurdecedor silêncio. O tempo passou pelos meus dedos como fumaça e me senti perdida no centro de um turbilhão sem fim, onde escuridão e luz lutaram pelo domínio; elas me puxaram e me arrastaram de um extremo para o outro como se eu estivesse em um pêndulo cósmico. Eu me forçava a respirar, mas gelo e fogo eram as únicas coisas entrando em meus pulmões. Meu mundo foi reduzido a um mar rugindo de dor, desespero e desesperança.
— Soc… — Um pedido de ajuda lutou para sair dos meus lábios.
— Ela está com medo. — A voz de Severus ecoou.
Houve vozes e ordens dadas, consegui ouvir fragmentos de frases e passos correram ao meu redor, e eu me sentia sendo puxada para baixo, sufocando em meu vácuo de dor. Mas havia uma energia em torno de mim que tinha nome e me permitiu ouvir a voz dele sussurrar no meu ouvido "Aguente".
— Snape, mantenha-a firme. — Ouvi minha chefe ordenar.
Eu senti a luz me queimar e acolhi de bom grado o calor enquanto pousava em um campo que se estendia mais longe do que meus olhos podiam ver. O vento era uma brisa suave ao meu redor e trazia o cheiro doce de um mar de rosas, flores silvestres e um pomar cheio de frutas. Mais à minha esquerda havia um rio fluindo, fazendo seu caminho entre o campo e mudando de curso bem diante dos meus olhos, vindo ao meu encontro.
Mergulhei fundo na água gelada e transparente, lavando-me e curando-me e a sensação do vento na minha pele limpa quando emergi, foi como um afago em meu bem-estar. Me permiti ser levada pelos raios dourados da luz do sol dançando ao meu redor na correnteza da água. Rindo, estendi a mão para as flores que mergulhavam na margem e toquei as pétalas de seda suavemente, e o brilho do sol me embalou novamente, me chamando de volta para o calor da terra.
Subi na margem e me deitei na grama, vendo uma nuvem fofa e branca deslizar pelo azul deslumbrante do céu. Sorri com doçura, sentindo uma alegria real de estar nesse lugar solitário. Deslizei meus braços nas flores ao meu redor, sentindo mais uma vez a suavidade delas. Era lindo. Magia correu através das minhas veias e senti a água derramar das pontas dos dedos, regando as flores ao meu lado. Me senti sem peso, como se eu fosse pura magia.
— Você está alucinando. — A voz parecia ter vindo da nuvem que eu estava olhando há poucos segundos. Um narciso brotou da terra e suas pétalas se abriram para revelar um frasco. — Beba.
Fiz o que a nuvem ordenou e olhei novamente, a paisagem pulsava em cores ainda mais brilhantes tentando chamar minha atenção. E tão logo eu sorri, estava flutuando com a brisa entre os dedos enquanto via a nuvem que falou comigo, se transformar em um arco-íris efervescente. Eu queria tocar o arco-íris e estendi a mão, mas as cores escorregaram através dos meus dedos como névoa. Foi a primeira vez que percebi que minha paisagem parecia um sonho. Ou um pesadelo.
Abri os olhos repentinamente e suguei tanto ar quanto meus pulmões permitiam para limpar minhas vias aéreas entupidas. As luzes acima de mim eram duras e frias. Saint Mungus. Um rosto invadiu meu campo de visão: olhos verdes, cabelo preto. Harry. Ele não conseguiu disfarçar seu choque, ansiedade ou alívio.
— Como diabos você está acordada? — Harry perguntou assombrado, tentei virar a cabeça, mas senti-me amordaçar com a náusea e sufocar com a falta de ar. Eu não conseguia respirar nem parar o engasgo. — Madame Pomfrey!
Minha paisagem não perdeu o brilho e as flores continuavam balançando na brisa, enquanto o arco-íris se enrolava em torno de mim como um abraço quente e pacífico. Os narcisos me alimentaram com seus frascos doces e um chuviscar caiu do céu, mas eu permaneci seca enquanto colhia as rosas brancas exuberantes que floresciam. Mas algo estava estranho. Cada vez que eu tentava me concentrar ou começava a me perguntar onde eu estava, o mundo se tornava mais vibrante. Funcionou por um tempo, até eu ouvir o som do trovão incomodar meus ouvidos.
— Respire.
Meu pulso alterou-se com o pico de medo que escorregou por minha espinha. A luz do sol esfriou e o temor aguçou meus sentidos até que ela pudesse perceber as inconsistências no meu campo: o arco-íris que me abraçava, as cores fortes demais, as pétalas muito acetinadas. Nada estava certo. Eu gritei para o vazio ao redor.
— Achamos… achamos… POR FAVOR!
— Você não está lá. — A voz de Neville estava fraca em meu ouvido. — Ela não pode mais te machucar. Não é real.
Mas a dor era. Então a minha voz continuou gritando e implorando, rouca e quebrada — fraca da agonia do cruciatus que estava me fazendo espasmar no chão de uma sala. Todos os músculos do meu corpo se retesaram e rangi os dentes enquanto convulsionava para a cadência maníaca do riso de Bellatrix Lestrange.
— Beba.
No meio da minha agonia, não consegui tomar a poção.
— Derrube essa dose goela abaixo! — A voz de Papoula estrondou.
Eu engasguei quando o líquido desceu pela minha garganta e o aperto no peito diminuiu o suficiente para me deixar soltar um suspiro desesperado e ofegante. Depois outro. Mas o ar parecia como lava nos meus pulmões.
— Ela está queimando por dentro através de todos os feitiços de resfriamento… — Neville sussurrou de algum lugar.
— Magia elementar, Hermione. Seu corpo é, na maior parte, composto de água. Force-a a acalmar o fogo dentro de você. — Severus estava fora de vista, mas perto.
Eu segui o fio de sua voz e o mundo entrou em foco para revelá-lo acima de mim. Seu rosto pálido e cansado e olhos fixos nos meus. Ele estava normalmente quente, mas agora suas mãos pareciam frias com o alívio.
— Temperatura baixando. A frequência cardíaca também.
Severus parecia ter rastejado por todo o inferno.
— Eu ainda estou aqui. — O ouvi sussurrar, antes que eu apagasse novamente.
Eu estava deslizando os meus dedos no topo das flores silvestres quando algo mudou. Dor. Invadiu o campo e me atacou de todos os lados. Entrando em cada poro do meu corpo e se infiltrando em todos os ossos, músculos e nervos. Outro lembrete chocante da tortura que sofri anos atrás.
Um frasco surgiu de um narciso ao meu lado e a voz se ergueu como uma sombra.
— Beba.
A palavra deu início à minha memória. Cada ordem para beber os frascos que apareceu, eu sempre obedecia. Sempre confiei naquela voz e tomei. Os narcisos foram uma criação do meu subconsciente para me lembrar que a voz que tomou essa forma sombria, não me machucaria. A sombra pairou ao meu lado; sua presença acalmou as chamas dentro de mim e curou minha pele carbonizada, mas pouco fez para a dor. Quando eu bebi a poção, gostei do alívio até que meu peito soltou um grito com a agonia residual.
— Dói. — Murmurei.
— Eu sei.
— Estou tão cansada. — O líquido da poção esfriou o fogo dentro de mim. — Eu quero ir embora, Severus.
— Está quase acabando.
A neblina começou a desaparecer e o meu peito se restringiu enquanto lágrimas queimavam minhas bochechas.
— Fique comigo. Por favor. — Eu chorei tanto que pensei que iria quebrar. — Estou cansada de ficar sozinha.
— Você nunca estará.
O brilho do mundo desapareceu e algo escuro e enorme subiu das profundezas, enrolando seus braços feitos de sombras escurecidas em volta de mim e arrastou-me para a escuridão. Eu não fiquei surpresa ao ver Severus nos meus sonhos, mas ele desapareceu igual à chama de uma vela que some quando o oxigênio acaba.
— Isso não é um sonho. — O ouvi dizer.
Mas era, pois só havia escuridão e um vazio frio, calmo como um córrego e fresco como uma brisa. Um silêncio pacífico e tão absoluto e duradouro que penetrou a minha alma. Eu pairava acima daquela corrente de ar enquanto me perguntava se era assim que devia ser a sensação para quem não sentia medo de voar.
Eu me senti carregada por aquele vazio por muito, muito tempo. Mas, justo quando pensei que a escuridão duraria para sempre, feixes de luz cortaram minha escuridão e me arrancaram de lá. Um estrondo repentino soou, o céu voltou a clarear, e todas as visões desapareceram. Minha consciência rastejou através de minha mente confusa e grogue. Memórias me inundaram em uma onda que congelou a respiração em meus pulmões quando minha visão se aguçou, eu me ouvi gemer com a claridade.
— Oh, foda-se! — Era a voz de Cho.
Foi breve e rapidamente voltei à minha paisagem florida, suspirei e me deitei sob o sol; estava quente em meu rosto e corpo. Eu ainda tinha a companhia da sombra, mas só por alguns segundos. Acho que meu campo de flores era colorido demais para a escuridão dela.
O rosto seguinte que vi estava banhado em raios de luz solar filtrados através da janela: Ginny.
— Onde estou? — Forcei minha voz a sair.
— Shhh. — Um pano úmido tocou a minha testa. — Sonhando com a garota mais linda de Hogwarts. — Se eu pudesse, eu teria rido da diversão de Ginny, mas eu não tinha forças para reagir. — De volta ao sono, amor.
Eu obedeci, impotente.
A realidade me alcançou como se eu tivesse tomado uma overdose de adrenalina, o suficiente para me levantar em uma posição vertical, mas eu não podia sentir meus braços ou pernas, muito menos me mover. Eu só era capaz de piscar e respirar. Precisando acalmar o pânico crescente, concentrei meus esforços no simples ato de balançar os dedos. O alívio que acompanhou a sensação era palpável.
— Neville. — Eu podia identificar a voz de Cho em qualquer lugar. — Madame Pomfrey. Acorde!
— É muito cedo para ela estar acordada.
O quê? Houve um barulho repentino na esquerda antes de uma Papoula Pomfrey desgrenhada entrar em minha linha de visão, um retrato fiel de curandeira pós-plantão: cabelos despenteados e olhos cansados. E então havia Neville, que parecia equilibrado como sempre, ligeiramente abatido, mas aliviado. Nenhum deles falou no início, apenas trocaram olhares. Virei meu olhar para Cho como se ela tivesse todas as respostas, eu estava mais do que confusa. Ainda mais quando minha chefe passou a mão pelo cabelo e praguejou.
— Podemos esconder isso? — Neville parecia mortalmente sério. — Ela não está preparada.
— É no meio da noite. Não podemos contrabandeá-la agora. — Cho mordeu o canto da unha dela. — O plano era levá-la durante o dia.
— Não é uma opção em seu estado atual. — Pomfrey negou com a cabeça. — No mínimo, preciso de doze horas antes que o suficiente das poções estejam fora do organismo dela para transferi-la com segurança.
Eu mexi os dedos das mãos para chamar a atenção de alguém. Não foi o suficiente.
— A atrofia…
— Saia do modo curandeira-chefe, Pomfrey. — Cho soou mais dura do que eu já a tinha ouvido falar com um antigo professor nosso. — A mídia é um circo sangrento lá embaixo. Dean e Harry continuam prendendo funcionários do Ministério e repórteres tentando ter acesso a este quarto e, oh, não vamos esquecer do nosso maior problema: o bastardo.
— Linguagem grosseira à parte, Cho está correta. — Neville falou o nome de Cho com uma espécie de familiaridade que despertou a minha curiosidade. — Você e Eddie têm uma conferência para atualizar a mídia sobre a condição dela à tarde. É tempo suficiente?
— Robards estará por perto para uma inspeção antes disso. — Pomfrey respondeu.
Hermione piscou rapidamente, mas ninguém notou.
— Ela pode fingir. — Cho afirmou.
O quê?
— Eu vou ter certeza de que Harry estará aqui com ela e o professor Snape durante a inspeção. Mas avise o professor Snape para controlar o temperamento dele ou…
Eu nunca estive tão confusa, não apenas pelas palavras de Cho, que rapidamente evoluíram para um rápido debate de três vias, mas eu não conseguia envolver minha mente em torno de nada o suficiente para acompanhar a conversa. Meu olhar varreu o meu entorno. Situada à beira da minha visão periférica, havia uma exibição colorida com múltiplos vasos de arranjos de flores elaborados. Eram lindas, mas meus olhos pousaram em uma delas: um narciso.
Insignificante para alguns, mas que significava o mundo para mim. Foi bom que eu não pudesse falar, pois meu coração estava na minha garganta.
Despertei subitamente mais uma vez, e agora consegui sentir meus membros de volta à vida. Eu ainda lutava para me mover, mas consegui abrir e fechar uma das minhas mãos, mexer os dedos da outra e flexionar os dedos em ambos os pés. Eu quis olhar para onde o narciso deveria estar, mas fui cegada pela luz de uma varinha.
— Bem-vinda de volta novamente. — Papoula direcionou a luz em meu outro olho. — Como você se sente?
— Eu não sei — Respondi, voz crua e arranhada. Papoula estendeu a mão e trouxe de volta um copo com um canudo. Eu tomei um gole, a água tinha um gosto melhor do que qualquer coisa, mas ela não me deixou engolir mais que dois. — O que aconteceu?
— Coisa demais. Eu prefiro não sobrecarregá-la. — Ela olhou por cima do ombro. — Vá chamá-lo.
— Agora mesmo! — Os passos de Cho ecoaram pelo chão antes que a porta se abrisse e se fechasse enquanto Papoula desferia encantos diagnósticos e Neville levantava minha cama.
Pomfrey parecia satisfeita com os resultados dos exames, mas eu não parava de olhar ao redor da sala. Havia plantas e flores em todas as superfícies.
— Parece que o veneno está fora do seu sistema.
— Você pode… — Tossi e meu peito doía com uma dor fantasma. — Conte-me a verdade.
— Ok.
Neville tomou o lugar da medibruxa quando ela se mudou, mas ele não tinha aquela paciência irradiada dele da forma que me acalmava.
— Quanto tempo faz? — Perguntei.
Papoula parecia extremamente desconfortável.
— Duas semanas.
Eu tentei absorver o soco intestinal com a notícia. Da última vez que me lembrava, era dia sete, o que significava que agora era o vigésimo primeiro e eu também não tinha noção da hora. Só sabia que estava escuro. Não que isso importasse. Mais uma vez, o tempo passou sem que eu soubesse, sem que eu tivesse qualquer memória dele, tal qual quando eu estava petrificada. Piscando para o teto, respirei fundo para me acalmar. Pelo menos tentei. Neville segurou minha mão, mas não disse nada quando eu olhei para longe para engolir o caroço crescente em minha garganta. Mas não havia nada que mudaria o passado. Havia assuntos mais urgentes e perguntas que precisavam de respostas.
— Meus ferimentos?
— Depois. — Neville murmurou.
— Por favor. — Meus olhos vagaram para minha chefe, que ainda tinha o pergaminho na mão, mas não olhou para ele. Ela não precisava.
— Pulmões danificados, uma concussão do ferimento na cabeça e uma laceração abdominal. — Eu me lembrava de todos eles. — O estrunchamento e o veneno eram as maiores preocupações. O veneno ficou no seu sistema tempo demais e tivemos dificuldade em tratá-la por causa disso, a Batracotoxina é resistente, mas Severus teve a ideia de misturar o antídoto com a Poção Reabastecedora de sangue para forçá-lo a agir mais rápido e funcionou. — Papoula fez uma pausa para que eu absorvesse suas palavras. — Seu corpo está sob muito estresse e você está em uma quantidade obscena de poções agora. Tivemos que ser criativos com a combinação.
— Eu não sinto muito de nada. É difícil pensar. Sinto que podia dormir por anos, mas sei que acordei. Um pouco de dor, mas…
— Se você é capaz de sentir qualquer dor, estou chocada, mas começamos o processo de desmamar você das poções mais pesadas. Podemos gerenciá-la com cuidado e mantê-la o mais confortável possível.
Pela primeira vez, prestei atenção ao estado do meu braço, envolto em ataduras pesadas, eu mal conseguia sentir os dedos.
— Quão ruim é?
— O seu braço estava parcialmente arrancado, então o curativo é para proteger sua nova pele. Os danos maiores foram no seu pulso — Pomfrey tocou as pontas de cada dedo. — Fizemos o máximo que pudemos, fixamos os ligamentos, crescemos uma nova pele e novos ossos, mas você precisará de fisioterapia e tempo para curar.
— Vou me recuperar totalmente? — Meus olhos lacrimejaram quando sustentei o olhar na mão da minha varinha. Isto é um pesadelo.
— No momento, não tenho certeza, pois não é minha área de especialização. A curandeira Cely acha que há uma grande chance de você acabar com um tremor e acredita que você deve começar a fisioterapia o mais rápido possível. Nada foi feito nessa frente porque queríamos ver como você estava quando acordasse. Você teve duas convulsões e uma parada cardiorrespiratória no meio de tudo isso e…
— Ok. — Senti essas notícias como um vento forte. Atordoada, eu tremia enquanto lutava para processar tudo, mas sabia que ainda havia mais e minha curiosidade não permitiria que eu fosse deixada no escuro. — Continuem.
— As convulsões foram resultados do veneno, não do estresse.
Isso não fez com que as coisas melhorassem.
— Você mencionou Estrunchamento, eu só… onde?
— Você inconscientemente tentou aparatar dentro do castelo para buscar ajuda mais rapidamente e danificou o seu lado direito. Perdeu pele, músculos, cabelo, alguns dedos, e metade da perna no processo. Nós recolocamos e crescemos novamente o que foi perdido, mas... o processo não era simples por causa da Batracotoxina.
Pomfrey levantou um pouco as cobertas e eu vi a pele machucada e levantada que se estendia do meu joelho até o pé. Uma linha reta. Metade da minha perna nos termos mais literais. Não é à toa que…
Neville me cobriu de volta.
— O que mais? — Eu engoli seco.
O rosto de Papoula mudou para preocupação. — Deixe-me saber se…
— Só me diga.
Papoula e Neville tiveram uma conversa silenciosa que terminou com o último acenando antes dela continuar.
— Nós crescemos sua pele e músculos e usamos encantos curativos e o máximo de Essência de Ditamno que pudemos para fechar as feridas. Mas provavelmente haverá cicatrizes no seu braço e no seu lado direito. Eddie teve que costurá-la à moda trouxa para mantê-la unida tempo suficiente para o antídoto começar a trabalhar antes que fôssemos capazes de começar a reparar o dano. O veneno…
— Da adaga?
— Sim. — Neville acenou com a cabeça depois que Pomfrey gesticulou para ele assumir. — Ela não ia ser só usada em você. A ideia era ferir o máximo de membros da equipe de Hogwarts e causar o caos enquanto os Rebeldes tentavam invadir a escola.
— Não funcionou, não é? Eu me lembro…
— Você a parou. — Neville afirmou ferozmente.
Minha mente estava correndo. — Vector.
— Precisamos falar sobre isso, mas também estamos no meio da noite e temos que descobrir…
O resto das palavras do meu assistente foram perdidas. Memórias brilharam descontroladamente em minha mente. Palavras duras, Vector me atacando, cuspindo em mim. Eu me arrastando pelo chão do corredor até chegar a Ala Hospitalar de Hogwarts.
A mão de Neville pousou no meu ombro, apertando-o.
— Seu batimento cardíaco aumentou. — A preocupação de Papoula era evidente apesar da calmaria que ela tentou projetar. — Nós não temos que falar sobre isso.
— Mas nós temos. — Neville franziu a testa ligeiramente. — Muita coisa aconteceu desde então e ela precisa ser informada do básico, no mínimo.
— Como o quê? — Perguntei.
— O clamor público após o ataque colocou o Ministério em uma posição onde eles devem tomar medidas decisivas. O Wizengamot está controlando publicamente uma investigação de assassinato, mas sabemos que a nossa antiga professora feriria outras pessoas, o que facilitaria o ataque dos rebeldes e que ela só foi impedida por sua causa. O professor Snape arrancou a informação da cabeça da Vector enquanto ela… — Neville fez uma pausa, me estudando. — Dean tem alguns Inomináveis confiáveis liderando uma investigação secreta sobre os rebeldes que ainda estão se movendo ativamente. Ele está mantendo em segredo por enquanto, mas locais de esconderijos foram encontrados em todo o país. Eles aprenderam mais com essas memórias que a Vector "cedeu", do que as investigações dos Aurores nos últimos anos juntos.
— E Robards? Sobre o que é essa inspeção?
— Ele tem visitado diariamente na tentativa de convencer Madame Pomfrey a permitir que ele verifique suas memórias. Ele parece particularmente fixado na ideia de que você assassinou uma funcionária do castelo e tentou obter suas lembranças disso três vezes enquanto você estava inconsciente.
— Eu não me lembro de nada direito.
— E é por isso que ele quer suas memórias.
Eu sei que apenas me defendi do ataque de Vector, mas algo me diz que Robards quer essas memórias para de alguma forma adulterá-las e me acusar de traição. O conhecimento de ter sido atacada e ainda ter alguém querendo me sabotar enquanto eu estava no hospital era uma dolorosa espada cortando minha realidade. Emoções pesadas quiseram flutuar na superfície da minha consciência, talvez elas estivessem esperando para sangrar desde o dia do meu ataque, morrendo de vontade de serem sentidas.
— Você passou por muitos traumas. Descanse. — A calmaria que era Neville Longbottom foi reforçada por sua mão em meu ombro.
— Ele está certo. — Papoula colocou o pergaminho sobre a mesa. — Será a única maneira de você se curar.
— Certo. — Minha risada triste soou ligeiramente histérica para meus próprios ouvidos. — Você falou como uma curandeira e não como a chefe num hospital sem medibruxos suficientes.
— Ou uma amiga. — Papoula rebateu suavemente.
Eu baixei a cabeça e olhei para o lado para evitar o inchaço em minha garganta, a condição do meu corpo e as memórias das cicatrizes e hematomas que podia ver. E os que eu ainda não podia.
— Eu sei melhor do que ordená-la a fazer qualquer coisa, mas eu estou falando sério quando eu digo sem trabalho pesado. Nada extenuante ou indutor de estresse. O veneno deixou seu corpo frágil, e você precisa reconstruir sua força. Agora mesmo: sem leitura ou escrita. E pelo menos nas próximas três semanas: sem trabalho físico ou mental, sem metas, sem apresentações de magia. Estou falando sério, Hermione. Nada.
Não era como se Papoula precisasse me dizer isso. Eu não tinha forças em meu corpo para fazer nada, muito menos lutar. Houve uma batida rápida na porta seguida por uma mais suave. Papoula ficou ao meu lado enquanto Neville foi abrir. Eu estava esperando pela volta de Cho — e lá estava ela — só que ofuscada pela presença ao seu lado: Severus.
Neville agarrou o ombro dele em apoio quando meu namorado entrou, e um olhar passou entre os dois homens antes que o primeiro seguisse Cho para fora. Papoula fez o mesmo, fechando a porta atrás dela após murmurar algo para Severus, que eu não ouvi. Não que eu tenha me dado ao trabalho, eu só tinha olhos para observá-lo. Severus estava vestido impecavelmente, mas parecia exausto e muito pálido.
Ele não disse nada quando puxou uma cadeira para o lado esquerdo e sentou-se. O silêncio perdurou quando ele pegou minha mão ilesa. Sua palma quase engoliu a minha inteira quando ele a segurou e mergulhou a cabeça. Não para beijar meus dedos, mas para descansar o punho contra seu rosto, encontrando conforto nesse toque tão simples.
Eu sabia que o melhor não eram palavras, então lentamente abri minha mão para sentir o calor do rosto dele em minha palma, ignorando o arranhão da sua barba por fazer. Quando ele se inclinou para o meu toque, era quase palpável o cansaço que rolou para fora dele, espalhando-se através de seu comportamento, suas pálpebras penduradas a meio mastro sobre seus olhos. Eu me perguntei se ele iria dormir segurando-me assim, ou se eu deveria deixá-lo ir descansar.
— Eu tenho alguns minutos. — Suas palavras eram calmas, faladas apenas por mim — Eles querem que você descanse.
— Você trouxe narcisos para mim?
Os olhos dele trancaram-se com os meus.
— Essa é uma pergunta estranha, Hermione.
Eu suspirei, piscando os olhos para evitar chorar.
— Eu ouvia a sua voz quando estava… — Tossi levemente para limpar minha garganta. — Eu estava em algum lugar, havia narcisos lá.
— Scorpius os enviou. — Olhos negros ainda encarando os meus. — Não me deixava sair sem eles.
— Scorpius?
— Ele está com os Potters. Ginny o manteve ocupado, ela diz que ele ama jardinagem. No dia do seu ataque, ele sentiu algo, mesmo sem saber de nada.
— Como isso é possível, Severus?
— Draco suspeita que Scorpius possua clarividência. E eu sei o quanto você é cética com isso, mas quando Potter me pediu para ir até lá… eu nunca vi aquele garotinho tão perturbado. Draco não sai do lado dele desde então, e eu preciso ir e voltar com notícias, ou Scorpius não se acalma. Ele sempre envia um narciso para você. Desde o primeiro dia.
Eu fechei os olhos e a primeira facada de dor floresceu em meu peito.
— O que está acontecendo? — Porque eu sabia que Severus não mentiria para mim. Ele nunca mentiu. — Sinto que há muitas peças faltando no quebra-cabeça que estou tentando montar.
— De manhã.
Quando Severus tentou soltar minha mão e começou a ficar de pé, eu apertei a dele.
— Fique.
Ele parou e me olhou, cuidadosamente, abri espaço suficiente para ele na cama pequena. Severus foi cuidadoso com cada ação quando enrolou um braço em volta de mim e eu virei o meu rosto para ele. As respirações que se seguiram foram medidas pela batida dos nossos corações enquanto o silêncio se estendia até o infinito. Testas tocando, olhos bebendo um ao outro, piscamos lentamente. Ele me olhou com algo que não tinha palavras para articular. Sentimentos prontos para ser expressos, mas retidos sob o peso do ataque que sofri. A mão de Severus enrolada em punho no cobertor que me cobria foi a única visão que ele deu sobre o verdadeiro estado de suas emoções sob as ondas de exaustão.
— Você tem dormido? — Murmurei suavemente e me perguntei se ele poderia mesmo me ouvir.
— Eu não tenho sido capaz.
Assustada com a dolorosa corrente de sua resposta e perdida na onda do desconhecido dos dias em que estava apagada, estendi a mão tanto quanto podia, usando quase todo o meu esforço, e toquei o rosto dele, deslizando o meu polegar sobre sua bochecha. O resto da minha energia era dedicada a escovar os lábios contra os dele, e deixá-los permanecer como se não houvesse nada mais vital no mundo do que lhe dar um único beijo neste momento frágil. Firme, mas macio, Severus não parou de me beijar até que seus olhos pesados se fecharam e o corpo dele lentamente relaxou. Ele estava respirando profundamente em segundos. E eu também.
A dor foi um choque de água gelada. Terrível. Mas por baixo dela estava um choque surpreendente de clareza onde minha mente, corpo e emoções voltaram ao lugar. Meu corpo parecia ter sido passado através de um moedor e minha mente foi quebrada em pedaços — ambos foram embotados com as menores doses de poções. O afrouxamento da ligação em minhas emoções foi lento. Não que eu fosse ter um ataque de pânico, mas a percepção do que tinha acontecido podia ser perigosa. O que passei; o que eu tinha sobrevivido; o medo; a dor e o desamparo em ser uma vítima, e ainda assim usar de violência e me tornar uma assassina.
Memórias travaram uma guerra em minha mente. Implacável, elas me obrigaram a sentir tudo, cambaleando cada memória e me deixando paralisada com pensamentos que eu não podia expressar. Eu olhei para o nada, sem piscar. Sentia fome, mas era incapaz de comer. Exausta, mas incapaz de dormir. Segundos pareciam minutos, minutos pareciam horas e horas rolavam como dias.
Eu acordei sozinha, com apenas alguns pergaminhos ao meu lado. Eram desenhos das crianças: uma árvore assinada por James, algumas pessoas — corpos feitos de riscos e um círculo como as cabeças — de mãos dadas claramente feitas por Alvo, e uma pequena flor que só poderia ter sido de um menino. A caligrafia ao lado não era dele, Scorpius era bem pequeno para já saber escrever mais que assinar o próprio nome, provavelmente foi escrita por seu pai, afinal, eu reconheceria a escrita de Ginny e Harry. "Fique bem". Eu não sabia se meu coração estava partido ou se a dor que senti era porque ele estava se curando.
Na meia hora seguinte, eu segurei a mão de Dean, enquanto Harry se sentava calmamente ao lado dele, parecendo pensativo, mas sabiamente mantendo para si mesmo. O momento foi quebrado quando eles tiveram que ir. O tempo de visitação deles havia acabado e o check-in de Papoula começou com um longo abraço e uma nova recomendação de nada de trabalho até que eu estivesse bem o suficiente. Então, ela começou a trabalhar, me orientando com as poções a tomar e quando.
Quando Neville chegou, Papoula já tinha conseguido me coagir a comer algo, mesmo eu não tendo estômago para isso. E agora Cho estava preocupada com o estado do meu cabelo parcialmente perdido do lado direito, mas tudo o que senti foi a paralisia do veneno em meu corpo enquanto eu tentava me arrastar pelo corredor.
— Corte. — Ordenei.
Tudo parou.
— O quê? — Pomfrey parecia incrédula. — É apenas uma parte mais curta que as outras.
— Corte o quanto você precisar. — Insisti.
— Mas, o seu cabelo demorou anos para crescer. — Neville genuinamente parecia triste.
— E vai crescer de volta. Eu só... Eu preciso cortá-lo.
Cho não fez mais perguntas, era como se ela tivesse calmamente entendido.
Mais do que o esperado da lateral direita foi deixado para trás, depois ela o lavou e secou. Eu pensei que sentiria algo com o meu cabelo cortado, mas tudo o que senti era que eu estava mais leve; aliviada e razoavelmente feliz por ter um sidecut similar ao de Severus.
— Quando posso ir para casa?
Era tudo o que eu queria fazer. Eu precisava me sentir na privacidade do meu próprio mundo. Ir para casa, tirar um tempo para curar minhas feridas e me recuperar.
Todos trocaram olhares. Obviamente havia algo que eu não sabia.
Uma batida na porta fez todos pararem. Três varinhas instantaneamente apontaram para a porta tão rápido que me surpreendeu. Mas a segunda batida mais suave os fez relaxar.
— Eles chegaram cedo. — Severus espiou sua cabeça.
Eu não gostei da forma como as palavras dele fizeram com que toda a sala entrasse em atividade. Tudo era um borrão de movimento que me deixou cambaleando mesmo que estivesse parada. Os feitiços foram proferidos enquanto Pomfrey e Neville reuniam tudo com pressa. Todas as provas de que eu estava acordada — copos e restos de comida hospitalar — foram desaparecidos e ambos rapidamente saíram. Neville foi preparar tudo para a minha alta silenciosa, enquanto Pomfrey preparava o pergaminho de exames.
Severus e Cho trocaram algumas palavras no canto antes dele aparecer ao meu lado. Sua única resposta ao meu cabelo obviamente com um corte inusitado foi um piscar de olhos rápido.
— Você lembra as lições de oclusão?
Franzi a testa com a pergunta. — Isso é sobre minhas memórias?
— Sim.
A resposta dele levou meus pensamentos de volta para a discussão de Neville e Papoula. De jeito nenhum eu estava pronta para ter minha mente invadida por Robards ou qualquer outra pessoa.
— O que preciso fazer?
Devido ao meu estado debilitado, Severus desistiu de me fazer ocluir e me disse que tudo o que eu precisava era fingir dormir. Isso era fácil o suficiente. Diminuí o ritmo da minha respiração, fechei meus olhos, mas deixei meus ouvidos bem abertos.
Houve uma batida na porta e o som de múltiplos passos indicando que Robards não estava sozinho. Primeiro ouvi a saudação de Harry, observando o modo como ele falou com Cho formalmente. E então foi seguido pela saudação do nosso chefe.
— Sr. Snape, senhorita Chang. — Robards fez uma pausa e eu sabia que ele estava olhando para mim. — Vejo que a senhorita Granger ainda não acordou. Pena.
— Exato, ela não acordou. — O tom de Cho segurava uma borda cortante, não exatamente como uma lâmina, mas algo elegantemente irregular. — Eu acredito que o Sr. Potter informou-lhe sobre isso em sua chegada.
— Ele fez, no entanto, eu queria visitar e continuar a oferecer minhas humildes adições ao número esmagador de desejos de melhora que preenchem esta sala. Estou preocupado com o bem-estar dela, assim como o resto do público. Confesso que estou muito ávido no meu desejo de mais informações sobre sua condição.
— Ela sempre foi uma lutadora. — O comentário de Harry tinha gravado o peso do respeito que ele tem por mim. — Ela tem feito muito e devemos permitir que ela descanse imperturbavelmente. Sr. Robards, se você quiser, eu posso acompanhá-lo de volta para o Floo.
Houve uma longa pausa.
— Obrigado, sim.
Cho colocou a mão em cima da minha. Cedo demais.
— Na verdade, há algo que eu gostaria de dizer. — A voz de Robards soou mais perto, quase como se ele estivesse de pé bem ao lado do meu leito hospitalar. — Sr. Potter, imploro que veja a razão e forneça ao Ministério a memória do infeliz evento.
Eu esperava uma resposta grosseira de Harry, mas não foi ele quem respondeu.
— O DMLE está conduzindo uma investigação com o Escritório dos Aurores e o Wizengamot está assumindo a liderança. — A voz de Severus era firme. — O que exatamente você está investigando, Robards?
— Estou apenas ajudando de qualquer maneira que eu puder. A memória dela pode resolver algumas perguntas persistentes. Quero respostas como todo mundo. Como algo assim poderia acontecer dentro do castelo…
— Tenho certeza que há muitas outras coisas que você poderia fazer, Robards. — Severus caminhou em direção ao chefe, e eu sabia que era ele pela maneira metódica que ele caminhava. — Eu posso pensar em duas neste momento: dar declarações que reduzam o medo da população e aumentar o nível de segurança para evitar outro ataque.
— Nenhuma das quais requer sua presença nas memórias de Hermione — acrescentou Cho.
— Muito bem. — Robards limpou a garganta. — Eu tentei gentilezas e parece que este assunto vai precisar ser tratado oficialmente.
— É chocante para mim que você saiba fazer isso.
— Ah, e aí está, Sr. Snape — provocou Robards. — Esta faísca de temperamento que você tão rigorosamente esconde, mas fez questão de exibir no tribunal extraordinário da semana passada. Confesso que estou confuso em encontrá-lo aqui quando você não deveria estar tão próximo publicamente da colaboradora em questão.
Tribunal?
— Fora o simples fato de que eu ministrei a poção que a salvou, a razão da minha presença não é da sua preocupação. — Severus rebateu.
— Devo lembrá-lo que podemos não estar dentro dos muros do Ministério, e você pode estar de licença administrativa enquanto aguarda uma investigação interna sobre suas ações, mas eu ainda sou seu superior e exijo o respeito do senhor para comigo.
— Meu respeito não pode ser exigido! — A voz de Severus estrondou.
A última vez que eu ouvi Severus soar tão rude foi na tarde da discussão com o próprio Robards onde ataquei meu chefe com magia do fogo. A forte tensão ao meu redor dificultou manter-me parada e continuar a fingir inconsciência.
— Professor Snape — O tom de Cho manteve um apelo silencioso por civilidade. Mas Severus não se desculpou.
— Sr. Potter. — Robards estava com a voz grossa de frustração. — Eu entendo que você e o Sr. Snape são…
— Amigos, eu e o Sr. Snape resolvemos nossas diferenças e hoje em dia posso me referir a ele assim. E quanto à Hermione, a minha decisão de não deixar ninguém mexer na cabeça dela enquanto ela está inconsciente depois de sofrer tantos ferimentos foi tomada porque eu sou a família que ela escolheu. — A cama mudou quando Harry sentou-se junto a mim. — Isso não é o que ela iria querer. Não é ético, por mais difícil que seja para você entender isso. Então, iremos esperar até que Hermione acorde.
— Acredito que a Srta. Granger gostaria de ajudar na investigação. — Robards tentou.
— E ela vai. — Cho, para minha total surpresa, era a pessoa na sala que sabiamente ainda mantinha a calma. — Quando ela acordar. Venha agora, permita-me acompanhá-lo até o Floo.
Eu não me movi até ouvir a porta abrir e fechar e esperei mais alguns segundos se passarem antes que eu abrisse os olhos. Olhei diretamente para Harry, cujo rosto segurava uma pitada de cor, ele estava com uma irritação palpável, tão intensa quanto minha avidez por perguntas.
— O que será agora? — Falar doeu, mas eu fiz de qualquer maneira.
— Temos tudo pronto para levá-la durante a declaração de Pomfrey à mídia. Vou assinar papéis e… — O resto do comentário de Harry foi perdido. Ele saiu do meu lado e depois do quarto.
Corri uma mão trêmula através do meu cabelo, e minha cabeça doeu mais forte a cada segundo que passava.
— Você precisa de uma poção de dor?
— Ainda não. — Eu tentei respirar através do crescente desconforto. — Estou tentando organizar a tal memória.
— Pare. — Severus andou pelo quarto, enquanto eu acompanhava seus movimentos imaginando e questionando sua próxima ação. O breve pensamento de que ele iria embora morreu quando ele tirou seu manto e o deixou cair na mesa antes de pegar dois frascos e se aproximar da cama. — Aqui.
— Eu não…
— Beba.
Minha respiração cortou, lembrando-me das minhas alucinações. Balancei a cabeça, tentando ordenar a bagunça na minha mente, enquanto Severus apenas destampava o primeiro frasco.
— Você estava alucinando e ninguém conseguia fazê-la beber as doses do antídoto.
— Exceto você.
— Para a surpresa de alguns, você me ouvia. — Ele limpou a garganta e olhou para baixo. — Beba a poção, Hermione. Eu acredito que você uma vez me disse que é estúpido sofrer desnecessariamente.
Como no campo dos sonhos, bebi a poção e devolvi para ele o frasco vazio. Depois a segunda. O alívio foi instantâneo. Assisti Severus devolver os frascos à mesa e pegar algo do bolso do manto que ele tinha largado em cima dela. Uma flor.
— De Scorpius.
— Eu não… — Admirei o narciso delicado que ele me entregou. — De alguma forma, essas flores estavam lá na minha paisagem mental. — Havia uma torção em meu intestino tão física quanto a dor que tinha sido apaziguada pela poção. — Você falava comigo através das minhas ilusões. E agora eu sei que as flores que me entregaram as poções eram a representação das mãozinhas do Scorpius… Eu não sei como foi possível, mas acho que vocês dois me salvaram.
— Eu e ele estamos naquela profecia com você. — Severus disse, me observando atentamente.
Era tudo ainda obscuro e minha cabeça pragmática sempre me impediu de aceitar a adivinhação como algo real. Eu me lembrei da primeira vez que vi aquele garotinho vivaz e seus incríveis olhos azuis. Lembrei da felicidade dele, quando emitiu aquelas faíscas da minha varinha e de como aquele momento me encheu de esperança mesmo no meio dessa tempestade de guerra que ainda vivemos. Scorpius era real. Relaxei contra os travesseiros e decidi perguntar a Severus algo sobre o dia do meu ataque.
— Você a encontrou na porta da biblioteca?
Ele acenou com a cabeça. Severus ainda parecia cansado, apesar de quão veementemente ele tinha se levantado contra Robards. Não tão exausto quanto ontem à noite, ele tinha pelo menos se barbeado, mas ainda assim, muito mais pálido que o seu habitual.
— Sim, eu fui o primeiro a chegar até ela.
— Eu não consegui avisar sobre isso.
— Segui o rastro do seu sangue. O chão do castelo estava coberto dele, era um cenário feio. — Severus passou a mão sobre seu rosto, tentando espantar o cansaço, mas cuidadoso com o que me diria. — Eu a encontrei onde ela atacou você. Muito sangue, mas ainda viva. Consegui arrancar as memórias dela, a oclumência que ela praticou já havia desmoronado dado o estado que estava.
— E você conseguiu ver se haviam outros? — Fiz uma pausa. — Traidores, quero dizer.
— Não na equipe, em Hogwarts, ela era a única, mas havia outros rebeldes preparando-se para atacar em locais diferentes. Neutralizamos todos e Potter foi chamado para ser o rosto do trabalho numa tentativa de trazer esperança à população aterrorizada.
— E o que Robards disse sobre um tribunal?
— É uma história relativamente longa.
— Isso envolve eu ter matado alguém?
— Em parte. — Ele beliscou a ponte de seu nariz e esfregou os olhos novamente. — Eu diria mais, mas a conferência de Papoula é em duas horas e você parece sobrecarregada.
— Assim como você. — Sussurrei.
Os olhos de Severus deslizaram para mim, mas eu olhei para baixo, para meu braço enfaixado, em seguida, para o lado onde eu sabia que estaria a cicatriz da perfuração da adaga envenenada. Olhar para meus ferimentos fazia eu me sentir desconfortável, crua e vulnerável, e minha mente começar a correr em alta velocidade sobre o que tinha acontecido.
— Eu prefiro não ficar sozinha com meus pensamentos.
— Eu não tenho nenhuma intenção de deixá-la com eles.
Suas palavras não me assustaram, seu tom o fez, mas Severus não se mexeu. A quietude levou-me a continuar sendo honesta.
— Eu lembro do ataque. — Minhas palavras eram silenciosas, quase um sussurro. — As portas da biblioteca, o xingamento que ela proferiu… Lembro-me de sufocar e dos meus dedos paralisando. Lembro de pensar que eu morreria. — Pisquei forte para evitar as lágrimas quando a barragem das minhas emoções começou a desmoronar. — Você deve tirar minhas memórias agora.
Severus extraiu sua varinha e convocou um frasco vazio. Fechei os olhos quando senti a mão dele alcançar o meu ombro e me puxar suavemente contra o seu peito sólido. Me concentrei em seu queixo contra minha cabeça, a ponta de sua varinha em minha têmpora e inalei o cheiro dele e aquela sensação de paz que eu sentia com a presença dele.
Suas mãos me aterrando não conseguiram impedir-me de sentir o último pedaço de calma recuando quando eu trouxe as memórias para frente das outras. Em qualquer outro dia, eu teria sido bem sucedida em rechaçar tudo, eu era talentosa em ocluir, mas, hoje, eu estava machucada e em pedaços, quebrada. Meu rosto molhado era a prova de quão exausta estava.
— Eu não posso mantê-las aqui dentro. — Expliquei.
— Você não precisa.
Havia bravura no medo e uma incrível força de vontade para se render. Meu aceno de cabeça foi quase imperceptível, mas ele entendeu, e não demorou muito até ele falar novamente.
— Está feito.
Provei um pouco de paz, mesmo que eu sentisse como se minha alma estivesse se afogando sob uma onda de emoções, e segurei em Severus como uma salvação, aterrando-me em seu abraço enquanto deixava aquele mar fluir. Um soluço rasgou-me quando finalmente me permiti buscar conforto e abrigo em alguém que não fosse eu mesma. Lágrimas caíram quando me dei conta de que eu nunca tinha encontrado isso em ninguém, alguém que eu confiasse tanto a ponto de encontrar consolo apenas no seu abraço; no seu toque.
Ao ritmo do coração dele e com as palavras ininteligíveis que Severus sussurrou contra minha cabeça, fechei os olhos e me permiti mergulhar nesse momento de sentir. De sucumbir.
Notas Finais
Scorpius Malfoy está de volta, a história está caminhando para o final e eu devo um pedido de desculpas pela demora na atualização. Prometo compensá-los em breve. Beijos, pessoal!
