Nunca viajei tão longe! exclamou Heero, observando a paisagem da janelinha da nave. Arábia, é? E onde fica isso?
Bem longe... Duo estava praticamente dormindo no banco.
Os dois haviam saído de Tokyo pela manhã, pegando um vôo direto para a península arábica, afim de encontrarem outro piloto de Gundam. Tinham conseguido passagens de uma nave bem capenga, meio suja, que transportava 50 passageiros e era bem barulhenta, mas era a mais barata por lá. Sentaram nos últimos bancos, bem longe de todos (muitos assentos não estavam ocupados). A nave de certa forma tremia um pouco, o que causava uma sensação um tanto desconfortável.
Heero não conseguia esconder a excitação de seu primeiro (de acordo com o que lembrava) vôo que saía da região onde morava. Passaram por mares e terras bem diferentes, desertos de neve e inúmeras montanhas. Era tudo incrível. Mas o seu amigo americano não estava tão estusiasmado (estava dormindo quase a viagem inteira.
Como consegue dormir com tanto barulho? Heero tornou a sentar de forma normal no banco, sem olhar para a janela. Hum?
Esquece, não é nada. Mas não conseguir ficar calado. Não que fosse muito de falar, mas precisava saber, precisava entender tudo isso.
Maxwell?
Hã?
Tá acordado?
É, fazer o que, agora eu tou. Fala logo.
Se a gente foi tão importante assim para a Terra e as tais Colônias, por que estamos numa viagem como essa?
Já disse que temos problemas com governantes. Duo virou de lado, tentando dormir de novo. Você sabe que a situação é ruim, e.
Não sei. Você nem deixou eu me identificar como Heero Yuy no aeroporto. Por quê? Que eles têm contra a gente?
Fala mais baixo! xingou Duo, sussurrando.
Então me explica! Herro respondeu, no mesmo tom.
O americano suspirou, olhou-o sem muita paciência, depois pôs-se a dizer:
Já concluímos que alguém fez algo pra te ferrar, certo?
Certo.
Pronto. Já deu pra perceber que tem alguém contra nós.
Mas... QUEM!
Putz, não dá pra esperar? A gente vai falar com o superior das forças árabes e conselheiro entre a Terra e as Colônias. Ele vai te explicar melhor. Heero tornou a olhar pela janela. E como sabe que esse cara vai receber a gente?
Fica tranqüilo! Duo pareceu bem confiante. Eu tenho certeza que ele vai adorar ver a gente!

205 A.C.
02 O Herdeiro Winner

Cidade de Jeddah, região da Arábia.
Uma antiga cidade árabe, localizada próxima ao mar Vermelho. Atual sede da cooperativa árabe, também conhecida como Hassen, que tem como missão preservar a paz entre os povos terrestres. Depois da Final War, a Terra foi unificada, mas aos poucos os povos foram se separando, formando diversos países rivais. Era realmente muito difícil manter a paz entre esses inúmeros países, com tantas raças e religiões diferentes. E esse era o objetivo da organização Hassen. A cooperativa, que praticamente governava a Arábia toda, também era conhecida no mundo inteiro e nas Colônias por formar uma democracia, com um governo justo e solidário, isso graças ao seu líder.
O líder desse grupo árabe era um jovem comandante chamado Karim Asid. Não se sabia quase nada sobre seu passado, mas ele era um ótimo governante. Com uma bondade infinita e muita sabedoria, conseguia que não houvessem guerras sem sentido na Terra. Mas talvez por pouco tempo: cada vez mais os diversos países do mundo entravam em pequenos conflitos entre si, que iam aumentando a cada instante. Duo parou em frente à fortaleza de Jeddah, sede da Hassen.
É aqui.
Aqui? Heero olhou confuso. Como espera que entremos nesse lugar?
Hum... o americano olhou a segurança do local, assim como todas as pessoas que passavam na rua, se amontoando. A fortaleza ficava bem no centro da cidade. A gente ia precisar de Mobile Suits, mas.
Mo...Mobile Suits!
Isso. Só que... Acho que vai ser bem arriscado. Sem contar que ali dentro também tem coisas valiosas, como a biblioteca mundial e ... prisão de inimigos e terroristas, acho. Não, não... nós dois de Mobile Suits não vamos conseguir passar por toda a proteção desse negócio.
Duo pensou um pouco, observando com olhos atentos o local. Heero começou a fazer o mesmo, querendo por tudo ter uma idéia naquela hora. Estava se sentindo um perfeito inútil. Não gostava de depender das pessoas, não, nunca gostou... Fazer tudo ao seu modo era muito melhor. Mas.
Putz, acho que tô enferrujado! exclamou Duo se espreguiçando. Nem idéias eu consigo ter mais! Isso que dá passar dez anos sem lutar.
E agora?
Por que a gente não vai comer um pouco? Eu adoro comida árabe! Deve ter um restaurante barato por aqui.
Heero deu mais uma olhada na fortaleza.
Hum... entrar ali.
Que foi?
Você tem uma arma, não tem? disse bem baixo.
Sim, realmente Duo carregava um revólver no bolso, para onde quer que fosse. Mas não se lembrava de ter contado isso a Heero.
É... por quê?
Me empresta ela.
O jovem japonês sabia que aquilo que estava pensando era loucura. Mas de alguma forma imaginava estar fazendo a coisa certa. Que sensação era essa, afinal?
Pegando rápido a arma de Duo, atirou direto em um dos soldados árabes ali fora, bem na perna dele. O resultado foi o homem cair no chão e gemer de dor, todas as pessoas presentes se assustaram e foram se afastando, em pânico. Outros dois soldados pegaram suas metralhadoras e apontaram para os dois pilotos Gundam. Outro soldado acudia o cara ferido. QUEM SÃO VOCÊS?! perguntou um deles, pronto para atirar. Que... você... tá fazendo...?! Duo falou baixo no ouvido de um atento Heero, pronto para atirar mais uma vez, mesmo os homens estando armados. Espere e veja. Heero fingiu não sentir que outros soldados vinham por trás para imobilizá-lo, e induziu Duo ao fazer o mesmo. O resultado foi um golpe com alguma coisa de ferro atrás de seu pescoço, e uma dor muito intensa. Mais, com certeza, teria sua recompensa.

Só voltou a si depois de um tempo. Em seus primeiros minutos de consciência, se lembrando do que fizera, imaginou estar em uma prisão ou outro lugar de segurança. Mas logo que se abriram, seus olhos se depararam com um teto branco luxuoso, que fazia desenhos em alto-relevo de um deserto cheio de camelos. Sentiu-se deitado em um lugar confortável, provavelmente uma cama.
Como ainda estava tonto, não se importou em se levantar nem em pensar aonde estava. Apenas ficou a observar o teto e contemplar o desenho. Até onde podia ver, tinha quatro camelos em pé e dois agaichados. Três deles tinham uma leve sombra, graças a uma luz que vinha de alguma janela que deveria ter por ali. As montanhas de areia do deserto eram de tamanhos diferentes, e a maioria delas também fazia uma leve sombra no teto. Sua mente foi se perdendo no desenho.
O que pensa o senhor com esse olhar tão perdido?
Heero automaticamente se viu sentado, por causa do susto. A voz calma e doce viera dali de perto. Viu então um homem jovem, de rosto bondoso e olhos verde-escuros, em contraste com a pele muito clara. É... é.
Heero observou então onde estava. Um enorme quarto, todo branco, com o tal teto de desenho de camelos. Via-se numa cama, coberto com uma colcha azul-escura, de algum tecido muito grosso e elegante. Virando a cabeça, pôde ver Duo deitado, numa cama igual a dele. Ainda estava desacordado. Virou então novamente o rosto para o jovem, e tentou dizer alguma coisa, mas nada saiu.
O outro veio em direção a ele e sentou-se na ponta extrema da cama, olhando-o. Que... quem é você? Heero finalmente conseguiu dizer algo.
O jovem sorriu e disse, num tom que parecia mais de brincadeira.
Karim Asid!
Ka...Karim Asid!
Era exatamente o grande líder do Hassen, um cara de que já ouvira falar bastante. Não sabia como se referir a ele, Sr. Asid, Asid-sama.... É... É.
Asid pareceu estar estranhando. Parece que a pancada que um dos meus homens lhe deu na cabeça o afetou um bocado, Heero.
Heero? Ótimo, ele sabia quem Heero era. O japonês foi logo se explicando:
Na verdade, eu acho que bati a cabeça... a dez anos... faz tempo, e... E eu não me lembro de nada! Nem me lembro quem eu era antes, e... me desculpe se eu não me lembrar de você! De..desculpe. Nos conhecíamos?
Ouvindo a história com atenção, Asid demonstrou muita surpresa, desmanchando um pouco a sua expressão calma. Ao contrário do que Heero tinha pensado, ele tinha acreditado em cada palavra que dissera.
Não... se lembra de mim? se levantou, chegando mais perto. Nem ao menos do meu nome? Quatre Raberba Winner, e.
Duo tinha lhe falado esse nome antes.
Quatre!
Sim! ele se abaixou ao seu lado, demonstrando alegria. Você... se lembra, não é? Ao menos do meu nome... Quatre! Heero apenas confirmou com a cabeça. Bem, não se lembrava de Quatre nenhum, apenas do nome que Duo lhe dissera na pensão onde se encontraram. Era... um piloto Gundam esse aí? Por que Asid? Por quê? Quatre Raberba Winner.
Um resmungo ao lado dos dois denunciou que Duo recuperava aos poucos a consciência. Ele abriu os olhos, analizou com o olhar o lugar onde estava e sentou-se de repente, não acreditando na pessoa que via.
Quatre!
Duo! É bom vê-lo de novo depois de dez anos! Quatre sorriu meigamente. Parece que você não mudou nada. Duo encarou-o por um tempo, se recuperando da surpresa, e depois sorriu como sempre. É, parece que você também não, Sr. Winner! Ao contrário de todos nós, você progrediu bastante, ne? Veja só, até se tornou um dos líderes mundiais, Karim Asid!
Quatre perdeu o sorriso, depois balançou a cabeça negativamente. Ficou em pé, voltando à sua posição formal que sempre costumava ficar.
Descansem mais um pouco. Depois vamos jantar juntos, e poderemos conversar.

A sala de jantar da mansão da fortaleza era divina. Uma mesa enorme se estendia por ela, com lugares para cinqüenta pessoas. A mesa ideal para os jantares formais que Quatre sempre tinha. Desde pequeno, fora acostumado a essa formalidade toda, junto a esse luxo todo. Pela posição que sempre ocupou, sentia-se meio sozinho. Há dez anos, quando conheceu os outros pilotos de Gundam, tinha se livrado da solidão. Mas depois da Final War, ficou mais uma vez sozinho. Agora era pior, já que não tinha seu pai, e quase não podia ver suas irmãs, já que tinha que se afastar do nome Winner e fingir ser Karim Asid. Na verdade, eles foram jantar em uma sala bem menor que aquela tão luxuosa. Com cinco lugares, ele tinha a projetado perfeitamente para os cinco pilotos de Gundam, caso viessem a se encontrar um dia. Era um cômodo mais ou menos comum, embora conservasse a riqueza dos outros cômodos da casa. Desse cômodo, tinha uma linda porta-balcão, de vidro de cor verde, e dali saía uma belíssima varanda, que tinha visão para as montanhas desérticas e até um pedaço do oceano um pouco ao longe. Depois do jantar (que fora absolutamente quieto, exceto pelos barulhos dos talheres), os três foram à varanda contemplar a vista. Quatre, olhando com tristeza as terras que lhe pertenciam, começou a conversa. Heero... você... não se lembra de nada mesmo?
Nada.
Não há um vulto sequer que você se lembre?
Não.
Duo apenas olhava. Preferiu não se intrometer.
Mas você já ouviu falar dos pilotos Gundam, certo?
Muito pouco, quase nada. E, se já ouvi falar, não consigo me lembrar.
Mas por quê?
Às vezes eu tenho falhas na memória. Não só o que aconteceu a dez anos atrás, mas pequenos pedaços do que vai acontecendo vai sumindo da minha mente. Não consigo me lembrar quem cuidou de mim depois de eu perder a memória, nem onde encontrei o Duo, nem como conseguimos chegar aqui.
Quatre arregalou os olhos, mostrando intensa surpresa e um ar de seríssima preocupação. M...mesmo?
É. Quer dizer que você não lembra como me conheceu? Duo quase gritou. Ow, o seu estado é ruim, hein? Tá pior que o Trowa!
Mesmo não imaginando que diabos seria Trowa, Heero achou melhor não perguntar. É... é isso. concluiu, desanimado.
Quatre o encarava, pensativo. Por algum motivo, ele não gostava que o antigo amigo não lembrado de guerra o encarasse tanto dessa maneira. Desviou os olhos, mas Quatre não fez o mesmo. Então, você já deve ter ouvido falar do incidente da "Verdade Revelada", não é? Só que não se lembra?
Heero confirmou com a cabeça. Quatre continuou:
Aconteceu a oito anos atrás. Dois anos depois da Final War. Estavam tendo intensas pesquisas para descobrir as causas do seu desaparecimento, o que todo mundo reconheceu como a sua morte. Bom, foi nesse ano que a ministra do exterior, Relena Darliam, anunciou publicamente a confirmação de que você estava morto. Só que ela foi obrigada a parar a transmissão, porque começou a chorar no meio do depoimento. Duo baixou a cabeça naquele instante. Deveria ter sido muito sofrido esse dia, pois tanto o americano quanto Quatre não fizeram expressões de boas recordações. Quatre continuou:
O problema está nesses dois anos. Depois de um tempo de guerra, nós conseguimos vencer. E todos nós fomos feitos como heróis para o povo todo, tanto na Terra, quanto das Colônias. Queriam que governássemos toda a Nação Mundial, para acabarmos de vez com as guerras e que fizéssemos com que todas as pessoas do mundo todo vivessem iguais, com renda igual. Isso significa não ter mais ricos nem pobres, apenas pessoas igualitárias. Aff... Duo fez com ironia. E é claro que os filhos da mãe dos ricos não querem perder o dinheiro!
É... confirmou Heero. Bom... Quatre continuou, tentando conter a sua raiva, escondida atrás de seu rosto muito meigo. Formou-se uma associação feita pelos homens mais ricos do mundo e empresários de indústrias bélicas. Eles começaram a espalhar boatos terríveis sobre nós, usaram vários tipos de sabotagem, e há seis anos, houve o dia que eles chamaram de "Verdade Revelada", quando o povo finalmente se convenceu de que só iríamos piorar as coisas. Por isso que tivemos que desaparecer. E é por isso que não somos mais amados como éramos, entende? Eu tomei outro nome e comecei o governo da Península Arábica para evitar guerras entre os atuais governantes, aqueles ricos e donos de fábricas de armas. Só que não está sendo possível segurar mais. Depois do discurso, seguiu um silêncio incômodo. Heero olhava de Quatre para Duo, ambos de cabeça baixa e pensamentos nas nuvens. Decidiu, então, dizer algo:
E... se nós pilotos de Gundam... nos reuníssemos todos?
Duo levantou a cabeça.
Hein?
Poderíamos lutar, Quatre?
Quatre olhou-o espantado, depois respondeu:
Eu acho que sim. Mas... conseguiríamos derrotar os grandes líderes atuais? Houve um silêncio ali. O herdeiro Winner então achou melhor que eles soubessem de algo:
Venham comigo. Há um tesouro guardado aqui, e acho que já está na hora de mostrar.

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Por Kitsune-Onna