Nota da autora: neste capítulo, Saga está com vinte e dois anos de idade. Em minha cronologia de fics, já se passaram dois anos desde que ele prendeu o Kanon no Cabo Sounion, o gêmeo mais novo foi pro Reino do Poseidon e o Lemur tomou conta total da cabecinha do geminiano mais velho.

Lembrando que em minhas fics eu utilizo de licença poética e mudo duas coisas: a primeira é que os gêmeos são cinco anos mais velhos do que no canon original. A segunda é que Saga passou apenas seis anos crendo que Kanon havia morrido. Após esse período, o caçula descobriu que o mais velho matou o Shion (mas ainda não sabe do Lemur, acha que é o Saga de fato) e tenta se vingar dele. É aí que eles se reencontram.

Ou seja, em minhas fics, o Saga passa seis anos escravo do Lemur, e sete anos escravo do Lemur e do Kanon, totalizando assim os treze anos.

Na presente fic, vamos mostrar um pouco do luto que o Saga passou nos seis anos iniciais. Pretendo, em outra fic, detalhar como ele ficou possuído pelo demônio - mas isso fica pra depois que eu terminar essa história atual.

No mais, enjoy it!

OoOoOoOoOoOoOoOoO

Meu menino, meu milagre

V

Ele morreu.

Esse é o primeiro pensamento que tenho, todos os dias, ao acordar e me descobrir, infelizmente, ainda vivo e com alguma ciência do que acontece ao meu redor.

Jamais imaginei que minha vida fosse se transformar nesse inferno. Aliás, a palavra "inferno" é algo muito suave, muito pobre para descrever o que eu vivo agora. Ainda não foi inventado um nome significativo o suficiente para o sofrimento que eu passo.

Não quero me fazer de vítima. Na verdade, nunca gostei de fazer isso: sempre quis ser o herói, aquele que seria forte o suficiente para dar conta de mim e dos demais ao meu redor. Só que não deu certo. Todas as minhas esperanças foram em vão. Eu confiei em Atena, que ela extirparia o mal do coração de meu irmão, e em vez disso ela o deixou morrer.

No início, tentei me conformar; acreditar que a decisão de Atena era a mais acertada. Mas a minha mente racional não conseguia diminuir a dor imensa que ia em meu coração... o sentimento de desconforto inicial, de quando eu havia recentemente prendido Kanon, foi crescendo, crescendo... eu ainda tinha esperança de que ele sobreviveria, pois ficou dez dias no cárcere. Porém, na noite do décimo dia, o cosmo dele desapareceu. Desapareceu completamente. Eu por um tempo não acreditei. Esperava que ele saísse, já perdoado por Atena. E o cosmo dele desapareceu.

Não foi como eu esperava que fosse.

Eu estava sem dormir; o martírio de meu irmão não me deixou fazê-lo. Assim que o cosmo dele desapareceu, o demônio passou a me atormentar cada vez mais. Sua voz ribombava em minha mente, sem parar.

"Ele morreu. Atena não realizou o seu milagre!"

Eu não tinha palavras para revidá-lo mais. A apreensão crescera vertiginosamente e se transformara no mais puro pânico. Eu tremia, por mais que não quisesse. Meu corpo pesava, minhas pálpebras ardiam pelas noites não dormidas. Finalmente tomei coragem e fui até a Cela do Cabo Sounion, a fim de ver o que ocorrera lá.

Quando cheguei, não havia nada. Se ainda houvesse um corpo para sepultamento, eu estaria um pouco mais aliviado. Mas não havia nada.

A grade, bem como os arredores da prisão, estavam intactos. Se houvesse uma abertura, um buraco, um rombo na grade, eu poderia crer que havia saído. Mas não havia nada.

O que significava aquilo? Aquele vazio, com tudo fechado, sem corpo, sem o cosmo de Kanon, sem absolutamente nada?

Era aquilo mesmo: o Nada. E olhar para o Nada é simplesmente insuportável.

Voltei para o Santuário, inconformado. A voz terrível zombava de mim sem parar, dizendo que Atena simplesmente não se importava, agindo de maneira totalmente indiferente às minhas preces; que ela assassinara Kanon sem sequer imaginar no que aquilo poderia acarretar; que Shion também era maldito, pois se ele houvesse me escolhido para suceder ao cargo de Patriarca, a revolta de Kanon jamais teria acontecido...

...e meu gêmeo ainda estaria, indubitalvelmente, vivo.

A dor não diminuía. Me rasgava por inteiro internamente, e eu não sabia o que fazer. Sabia que devia me controlar, pois tinha meus deveres como Santo de Gêmeos; mas não conseguia deixar de sentir aquela angústia. Para tentar aplacar um pouco de todo o horror, resolvi beber. Justamente eu, que jamais gostei de beber. Qualquer coisa alcoólica que tivesse à mão poderia me servir, e em meu desespero, tentando manter um mínimo de sanidade e calma, eu bebi. Muito. Bebi tanto, que quando me estirei na cama, mal sentia os próprios pés.

Quando ficamos muito tempo sem dormir, o corpo simplesmente "apaga" de sono, estejamos onde estejamos. Eu apaguei completamente. Sabia que ia acontecer algo de muito terrível caso dormisse, pois o ser que me atormentava estava cada vez mais forte. E mesmo assim não resisti: me deixei apagar, sentindo o sono me tomar de forma inexorável.

Nunca mais fui o mesmo depois disso. Pois durante meu sono, o demônio tomou meu corpo e o fez matar Shion. Eu não me lembro de como ou quando isso aconteceu: só lembro vagamente de perguntar ao Grande Mestre sobre o porquê de ele não ter escolhido a mim para sucedê-lo. E em seguida mais nada. O Nada outra vez, invencível e implacável.

Quando acordei, soube que o ser maligno havia matado o Grande Mestre se utilizando de minhas mãos e de meus poderes. O desespero só aumentou: antes era o ser maligno latente. Depois, a morte de Kanon. Então a morte do Patriarca. Onde aquele disparate todo ia parar?!

Desolado, pela primeira vez na vida quis cometer suicídio. Tentei, mas minhas mãos não obedeceram. O demônio tomou minha mente por completo, e eu já não podia mais agir como queria. Ele movia meu corpo a seu bel prazer. Ainda em pânico, percebi que estava preso dentro de meu próprio corpo. Sem poder fazer coisa alguma a respeito.

Tentei gritar, mas a voz não saiu. Em seu lugar, o riso tenebroso da entidade maléfica a brotar de meus lábios sem que eu pudesse controlar. Quis morrer novamente, mas não consegui. Quis gritar, mas não consegui. O demônio me possuíra completamente.

Não suportando mais tamanha desgraça, apenas entrei em inconsciência. E o ser maligno simplesmente adorou, pois assim estaria livre para agir conforme desejasse.

Às vezes ainda consigo me impor, quando o que o ser maléfico quer fazer é muito absurdo. Mas isso é raro. Na maioria das vezes, quem domina a situação é ele.

Jamais pensei que minha vida ficaria tão horrenda. Do jeito que as coisas estão, somente sairei disso depois que morrer. E nem isso eu posso fazer. Tal tem sido a minha vida durante dois anos, e é um tormento o qual, francamente, nem eu mesmo sei como aguento sem enlouquecer completamente.

Todavia, por mais que Shion tenha morrido e eu tenha sido dominado, o primeiro pensamento que tenho, todos os dias, logo ao despertar, é justamente esse:

Ele morreu.

E em seguida minha mente entra num torvelinho de culpabilizações e dores: me culpo por ter matado meu próprio irmão. Logo após, culpo mentalmente a Shion, por não ter me escolhido como seu sucessor. E depois culpo a mim mesmo, por ter matado o Sacerdote.

Esse tormento não tem fim. Eu fico o dia inteiro somente pensando em coisas horríveis, e depois vou até as coisas de Kanon. Eu as observo, eu as abraço, eu até mesmo as cheiro. Eu o quero junto de mim, mas após ver que ele não voltou... que ele jamais saiu da Cela, a qual se transformou em seu túmulo... eu percebo que não posso controlar tudo ao meu redor.

A minha esperança é que, um dia daqui séculos ou mesmo milênios, eu possa renascer junto com ele. Mesmo que de nada me lembre, e que possamos viver em paz. Sem esse demônio horrível, sem mortes desnecessárias. Sem nenhuma dessas coisas as quais eu abomino grandemente.

Às vezes, por mais que não consiga morrer, eu consigo entrar em inconsciência. Quando não consigo, muitas vezes tento ajudar as pessoas nas vilas adjacentes. Para tornar meu fardo suportável, o ser abjeto não me impede de fazê-lo. Mas me atormenta sobre a minha suposta hipocrisia. Ele cisma em dizer que na verdade quem fez todas aquela barbaridades fui eu...

Não cedo. Sei que não fui eu, e nessa condição terrível na qual me encontro, uma das poucas táticas de sobrevivência da qual posso lançar mão é justamente pensar que tal mal não vem de mim.

Com muita frequência, sinto a falta de Kanon. É claro: nossos corpos eram iguais, nossas vozes eram iguais... éramos gêmeos afinal de contas. Ainda somos gêmeos, por mais que ele tenha morrido.

Quando a dor me corta a alma de maneira muito intensa, eu chamo pelo espírito de Kanon. Eu chamo mesmo por Atena ou por qualquer outro deus benevolente o qual possa vir a ter misericórdia de mim.

E mais uma vez ninguém me responde. Tenho de lidar com o mais completo Vazio, com o Absoluto Nada. Apenas o silêncio, a solidão e a voz terrível desse demônio a me atormentar dia após dia.

Creio que tudo isso foi castigo por eu ter matado meu próprio irmão. Tudo, toda a situação, perdeu o controle justamente quando eu o prendi e dias depois ele morreu. Depois daquilo, nada nunca mais foi o mesmo. Nada nunca mais será o mesmo.

E o parasita abominável, triunfal diante de minha derrota e minha angústia, apenas sorri... ri, gargalha mesmo em minha mente, e volta a repetir as palavras de desesperança as quais costuma proferir:

"O Amor não existe. Milagres não existem. Os seres humanos estão sozinhos neste mundo, e nada pode salvá-los da tragédia iminente que permeia a vida. Não adianta lutar".

E após proferir tais coisas, o ser horrendo ri mais uma vez... e eu caio em prostração, ficando quieto, imóvel dentro deste corpo-prisão durante dias... semanas... meses... sem poder reagir e sem poder aplacar esta terrível dor por um segundo que seja.

To be continued

OoOoOoOoOoOoOoOoO

Esse período da história do Saga é algo que eu considero muito cruel. Somente ele tendo sido uma pessoa muito forte psicologicamente pra ter suportado o Lemur sem entrar em parafuso completamente. Coitado do Saga, ele era bonzinho, não merecia isso não.

E eu reparo que o Lemur usou mais da culpa no Saga ("você é mau de verdade", etc, quando não era), enquanto no Kanon foi o ódio. A culpa aumenta o que existe e até mesmo cria o que não existe. Já o ódio deixa a pessoa cega, o que aconteceu com o Kanon ao sequer perceber que fora salvo pela própria Atena. Até o Ikki percebeu e ele não, kkkkkkkkkk!

Sobre a dominação do Lemur: na obra clássica, sempre considerei que ficou bem estranha e sem maiores motivos. Nas minhas fics, coloco que a dominação da entidade se deu pelo luto de Saga pela suposta morte de Kanon.

E não sei se vocês sabem, mas as lendas da constelação de Gêmeos são permeadas do luto de Pólux, o irmão mais velho, pela morte de Castor, o mais novo. Ele não suporta a morte do irmão e por isso vai implorar a Zeus que traga seu irmão de volta. Para tanto, Cástor teve de dividir a imortalidade com o irmão, e então um passava um dia no Mundo dos Vivos e outro no Mundo dos Mortos; e vice-versa.

No caso do Saga, ele doou a própria dignidade, waaaaaaaaaa! E mesmo assim ficou anos achando que tinha matado o maninho! Isso é muito horrível...

Ah, e tem outra lenda, interessantíssima, envolvendo o Cabo Sounion. Egeu estava no Cabo, esperando o filho retornar da guerra, e havia sido combinado que, caso as velas de sua embarcação fossem negras, ele (Teseu) teria morrido.

As velas vieram da cor negra e Egeu pensou que o filho estava, de fato morto, e se matou ao se atirar do Cabo Sounion ao mar. Por isso o mar daquela região é chamado justamente de "Mar Egeu". Mas o filho na verdade estava vivo; apenas havia esquecido de falar para trocar a cor das velas... Egeu se desesperou pela "morte" de alguém que ainda estava vivo.

A história do Saguinha é parecida: ele achou que o Kanon tinha morrido e não se matou (só porque não conseguiu, porque querer eu tenho certeza que ele queria) mas foi dominado pelo demônio. Reparem que a partir da prisão do Kanon nada nunca mais foi o mesmo, sequer no Santuário como um todo. E no entanto o Kanon estava vivo o tempo todo. Só morreu mesmo na encoxada que deu no Radamanthys, rsssss!

Creio que essa questão, a do luto, principalmente a de um "twinless twin" pelo outro, teria sido bastante pertinente caso fosse explorada na obra original, principalmente pelos possíveis paralelos com as lendas que já existem. Mas já que não foi, a gente explora nas fics. Rsssss!

Beijos a todos e todas! Obrigada por lerem!