Título: Os anjos de Anúbis
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, sobrenatural
Pares: YohjixKen
Resumo: Os gatinhos da Koneko se vêem envolvidos com uma nova parceira. Mas nada é tão simples quanto parece.


Os anjos de Anúbis
Kaline Bogard


Capitulo 04 – Sábado
... os anjos se revelam.

(Yohji) Ken, acorde...

(Ken) Huuummm... o que foi, Yohji?

(Yohji) Eu sei que é cedo, mas o Omi e eu vamos levar Aya ao médico. Você segura as pontas na Koneko até a gente chegar?

(Ken) Claro. Então o Aya ainda não acordou?

O loiro balançou a cabeça, de modo desanimado.

(Yohji) O Omi tá preocupado.

Apesar de não dizer nada, Ken sabia que Yohji também estava preocupado, e não era pra menos.

(Ken) Aya é forte. Não deve ser nada grave...

Queria se convencer disso...

(Yohji) Eu sei que é sábado, e o movimento sempre aumenta, mas acho que não vamos demorar.

(Ken sorrindo) Não se preocupe. Eu não sou tão distraído assim...

(Yohji) Eu sei. Até logo.

Abaixou-se, e depositou um beijo carinhoso nos lábios do jogador, depois saiu do quarto, deixando o moreninho ainda sonolento, esticado entre as cobertas. Era mais cedo que o habitual, mas era natural que estivessem preocupados com Aya.

(Ken) O que será que ele tem?

Acabou decidindo levantar-se. Trocou de roupa e foi até a cozinha, onde como sempre, Setsuko já estava em pé, terminando de preparar o café.

Ken sentou-se em uma cadeira, e aguardou em silêncio que Setsuko terminasse de arrumar tudo. Depois a garota sentou-se ao lado de Ken, e encheu duas xícaras com café, estendendo uma para o jogador, e ficando com a outra.

(Ken) Obrigado.

(Setsuko) Ken...

(Ken) Hum?

(Setsuko) Sobre ontem a noite...

O moreninho sentiu-se desconfortável, falando desse assunto. Não era da natureza dele ser bisbilhoteiro. As vezes era um tanto impertinente, mas quem gostava mesmo de bisbilhotar era Omi...

(Ken) Não se preocupe.

(Setsuko surpresa) O que?

(Ken) Você não me deve explicação nenhuma. Pelo contrário, eu devo lhe agradecer por salvar minha vida.

(Setsuko) Ken...

(Ken sorrindo) Mas você é forte, hein? Bem que eu queria fazer esse tipo de coisa. Por isso você se tornou uma defensora do branco?

(Setsuko) Mais ou menos... a gente nunca sabe o que o destino nos aguarda, não é?

(Ken) É. Por isso a vida é tão maravilhosa. Que graça teria se eu soubesse de tudo o que vai me acontecer? Imagine acordar de manhã, sabendo que é seu último dia vivo... er... você tem esse tipo de poder? Tipo, ver o futuro?

(Setsuko triste) Não... não tenho. Se eu tivesse, teria defendido Seita...

(Setsuko) "E poderia defender você, Ken..."

O jogador percebeu que Setsuko estava triste, e preocupada com alguma coisa, decidiu que não queria vê-la desse jeito, e sorrindo, segurou as mãos dela entre as suas.

(Ken) Qual é sua flor preferida?

A pergunta pegou Setsuko de surpresa. Onde ele queria chegar?

Depois de pensar por alguns segundos, Setsuko decidiu-se.

(Setsuko) Magnólias.

(Ken surpreso) Magnólias?!

(Setsuko sorrindo) Sim. Eu adoro magnólias. São minhas flores preferidas.

(Setsuko) "E preferidas de Seita também."

(Ken) Então anime-se! Eu vou pegar todas as magnólias que tiver na Koneko, e vou fazer-lhe o arranjo mais maravilhoso que você já viu!

(Setsuko) Ken...

(Ken) Depois disso, se você quiser me contar sua história, eu ouvirei com prazer.

A garota olhou atentamente para Ken, não sabendo o que pensar a respeito.

O jogador percebeu que Setsuko estava confusa, e resolveu deixá-la sozinha, para que pudesse reorganizar suas idéias.

(Ken) Eu vou abrir a floricultura agora. Sei que é cedo, mas vou aproveitar para procurar as magnólias. Essa não é a flor mais famosa entre nossas clientes... e eu espero ter alguma em algum lugar... e... não se preocupe... eu sempre cumpro minhas promessas... e se prometi que você terá um arranjo de magnólias, você terá.

A garota balançou a cabeça concordando, porém mal o jogador virou as costas afastando-se, ela caiu em pranto sentido.

(Setsuko) "Ken... me perdoe..."

oOo

Yohji ia dirigindo o carro, muito pensativo. Tinha na mente as imagens da missão anterior, e principalmente o modo brutal como os bandidos haviam sido mortos... tá certo que eram vilões, mas nunca tinha visto tanta crueldade...

Estavam se aproximando de um hospital. No fim, Omi achara melhor levar o ruivo direto para um pronto socorro, pois se ele precisasse de algum tratamento, eles ganhariam tempo.

Omi viajava abraçado a Aya no banco de trás, sempre passando a mão sobre os fios de cabelo macios do amante. E pronunciava palavras de carinho no ouvido do ruivo. Não sabia se ele podia ouvir, mas queria que Aya soubesse que não estava sozinho, que Omi estava ali com ele, para ele.

(Yohji) Não se preocupe, chibi. Não é nada de grave, tenha fé.

(Omi) Obrigado, Yohji.

Então, para surpresa de ambos, Aya abriu os olhos, e olhou ao redor, sentindo-se confuso.

(Omi) Aya... AYA!!

(Aya confuso) O que está acontecendo?

(Omi) Yohji! Pare o carro!

O loiro encontrou uma vaga para estacionar, e depois virou o corpo, a fim de poder observar o pálido líder da Weiss.

(Omi chorando) Aya! Aya!

(Aya) O que foi?

(Yohji) Você está bem?

(Aya irritado) E por que não estaria?

(Yohji) Aya, você ficou desacordado por mais de vinte e quatro horas...

(Aya surpreso) O que?

(Yohji) Ken encontrou você caído no chão da sala na sexta feira de manhã... e hoje já é sábado... deixou todo mundo preocupado... principalmente o chibi...

O ruivo abaixou a cabeça, olhando para o loirinho que chorava de modo descontrolado, agarrado ao seu corpo.

(Aya) Omi... não fica assim, eu estou bem.

(Yohji) Mas o que houve afinal? Você sentiu alguma dor? Passou mal? Não é melhor ir até o hospital, fazer uma consulta?

O ruivo parou pra pensar por um segundo, depois passou a mão pelos cabelos.

(Aya pensativo) Eu não sei... me lembro de ter ouvido um barulho... desci para ver quem era... e acabei pegando na extensão do telefone...e... e...

Finalmente as lembranças da noite de quinta feira vieram-lhe a memória, como peças de um quebra cabeças, e Aya pode lembrar-se de tudo.

A medida em que cada fato se tornava claro, os olhos do ruivo iam se arregalando de maneira espantada e urgente.

(Aya) Onde está o Ken?!

Yohji surpreendeu-se com o tom usado por Aya. Ele parecia preocupado...

(Yohji) Ficou em casa, com Setsuko...

(Aya) Yohji, dê meia volta, rápido! Precisamos chegar até a Koneko!

Alertado pela maneira como Aya agia, Yohji ligou o motor, e saiu a toda, quase batendo em um carro que vinha em sentido contrário.

(Yohji) O que foi, Aya? O que aconteceu?

O ruivo olhou preocupado para Yohji, decidindo se devia lhe dizer ou não. Ainda não sabia de toda a história, mas tinha certeza de que Ken estava correndo perigo.

(Omi) Diz o que é Aya. Não deixe o Yohji preocupado...

(Yohji) Se diz respeito ao Ken, eu tenho direito de saber.

Aya fechou os olhos e suspirou. Apesar de ter recebido um golpe mental relativamente forte e haver dormido por tanto tempo, ele não se sentia mal, nem com nenhuma conseqüência.

(Aya) Quinta feira a noite, eu ouvi uma conversa de telefone entre Setsuko e uma outra pessoa... elas estavam combinando os detalhes de um plano...

(Yohji confuso) Plano? Como assim, Aya, explica direito...

(Aya) Pelo que eu entendi, Setsuko havia usado esse tal de Seita como isca, para pegar um assassino... mas o plano falhou... e esse Seita desapareceu sem deixar vestígios...

(Omi) Que maldade, usar o próprio amigo para pegar um assassino...

(Yohji) Aya... você não está dizendo que ela pretende... MEU DEUS!!

(Aya) Isso mesmo...

O chibi sentiu-se confuso, não entendendo a linha de pensamento dos dois homens mais velhos.

(Omi) O que ela pretende, Aya?

O ruivo depositou uma mão sobre a cabeça de Omi, de forma carinhosa.

(Aya) Você se lembra que Setsuko dizia que Ken era muito parecido com o Seita? Quase idêntico?

(Omi) Lembro, é claro. Ela não disse isso apenas uma vez...

(Aya) Então, Omi...

O loirinho raciocinou por alguns segundos, e finalmente entendeu, arregalando os olhos.

(Omi) Você quer dizer que eles vão repetir o plano, mas vão usar Ken como isca, dessa vez?!

O silêncio foi a resposta do chibi. Cada vez mais incrédulo, ele voltou os olhos para Yohji, que estava muito quieto, segurando o volante com força.

(Yohji irritado) Por isso ela disse que faria o Ken sofrer...

(Aya) E isso não é tudo...

(Omi) O que foi, Aya?

(Aya) Setsuko tem poderes psíquicos... ela descobriu que eu havia ouvido seu plano, e me atingiu com um golpe mental muito forte... acho que foi por isso que eu apaguei tanto tempo.

(Omi) Poderes?

(Yohji pensativo) Ontem, durante a missão, nossos alvos morreram de forma muito estranha... eu não sabia como explicar, até agora...

(Omi) Poderes... como os de Nagi?

(Aya pensativo) Acho que sim...

(Yohji surpreso) Claro! Ela disse que seu sobrenome era Hashiru... e me soou familiar, embora não lembrasse de onde nem em que ocasião havia tido contato. Agora eu me lembro... durante uma investigação de assassinatos hediondos, Asuka e eu fomos afastados do caso, e quem assumiu foi um membro da família Hashiru... eu me lembro agora que o fulano era um médium famoso... eu fiquei puto da vida na época...

(Aya) Faz sentido...

(Omi) E durante a conversa, alguém mencionou sobre datas? Quando o plano será realizado?

(Aya) Ele já está sendo realizado, Omi. Pelo que eu entendi, desde o dia em que Setsuko chegou.

(Omi) Então desde quarta feira, o Ken é um alvo em potencial? Mas como ela sabe que o assassino viria aqui, até o Ken?

(Aya) Isso eu não sei. Não sei se o assassino agirá hoje, ou mês que vem, e creio que nem mesmo Setsuko poderá responder essa pergunta. Só sei que temos de arrancar a verdade dela de qualquer jeito... e o mais importante, temos de proteger o Ken... antes que seja tarde demais...

Um sentimento de urgência tomou conta do coração do playboy. O seu Ken estava correndo perigo!

Pisando no acelerador, Yohji dobrou uma esquina, cantando os pneus e queimando o asfalto. Aya e Omi seguraram-se nos bancos, mas nenhum dos dois reclamou, nem mesmo o frio líder da Weiss. Apenas podia imaginar a preocupação que Yohji estava sentindo, e não tirava-lhe a razão em sentir tanta pressa. Cada segundo poderia ser fatal.

(Yohji) Ken...

oOo

Depois que Ken saíra, Setsuko ainda chorara por um longo tempo. Perdida em sensações e dúvidas, que não sabia expor em palavras.

Como Ken podia ser tão gentil, e tão inocente ao mesmo tempo? Apesar de tudo, ele não enxergava o perigo a que estava sendo submetido? Ela lhe dera várias dicas e...

(Setsuko) MENTIROSA... a quem quer enganar? Você não o preveniu... o fez acreditar que se sentia apaixonada... ocultou-lhe a verdade... eu não tenho perdão...

Cobriu o rosto com as mãos e suspirou.

(Setsuko) Mas não é tarde demais! Eu posso contar toda a verdade ao Ken e aos outros. Não vou mais expô-lo. A dormência em meu braço sumiu, não sei o que significa, mas eu não vou perder tempo com especulações.

No fundo, Setsuko se sentia fraca e incapaz. Quando soubera do plano que usaria Seita como isca, sua mente havia gritado, protestando de forma indignada ao analisar todos os riscos... e no fim, não conseguira evitar. Nada.

Apenas ficou quieta, vendo Kenji, o líder da equipe elaborar todo o esquema, até que o assassino desconhecido agiu, de forma rápida e imprevista, roubando-lhe seu amado Seita, e acabando com todo o grupo.

Dos quatro integrantes de sua equipe, apenas ela saíra com vida. Kenji e Masao estavam indiscutivelmente mortos e enterrados... mas Seita... o pobre e inocente Seita estava desaparecido. Nem 'vivo' nem 'morto'... nada que indicasse onde ele estava... e que lhe garantisse a paz que seu espirito merecia.

Setsuko tinha certeza de que ele estava morto. Sabia que seu corpo não mais respirava, mas... tinha que encontrá-lo... precisava encontrá-lo!

(Setsuko) DROGA!!

Para encontrar seu querido Seita, Setsuko precisava de outra isca, algo que atraísse o assassino, e que pudesse levá-los até seu esconderijo... precisava arriscar Ken para poder reencontrar Seita...

Mas os riscos... os riscos eram muito grandes! Seria algo que justificasse tudo? Valeria a pena no final? Setsuko queria acreditar que sim... mas...

(Setsuko chorando) Que eu faço?

Sua mente estava confusa. Ela passava por um conflito jamais imaginado. Seu coração estava dividido entre Seita e Ken.

Era certo que Ken não tinha a mesma importância em sua vida que havia tido Seita... não dava nem para comparar...

Mas Setsuko sentia que arriscando Ken dessa maneira era como uma reprise do seu erro no passado. E quais seriam as conseqüências? A morte de Ken? A morte de todos os integrantes da Weiss?

Ou infinitamente pior: Ken também seria levado pelo assassino, roubando a oportunidade de Setsuko finalmente encontrar Seita... Setsuko teria que passar por tudo de novo? Teria que ser julgada pela morte de seu querido Seita e depois pela morte de Ken?

(Setsuko) Não... não posso permitir...

Levantou-se decidida. Sabia o que tinha de fazer. Já havia tomado sua decisão, e sabia que era a acertada.

(Setsuko) Não vou levar esse plano a diante. Agora eu vejo perfeitamente. Seita estava chorando em meus sonhos, porque sabia que eu faria parte dessa monstruosidade... perdão, Seita... perdão pelo que eu te fiz, e perdão por não encontrar seu corpo e lhe dar a paz... mas eu preciso proteger a vida. Preciso impedir que essa tragédia se repita pela segunda vez, e por minha culpa mesmo...

Aproximou-se do telefone e o tirou do gancho.

(Setsuko) Finalmente eu entendo sua mensagem, querido Seita...graças a Kami Sama não é tarde demais...

Ia discar o números, quando parou surpresa. Sentiu que o formigamento voltava, mas de forma diferente. Uma dormência insuportável tomou conta de seu braço, se espalhando por todo o tronco e consequentemente as pernas.

A fraqueza que veio a seguir foi tão forte, que Setsuko não resistiu, suas forças fugiram, e ela caiu no chão, de forma pesada e desajeitada.

Nem em seus piores pesadelos ela havia se sentido assim. Não entendia aquela mensagem de seu subconsciente. Por que estava perdendo as forças de uma maneira tão radical? Se ficasse caída ali, não podia ligar para Manx, e cancelar aquele plano tão cruel.

Estava prestes a perder os sentidos, quando teve uma última visão. Viu Seita e Ken juntos, lado a lado, segurando pequenas estatuetas que lembravam muito as feitas pelos egípcios antigos.

Seita abriu as mãos, e deixou que sua estatua, a da deusa Tote, caísse e se quebrasse. A estatua que Ken segurava, também tinha a forma de Tote, mas no instante em que a estatua de Seita se quebrou, a de Ken se transformou, e Setsuko percebeu surpresa que passara a ser um ídolo do deus Anúbis.

A imagem de Seita desapareceu, e Ken olhou muito tristemente para Setsuko.

(Ken) Setsuko... o décimo quinto foi encontrado... Osiris vai ficar satisfeito agora.

Segurando firmemente a estatueta de Anúbis, a imagem de Ken desapareceu.

(Setsuko confusa) O que isso quer dizer? O assassino vai agir hoje? Tudo está perdido?!

Sua visão escureceu, e a sala rodopiou, provocando enjôos na garota.

(Setsuko) "O que eu posso fazer, Seita? Responda, meu querido... irmão..."

Desmaiou, antes que pudesse receber qualquer resposta...

oOo

(Ken) Merda!

O moreninho estava totalmente espantado. Havia revirado toda a Koneko, e não encontrara nenhum vaso com magnólias. Nem unzinho...

(Ken) Acho que nossa floricultura anda meio defasada... vou falar pro Yohji diversificar um pouco... não devemos viver só de rosas e orquídeas...

Olhou em volta desanimado.

(Ken) Talvez se eu substituísse por... margaridas... eca!! Melhor não...

Pegou algumas dálias e colocou sobre o balcão. Não eram suas flores preferidas, mas vira Yohji fazendo um arranjo com essas flores outro dia, e havia ficado realmente bonito... talvez se ele caprichasse... mesmo não sendo (muito) bom em montar esses arranjos...

A Koneko estava estranhamente vazia. Nenhuma cliente havia entrado. Tá certo que ainda era cedo, mas não era mais tão cedo assim... então... quem sabe fosse um aviso do destino, tendo a paz para montar um arranjo de... dálias. Paciência.

Estava reunindo coragem para começar sua tarefa, quando a porta se abriu, e um rapaz entrou.

Era alto, tinha cabelos longos e claros, presos em um rabo de cavalo. Os olhos eram azuis, e um tanto frios, mas nem por isso menos sedutores. A roupa que usava era elegante, sem exageros apesar de um pouquinho fora de moda.

(Ken sorrindo) Pois não?

(Koji) Ah, hoje você está atendendo...

(Ken confuso) Já nos conhecemos?

(Koji) Mais ou menos. Meu nome é Koji, e eu já estive aqui outras vezes.

Ken compreendeu que aquele era o rapaz que causara sua briga com Yohji na quarta feira.

(Ken) "Puts! Foi apenas quarta feira? Parece que faz tanto tempo... foi no mesmo dia que Setsuko chegou..."

(Ken) É... o Yohji comentou comigo...

(Koji) Você chamou muito minha atenção... a sua beleza...

O moreninho ficou vermelho, sentindo-se envergonhado pela forma direta com que o estranho lhe elogiara.

(Ken) ...

(Koji) Durante muito tempo eu procurei... alguém que fosse tão belo como você... em todos os sentidos, não apenas o físico... cometi erros... muitos erros eu admito, mas finalmente minha busca acabou...

(Ken) O que quer dizer com isso?

(Koji surpreso) Yohji não deu meu recado a você?

(Ken confuso) Recado? Que recado?

(Koji sorrindo) Vejo que não. Ken... você é o décimo quinto... minha busca acabou.

(Ken curioso) Décimo quinto? Isso é bom?

Koji soltou uma gargalhada divertida e satisfeita. Sim, Ken era perfeito, era exatamente o que havia procurado por tanto tempo... não tinha palavras para descrever sua emoção. Queria apenas olhar para o moreninho por horas e horas... por toda eternidade... e era exatamente isso o que faria...

(Koji) Isso é bom. É muito bom... eu vivi muito tempo procurando pelos quinze Anjos de Anúbis... tive muito trabalho, é claro... rodei o mundo todo... e consegui reunir catorze deles...

(Ken surpreso) Anjos de Anúbis? Isso não é mitologia egípcia? Eu nunca ouvi falar nesses anjos...

(Koji) Você conhece a história do Egito?

(Ken sorrindo) Mais ou menos. Acho fascinante.

(Koji suspirando) Você é mesmo perfeito...

Esse novo elogio cobriu as faces de Ken de rubor, para o prazer de Koji.

(Ken) Mas... e esses anjos? Na mitologia egípcia não existe esse termo 'anjo'...

(Koji sorrindo) É verdade... essa parte eu precisei adaptar. Originalmente, seriam os quinze mensageiros de Osiris, aqueles que acompanham o Devorador de Almas... algo como os anjos da cultura ocidental.

A explicação deixou Ken um pouco ressabiado. Não via ligação entre uma coisa e outra. E além disso, conhecia a história do Devorador de Almas... o ser que destruía as almas cujos corações impuros não passavam no teste de Anúbis...

(Ken) ...

(Koji) O décimo quinto anjo... me deu tanto trabalho... e inúmeras decepções... mas finalmente eu te encontrei... e tenho que admitir que valeu pelo esforço...

(Ken) ...

(Koji) Ken... você será meu décimo quinto anjo e fará parte do meu triunfante trabalho!

Agora Ken estava mais do que apenas ressabiado. Achou melhor cortar a conversa por ali, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Koji sacou uma pequena pistola do bolso do casaco e apontou para Ken.

(Koji) Você não tem o direito de recusar. Ao nascer belo desse jeito, recebeu o destino sagrado de Osiris. Aceite sem reclamar a dádiva dos deuses...

Apertou o gatilho mal fazendo mira, e o moreninho sentiu uma picada no pescoço.

Um frio penetrou em suas veias, e percorreu todo o seu corpo. A floricultura começou a rodar e Ken caiu sem sentidos sobre o balcão.

Koji guardou a arma de volta no bolso, e depois pegou Ken nos braços, parando um segundo para admirar-lhe a face.

(Koji sorrindo) Obrigado, poderosa deusa Cnum... por criar algo tão perfeito. Osiris ficará satisfeito, com a minha dádiva... mas não mais do que eu... por poder admirar esse garoto... para sempre...

Saindo de seu transe, Koji abandonou a floricultura, sabendo que jamais Yohji e os outros poderiam encontrá-lo, nem mesmo desconfiar de que ele era o responsável.

Agora poderia se preocupar somente em transformar Ken no décimo quinto anjo de Anúbis... e isso seria feito o mais rápido possível... ou seja... essa noite mesmo...

oOo

Yohji estacionou o carro de qualquer jeito, e saindo apressado, dirigiu-se para a floricultura.

Aya e Omi não perderam tempo, e depois de trancar o carro (Yohji nem se lembrou disso) acompanharam o playboy.

Yohji abriu a porta da Koneko, e parou surpreso. O local estava vazio. Não havia nenhum cliente, e ninguém para tomar conta.

Devagar, o loiro aproximou-se do balcão, reparando no vaso de dálias, que parecia ter sido esquecido por alguém.

Sentindo um aperto no coração, Yohji pressentiu que nada de bom poderia vir dessa constatação. Tinha certeza de que o moreninho não deixaria a floricultura abandonada dessa maneira, com a porta destrancada, a menos que fosse obrigado a isso.

Os outros dois assassinos entraram na loja, olhando ao redor, e também não gostaram do que viram.

Sem falar nada, Aya trancou a porta da floricultura e dirigiu-se para a casa.

(Omi) Calma, Yohji, talvez ele esteja com a Setsuko...

O loiro fechou os olhos com força, querendo mesmo acreditar nessa hipótese, mas algo o avisava de que não era bem assim... acabou seguindo Aya e Omi.

Os três entraram na casa, cheios de precaução. Com certeza o local estava muito silencioso. Estranhamente silencioso.

Sem saber o que esperar, deram de cara com Setsuko, caída no chão, aparentemente desmaiada.

(Yohji) O que houve aqui?

Percebeu que o telefone estava fora do gancho. Colocou-o no lugar, enquanto Aya pegava a garota nos braços e a depositava no sofá.

(Omi) Setsuko... Setsuko! Acorda!!

O chibi estava ajoelhado próximo ao sofá, e dava pequenos tapas na face da garota. Parecia inútil, como no caso de Aya, ela parecia mais do que apenas desmaiada. Era quase como se estivesse em coma.

(Yohji) Parece que aconteceu com ela o mesmo que aconteceu com o Aya...

(Aya) Espero que não seja o mesmo caso. Se Ken foi levado pelo assassino (e eu tenho certeza que foi), não temos tempo a perder.

(Yohji) Mas se ela não acorda!

Segurou a garota pelos ombros, e começou a chacoalhá-la. Todo seu esforço foi inútil.

(Omi) Não adianta, Yohji. Já sei, eu vou até a farmácia comprar alguns sais, e já volto! Vê se não mata ela até lá!

(Aya) Não demore, Omi...

(Omi) Certo!

O loirinho saiu feito um raio da sala, e logo eles ouviam a porta da frente se fechando.

Aya resolveu ir até o quarto de Setsuko, tentar descobrir algo de útil, e Yohji foi com ele.

(Yohji) Se eu ficar sozinho com essa ai sou capaz de acordá-la na base da violência...

(Aya) Hn.

Yohji abriu a porta do quarto, e olhou em volta. Aparentemente nada havia mudado, estava com a mesma aparecia de quando Ken ainda o usava.

Sem nenhuma cerimonia, Yohji começou a abrir algumas gavetas, que sabia serem usadas por Setsuko, e Aya foi olhar na mochila em que ela trouxera suas roupas.

(Yohji) Aqui só tem roupa... ei, espere ai, Aya, vem ver isso...

Era um envelope pardo, idêntico aos que Manx trazia com as missões. Tinha um peso acima da média, o que despertou o interesse dos dois assassinos.

(Aya) O que tem dentro?

Yohji aproximou-se da cama, e despejou todo o conteúdo do envelope sobre o colchão.

Surpresos, viram que o pacote continha dezenas de fotos de Ken, em diversas ocasiões. Haviam fotos do moreninho trabalhando na Koneko, várias fotos dele em frente a loja, sobre a moto, incontáveis imagens de Ken jogando futebol, ou simplesmente andando na rua.

O playboy olhava cada uma delas com crescente espanto. Percebeu que havia algumas folhas junto das fotos, e pegando-as, começou a ler. Sentindo um gosto amargo na boca, Yohji passou as folhas para Aya, que apenas correu os olhos sobre elas.

(Aya) É uma descrição de todos os hábitos de Ken...

(Yohji) Como eles sabem tanto?

(Aya) Yohji...

O loiro olhou fixamente para Aya, durante alguns segundos.

(Yohji) Você acha que Pérsia...

Apontando as fotos e o relatório com a mão, Aya fez uma careta irritada.

(Aya) E ainda resta dúvidas?

(Yohji furioso) Aquele desgraçado teve MESMO coragem de fazer isso?!

(Aya) Não sei por que, mas não me surpreende. No começo, eu desconfiei de Setsuko, mas achei que ela havia usado algum truque para enganar Manx. Agora vejo que não foi preciso truque nenhum... Manx sabia de tudo, desde o começo...

O ruivo olhou a mochila de Setsuko, que ainda segurava. Estava totalmente vazia, e faltava olhar apenas um dos bolsos.

Mesmo sem ter esperança de encontrar alguma pista, Aya abriu o pequeno zíper, e surpreso, descobriu que havia uma foto ali dentro.

(Aya) Yohji, olhe isto.

Ambos observaram a foto. A imagem mostrava Setsuko, com os cabelos negros um tanto mais curtos, abraçada com um garoto que tinha as feições parecidas com Ken: cabelos castanhos e curtos, pele morena, expressão sorridente... apenas os olhos que estavam fechados não podiam ser comparados. Era óbvio que se tratava de Seita.

(Yohji) Mas... ele parece mais novo que ela, não?

(Aya irritado) Isso é óbvio. Esse garoto é mais novo que Ken. Deve ter no máximo uns dezessete anos...

(Yohji) A semelhança é mesmo incrível...

(Aya) Você está certo. São mesmo parecidos... quando ele tiver a idade de Ken será mais parecido ainda...

(Yohji amargo) Ele NUNCA terá a idade de Ken...

(Aya) ...

(Yohji) Você se esqueceu que esse Seita já era e o próximo da lista é o Ken?! Eu não posso esquecer! E vou lá acordar essa maldita garota agora mesmo, nem que seja na base da porrada!

(Aya) Matá-la não vai adiantar de nada!

(Yohji) Eu sei! Mas vou me sentir muito melhor depois de quebrar alguns ossos daquela... daquela...

Levantou-se disposto a colocar suas idéias de espancamento em prática, mas Aya foi mais rápido e segurou-lhe o braço com força.

(Aya) Não, Yohji. Não piore as coisas.

(Yohji) Piorar as coisas? Que engraçado, Aya... você preocupado com Setsuko...

(Aya irritado) Não estou preocupado com ela. E sim com o Ken. Setsuko é a única que pode nos dar uma pista de onde Ken está, e se você pretende estragar tudo quebrando os dentes dela, eu vou ter que quebrar os SEUS!!

(Yohji)...

(Aya) Imagino o que você deve estar se sentindo, mas aquela garota lá embaixo é a única chance que o Ken tem. Por mais que você a odeie, não ponha tudo a perder.

O loiro suspirou profundamente, esfregando os olhos de modo cansado.

(Yohji) Você está certo, Aya... me desculpe... eu vou ficar aqui em cima... a hora que o Omi chegar, você por favor me avisa?

O ruivo entendeu que Yohji queria e precisava ficar sozinho.

(Aya) Claro.

Saiu do quarto encostando a porta atrás de si. Mal se viu sozinho, e Yohji voltou para a cama, continuando a observar os papéis e fotos.

Seus olhos pousaram sobre uma das fotos, onde Ken estava sentado sobre a moto, segurando o capacete em uma das mãos e um pequeno papel na outra mão. Parecia pronto pra mais uma entrega, e sorria... apesar de tudo Ken sempre sorria...

(Yohji) Ken... eu não vou perder você...

Aya observou Setsuko, e percebeu que ela ainda estava desacordada. Depois observou o relógio do DVD player. Já passava das onze horas.

(Aya) Melhor encomendar alguma coisa.

Foi até a cozinha e discou para um restaurante. O ruivo sabia que era uma situação absurda, pensar em comida numa hora dessas, mas a verdade é que ele não tinha nada pra fazer, e como Omi estava demorando...

O rapaz da entrega trouxe tudo que Aya havia encomendado, e poucos minutos depois, finalmente Omi chegou.

(Omi) Desculpe a demora. A farmácia estava lotada, e só tinha uma moça para atender. Ela acordou?

(Aya) Não.

(Omi) Cadê o Yohji?

(Aya) Tá lá no quarto do Ken. Me dá os sais, que eu vou usá-los em Setsuko, enquanto isso chama o Yohji.

(Omi) Tá!

O loirinho subiu as escadas correndo, e logo desceu seguido por Yohji.

Aya já estava na sala, e percebendo que estavam todos ali, encostou os sais no nariz de Setsuko, fazendo com que a garota espirrasse, ao mesmo tempo em que sua face se contraia numa careta irritada.

(Yohji) Acho que funcionou.

(Omi) Eu trouxe o mais forte de todos...

(Yohji pensativo) Deveríamos ter feito isso com Aya...

(Aya) ...

Então Setsuko teve nosso acesso de espirros, finalmente abrindo os olhos, e fitando todos os integrantes da Weiss ali presentes. Sentiu perfeitamente o ar de irritação e o clima de hostilidade que havia no ambiente.

(Omi) Você está bem?

(Yohji) Espero que sim, porque talvez o Ken não esteja...

Setsuko olhou surpresa para Yohji, e depois abaixou a cabeça.

(Setsuko) Então já aconteceu?

(Aya irritado) O que você quer dizer com isso?

(Setsuko) Ken foi levado?

(Yohji furioso) FOI!!

Sentia vontade de voar no pescoço daquela garota e esganá-la, mas as palavras de Aya ainda estavam em sua mente, e Yohji sabia que ele estava certo. Se matasse Setsuko agora, Ken não teria chance nenhuma.

(Setsuko) Pelo menos vocês estão vivos... sinto muito pelo Ken, mas é tarde demais para ele...

(Omi) O que?

(Aya) Não diga isso! Faz poucas horas que ele desapareceu, não deve ser tarde demais, não ainda!

(Yohji) Tem que ter uma saída, um jeito! Você não tem nenhuma pista sobre esse assassino misterioso?

(Setsuko) Nenhuma.

(Aya) Por que não começa nos explicando tudo?

A garota olhou para os três assassinos, analisando-os por um minuto. Depois resolveu contar-lhes. Eles tinham direito de saber.

(Setsuko) Esse caso começou a dois anos atrás. Nossa equipe havia sido formada especialmente para desvendar 'Os crimes de Anúbis'... era assim que Kenji os chamava...

(Aya) Kenji?

(Setsuko) Kenji era o líder da nossa equipe. Éramos quatro: Kenji, Masao, Seita e eu. Seita era o mais novo, e com certeza o mais poderoso de nós quatro...

(Yohji) Todos tinham poderes?

(Setsuko) Todos nós. Ao longo das investigações, fomos montando um quebra cabeças tão assustador, que eu cheguei a querer desistir, mas já era tarde. Cada um de nós quatro tinha uma função no grupo. A Kenji cabia a tarefa de... capturar o assassino, eu deveria usar meus poderes para defender Seita, Masao montava o perfil do assassino, e Seita... Seita era...

(Yohji) A isca...

A garota olhou surpresa para Yohji, pensando no quanto ele estaria furioso com ela.

(Setsuko) Sim, Seita era a isca. Masao era perfeito em seu trabalho, e logo tínhamos uma série de informações, contendo locais que o assassino gostava de freqüentar, e coisas que ele gostava de fazer, e assim colocamos o plano em ação.

(Omi) O plano?

(Setsuko) Atrair o assassino até Seita.

(Yohji) Mas... como?

(Setsuko) Sabíamos que o assassino tinha certa preferência por rapazes com o físico de Seita... a maioria dos desaparecidos tinha entre dezessete e vinte anos, cabelos castanhos ou negros, curtos e lisos, também praticavam algum tipo de esporte...

(Aya) Começa a fazer sentido...

(Setsuko) Então espalhamos informações sobre Seita pelos meios em que o assassino costumava freqüentar, e assim, o trouxemos até nós.

(Aya) Mas o plano falhou...

(Setsuko) Não contávamos que o assassino também tivesse poderes paranormais.

Os três integrantes da Weiss receberam essa notícia com espanto incalculável. Um assassino com poderes paranormais...

(Aya) E o que aconteceu?

(Setsuko) Vocês trabalham em uma floricultura, e nós tínhamos um petshop... o assassino freqüentou o local por algum tempo, e uma manhã, sem que pudéssemos esperar, ele simplesmente entrou, e usando seus poderes matou Masao e depois Kenji. Eles não tiveram tempo nem de reagir. Depois ele se voltou contra mim... eu estava apavorada, não esperava esse tipo de ataque... então... então...

Todos perceberam que a garota estava prestes a romper em lágrimas. Parecia que vivia o horror daquele dia novamente, mas Yohji não se comoveu. Tinha muito a perder, e não ia permitir que uma garota histérica o atrapalhasse.

(Yohji irritado) Então...O QUE?!

Ela engoliu o choro, e respirou fundo.

(Setsuko) Ao invés de proteger Seita, eu usei meus poderes para me proteger. O assassino usou um golpe tão poderoso em mim, que eu perdi os sentidos, mas não cheguei a morrer, graças a proteção psíquica que usei em mim mesma.

(Aya) Quando você acordou, Seita tinha sido levado...

(Setsuko) Eu nunca mais vi meu amado Seita...

(Yohji irritado) Acho que não era tão amado assim...

(Aya) Mas você disse que viu o assassino... então você sabe como ele é...

(Setsuko) Não. O golpe que ele usou afetou minha memória. Eu não me lembro da face dele... apenas algumas características. Sei que ele tem cabelos longos e claros, e olhos azuis.

(Aya) Isso não ajuda muito.

(Omi) O que mais vocês sabiam?

(Setsuko) Chegamos a conclusão de que esse assassino agia baseado em uma antiga mitologia egípcia, que descreve alguns seres de excepcional beleza...

(Yohji) Merda. Não quero saber de lendas. Quero saber como tiveram coragem de fazer isso com um companheiro de vocês! E o que é pior, como puderam envolver o Ken?!

(Setsuko) Sabendo os locais que o assassino costuma freqüentar, foi fácil implantar pistas que o trouxessem até a Koneko (propagandas com fotos do Ken, exibições das partidas em que Ken era a estrela, mais fotos...), e conseqüentemente ao Ken...

(Omi surpreso) Como você é fria, Setsuko... você não amava o Seita?

(Aya enojado) Se ela teve coragem de usar o namorado, você acha que ela ia hesitar em usar Ken, um total desconhecido?

Setsuko arregalou os olhos surpresa. Eles estavam achando que Seita era seu namorado? Seu amado Seita... claro, ela dera todas as pistas para isso... seria de se esperar que chegassem a conclusão de que eram namorados...

Resolveu contar a verdade, talvez conseguisse um pouco de paz para a sua consciência.

(Setsuko) Seita não era meu namorado...

(Aya) Como não?

(Setsuko) Ele era meu irmão mais novo...

(Omi surpreso) Seu irmão?

Aya empalideceu profundamente, não querendo acreditar em seus ouvidos. Yohji abriu a boca e esqueceu de fechá-la.

(Aya) Você usou o próprio irmão?

Pensou em Aya chan, sua irmã, que estava cada vez pior, internada naquele hospital. Sabia que ele, o frio e insensível líder da Weiss não teria coragem de usar a própria irmã em um plano tão sórdido.

Yohji saiu de seu torpor, afastando-se do sofá, e dando as costas para a garota.

(Yohji) Você matou seu próprio irmão, Setsuko... entregou-o de bandeja nas mãos de um assassino frio... aposto que ele não sabia que era a isca para prender um assassino, não é?

(Setsuko) Acertou. Seita nem mesmo desconfiava...

(Yohji) Setsuko... que espécie de monstro é você? Que demônio maldito se esconde nessa pele de anjo? Um ser que não tem sentimentos? Porque saiu do inferno? Porque não ficou lá com os outros demônios? Só assim pessoas inocentes como Seita e Ken poderiam viver em paz!

(Setsuko) É muito fácil você ficar ai, me condenando, e jogando essas coisas horríveis na minha cara! Você diz que eu não tenho sentimentos? Pois eu TENHO! EU TENHO SENTIMENTOS!! Você pode imaginar como é deitar todas as noites e acordar todas as manhãs sabendo do que eu fiz?

Levantou-se do sofá e aproximou-se de uma parede, ficando de costas para os três. Yohji voltou-se, e olhou para Setsuko, aguardando que ela continuasse.

(Setsuko) Eu fiz o que tinha de fazer. Você fala, como se Seita fosse a única vítima, mas... você sabe quantas pessoas esse assassino já matou? Não tenho os números exatos, mas seguindo o perfil traçado, o número de jovens desaparecidos, com as mesmas características de Seita e Ken é assustador.

(Omi) Outras vítimas?

(Setsuko) Usar Seita como isca foi uma medida desesperada, mas era a luz que havia no fim do túnel... sabe quantas pessoas ele matou depois de Seita e antes de pegar o Ken? Achamos que são pelo menos quinze jovens...

(Aya) Quinze...

(Setsuko) Em menos de seis meses... eu não usei Ken para uma vingança pessoal e mesquinha, apenas quero evitar que mais pessoas sofram, que mais famílias passem pela dor de perder seus entes queridos.

(Yohji) Eu não quero mais ouvir nada. Você acha mesmo que vai me convencer? Você tem mais é que sofrer, por ser essa pessoa terrível que você é. Nada justifica o que fez, e nada justifica usar o Ken, arriscar a vida do Ken desse jeito.

(Omi pensativo) Um demônio com rosto de anjo...

(Setsuko) Aliás, essa é a lenda que o assassino usa.

(Omi) Como assim?

(Setsuko) Acreditamos que ele mata baseado em uma mitologia do Egito antigo.

(Yohji irritado) Não quero saber de lendas! Preciso de uma pista concreta que nos leve ao Ken.

(Aya suspirando) Fale mais sobre essa lenda.

O ruivo estava confuso e assustado, com tudo o que havia descoberto. Setsuko era mesmo uma pessoa surpreendente. Sentindo que precisava reorganizar as idéias, Aya pediu que Setsuko explicasse a tal lenda.

(Setsuko) O assassino está tentando montar um quadro famoso de hieróglifos, que conta a história do deus Anúbis, e os quinze anjos do Devorador de almas.

(Omi confuso) Como assim?

(Setsuko) O quadro mostra catorze sombras, que seriam como 'anjos' que acompanham o Devorador de almas, e acredita-se que o décimo quinto seja o próprio deus Osiris, embora poucas pessoas discordem dessa teoria, pois Osiris é sempre representado pela imagem de uma múmia, e nesse quadro...

Enquanto ouvia a explicação, Yohji parou de respirar. Aquilo estava soando-lhe familiar... já havia ouvido falar em algo semelhante... mas... onde fora?

Ao lembrar-se, o loiro arregalou os olhos, e sentiu as pernas fraquejarem, caindo de joelhos no chão, soltando apenas um gemido, e levando as mãos a cabeça.

(Yohji) Merda... merda... MERDA!!

Aya, Omi e Setsuko ficaram assustados com isso. Não esperavam que a história de Osiris perturbasse tanto o playboy.

Totalmente furioso, o playboy ergueu-se e acertou um chute na mesinha de centro, fazendo o tampo de vidro se quebrar em mil pedaços.

Omi arregalou os olhos de modo espantado, e recuou um passo, preocupado com os cacos de vidro que voaram em todos os sentidos.

O loiro continuou chutando tudo o que via pela frente, num acesso incontido de fúria e incapacidade. Aya já estava ficando preocupado com a súbita 'loucura' do playboy, resolveu 'sossega-lo' com dois ou três socos, mas o que o loiro disse a seguir o deixou paralisado.

(Yohji) MALDITO KOJI!! EU DEVIA SABER! MALDITO MALDITO MALDITO!!

(Aya surpreso) Koji? Aquele rapaz que fez você brigar com Ken?

(Omi) O que houve, Yohji?

(Aya irritado) Acalme-se, Yohji, e explique-se!

(Yohji) Esse maldito continuou rondando a Koneko, e voltou aqui na sexta feira!

(Omi) E o que tem demais?

(Yohji) Ele me perguntou sobre o Ken... e pediu que eu desse um recado para ele.

(Aya) Que recado?

(Yohji) Ele pediu que eu avisasse ao Ken, que ele era o 'décimo quinto'... eu não entendi isso na hora...

(Setsuko) Você deu o recado?

(Yohji) Claro que não! Eu pensei que o cara fosse doido, como eu ia saber?

(Setsuko) Você sabe como esse Koji é?

(Omi) Sim, Yohji sabe, todos nós sabemos...

A garota respirou profundamente, e sentou-se no sofá.

(Setsuko) Yohji, venha aqui. Se você viu o rosto de Koji, e se lembra das feições dele, então nem tudo está perdido.

Meio ressabiado, Yohji sentou-se no sofá ao lado da garota. Setsuko estendeu as mãos, e segurou o rosto do playboy.

(Setsuko) Espero... que não seja tarde demais...

Então Yohji sentiu uma coisa estranha, como se alguém entrasse no recanto mais profundo da sua mente, e pudesse ler tudo, até seus pensamentos mais secretos.

(Yohji)"Acho que isso vai me dar dor de cabeça..."

E foi a última coisa que pensou, antes da sensação piorar, e o loiro perder os sentidos.

oOo

Ken abriu os olhos, e olhou ao redor espantado. Cerrou as pálpebras rapidamente, pois uma tontura estranha fez com que todo o ambiente rodopiasse lhe dando enjôos.

Alguns minutos depois tentou abrir os olhos novamente, dessa vez a tontura foi mais fraca e o moreninho viu que estava em um quarto amplo, deitado sobre uma grande cama entre cobertas macias.

Sentando-se sobre a cama, ele procurou reconhecer o local, mas definitivamente não tinha a menor idéia de onde estava.

Além da cama, havia uma poltrona e um grande espelho, e mais nada. A porta dupla de madeira estava fechada, e pesadas cortinas vermelhas escondiam as janelas.

(Ken) Mas... que lugar é esse?

Levantando-se devagar, pois ainda sentia umas vertigens, dirigiu-se até as cortinas, e afastando uma delas, aproximou o rosto do vidro, tentando enxergar a paisagem lá fora. Missão quase impossível, pois estava escuro, e o moreninho não conseguiu ver nada além do próprio rosto refletido no vidro.

Porém, Ken teve a sensação de que não estava no térreo, e sim no segundo ou terceiro andar de uma casa (ou prédio...)

(Ken) Mas...

A última coisa de que se lembrava era daquele homem estranho lhe apontando uma espécie de arma, e depois... branco total...

O moreninho ficou absolvido em pensamentos preocupados, quando a porta de madeira se abriu, causando-lhe um pequeno susto.

(Koji) Ah! Você acordou! Está tudo bem? Imagino que você deve estar se sentindo um tanto... estranho, mas não se preocupe, é efeito do tranqüilizante que eu usei...

O rapaz se dirigiu a poltrona, e sentou-se muito a vontade.

(Koji sorrindo) Porque não se senta também? Vamos conversar.

Sentindo-se totalmente arisco com aquele homem, Ken dirigiu-se até a cama, e sentou-se sobre ela, sem tirar os olhos de Koji em momento algum. Por sua vez, o loiro também seguia atentamente os passos do jogador, sem parar de admira-lo.

Mesmo depois de Ken se sentar, Koji ainda ficou admirando-lhe por muito tempo, até o moreninho sentir-se incomodado e pouco a vontade.

(Ken) Ahem...

Saindo do transe, Koji sorriu.

(Koji) Desculpe. Eu ainda me surpreendo com você, Ken. Geralmente as pessoas estariam em pânico, ou assustadas, mas você não. Você está apenas em guarda, sem saber o que esperar de tudo isso.

(Ken) ...

(Koji) Mas não fique envergonhado. Isso não deixa de ser o elogio supremo de minha parte. Não há nada mais desagradável do que um jovem atleta em pânico. Confesso que já tive dificuldades em... dominá-los...

Nesse momento Ken engoliu em seco. Não havia gostado do som da palavra 'dominá-los'. Como se lesse seus pensamentos, Koji procurou desfazer as dúvidas do jogador.

(Koji) Por favor, não tenha medo. Eu não usei o verbo 'dominar' com sentido sexual. Por favor não me julgue um simples aproveitador. Nem me passa pela cabeça abusar de você, Ken... por mais tentadora que seja essa idéia. Fique tranqüilo quanto a esse respeito.

(Ken) Eu... sinto muito... mas é que a situação é atípica...

(Koji) Eu sei. E se me permite, vou explicar-lhe tudo... mas antes, faz algum tempo que você está aqui, e imagino que deve estar com fome, já que já passa e muito da hora do almoço... venha comigo, por favor.

Levantou-se e foi em direção a porta, sabendo que Ken o seguiria. E realmente o moreninho o fez. Mais por curiosidade de saber o porque estava ali, do que por fome realmente.

Como Ken havia suspeitado, eles estavam no segundo andar de uma casa, e após descerem uma ampla escadaria, saíram em um longo corredor com inúmeras portas em ambos os lados.

Chegando em frente a segunda do lado direito, Koji parou, e abrindo a porta, fez um gesto para que Ken entrasse.

O local era uma sala de jantar enorme, como as que o jogador havia visto apenas em filmes. No centro dela havia uma mesa comprida, com espaço para pelo menos cinqüenta pessoas. Os dois primeiros lugares estavam arrumados, como se já esperassem visitas.

E sobre a mesa estava arrumada uma grande quantidade de comida.

(Ken surpreso) Nossa.

(Koji sorrindo) Eu sei. É assustador, mas achei que você se sentiria mais a vontade aqui, do que em uma mesa para dois, estou certo?

(Ken) É... está...

(Koji) Sente-se, pode ficar a vontade.

E para deixar o jogador menos encabulado, ele mesmo pegou um prato e se serviu, terminando por encher uma taça com vinho branco.

Ken observou tudo em silêncio, não sabendo como agir. A verdade é que fora seqüestrado, e não se sentia bem almoçando com seu captor... era por demais estranho...

Suspirando, Koji acabou por pegar um prato vazio, e depois de enchê-lo, entregou para Ken.

(Koji) Não se faça de rogado! Você não comeu nada desde essa manhã. Não quero que você passe fome. De jeito nenhum!

Temendo irrita-lo, Ken pegou um garfo, e comeu um pouquinho, totalmente sem vontade. Recusou uma taça com vinho. Ainda não sabia (e não entendia) o que se passava, e não queria ter a mente embaçada pelo álcool ao conversar com Koji.

(Koji) Ah, sim, a hora dos esclarecimentos... vamos ver como você vai reagir... seus sucessores foram... er... no mínimo constrangedores... ficando histéricos e chorando... se preocupando... com exceção do décimo quarto, é claro... mas até ele não resistiu, quando soube do destino glorioso que teria...

Ao ouvir Koji falando com tanto entusiasmo, Ken não pode evitar um calafrio. Aquele loiro parecia um tanto... louco...

(Koji sorrindo) Mas você não... você foi diferente! Desde a floricultura, até mesmo agora. É tão fantástico... sinto como se você fosse o próprio Devorador de Almas...

(Ken desanimado) Essa não é uma comparação muito elegante...

O outro soltou uma boa gargalhada.

(Koji pensativo) Sabe, Ken, o que eu considero a melhor coisa do mundo?

(Ken) O que?

(Koji) A beleza. A beleza da vida. Eu passei os últimos anos procurando uma forma perfeita, que tivesse beleza inigualável. E a dois anos atrás, ao observar um quadro referente a hieróglifos egípcios, eu me deparei com a beleza perfeita: a beleza do Devorador de almas, protegido por seus catorze espíritos... ou 'anjos' se preferir.

(Ken) Eu já vi esse quadro a que você se refere, é o 'Os anjos de Anúbis' não é?

(Koji sorrindo) Sim, esse mesmo. A maior parte dos estudiosos diz que o décimo quinto anjo é o próprio Osiris, mas eu sei que não é assim, o décimo quinto anjo é na verdade o maravilhoso Devorador de almas...

(Ken) Eu não diria que ele é exatamente 'maravilhoso'...

(Koji) Ele é como você, Ken... pune os que não são puros de coração, estraçalhando-lhes as almas... é o que você faz na escuridão da noite, não é? Pune os maus, tirando-lhes a vida... estou errado?

(Ken) ...

Não sabia o que falar. Era exatamente isso o que ele fazia.

(Koji) Eu tenho muito dinheiro, Ken. Mais do que poderia gastar em vinte vidas. E comecei a ter uma preocupação. Eu quero deixar algo para o mundo,. Deixar a minha marca. Algo que todos saberão que fui eu quem fez... depois de muito pensar, eu cheguei a conclusão de que tinha de achar um jeito de preservar a beleza. Enganar a morte, salvando a beleza perfeita para as futuras gerações, mesmo que me mantendo no mercado negro...

(Ken) E o que você fez?

(Koji) Comecei a restituir o quadro 'Os anjos de Anúbis', usando anjos de verdade...

(Ken surpreso) Anjos de verdade?

(Koji sorrindo) Sim... seres humanos tão belos e perfeitos, que pareciam anjos...

(Ken) Não entendo...

(Koji) Vai entender.

(Ken) Mas... eu não sou...

O loiro nem permitiu que Ken continuasse a protestar.

(Koji) Eu andei o mundo todo, procurei e procurei... consegui encontrar garotos que fossem perfeitos para representar os anjos... mas para o Devorador de almas, eu queria o que fosse MAIS PERFEITO e o que fosse MAIS BONITO... e finalmente encontrei...

(Ken) Mas... por que eu?

(Koji) Quando eu digo o mais bonito, não quero dizer só beleza exterior (e isso você tem de sobra). Eu quero dizer beleza interior também. Esse seu jeito ingênuo de olhar o mundo e essa grande inocência de acreditar nas pessoas, não importando o quão terríveis elas podem ser...

(Ken) Koji...

(Ken) Isso é muito raro, Ken... e eu quero proteger com todas as minhas forças esse seu coração precioso e gentil.

(Ken) Mas... o Aya é mais bonito que eu! Até o Yohji e...

Mas o loiro fez um gesto de desprezo, como se a simples idéia de comparar Ken a Aya e a Yohji fosse repugnante demais para ser levada em consideração.

(Koji) Hunf... eu te disse que AMO a vida. E o que ela representa. Você vem e me fala sobre Aya, e sua beleza de mármore. Eu conheço o tipo de Aya, dono de uma beleza física inigualável e fria como a morte. Sim, ele é frio e distante, totalmente o oposto de você. Eu não quero que o Devorador de almas seja representado por uma beleza assim, sem sorrisos, sem o brilho que apenas seus olhos tem, Ken. Se eu quisesse a beleza de Aya, não iria atrás de anjos, apenas contrataria um artista, para esculpir pedras, porque mesmo uma pedra cinzenta pode ser moldada, até ficar bela como Aya...

(Ken surpreso) ...

(Koji) Eu não quero belezas como as de seus companheiros. A frieza de Aya, a futilidade de Yohji e o exagero de Omi... nada disso serve para o Devorador de almas. Apenas você pode representá-lo. Você e sua beleza quente, viva! Seu coração fervoroso que acredita nas pessoas, e confia nelas. Ken, seja o meu Devorador de almas! Aceite fazer parte dessa grandiosidade que o mundo nunca viu igual!

(Ken) Eu não acho que seja bem por ai...

Estava confuso com aquilo tudo. Afinal de contas, o que Koji queria dizer com aquilo? Que era aquele tal de quadro que ele iria reconstituir? Por que precisava dele? Seria uma peça de teatro?

(Koji sorrindo) Ken! Não é uma peça de teatro... longe disso!

O moreninho arregalou os olhos... Koji havia lido sua mente?

(Koji) Isso mesmo, meu garoto. Eu posso ler a sua mente... e esse é apenas um dos meus truques...

Desistindo de comer, Ken largou o garfo ao lado do prato. Aquilo estava ficando cada vez mais confuso e mais assustador. Olhou para Koji, sentindo-se perdido e assustado.

(Koji) Não tenha medo, Ken. Eu jamais lhe faria mal. Nem mesmo em pensamentos. Já lhe disse isso antes.

(Ken) É que...

(Koji) Vejo que perdeu o apetite. Venha comigo. Está na hora de você conhecer a minha obra prima...

Sem poder evitar, o moreninho sentiu um novo arrepio gelado, percorrendo-lhe as costas de alto a baixo. Com certeza era um dia de muitas surpresas...

Yohji abriu os olhos sentindo uma baita dor de cabeça. Era até pior do que as ressacas depois da bebedeira.

(Yohji) Ahn...

(Omi sorrindo) Tudo bem, Yohji?

(Yohji) O que houve?

O loiro sentou-se no sofá onde estivera deitado e olhou ao redor. Percebeu que os cacos da mesa que ele havia quebrado estavam empilhados em um canto da sala, junto com o resto da mesma.

Apenas Omi estava com ele ali.

(Omi) Setsuko utilizou os poderes dela para vasculhar sua mente em busca de... bom, um tipo de "energia" do Koji...

(Yohji) Ah... é, eu me lembro disso.

Tava explicada a dor de cabeça...

(Omi) Agora Setsuko e Aya estão lá fora, tentando encontrar a "energia" de Koji.

(Yohji confuso) O que?

(Omi) Nem me pergunte... Setsuko me explicou, mas... é tão complicado...

(Yohji) Chibi, tente me explicar, por favor... não me deixe no branco!

(Omi) Bom... ela disse que cada pessoa tem uma energia diferente... que os egípcios antigos chamavam de... Ka.

(Yohji desanimado) Mais mitologia egípcia?! Por favor, não...

(Omi) Setsuko disse que poderia localizar o Ka de Koji, desde que algum de nós pudesse canalizar essa energia... e como você é o que mais se encontrou com esse assassino pode gravar melhor no seu inconsciente...

O loiro estava tentando acompanhar aquela explicação, mas parecia tudo tão ilógico... e ainda tinha aquela droga de dor de cabeça...

(Yohji) E porque Setsuko não tenta canalizar o Ka do Ken? Não seria mais fácil, já que ela conhece-o pessoalmente?

(Omi) Mas Setsuko disse que nossa casa e a Koneko estão repletas de energia Ka do Ken. Se ela tentasse localizá-lo, sentiria sempre as vibrações desses locais...

(Yohji) Ah...

Não estava certo de ter entendido bem, mas tentaria digerir essas informações, afinal, era tudo o que tinha, e precisava se apoiar nessa teoria.

(Omi) Vai ficar tudo bem...

(Yohji) E se... esse Koji freqüentava outros lugares com assiduidade? E se Setsuko sentir a energia de Koji em muitos lugares ou lugares muito distantes?

Omi olhou com tristeza para Yohji, o loiro deveria estar se moendo de preocupação... e não era pra menos...

(Omi) Yohji...

(Yohji) Será que o Ken está bem?

O chibi olhou Yohji em silêncio por alguns segundos. Definitivamente Omi não tinhas as respostas para as duvidas do playboy...

Aya observava Setsuko de maneira interessada. Estava curioso vendo as reações da garota. Depois que ela terminara de sondar a mente de Yohji, havia saído para os fundos da casa, e com um pedaço de giz branco desenhara inúmeras evocações misteriosas dentro de um circulo mágico.

Agora a garota permanecia ajoelhada no centro exato do circulo, com as mãos unidas como se estivesse orando.

O ruivo podia ver muito vagamente uma onda de energia, ou Ka, como ela havia explicado, fluindo em volta do corpo da garota.

Já fazia algum tempo que eles estavam ali, e o ruivo se perguntava se havia sentido em perder tempo assim, mas... não tinham escolhas...

Então, para surpresa de Aya, o corpo de Setsuko começou a brilhar, soltando uma energia muito poderosa, que se dispersou por todo o ambiente, fazendo o ruivo se arrepiar de modo estranho.

Havia uma sensação de fatalidade tão grande, como se uma tragédia estivesse preste a acontecer e não pudessem fazer nada para evitar.

(Setsuko) Encon...trei...

oOo

Ken olhava curioso para a porta dupla que estava a sua frente. Parecia que por trás daquela porta estavam escondidos todos os segredos de Koji e o famoso quadro "Os anjos de Anúbis"...

(Koji) Espero que você não se assuste... pode parecer estranho, mas tenho certeza que você vai se acostumar com a idéia...

E o loiro abriu as portas, fazendo um gesto para que Ken o seguisse.

Num primeiro momento o moreninho não pode enxergar nada, devido a escuridão em que a sala se encontrava. Mas Koji acendeu um pequeno interruptor, iluminando todo o ambiente.

O jogador olhou à sua volta, e abriu os olhos de modo surpreso. Não podia acreditar no que via.

O local era uma ampla sala, sem janelas e com apenas aquela porta. Não havia móvel nenhum, com exceção de uma pequena mesa, que estava cheia de vidros e frascos. Alguns cheios, outros vazios...

Mas o que assustara o moreninho, era o "quadro" de Koji...

A obra prima do loiro se tratava de quinze grandes cilindros, dispostos em uma espécie de semi circulo. Os sete cilindros da esquerda estavam enfeitados com ideogramas e desenhos negros, assim como os sete cilindros da direita.

O cilindro do meio era diferente, mais bonito e caprichado, todo decorado com ideogramas dourados.

Em cima de cada cilindro havia uma luz especial, que dava reflexos prateados nos vidros, em uma magnífica ilusão.

Ken deu alguns passos, cada vez mais surpreso com o que seus olhos viam. O que assustava não eram os grandes cilindros, ou os reflexos das luzes... o que metia medo era o que tinha DENTRO dos cilindros...

Com exceção do cilindro dourado, todos os outros tinham um jovem dentro, imerso dentro de uma espécie de líquido conservante. Formol para ser mais exato.

E cada um dos garotos usava uma espécie de manto branco.

(Ken) O que é isso?

(Koji sorrindo) Minha obra prima... eu procurei cuidadosamente por cada um desses jovens, essa foi a minha busca pela perfeição...

(Ken) Eles... estão mortos?!

Parecia óbvio que os jovens estavam mortos... ninguém podia respirar dentro de um recipiente como aqueles cilindros, repletos de um liquido denso, e Ken entendia isso, mas a verdade é que a face dos jovens estava tão serena, tão tranqüila que na verdade eles pareciam adormecidos...

(Koji) Eu sei... mas eles estão mortos sim. Vou lhe explicar tudo...

(Ken) Eles parecem dormir...

(Koji) Ouça, Ken... preste muita atenção no que eu vou lhe dizer, pois não quero que você tenha nenhuma dúvida...

A muito custo o moreninho desviou os olhos dos cilindros, espantado pelos corpos que estavam dentro de cada um deles.

(Ken)...

Começou a se assustar realmente com a situação. "Aquela" era a obra prima de Koji, aqueles jovens mortos eram o quadro que ele tanto falava... e agora o loiro queria que ELE fizesse parte de tudo isso? Então quer dizer que...

(Koji) Quer dizer que eu vou matar você...

Muito pálido, Ken recuou um passo, e olhou de forma instintiva para a porta, que Koji fechou com apenas um gesto da mão direita.

(Ken)...

(Koji) Eu disse que você poderia se assustar, não foi? Mas eu vou lhe explicar tudo.

O loiro aproximou-se dos cilindros, e puxando o jogador pelo braço, indicou os jovens que estavam dentro dos recipientes.

(Koji) Incrível, não é? Você achou que eles pareciam dormir, mas essa não é a verdade. Eles estão mortos, eu mesmo matei cada um deles... essa foi a forma que eu encontrei de conservar a beleza, Ken.

(Ken) Mas...

(Koji) Os egípcios antigos acreditavam que o ser humano era composto por duas forças: o Ka e o Ba. O Ba, se trata da vitalidade física, que de acordo com as crenças, sai do corpo humano, quando a pessoa morre. Esse era o meu desafio, encontrar um modo de evitar que o Ba abandonasse o corpo... eu tinha de encontrar um meio de manter a vitalidade presente, mesmo depois que não existisse mais o Ka.

(Ken) Eu conheço o conceito de Ka e Ba.

(Koji) Por isso você é tão fantástico. Mas, deixando todas as lendas e mitos, eu tentei achar um modo real de matar meus jovens anjos... e encontrei. A morte perfeita.

(Ken receoso) E qual é?

(Koji) Ken, você já viu alguém que falece durante o sono?

(Ken)...

(Koji) Parece que a pessoa vai acordar a qualquer momento... e sua face fica tão tranqüila... tão confiante... e foi isso o que aconteceu a esses jovens: todos os catorze morreram durante o sono... e é isso o que vai acontecer com você... essa noite.

(Ken)...

(Koji) Olhe para a face desses garotos... não parecem perfeitos? Não parece que eles ainda estão cheios de Ba... mesmo que o Ka não esteja mais presente? Sim, eu consegui... vou preservar a beleza deles, para sempre!

Deixando de escutar as loucuras de Koji, Ken leu uma coisa que o deixou arrepiado de surpresa. O segundo cilindro da direita, que estava ocupado com o corpo de um jovem de mais ou menos dezessete anos, e era o mais bonito de todos.

Tinha cabelos castanhos como os de Ken, rosto parecido, e até mesmo a estatura parecia igual.

Mas o que chamou a atenção do moreninho foi uma pequena inscrição com o nome da vítima.

(Ken) "Hashiru Seita"...

(Koji sorrindo) Irmão de Setsuko...

A surpresa de Ken não teve tamanho. Irmão de Setsuko? Então Seita era irmão da garota, e não namorado como o moreninho pensara anteriormente...

(Ken confuso) Mas... você conhece Setsuko?

(Koji) Claro! Ela usou seu belo irmão para me prender, mas não conseguiu... eu achei Seita tão bonito, que quase o usei para ser o Devorador de Almas... mas Setsuko espalhou "pistas" que me apresentaram você, Ken. Ai eu entendi que você e só você era perfeito para ser o Devorador de Almas...

Muitas dúvidas surgiram na mente do moreninho, afinal eram descobertas demais para apenas uma noite.

(Ken) Então, você mata esses jovens porque quer preservar-lhes a beleza? Você não pode dizer que ama a vida, enquanto priva as pessoas de viver!

(Koji) É complicado, mas eu sei que é a coisa certa a se fazer.

(Ken) Mas...

(Koji) Você não se admira da beleza desses jovens? Você não pode entender o que eu sinto? Porque? Você será o próprio Devorador de almas... abra sua mente, e tente enxergar as possibilidades.

(Ken) Não dá pra entender a lógica do seu pensamento. Como você pode achar isso belo?

Apontou para os cilindros, sentindo o coração angustiado.

(Koji) Talvez você ache minha mente distorcida, mas isso não me importa. Valeu o esforço de capturar e preparar cada um desses garotos. Eu sempre soube, e sempre esperei pelo momento em que teria a chance de completar minha obra prima. E esse é o momento! Estou tão feliz, Ken!

(Ken) Você é mais louco do que eu pensei...

Mas Koji apenas sorriu. Sabia que não era fácil para uma pessoa aceitar que era chegado o momento do fim... ainda mais alguém tão cheio de vida quanto Ken...

Sabia no entanto que o jogador estava se comportando exemplarmente. Era incrível a frieza de Ken num momento crítico desses. Até mesmo Seita havia se desesperado na hora das revelações, mas o integrante da Weiss estava calmo demais...

(Koji) Você entende a grandiosidade do meu projeto?

(Ken) Grandiosidade? Você é apenas um assassino! Rapta pessoas, tira-as de suas rotinas, e depois de mata-las, ainda faz essa coisa bizarra!

(Koji) Bizarra? Pode até ser... mas meu trabalho já correu todo o submundo, e eu recebi propostas incríveis por vocês...

(Ken surpreso) O que?

(Koji) Milionários no mundo todo já deram seus lances, pensando apenas em adquirir essa raridade...

(Ken) No fim tudo se resume a isso, não é? Dinheiro... você tirou a vida de todos eles apenas pensando em lucrar...

(Koji irritado) Não. Eu te disse que tenho dinheiro suficiente... recebi vários lances, mas não aceitei nenhum. Vocês não tem preço para mim. Nunca venderia o trabalho da minha vida. Eu quero poder admirá-los para sempre, até o último segundo.

(Ken)...

(Koji) Depois que eu morrer, vou escolher um herdeiro, mas será alguém que saiba admirar a beleza com o mesmo amor que eu. Jamais eu deixaria que vocês fossem parar nas mãos de algum indigno...

Enquanto Koji ia falando, Ken corria os olhos pela sala de modo desesperado, mas não via maneira de sair da sala! Aquele tal de Koji tinha poderes como os de Setsuko, e ainda por cima podia ler mentes!

Se tivesse um jeito de avisar Yohji e os outros, mas... não via saída!

(Ken) Não aceito de jeito nenhum fazer parte disso!

(Koji sorrindo) Você não tem escolha.

Aproximou-se da mesa, onde estavam vários frascos com os mais variados líquidos.

O loiro pegou um vidro escuro, e colocou o conteúdo dentro de uma xícara. Ken acompanhava os movimentos do outro com preocupação.

Depois de encher a xícara, Koji aproximou-se de Ken, e sorriu.

(Koji) Este é um tranqüilizante muito forte. Um sonífero na verdade. Você deve bebe-lo, Ken.

(Ken) É ruim, hein!

Afastou-se, de Koji, mas o loiro esticou a mão esquerda, e Ken sentiu como se todo o seu corpo se paralisasse, perdendo os movimentos.

(Koji) Não torne as coisas difíceis, Ken. Você tem três opções: pode ficar irritado, e tentar lutar. Nesse caso, eu teria que usar meus poderes e você receberia um golpe mental muito forte...

(Ken)...

(Koji) A segunda opção é você ficar com medo, e tentar fugir do meu controle. Então eu seria obrigado a usar a pistola de hoje de manhã, fazendo mais uma marca em seu pescoço... e isso realmente eu não quero...

O moreninho ainda estava paralisado, prestando atenção nas palavras de Koji. Enquanto isso o loiro se aproximava devagar, não querendo espantar Ken.

(Koji) Ou, você pode aceitar os fatos, pegar essa xícara e beber todo o tranqüilizante. Você quer que eu seja bem sincero com você? Ninguém sabe onde você está, e o melhor: ninguém desconfia que você está comigo. Por mais que tenha esperança, será em vão... quais são as suas chances, Ken? Eu não quero machucá-lo e você sabe que não tem como escapar dos meus poderes...

(Ken)...

Koji libertou o moreninho, que sentiu o corpo normal, com todos os movimentos recuperados.

(Koji) Porque não aceita seu destino?

Estendeu a xícara para Ken, que pegou e olhou seu conteúdo.

O jogador sentiu-se confuso e abandonado. Parecia que estava vivendo um sonho... tudo era tão irreal... tão estranho...

Queria ter esperanças, e acreditar que podia sair dessa, mas... Koji tinha razão!

Yohji, Aya e Omi haviam saído cedo, ido direto ao médico... se o caso de Aya fosse grave, com certeza eles iriam demorar a voltar... isso se o ruivo não precisasse ficar internado...

Claro, ainda havia Setsuko! A garota estava em casa... iria estranhar a demora do moreninho na hora do almoço... mas, será que ela saberia o que havia acontecido?

Ela estava envolvida no caso... e o irmão dela havia sido assassinado... Ken não entendia como os fatos se encaixavam... mas tinha que ter fé!

Precisava ganhar tempo, e o principal: acreditaria em seus amigos até o último instante. Sua única chance era Setsuko!

(Ken) Setsuko... eu confio em você! Traga o Yohji até mim...

Koji sorriu ao ler a mente do moreninho. Logo imaginara que ele reagiria assim, tendo esperanças até o último segundo possível...

Dando um suspiro, Ken bebeu o conteúdo da xícara em um único gole. Acabou fazendo uma careta.

(Ken) Doce...

O loiro riu com gosto.

(Koji) É uma dose forte de sonífero. Vai fazer efeito logo, e você vai adormecer profundamente. Enquanto você dorme, eu vou providenciar o formol... não se preocupe.

(Ken) Mas... e...

(Koji) Depois de tudo pronto, eu vou injetar um concentrado de cianureto em sua veia... você não vai nem sentir...

Ken começou a sentir uma tontura muito forte, ao mesmo tempo em que seu estomago se contraia em uma ânsia.

Deu um passo desajeitado e sem equilíbrio para frente, esbarrando em Koji.

(Koji) Não tenha medo... apenas adormeça... logo você estará ao lado de seus anjos...

O sonífero fez efeito, e Ken caiu desacordado nos braços de Koji.

(Koji sorrindo) Meu coração treme de emoção nesse momento... eu me esforcei tanto, e agora recebo o prêmio por todo o meu trabalho... essa noite, tudo terminará...

Apertou o moreninho nos braços, mal contendo a alegria.

Talvez sua mente fosse distorcida, talvez fosse louco... mas a verdade é que lutara por seu sonho... e se não era compreendido, azar!

(Koji) Essa é a noite em que os anjos se revelam...

continua...