Toda a formalidade que Relena mantivera até agora estava se dissipando. Gritava com os guardas da OZ II quase como se fosse uma louca, e eles apenas reagiram respondendo educadamente ou ficando quietos. Esperavam pela volta de Mallaica, para saberem que fim levaria aquela garota. O boato que corria entre os soldados da organização era que Relena Peacecraft seria executada como exemplo de terrorismo e traição, e seria vista como o mal do mundo pelas pessoas civis comuns. Mas ela, Relena, sabia muito bem que isso era impossível. Sentia que seria usada como mais uma donzelinha em perigo, de isca, que droga! Estivera tão perto de Heero e não pudera falar nem sequer um "Tive saudades!" para o piloto. Tudo só fora um abraço, um simples abraço!
Não queria mais paz absoluta, nem poder, nem política... Que custava só poder ficar ao lado de Heero, como uma pessoa normal? Por que nascer uma Peacecraft? Por que nascer uma Darliam? E ele, por que nascer um segundo Heero Yuy? Queria inventar um nome novo para ele, e dar-lhe uma vida nova. Sim, agora seria bom, já que ele não se lembrava de nada da vida de piloto...
"205 A.C.
11
Essa é a Guerra"
Heero acordou. Se sentou, balançou a cabeça, e, ao tentar se mover, viu que sua perna esquerda não se mexia. Nesse primeiro segundo de percepção, entrou em desespero. Logo, voltou ao normal, convencendo a si mesmo que era apenas uma coisa passageira.
Estava num lugar cheio de árvores à volta, e o estranho céu azul da colônia brilhava acima. Parecia que tudo o que havia se passado não tinha sido mais que um sonho. Sentado numa pedra lisa e reta, analisou o lugar.
Duo estava sentado na grama a poucos metros dele, de costas, olhando destraído para o céu. Ao seu lado, em pé, havia um outro homem. Trowa Barton.
Duo? Heero chamou a atenção para si. Duo e Trowa se viraram para ele.
Heero-chan, até que enfim acordou, hein? Duo sorriu. Como tá?
Trowa foi até Heero e o ajudou a levantar. Percebeu a perna que não movia e disse, num suspiro cansado.
Parece que o gás de arcânio teve efeitos piores em você, Heero-"chan". lançou um sorriso. E o que deu em você para deixar Duo chamá-lo assim?
Eu... nem tinha percebido... Heero disse, um pouco envergonhado. Lembrara-se de como tratara Catherine. Resolveu não comentar.
Ele decidiu se unir com a gente! Duo se aproximou, sorrindo. Não é bom? mas de repente ficou sério. Mas o Quatre... e a Srta. Relena.
Heero apenas esperou a resposta.
Não sabemos onde eles estão. Duo prosseguiu. Devem ter levado os dois. Mas a gente não faz a mínima idéia de onde foram. Argh, merda, a gente vai precisar procurar no espaço inteiro e talvez até na Terra!
Trowa colocou Heero no chão gramado. Ficaram em silêncio durante um tempo. O atleta, olhando de um para outro ali, mordeu os lábios com ansiedade. Pensou durante um tempo, sentiu uma leve tontura. Pensou em contar-lhes a verdade. Que se lembrava de todos eles. Mas não. Não podia. Contar tudo poderia tirar a sua liberdade.
Mas tinha certeza que a falta de memória de Heero não era uma farsa. Pelo menos superficialmente, conhecia bem o piloto. E o admirava. Era mesmo uma pena vê-lo deste modo, e queria por tudo que aquilo não fosse definitivo. Afinal, nenhuma falta de memória pode ser definitiva. Nem com ele mesmo isso acontecera.
Em uma de suas noites em claro em que contemplava o céu ou Catherine dormindo docemente, ou as pessoas andando na agitação da noite, tivera uma lembrança. Vira-se pequeno, com um jovem adolescente de cabelos negros cheios e expessos e cativantes olhos escuros, talvez azuis, ele mesmo não se lembrava. Estavam num pequeno parquinho, com brinquedos de madeira, uma madeira descascada e cheirando molhada. Podia, em seu meio-sonho, sentir o textura da madeira nas mãos, o cheiro dela, seus pés na grama. O céu era identificável: céu de uma colônia, tão diferente de um céu terrestre. Lembrou-se que adorava aquele garoto de cabelos pretos. Mas não se lembrou quem era ele. E isso era tudo.
Recobrando os sentidos, perguntou a Heero:
Sua perna... voltou ao normal?
Heero fez força para movê-la. Não adiantava nada, não podia senti-la. Apenas sentia um peso morto que saía do começo de sua coxa, e mais nada. Sentia-se intensamente incomodado com aquilo.
O que... vai acontecer com a minha perna?! perguntou, já em desespero, vendo que não era como daquelas vezes comuns de falha na circulação, em que parava de sentir mas logo vinha o formigamento do sangue voltando aos poucos. Afinal, aquilo não era nada de circulação, era o efeito do arcânio.
Trowa abaixou-se até Heero e pegou sua perna, fazendo movimentos com ela como em uma fisioterapia. Ao ver que nada adiantara, disse, oferecendo o braço para ajudá-lo a levantar:
Precisamos de um médico. Senão pode piorar.
Are you crazy? Duo exclamou, e depois repetiu numa língua que eles entendessem. Tá louco? Deve ter guardas da OZ II por essa colônia inteira, e pelas outras colônias também, como vai pedir ajuda a um médico sem ser identificado?
Só tem um jeito. Me sigam.
O Shenlong não era muito discreto e fácil de se esconder na areia. Não havia como se aproximar sorrateiramente e pegá-los de surpresa. O jeito era um ataque direto, na base da força, destruindo tudo e todos que pudesse encontrar na frente.
Mas a base Asid é bem vigiada. protestou Noin, dentro de seu Mobile Suit. Tem certeza de que é uma boa saída, Wufei?
Se você morrer, pode deixar que eu procuro seus restos para enterrar.
Wu...Wufei!
Que é? Se tá com medo, nem deveria ter vindo até aqui!
Não é uma questão de medo, mas de estratégia. interferiu Zechs, sua voz em versão eletrônica soando para Noin e Wufei. Mas eu acho que ele está certo, porque não tem como atacarmos num deserto como esse, Noin.
Haviam conseguido três Mobile Suits numa pequena base próxima, que não foi nada difícil de atacar. Três Sagitários (uma versão bem melhorada dos Touros), verdes, incapazes de se esconder ou camuflar na areia do deserto árabe.
Não é à toa que Quatre sempre amou essa base. comentou Noin. Ela é bem estratégica, não acham?
Não. disse Wufei. Se perderem, não há rota de fuga no meio desse lugar.
Eu não disse para fugas, eu disse para lutas!
A culpa não é minha se você é tão estúpida e tem visão limitada!
Ora, vamos, por favor! a voz de Sally interferiu. Parem de discutir. Já que vocês não chegam a um acordo... Tenente Zechs, o que acha que podemos fazer?
Vamos atacar como Wufei disse. Zechs informou, imparcial.
Tudo bem. Sally concordou, também achando que essa era a melhor saída. Então vamos, sob ordens da Tenente Lucrezia Marchise, não é?
Zechs arregalou os olhos.
Lucrezia... Marchise?
É... bem... Noin ficou um pouco sem graça. Não tem importância agora. Vamos atacar, certo? Sem combinações, cada um por si em seu ataque. O objetivo é destruir o máximo que pudermos destruir. Ne, Wufei? Wufei?
Ao final das ordens de Noin ele já estava indo atacar, voando em seu Nataku. O primeiro golpe com chamas foi totalmente de surpresa para a base, e atingiu os portões principais. Dois Mobile Suits explodiu e vários canhões também. Logo, começou o contra-ataque.
Pelo menos cem Touros saíram de dentro da base. Ágeis como nunca estiveram antes, foi difícil para Wufei atacá-los com seu dragão do braço esquerdo. Em meio à luta, notou os movimentos rápidos de um dos Sagitários - com certeza era Zechs - destruir pelo menos dez Touros de uma vez.
Um MS atacou o Shenlong por trás, segurando-o no ar. Embora Wufei tentasse sair dali, era impossível: o Mobile Suit era forte demais. Os canhões da base começaram a acertá-lo sem muito efeito, mas ele viu três canhões-de-raios sendo preparados e apontados para ele.
Um golpe atrás dele fez o MS que o segurava de partir ao meio, e deu-lhe tempo para se desviar de três tiros de canhões-de-raios. Olhou e identificou que era Sally. Sorriu. Ela até que era boa pilota.
Wufei continuou esmagando os Touros, e chegou perto de Zechs o suficiente para informar:
Eles têm três canhões-de-raios na parte da frente da base!
Canhões-de-raios!
Avise a sua namorada! Um desses aí acaba até com o meu Nataku, e eles têm três!
Zechs alertou Noin, que não estava muito longe deles. Ela tremeu ao ver que o inimigo tinha armas tão poderosas. Já levara um golpe e o braço esquerdo de seu MS conseguia mover-se muito pouco.
Estamos em completa desvantagem! Acha que é melhor irmos embora daqui? ela gritou.
Vá! Zechs gritou de volta. Você e Sally! Nós ficamos aqui e cuidamos do resto!
Não... não vou embora sem você!
Nisso, Wufei conseguiu entrar na base. O Shenlong destruiu o teto do primeiro compartimento e entrou nele, destruindo tudo e matando todos ali dentro. Sally foi atrás dele, e fez o mesmo.
O dragão do braço do Shenlong destruía as paredes com facilidade. Avançando no interior da fortaleza, os alarmes soando, as soldados gritando entre eles e mais MS aparecendo, parecendo serem infinitos. Mas um grupo de MS atacou os Touros da OZ II. Eram marrons, ao estilo antigo, e enferrujados. Um homem de sotaque pesado árabe falou a Wufei e Sally:
Senhores destruidores da OZ II! Têm o nosso apoio!
Apoio? perguntou Wufei, desconfiado. Que apoio? Nem sei quem são vocês!
Somos o Maganac Corps, senhor! Servos leais e eternos da família Winner!
Wufei ficou impressionado. Sim, era esse o grupo de Quatre, que o seguia aonde quer que fosse e entregava a vida pelo mestre. Não eram em si muito bons, mas seus ataque combinados no deserto os faziam quase invencíveis.
Confie neles, Wufei! Sally berrou.
Ele aceitou. O Maganac inteiro - quarenta homens - saiu da base e foi lutar no deserto, para darem cobertura a Zechs e Noin para entrarem na fortaleza. Entraram, agradecidos, e continuaram a lutar dentro dela: coisa que para eles era muito mais fácil, já que estavam mais acostumados a lutar em lugares fechados do que em desertos abertos e cheios de areia.
Não foi necessária mais que meia-hora. Logo, já estavam adentrando no subterrâneo da grande base.
Como tem certeza de que os Gundams estão aqui? perguntou Wufei a Noin, desconfiado.
Não sou uma completa incopetente. ela respondeu, irônica. Quatre me disse. Tem um caminho estreito para apenas pessoas passarem, e esse caminho para MS.
Chegaram por fim, ao que era o final do grande e largo corredor. As luzes dos MS iluminaram uma extensa sala, onde ali estavam: Deathcythe, Sandrock, Heavyarms, Wing Zero. Sally deixou escapar uma exclamação de surpresa, e Zechs sentiu-se invadido por uma onda de emoção que não sentia fazia muito tempo.
Desceram dos MS. Depois de alguns minutos de contemplação, Zechs disse:
Tínhamos um plano, certo? Precisamos de um cargueiro.
Tem muitos na base. Noin informou. Vou ver se consigo um.
Ela chegou perto do Deathcythe e tocou o pé do Gundam, maravilhada. Virou-se e disse:
Sally... se importa de dirigir o cargueiro?
Não... a major respondeu. Era isso que tínhamos em mente, não é?
Sim. Zechs pilotará o Wing Zero, ah! ela o interrompeu antes que ele começasse a falar. Nada disso! Eu sei que você está louco de vontade de pilotá-lo. e ela estava certa. Wufei vai no Shenlong, e eu acho que vou no Deathcythe. Esse Gundam sempre me fascinou.
Há, vai pilotar um desses, Noin? Wufei zombou, já voltando ao Shenlong. Vá com calma!
Eu vou provar pra você que sou muito melhor do que você pensa, seu idiota! Noin retrucou.
Por que não vamos com calma? Sally interrompeu a discussão. temos coisas mais importantes para fazer, sim? Agor.
Mas foi interrompida por uma enorme explosão vinda lá de cima.
Tinha mania de ficar sentado lendo a Odisséia no jardim. Não falava nada havia tempo, e essa mania de anos o salvou de se render à loucura por completo. A falta de certeza sobre a morte dos pilotos Gundam, trazida por Mallaica a Dorothy, não fez Quatre voltar ao normal ou recuperar esperanças. O fato de todas as suas irmãs terem morrido por uma falha dele não o motivava a nada.
Polsja era uma doce empregada russa que morava na mansão de Dorothy. Começou a ficar fascinada por ele desde a primeira vez que o viu, enquanto limpava a biblioteca. Ele lia atentamente, em pé, um livro escrito em latim. Via que ele levava os livros ao jardim e ficava horas ali, sem comer. Falar? Nunca ouvira sua voz. Foi nesse dia, então, que trouxe gentilmente uma bandeija com chá e bolachas para que ele comesse.
Quatre olhou a bandeija ser colocada ao lado dele. Sem olhar para o rosto de Polsja, disse em russo:
Não quero, obrigado. Não se incomode.
Ela parou à frente dele.
Como sabe que eu falo russo? perguntou com sua voz adocicada.
Esses são biscoitos russos. É difícil alguém dessa região que saiba fazê-los.
E isso era tudo. Nem um sorriso, nem um olhar. Polsja começou a compreender que ele realmente sofria. Ela não sabia muito bem porque, mas foi investigar. Afinal, só faziam dois dias que ele estava ali.
Plano muito bem-executado. Logo, os quatro já estavam saindo da base de Asid, com os Gundams e o cargueiro. Noin, comandando o Deathcythe, sentia-se realizada.
Como é demais! exclamou, enquanto saíam pelo extenso corredor. Não é à toa que os pilotos Gundam são tão bons! Que super-máquina!
Vá aproveitando bem. Wufei disse, irritado com tanta excitação. Vamos colocá-los no cargueiro para irmos ao Espaço, depois ele vai ser de novo do Duo Maxwell.
Você poderia ser um pouco menos duro com ela. retrucou Sally, enquanto ouvia Noin xingá-lo de um monte de palavras. Era a última da fila, e andava com cuidado com o cargueiro que quase não passava no corredor. Ele podia transportar cinco MS e era perfeito para a operação. E você, Zechs?
Hum?
Não vai defendê-la?
Noin pode muito bem se defender sozinha. Zechs disse, mal prestando atenção, o que fez Wufei cair na gargalhada e Noin despejar mais um monte de xingamentos, em sua língua.
Chegaram por fim à superfície. O que viram os calaram por completo.
Sim, tinha o aspecto que todo campo de batalha deveria ter: MS destruídos, espalhados. Fumaça, cheiro de corpos queimados, silêncio absoluto. Mas o resultado da luta não fora antes esperado.
A batalha não teve vencedor.
Os quarenta MS do Maganac jaziam no chão, completamente destruídos. Podia-se ver também alguns de seus homens, caídos no chão, mortos e despedaçados, que foram lançados para fora de seus MS durante a luta. Um grande momento de silêncio.
Isso... vai ser um choque para o Quatre... Noin disse, a voz fraca e trêmula.
Morreram com grande honra, e tenho certeza de que foi pelo Quatre. Wufei demonstrou grande respeito. Vamos. Não temos tempo para ficar por aqui. Vamos continuar nossa luta, para que a morte deles não seja em vão.
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Kitsune-Onna
PS.: Nossa... por que eu tenho que judiar tanto do Quatre? T-T (snif, snif...)
