Capítulo 01 – Noobs.

- Alguém com as suas aptidões será melhor aproveitado se estiver alocado em outra área. - Assim que o novato foi chamado pelo seu supervisor, o seu coração ficou apertado com a ansiedade. Ele acreditava que todo o seu esforço para entrar na corporação seria jogado fora só por causa de uma ação atrapalhada. Era a sua primeira missão em campo, ele estava nervoso. Até mesmo o peso do fuzil parecia diferente do que nas horas de treino. O suor na testa atrapalhava sua vista e as mãos trêmulas deixavam a pontaria bem prejudicada. Os tiros vindos contra o pelotão a qual fazia parte também não ajudavam. - Você se lembra do que aconteceu na incursão de ontem? Aquela em que você fazia parte?

A memória do novato sofrera um apagão durante a invasão, um erro que poderia custar a sua vida e a de seus companheiros. - Eu desmaiei. - Disse o novato fazendo força para não olhar para baixo, em sinal de vergonha.

- Engraçado, não foi o que os seus colegas relataram. - Primeiro o novato arregalou os olhos, em sinal de surpresa. Depois ele deu um sorriso de canto de boca, achando que o seu comandante estava fazendo uma pegadinha. - Você parecia possuído. Ignorou os comandos do seu superior e tomou a frente. Apesar de estar de peito aberto, não levou um tiro. Sua mira não errou nenhum bandido, suas balas pareciam que faziam curva.

- Sem querer ofender, isso é algum tipo de brincadeira?

O comandante pegou uma papelada de sua mesa e entregou ao novato. - Há um tipo de polícia que é superior a todas as outras, ela é secreta, por isso você provavelmente nunca ouviu falar dela antes. Você enfrentará perigos maiores (o novato não conseguia imaginar perigos maiores do que traficantes e terroristas), mas os seus benefícios também.

- Que tipo de polícia é essa? - Perguntou o novato. Enquanto lia o documento em que constava a aceitação dos riscos envolvidos, o dedão do rapaz sofreu um corte leve no papel e uma gota de sangue caiu no lugar da assinatura.

- Oquei, isso serve. - Disse o supervisor. - Marcos Mignola, parabéns. A partir de agora você faz parte da Polícia Dark.

XXX

Ele estava jogado no chão como um trapo velho, por causa disso, quando acordou, sentiu suas articulações doendo. Pra piorar, havia o incomodo da tontura e da dor no estômago. Bento julgava que a sua última refeição tinha algo haver com aqueles últimos sintomas. Porém, aquele não era o maior dos seus problemas. Bento não sabia dizer como saiu do restaurante comunitário onde jantou. - Como vim parar aqui? - Perguntou para si mesmo. Quando os seus sentidos se acostumaram com a iluminação ruim do local, Bento percebeu que estava em uma jaula, na companhia de outras pessoas que pareciam ter a mesma origem humilde dele. As paredes eram formadas por um tipo de tijolo alaranjado antigo, o que dava ao lugar um aspecto de masmorra. - Que porra de lugar é esse?!

- Fique quieto! - Disse outro homem cativo. - Se não eles vão ouvir!

- Eles quem? - As duas figuras que entraram no recinto estavam vestidos de modo mais precário do que os prisioneiros, porém, não eram dignos de pena. Ninguém ligou pra suas roupas, aja vista que eles tinham características mais chamativas. Suas orelhas eram pontiagudos, os seus olhos lembravam o de predadores e seus dentes pontiagudos mal cabiam dentro de suas bocas.

Como bichos acuados, os prisioneiros tentavam se encolher afastados da porta o máximo possível. O homem que repreendeu Bento se benzeu (mesmo não sendo católico) e tentou se lembrar das rezas que sua falecida mãe havia lhe ensinado. Não adiantou, ele foi selecionado. Os dois homens fera o apanharam e o levaram para outro lugar. Todas as vítimas ficaram quietas, sem protestar. Bento, apesar de não ter agido, já havia começado a planejar como fugir.

Bento não tinha como saber, mas a ajuda já estava a caminho. Perto do prédio empresarial Premier Plaza, estava estacionado uma vã preta com vidros fumês. Longe de quaisquer suspeitas, dentro daquele veículo, havia um laboratório de informática de dar inveja a muito estabelecimento moderno. Dentro dele, na parte de trás, havia um homem negro de corpo esbelto. Seus cabelos encaracolados eram espalhados de tal modo que deixava claro que ele era muito vaidoso. - Consegui invadir o servidor da videovigilância. - Disse o perito. - As câmeras não te filmarão, Bruno.

A equipe de invasão se comunicava através de fones superdiscretos. - Copiado, Gael. - O excesso de couro preto em sua roupa, lembrando um rockstar, chamava atenção, mas Bruno não se importava com isso. Pelo contrário, ele queria ser visto.

- Os seguranças são humanos, então tente pegar leve! - Antes mesmo de dar o aviso, Gael já sabia que seria ignorado. A guarnição do prédio não possuía armas de fogo, o que fez com que Bruno os julgassem como inofensivos. Porém, eles estavam armados com tonfas. O corpo aprimorado de Bruno estava preparado para receber aqueles golpes e por isso conseguiu derrotar os seguranças facilmente, colocando-os para "dormir".

- Michele, tudo bem aí em cima? - Perguntou Gael ao terceiro membro da equipe. Michele era uma jovem de cabelos ruivos e rosto sardento. Sua especialidade era o sniper e por isso ela ficava posicionada em um apartamento no prédio situado no lado oposto do Premier. Como a finalidade do aluguel daquele apartamento era de proveito público, o governo (a qual a Polícia Dark servia) não teve que pagar um centavo.

- A entrada bruta de Bruno chamou a atenção de alguns monstrengos no quarto andar. - Relatou a atiradora.

- Tem permissão para atirar. - Respondeu Gael, que era o encarregado responsável por aquela missão. Michele efetuou o seu disparo. Sua mira única fez com que a bala entrasse por uma abertura de um ar-condicionado e fizesse várias curvas até invadir o andar de baixo e atravessar três cabeças inumanas.

Enquanto isso, em um lado mais isolado do prédio, uma das vítimas sequestradas não esperava por um milagre e tentava fugir pelos seus próprios meios. A escuridão atrapalhava muito, mas Bento compensava tentando se guiar pelo tato. A tranca era grossa, porém antiga, por isso Bento acreditava que conseguiria abri-la. - Isso! - Usando ferramentas improvisadas recolhidas dos outros prisioneiros, Bento conseguiu abrir a tranca. - Vamos, é agora ou nunca. - Como se um monstro houvesse entrado, as outras vítimas se recolheram no canto, bem longe da saída. - O que estão esperando? Um convite?

Percebendo que o pavor havia neutralizado a vontade de agir dos seus colegas de infortúnio, Bento decidiu seguir sozinho. O mais rápido que pôde, Bento correu por corredores mal iluminados. Sua esperança reacendeu quando avistou uma porta aberta que emanava luz. Ele achou que aquela rota era a saída dali, mas a vitória não lhe sorriria de maneira tão fácil.

A porta que Bento atravessou deu passagem para uma sala grande o suficiente para caber sessenta pessoas. Elas eram mantidas penduradas e inconscientes. Uma enormidade de fios drenava o sangue dos desafortunados e com eles enchia várias bolsas médicas. O aspecto bizarro da situação fez com que Bento deduzisse que todo aquele sangue coletado não seria usado para doações comuns. O choque fez com que a memória de Bento reacendesse. Ele lembrou do jantar beneficente e, pasmem, de se sentir mal e de ter desmaiado. Em sua vida de morador de rua, Bento já havia escutado histórias de doações maliciosas, com o intuito de fazer uma limpeza social. Mas até considerando isso, aquilo já era demais.

- O que essa bolsa de sangue está fazendo aí?! - Bento demorou um pouco para perceber que o monstro se referia a ele quando disse "bolsa de sangue". Eram aqueles mesmos monstros de dentes afiados e desproporcionais que coletavam os prisioneiros da jaula como se fossem frangos.

A primeira reação de Bento foi se afastar da dupla andando de costas, sem tirá-los do campo de visão. Assim que o primeiro chegou perto demais, por reflexo, Bento o golpeou no rosto com um soco de direita. O ataque, além de ter surtido pouco efeito, só serviu para deixar a criatura colérica. Como repreensão, a criatura usou suas garras afiadas para acertar Bento. O golpe pegou no lado esquerdo do rosto e fez com que ele perdesse muito sangue, além de um olho. Enquanto agonizava tentando se apoiar em algo, os dois monstros riam do seu sofrimento.

- Por que não procuram encrenca com alguém que possa revidar? - Após muita procura, Bruno, com a ajuda de Gael, conseguiu encontrar a instalação secreta escondida em algum lugar do estacionamento do Premier. - E todo esse sangue? Com certeza não vão beber sozinhos, planejam comercializar no mercado clandestino?

- Ele é da Polícia Dark! - Disse o agressor de Bento, que agora parecia ter perdido toda a sua valentia.

O segundo monstro cuspiu no chão antes de continuar. - É só um humano. - Tomando a dianteira, ele tentou golpear Bruno duas vezes, mas o guerreiro conseguiu desviar dos ataques facilmente. Para humilhar ainda mais o seu rival, Bruno manteve suas mãos nas costas. Só quando a criatura começou a dar sinais de cansaço foi que Bruno resolveu contra-atacar. O chute bem-dado fez com que muitos dos dentes do monstro quebrassem. Aproveitando que seu inimigo mudou de foco, do combate para a dor que sentia, Bruno aplicou um mata leão e quebrou o pescoço do monstro.

O monstro restante, sabendo que não tinha condições de vitória, se ajoelhou e pediu clemência. Uma reação patética levando em conta que ele era representante de uma classe guerreira. - Mas eles são só mendigos e drogados. Não vão fazer falta. - Quanto mais a criatura tentava se justificar, pior a sua situação ficava. Bruno agarrou a cabeça do monstro e apertou com tanta força que ela explodiu.

A raiva de Bruno só abrandou quando ele se lembrou do homem ensanguentado diante dele. Com uma vida dependendo de suas ações, o policial achou melhor recolher sua ira para ser usada em outro momento. - Gael! Ainda está na linha?! Preciso de ajuda médica!

XXX

A mansão era enorme, lembrava uma igreja católica secular ou um castelo de filme. Marcos ficou incomodado por ele nunca ter visto aquela instituição antes, sendo que ele achava que conhecia muito bem aquele bairro. Uma sede tão grande assim não deveria ser tão facilmente ignorada. Não havia porteiro nem recepcionista, bastou Marcos apertar a campainha para o pesado portão duplo se abrir. Sem saber direito se deveria entrar ou não, Marcos decidiu caminhar até a entrada da mansão. Durante o caminho ele passou por um exuberante jardim, porém, não havia nenhum jardineiro ou caseiro trabalhando ali. Ele não sabia, mas de uma das janelas alguém o espionava.

- O novato chegou, senhor McAlister. - Uma jovem com sutis traços indígenas acompanhava o novo agente da Polícia Dark se apresentando em seu primeiro dia de serviço. - Ao que tudo indica o dom dele é o corpo fechado. - Ela se vestia de um jeito que deixava claro que ela era uma secretária, o uniforme era bem caricato até.

- Certo. E a missão de Gael? - O homem atrás da mesa de escritório já tinha cabelos e barba grisalhos. Sua vestimenta impecável o deixava com uma feição de lorde inglês. - Jaciara, houve muitas baixas?

- A equipe de Gael, formada por ele, Bruno e Michele, desmantelou um esquema de tráfico de sangue. Um grupo de carniçais estava sequestrando moradores de rua e os usando, contra a sua vontade, como bolsas de sangue. Foram libertadas trinta e duas vítimas. Uma precisou de atendimento médico especial.

- Como assim?

- Uma das vítimas, um homem chamado de Bento, teve o olho esquerdo arrancado por um dos monstros. Foi necessário o uso de uma prótese cibernética.

- E o indigente tem como pagar por isso?

- Claro que não, ele provavelmente não tem nem dinheiro pra garantir o almoço.

McAlister coçou a barba antes de continuar. - Pensarei em um modo de fazer com que ele arque com a despesa. - Enquanto essa conversa se desenrolava na sala do diretor da Polícia Dark, não muito longe dali, na ala médica, Bento descansava sem saber que um dos seus olhos havia se transformado em uma arma letal.

XXX Bestiário XXX

*Carniçal: não é vantajoso para um mestre vampiro criar uma prole muito extensa de outros iguais, pois estes podem facilmente se tornarem rivais no que consiste na coleta de sangue. Sendo assim, muitos vampiros preferem usar o seu sangue para criar carniçais. Quando um vampiro faz com que um mortal beba do seu sangue, sem este ter recebido a mordida no pescoço previamente, o humano se torna um carniçal. Essas criaturas são mais fortes e rápidas do que um humano comum, mas bem mais fracas do que um vampiro em seu auge. Além de não serem imortais, vivem relativamente pouco. Não são vulneráveis à luz do sol, mas evitam andar de dia para não exporem sua aparência grotesca.