A noite foi um pouco tensa na Yagami: Sirius não dormiu, e muito menos Kyone. Myoshi roncava a sono solto, seu corpo caído por cima do hipogrifo Bicuço. Lupin se atirou sobre uma cadeira próxima à Cela de Contenção Energética de Washu, que aproveitava o fato de ter um bruxo à disposição para começar a medi-lo de todas as formas conhecidas pela ciência Jurai (e algumas não muito conhecidas... afinal, ela é Washu, o Grande Gênio Científico da Galáxia) e para conhecer um pouco mais sobre os bruxos e calibrar seus sistemas. Ryoko ficava jogando pôquer com Lupin, que parecia bem à vontade. Ryo Oh-Ki estava dormindo sobre o colo de Myoshi.
Sirius e Kyone disputavam no olhar quem ia ceder primeiro. Kyone nunca tinha visto nada como aquilo: o olhar dele não era totalmente humano... Para falar a verdade, ele era humano e não era humano, tudo ao mesmo tempo. Kyone não conseguia compreender aquilo: não era normal. Ela já tinha lidado com povos semi-humanos antes, era uma ocorrência bem comum no universo, mas aquilo não era nada com o que ela estava acostumada.
Foi quando, enquanto ela olhava para Sirius, ele rosnou para ela. Por reflexo, Kyone sacou sua pistola laser e a setou para "Nocautear".
- Nem tente partir para cima! Essas barreiras vão te neutralizar, e essa arma aqui vai colocar você no chão na hora! - disse Kyone em voz alta, mirando-lhe entre os olhos.
Ryoko, Washu e Lupin ouviram o grito de Kyone, que acordou Ryo Oh-Ki, Bicuço e Myoshi.
- Escuta aqui, auror galáctico! - disse Sirius - Não sei qual é a tua, mas se você me tirasse dessa porcaria de cela eu ia achar bom!
- Nada feito! Eu já lhe disse que, até segunda ordem você está sob minha custódia! - disse Kyone.
- Ora... - disse Sirius, avançando.
Kyone atirou pouco acima da linha da testa de Sirius. O tiro apenas assustou Sirius, mas conseguiu um efeito colateral nada bom para Kyone: Bicuço avançou correndo na direção de Kyone e a atacou no peito.
- AAAHHH! - gritou Kyone.
- Bicuço, não! - gritou Lupin.
Foi a vez de Myoshi disparar, dessa vez para nocautear Bicuço. Um tiro muito diferente do normal para ela, ele acertou preciso no grande e penoso dorso de Bicuço, que despencou como um saco de batatas, dormente.
- O que você fez com Bicuço, sua... - voltou-se Sirius para Myoshi.
- Ele está bem! Só está desacordado! - disse Washu, segurando seu computador de bolso na altura do peito de Bicuço.
- A garota tem razão, Sirius! - disse Lupin - O Bicuço foi estuporado, só isso!
- Só isso? - disse Sirius revoltado.
- Bem, acho que a Kyone tá bem pior! - disse Ryoko.
E realmente, Kyone teve que ser erguida com cuidado: um corte feio rasgava-lhe o peito.
- Dá para consertar, pequena Washu? - perguntou ansiosa Myoshi.
- Sem problemas! - disse Washu, retirando do bolso interno de sua camisa uma espécie de band-aid gigante, o qual colocou sobre o peito ferido de Kyone.
- E então, Kyone, melhor? - perguntou Myoshi.
- Ai... Essa fera... me atacou! - disse Kyone.
- O Bicucinho não ia deixar ninguém ferir-me! - disse Sirius.
- Seu idiota! - disse Kyone - Essa arma tava setada para "Nocautear". O que ia acontecer com você foi o que aconteceu com esse bicho aí!
- Não é hora para exaltarmos os ânimos. - disse Lupin - Temos coisas mais importantes para nos preocupar, como Voldemort e Surien. Falando nisso: porque estava usando aqueles aparelhos contra o Sirius, Washu?
- Bem... Eu queria conhecer um pouco mais sobre os bruxos, e desenvolver algumas formas para detectarmos magia. Então, a partir do que sei sobre o Poder Jurai...
- Que é o poder que aquele garoto Tenchi tem, não? - perguntou Sirius, sentando-se no chão da cela.
- Exato... Bem, usando o que sei sobre o Poder Jurai, estou adaptando um sensor de bruxos, e mensurando-os, de forma que possamos ter uma idéia do que estamos pegando, entendem?
- Sim... - disse Lupin.
- Mas o que eu achei estranho no padrão de Sirius foi o seguinte: ele tem dois tipos de padrão que ficam continuamente se substituindo. É como se ele fosse duas criaturas em uma só. Para ser mais exata: é como se ele fosse um cachorro e um ser humano ao mesmo tempo...
- Ah, fala sério, Washu! - disse Ryoko - Você não pode estar falando sério! Ninguém pode ser duas criaturas em uma...
- E Ryo Oh-Ki? - disse Kyone.
- Ah, Ryo Oh-Ki não conta! Você mesmo disse que só vimos outro como ela: o Ken-Oh Ki de Nagi! Além disso, como é que uma pessoa poderia ser...
Ryoko não terminou a frase, e ficou tão abobada quanto o resto das pessoas, exceto Washu e Lupin: no lugar aonde antes estava Sirius Black, o bruxo foragido da justiça bruxa, estava agora um grande cachorro preto.
- O que? - perguntou Ryoko - O que está acontecendo?
- É como eu pensei... - disse Washu, enquanto comparava formas de onda e teclava furiosamente o "teclado" do computador da Yagami - Ele passou para a forma de cachorro. De alguma forma ele pode passar da forma de cachorro para a de ser humano de uma hora para a outra, mas em ambas as formas mantem um pouco da outra... Em geral, ele mantem o raciocínio, intelecto e outras habilidades proporcionais à forma canina, mas mantêm intacta a individualidade e outras características humanas. É mais ou menos o que acontece com a Ryo Oh-Ki: ela vira uma nave espacial, mas deixe-a ver cenouras para você ver o que acontece!
- É... Eu me lembro MUITO BEM o que essa coisinha fez com a Yagami! - disse Kyone, olhando o pequeno bicho com corpo de gato mas pernas e "bigodes" de um coelho.
- Bem, agora precisávamos que você voltasse ao normal, Sirius. Seja qual for essa sua habilidade mágica, não conseguiu a ocultar do grande gênio científico Washu! - disse Washu, rindo.
O grande cachorro negro começou a se contorcer e a crescer, voltando lentamente à forma de Sirius.
- OK, Black! - disse Kyone - O que é isso? Que tipo de mágica é essa?
- Bem, essa é uma história MMMUUUUIIIITTTTOOOO comprida. Tem certeza que querem a ouvir? - disse Sirius.
- Tudo, carinha! - disse Ryoko - Pode ir abrindo o jogo e soltando o verbo... Quero cada Pingo no I.
- OK! - disse Sirius.
Sirius e Remo puseram-se então a contar toda a história dos dois, desde que entraram para Hogwarts, até a morte dos pais de Harry Potter nas mãos de Voldemort, passando pela prisão e posterior fuga de Sirius de Askaban e por aí afora.
- ... e é isso. - disse Sirius, após quase quatro horas, enquanto tomavam um café da manhã reforçado - Se não fosse o fato de eu ser um Animago, eu ainda estaria apodrecendo em Askaban.
- Interessante... Mas todo Animago vira cachorro?
- Não. - disse Remo - Nós já lhe explicamos: um Animago pode virar um animal específico. O Sirius, ou Almofadinhas, como o chamávamos nos tempos de colégio, pode se transformar em um cachorro. O pai do Harry, Tiago, ou Pontas, se transformava em cervo, enquanto aquele imbecil do Pedro, o Rabicho, virava um rato...
- Bem, ele não mudava tanto assim! - disse Sirius - Ele sempre foi um rato, apenas ficava com o corpo de um quando estava transformado...
- Mas e você, Remo... Você é realmente um Lobisomem? - disse Myoshi.
- Infelizmente...
Os olhos de Washu brilharam na hora, e rapidamente ela começou a mensurar tudo o que podia e não podia em Remo:
- Interessantíssimo... - disse Washu - Ele apresenta uma disfunção de sinal semelhante a de Sirius, mas em menor escala. Acho que quando ele passa para lobo, a disfunção de sinal deve ser semelhante, mas para o padrão humano. Muito interessante: acho que consegui descobrir como identificar lobisomens e animagos. Podemos adaptar a Yagami com um rastrador tático para localizar animagos e lobisomens. Isso é moleza!
- Mas então... o Voldemort pode ter animagos e lobisomens a seu serviço. - disse Ryoko.
- Sim... E trasgos, dementadores, vampiros, gigantes... todo o tipo de criatura das trevas. - disse Lupin.
- E se o que diz no arquivo de Surien é verdade, e duvido que não seja, ele poderia amplificar os poderes de algumas dessas criaturas, criando versões mais poderosas delas, podendo criar exércitos delas! Ele fez isso com os Kyakk de Kanyzahn IV, segundo o que diz nos arquivos, provocando uma guerra no sistema planetário Kanyzahn!
- Uau, então esse cara é f#ão mesmo! - disse Ryoko, impressionada - Acho que vai sem bem divertido.
- Eu não acho que vá ser divertido. A maioria dessas criaturas, em seus padrões naturais já são terríveis, quanto mais com seu poder máximo. – disse Sirius, enquanto começava a conversar com Washu sobre as criaturas das trevas.
O trasgo foi preso à grande urna, conforme Surien orientara na construção. Voldemort ficou próximo a ele, observando-o. A grande câmara estava cheio de uivos, gritos, berros e lamentos, todos de dor, ódio e desespero, partindo de câmaras aonde seres de formas semi-discerníveis lançavam gritos horrendos, enquanto tentavam escapar de outras urnas como àquela aonde o trasgo estava preso, que pareciam funcionar com grandes e grotescos úteros, onde um grande mal estava sendo incubado. Trasgos e outros servos malignos menores mexiam os líquidos nojentos que envolviam as formas, ao mesmo tempo em que cutucavam as formas, de forma a impedir-lhes de sair (ou de alcançar o completo desenvolvimento). Voldemort voltou-se para Surien:
- Espero que isso dê certo! - disse Voldemort - Não me arrisquei matando trouxas à toa, imagino!
- Não, grande Lorde! - disse Surien, com sua voz diabolicamente inocente - Não há nada de errado nesse plano. Servos fiéis, numerosos e belicosos, você me pediu! E os terá! Eu garanto!
- Ótimo! Não sei que Artes Negras e Antigas trouxe das Profundezas do Universo para gerar tais criaturas, mas pouco me importo, desde que me crie os servos que tanto desejo e dos quais eu tanto necessito.
- Não tenha dúvidas, ó magnâmino Lorde Negro da Terra, esse processo funciona. Realizei-o muitas vezes, até ser aprisionado. Mas, apesar de aprisionado, estava vivo, e podia aprender. E aprendi. Adaptei minhas Artes a esse mundo primitivo, e consegui o que você está vendo.
Na urna ao lado, uma mulher bonita, loira e de traços fortes estava deitada, amordaçada, imobilizada e plenamente consciente, enquanto assistia com horror aquilo acontecer.
- Não entendo porque não podemos fazer eles ficarem inconscientes... - pensou Voldemort
- A Arte exige a dor e o sofrimento da criatura. Mas não se preocupe: essa dor e loucura irá gerar servos subservientes a você. Eles viverão e matarão aos outros e a si próprios para o servir. Eles são os guerreiros supremos que alguém poderia desejar: e mantêm o melhor de sua raça, escolhido a dedo por mim.
- Ótimo! Prossiga!
Surien baixou uma canaleta sobre o trasgo. Isso foi tudo que a mulher viu. Em seguida, um grito de dor e morte e loucura e ódio e raiva e um cheiro pungente, como carne queimada e todo tipo de nojeiras e venenos misturados.
Tão rápido quanto começou, terminou: o trasgo parou de gritar, ou ao menos não se ouviam seus gritos. Mas a mulher percebeu que o trasgo ainda sofria, pois via ocasionalmente uma mão envolvida em uma película estranha, como uma placenta hedionda, saia do sarcófago ao lado.
A mulher então observou as três figuras: uma era aquele a quem chamava de Mestre, a outra aquela a quem chamava de marido, e a terceira foi a que decidiu seu destino:
- Lúcio, espero que...
- Não, milord! Ela estava me cansando! Espero que ao menos seja útil para você! - disse o homem, de cabelos loiros e longos, observando-a com frieza, enquanto ela continuava a se debater.
- Ótimo! - disse o outro - Surien, prossiga!
Ela viu uma canaleta surgir por cima de si, e aquele a quem ela chamou de marido dizendo:
- Até o renascimento, Narcisa!
E foi quando Surien despejou o líquido.
No primeiro instante, Narcisa sentiu que o líquido ia a matar, mas foi pior: ela começou a sentir espasmos por todo o corpo. Enquanto rapidamente o líquido entrava, a mordaça soltou-se, e ela pode dizer uma última vez: "Lucio!!!!!", antes que o líquido começasse a entrar em sua garganta, modificando-a lentamente. O cheiro invadia sua narina e sua mente, enquanto os olhos passavam a ver a capa verde por cima dela. Ela tentou esticar a mão, mas não conseguir. Tentou gritar, mas sua voz não saia, a mente lentamente se despedaçando em meio ao ódio e loucura, ao mesmo tempo em que uma série de espasmos corria seu corpo, como se ele tivesse sendo mudado por algum tipo de mágica negra.
Logo, Narcisa Malfoy renasceria, mas não bonita e arrogante como antes, mas sim como um monstro de destruição e pavor, como todos aqueles que estavam nos sarcófagos, como bebês de uma criatura cheia de tumores malignos, que tomavam conta da sala, pulsando de uma forma desagradável e doentia.
Um trasgo ligou o sarcófago de Narcisa a uma das "veias" daquela "criatura". Rapidamente tentáculos perfuraram Narcisa, como se quisessem formar um novo e obsceno cordão umbilical. Narcisa continuava a lutar contra aquela loucura que a estava tomando, mas nem Lucio nem Voldemort estavam lá para ajudá-la, ou sequer para apreciar a dor dela. O único que apreciava tal dor era Surien. Que ria.
Uma risada diabolicamente inocente, infantilmente mortal...
