As pessoas da praia olhavam estranhando e, apesar de oferecerem ajuda para que Relena levantasse, lhe entendendo a mão, ela não ouvia nem via nada envolta. Olhava apenas assustada e assombrada com o que identificava à sua frente; um fantasma que olhava para ela com o mesmo assombro. Mas então "o fantasma" voltou a si, ficando sério. Tirou-a de cima dele com cuidado - eles haviam caído como que entrelaçados - depois se levantou e estendeu a mão para ela. Relena aceitou, levantou-se e agradeceu. Mas continuava olhando assustada.
Olhe mais por onde anda. disse friamente "o fantasma", fazendo-a sentir um calafrio. Sra. Mandaire.
Ela compreendeu. Disfarce, eles estão aqui, ele dizia.
Poderia ser mais educado. disse séria e orgulhosa.
"O fantasma" se retirou, sem nem sorrir ou dar sinal de reconhecê-la. Apenas andou calmamente, as pessoas aglomeradas abrindo espaço para que ele passasse, os soldados da OZ II xingando e perguntando quem ele era. Mas ela sabia o que se passava na mente dele; já estava mais que acostumada com aquela atitude fria de um soldado aparentemente sem sentimentos. E sentiu-se radiante de felicidade.
Precisava contar isso a Quatre.
"206 A.C.
17 O Casal de Clermont"
Relena trancou a porta. Agora estavam completamente a sós.
Demorou até que a vista de ambos se acostumassem à escuridão, mas logo puderam enxergar o perfil um do outro e as feições do rosto. A sala era um pequeno escritório, com a mesa e seus papéis desarrumados, o computador sobre ela, a cadeira num outro canto, a pequena janela fechada, de onde passavam alguns farrapos de luz.
Relena suspirou fundo.
Heero, você.
Você mudou muito, Relena. ele interrompeu.
Ela encarou aquele rosto rígido de soldado, a boca firme, o semblante sério e insensível. E o brilho dos olhos, aquele brilho inconfundível ao qual o Dr. J se referira a tanto tempo atrás.
Não era mais aquele Heero ingênuo tentando aprender. Era aquele soldado frio, o soldado perfeito. E ele a olhava, os olhos felizes em vê-la.
Era aquele mesmo amor frio e silencioso que ele tinha por ela, não demonstrando através de um abraço ou de palavras afetuosas, às vezes sequer nem um sorriso; mas os olhos transmitiam seus sentimentos para aquela que mais o compreendia, no mundo todo.
Heero se dirigiu até a janela a abriu, fazendo a luz laranja do fim da tarde dominar o ambiente. Ele ficou olhando pela janela, para a água da praia poluída e alaranjada.
Ouvi dizer que você se casou com Quatre. ele começou, sem olhá-la.
Oh, sim mas nós.
Foi muito inteligente, por parte de vocês dois. E como Mallaica aceitou isso?
Relena então explicou os tratados e Clermont. Heero ouviu, atento.
E você faz idéia de onde estão os pilotos Gundam?
Devem estar nas Colônias. Desde a última vez que os viu, vocês planejavam invadir a Terra, não é?
Ele olhou-a sem entender.
Que foi? - ela perguntou.
O que está dizendo? Planejavam invadir a Terra?
Sim, sim, desde que Quatre e eu fomos raptados, você e os outros pilotos estavam juntos, e com a Tenente Noin e a Major Sally.
É mesmo? Nós, com Noin de OZ e Sally da Aliança? Mas eu não os vejo há onze anos, todos eles.
Relena ficou realmente chocada. Então Heero perdera a memória novamente, mas se lembrava dos tempos antigos antes da primeira perda... Era tudo tão estranho! Era como se fossem dois Heeros, duas vidas diferentes.
Foi assim que você caiu na Terra com o Gundam, eu acho. Relena disse.
Caí na Terra? Com o Wing Zero?
É. Consegue se lembrar de algo antes disso?
Ele pareceu pensar muito, enquanto voltou a olhar a visão lá fora. Era claro que estava perdido em pensamentos, como raramente fazia.
Não. respondeu, voltando os olhos a ela. Eles refletiam o brilho laranja.
Relena puxou a cadeira no canto da sala e sentou-se nela. Só agora percebera que torcera o tornozelo com a trombada dos dois. Cruzou as pernas, a mão direita massageando o tornozelo esquerdo. Olhou para Heero. Surpreendeu-se ao reparar que ele tinha um corte do lado do braço - nu por causa da blusa sem manga - feito por seu pequeno broche pontiagudo de cristal, com o símbolo de Clermont.
Sinto muito. disse, olhando o ferimento, um risco vermelho de sangue mas que não chegava a sangrar. Vendo que Heero não prestara atenção ao pedido de desculpas e voltara os olhos à janela, resolveu começar outro assunto. Bem, estou aqui por causa do assassinato daqueles quinze cientistas que vieram para cá. Foi você, não foi?
Ele confirmou levemente com a cabeça.
Por quê? ela perguntou.
Eu não poderia deixar que informações vazassem daqui.
Mas você não acha que eles já passaram todas as informações para fora desta ilha? Obviamente não ficaram completamente isolados. Tinham comunicação, inclusive com a OZ II.
Mesmo... Heero sentou-se na janela e encarou Relena suavemente. Mesmo se tiverem passado informações para fora daqui, foram muito poucas. Cada um guardou para si tudo o que tinham, para que quando saíssem daqui pudessem apresentar em convenções mundiais as suas descobertas. Todo o registro são os gravados em disquetes e em seus lap-tops, às vezes em algumas folhas de papel. Queimei tudo.
Claro, pensou Relena. Ele sempre sabe tudo e está sempre pronto para tudo.
Entendi. ela disse, simplesmente.
Depois sorriu.
Quatre ficaria muito feliz em ver você. Não imagina o quanto! Faz tempo que ele acredita que você está morto.
Ele é sensível.
Ele é.
Relena... Heero disse, apoiando a cabeça na batente da janela e olhando o crepúsculo que se aproximava cada vez mais. Preciso que me conte tudo o que sabe. Sobre o que aconteceu comigo nesses últimos tempos. Eu não lembro mesmo de nada.
Ela assentiu. Mas havia uma coisa que não entendera.
COMO você sobreviveu?
Ele sorriu, apenas. E, sim, um sorriso apaixonado, aquele que levava os sentimentos dele para fora, para o rosto.
Relena... Você ainda tem aquele ursinho que eu te dei?
Estavam na sala, os três, em silêncio. Fazia tempo que nenhum deles falava nada, e cada um se perdia em seus próprios pensamentos, num mesmo problema. Relena, sentada ao lado da janela na sala, numa poltrona; Quatre no sofá ao centro concentrado com a mão no queixo; Heero em pé encostado na parede, de braços cruzados.
É, eu sei. ele disse, por fim.
Voltemos ao início. Relena havia contado a Heero tudo sobre o que acontecera em 205 A.C., e depois tudo após a queda do Gundam. Foi contando em detalhes, na viagem de navio do Hawaii até a Velha Zelândia. Haviam chegado na casa do casal Mandaire.
Nem é necessário descrever muito a reação de Quatre quando viu Heero. Ficou pálido, era como se visse um fantasma de alguém que morrera há mais de dez anos. Dez anos... não parecia nem para ele nem para Relena que todo aquele tempo sozinhos na Terra não fora nem um ano.
Se eu conheço bem um piloto Gundam, eu acho que você quer o Wing Zero de volta, não? Quatre comentara.
Tanto quanto você deseja o Sandrock. Heero, surpreendentemente, sorrira.
Estavam na varanda da casa. O mar, parecendo perfeitamente negro, com as espumas das ondas, parecendo perfeitamente brancas, davam um ar sem vida, misturados ao céu cinza.
O que o fez pensar tão rápido que havíamos morrido? Heero voltara a ser sério, se referindo à história que Relena havia contado.
Quatre ficou em silêncio. Heero prosseguiu.
Você precisa parar de olhar Mallaica como invencível.
Talvez seja porque eu nunca o vi perder. Quatre disse calmamente.
Esse efeito psicológico é grave.
Sinto muito, mas eu sou assim, ao contrário de você. Eu nunca servi para ser soldado, todos me diziam isso. Acho que a morte das minhas irmãs me afetou até demais.
Alguém como ele mal via os bens materiais. Nunca havia lamentado, nem em pensamentos, "a destruição do patrimônio da família Winner.
Estava claro que não sentia muita tristeza ao dizer isso. Como todo ser humano, já estava acostumado a viver com a realidade e as perdas, isso é natural. Mas seu ar triste ainda continuava.
Relena estava na sala, lendo um romance. Não prestava atenção na conversa.
Mallaica nunca perdeu. recomeçou Quatre. Treize Khushrenada perdeu uma vez, saindo da Rolme-Feller, e depois pela segunda vez, que custou a sua vida.
Há quanto tempo ele está no poder? Heero perguntou, com voz distraída, olhando a noite.
Há onze anos. Ele ascendeu logo depois da queda de Treize. Se não me engano era aprendiz dele.
Aprendiz?
É.
Se eu estivesse em plena consciência nessa época, ele não teria ficado muito tempo no comando. Heero disse distraído, quase sem perceber.
É... Quatre sorriu. É claro que sim.
É por isso que não vou deixá-lo ali por muito tempo. o piloto japonês se virou e foi andando, entrando na sala novamente.
Relena levantou os olhos quando ele passou, mas depois continuou sua leitura. Pouco tempo depois Quatre foi junto, e, num suspiro, disse:
Não é bem assim. Dizem que Mallaica anda caindo, mas ele ainda tem o controle sobre a OZ II e o mundo todo em si. E você não tem mais o Wing Zero, Heero.
E sentou-se no sofá. Relena à janela, olhando para o mar, o romace esquecido nas mãos; Quatre sentado com a mão no queixo e Heero apoiado à parede, de braços cruzados.
É, eu sei. diss, por fim.
Sabe o quê? Relena não desgrudou os olhos do mar.
Heero lançou-lhe um olhar acusador, que ela não percebeu. Depois voltou a olhar Quatre.
Mas então pretende ficar aqui, desse jeito, até morrer?
Você concordou comigo, Heero. O que VOCÊ prentende fazer?
Eu concordei que a situação faz disso difícil, mas não impossível. Isso não significa que eu não vá tentar.
Quatre mordeu o lábio inferior. Encarava Heero.
E vai começar por onde?
Primeiro, preciso de um lap-top, um computador, qualquer coisa que me conecte com o mundo.
Temos muitos em Clermont, claro. só então Relena virou o olhar para ele. Vamos até lá amanhã.
Simplesmente fantástica, Clermont se erguia por entre a cadeia de montanhas verdes da Velha Zelândia, tendo o Oceano Pacífico como complemento de paisagem.
Seus muros, uma verdadeira fortaleza de cor cinzenta, cercavam os vários prédios e pátios. Era tudo desenhado nos melhores moldes das antigas universidades européias que surgiram na Idade Média; Clermont era uma réplica duas vezes maior de Oxford, na Inglaterra, fundada em século XII e destruída em Guerras Mundiais ainda antes das Colônias existirem.
Era repleta de quadros - sobreviventes raríssimos - da Renascença, do início da Idade Contemporânea, do século XX. Estátuas brancas de mármore estavam em cada corredor, assim como armaduras medievais e espadas e escudos, trajes antigos de reis (ou o que restava deles). Havia até antigas escrituras persas e egípcias, pedaços de monumentos da Grécia Clássica, fósseis dos seres mais antigos do mundo. As fórmulas matemáticas de Aristóteles, Galileu e Gauss, tapetes antigos da Arábia e da Índia, vasos da China, katanas japonesas.
A maior relíquia do mundo, fora guardado tudo ali para que nenhum país independente comandasse nada, assim seria mais difícil esses tesouros seres destruídos pelas guerras inevitáveis. Embora, mesmo assim, a Aliança, a OZ, a Rolme-Feller e a OZ II nunca tivessem dado muita atenção a Clermont.
A sala de Relena - a diretora da universidade - era grande como tudo lá dentro, escura e repleta de quadros. Monalisa já desgastada, mal sendo possível ver seu rosto com o sorriso misterioso - estava ao lado da mesa da diretora, junto com a Santa Ceia, também de Da Vinci, que já não era muito mais que um borrão de cores velhas.
Relena se sentou atrás da mesa, numa cadeira vermelha de veludo, de modo que atrás dela a imensa janela mostrava o verde-escuro das montanhas. Um pedaço das muralhas cinzentas também aparecia.
Heero se sentou de frente para ela. Quatre havia ido cuidar de assuntos da universidade.
Riqueza sempre combinou com você. Heero disse, observando os quadros à sua volta.
Quatre disse a mesma coisa. Relena apoiou-se no encosto da cadeira de braços, repousando um cotovelo em cima de um deles. Clermont é realmente fascinante, é o lugar mais lindo que já visitei em minha vida.
Nunca tinha vindo para cá? ele perguntou ao se levantar e caminhar pela sala.
Não. Eu bem que poderia ter estudado aqui.
Você se formou?
Nunca tive tempo para isso.
Se tivesse, em que gostaria de se formar? ele voltou a olhá-la.
Eu... ela olhava o teto, pensativa. Sabe que nunca pensei realmente nisso? riu. É mesmo. O que eu gostaria de ser, se não fosse líder?
Encarou-o.
E você, Heero? O que gostaria de ser, senão soldado?
Não conheço nenhuma outra profissão. Cresci treinando. Sou ignorante nesse ponto.
Aquela pequena deformação em sua boca poderia ser um sorriso. Relena o olhava à frente do quadro de Monalisa; era um sorriso muito mais misterioso que o dela.
Você poderia estudar aqui. ela propôs, surpreendendo-o. Não é mesmo? Pelo menos assista algumas aulas para ver como é. Talvez tenha alguma ciência que você goste.
É uma proposta interessante, mas... ele voltou o rosto para a janela, os braços cruzados. Primeiro eu gostaria de fazer o que eu vim fazer.
Na sala da coordenação, os móveis eram avermelhados, a maioria com desenhos em alto-relevo, gastos do tempo e com o brilho já perdido. A janela era tão grande quanto a da sala de Relena, mas a diferença é que ela dava diretamente para o mar aberto, não havendo mais nada além dele e do céu.
As estantes eram lotadas de livros velhos. Algumas esculturas do lado da porta ornamentada. Vasos negros com desenhos gregos em dourado no canto da mesa; uma parede cheia de quadros com os últimos representantes da universidade.
Quatre escrevia ligeiramente, debruçado em sua mesa. Suas mãos formavam as letras árabes delicadas no papel grosso e amarelado, uma pilha do mesmo papel com sua caligrafia ao lado.
Assustou com batidas na porta. Estivera concentrado demais.
Entre. disse.
Uma senhora entrou. Uma senhora que ele conhecia muito bem.
Bom dia, Lala Samira. ele disse, em árabe.
Bom dia. ela respondeu na mesma língua. Era alta e magra, vestia uma túnica adornada indiana, preta, e um lenço amarelo enrolando seus cabelos. Samira Aziz era professora de Clermont, na parte de Física, havia anos, muito amada por todos e principalmente por Quatre. Já era de se esperar. Ela fora sua professora durante a sua infância.
Para um menino rico, filho e herdeiro dos Winner, era natural que aprendesse tudo com professores particulares. E Lala Samira fora a principal deles, ensinando Matemática, Física e Química, além de línguas estrangeiras como o fancês, o alemão e o italiano. Ele gostava dela por causa da risada alta e viva, que era capaz de ecoar alegremente pelas paredes frias e solitárias de um palácio árabe. Quatre partira para a Operação Meteoro e nunca mais a vira, então. Foi uma surpresa encontrá-la em Clermont, tanto tempo depois.
Estive observando o senhor quando entrou aqui. Parecia preocupado. ela disse, sentando-se na cadeira à frente de Quatre. Colocou a mão cheia de jóias em cima da mesa, tamborilando com os dedos longos e finos. O senhor e a Srta. Peacecraft entraram acompanhados, não entraram?
Bela observação. Nada mal para uma fofoqueira das ruas do antigo Cairo, que sabia tudo sobre a vida e o comportamento de todos.
Desculpe perguntar. acrescentou, sem parecer realmente sentida.
Não foi nada. ele disse. Ele é... um antigo amigo nosso.
Ela o analizou com aqueles grandes olhos castanhos.
Será que há algo que quer me contar, Sid Quatre? Sabe que pode confiar em mim. Se sou fuchiqueira, certamente não é com coisas sobre o senhor.
E soltou uma daquelas risadas.
Quatre debruçou-se na mesa. Já estava pensando faz tempo em contar para ela, claro.
Ele é... o Heero Yuy, o piloto do Gundam Wing Zero.
Viu a surpresa no rosto dela, que raramente se surpreendia.
Piloto? Do Gundam? Aquele Heero Yuy que tinha desaparecido e apareceu de novo, que depois foi morto pela OZ II e.
É. Ele mesmo. Mas, como pode ver, ele não foi morto. E ainda caiu com o Wing Zero na Terra.
O Gundam que caiu na Terra?! Ele era o piloto!
Era.
Como sobreviveu!
Não sei.
Samira comprimiu os lábios, os dedos ainda tamborilando na mesa, agora mais nervosamente.
Heero Yuy... Nossa.
Ajeitou as pulseiras.
Ele do nosso lado, e Mallaica cai!
Quatre concordou com um aceno fraco de cabeça. Samira, obviamente, percebeu isso.
É que Heero Yuy é alguém comum para o senhor. ela disse, num sorriso quase humilde. É como um amigo. Mas para pessoas comuns como essa velha aqui, ele é muito especial. Imagine, tive e vou ter ainda a oportunidade de vê-lo!
Quatre assentiu.
É mesmo.
Mas... ele não tinha perdido a memória, como o senhor me disse?
Nesse momento a porta atrás dela de abriu bruscamente. Relena entrou.
Desculpe-me, com licença. disse, séria.
Eles conversaram em árabe, os dois. Mas isso não quer dizer que o nome "Heero Yuy" não pôde ser ouvido.
Não tenho culpa. Relena resmungou, deitando embaixo das cobertas fofas. Eu já disse que não gosto daquela mulher. Ela é tão estranha! Como ela pode ser ex-mestra de alguém calmo como você?
Ela é uma das pessoas em que mais confio. Quatre virou-se de lado na cama, de modo que ficava de frente para Relena. Lala Samira é muito importante para mim. Tanto quanto Began era para você.
Began não tinha uma risada daquelas, nem aquela cara esquisita.
Esquisita?
Esquisita, sim!
Quatre riu e Relena não pôde deixar de rir também.
Essas mulheres orientais cheias de lenço, pulseiras e perfume, elas são tão estranhas! Relena disse ao jogar a franja para longe dos olhos.
O que eu diria do seu amado oriental se não o conhecesse? Frio e sério, nunca conversa. Eu não saberia porque você o ama!
Mas você sabe o porquê... não sabe?
Claro que sei. Eu o conheço.
Nada mais além dos assuntos de Clermont. Sempre falavam de lá: o maior orgulho dos dois. Falavam agora das pessoas estranhas, professores que parecia doentes, alunos que pareciam psicopatas, quase. Riram muito juntos. Quando juntos assim, costumavam rir bastante.
Apagaram as luzes dos abajures, ao final das conversas.
Relena não dormiu tão rápido quando Quatre. Acordada no escuro do quarto, ouvia as ondas do mar baterem nas pedras que sustentavam a casa, num movimento leve e tranqüilo. Uma brisa fraca entrava pela janela semi-aberta, com um ar salgado ao qual os dois já haviam se acostumado.
Quatre... tão gentil. Mesmo nos momentos em que ele ficava mais triste, nunca deixou de sorrir para ela, aliás, ele tinha um poder incrível de ler nos olhos das pessoas: Quero um sorriso para me confortar". "Quero palavras". Ele fazia as pessoas ao seu redor se sentirem bem, mesmo quando ele estava mal. Relena não se lembrava dessa habilidade quando o conheceu pela primeira vez, ou nunca tinha notado, já que mal se viam.
Heero era uma pessoa igualmente boa, mas a diferença é que ele não sabia demonstrar isso. Eram bem semelhantes, por dentro.
Relena foi formando perguntas na cabeça, enquanto o maldito sono não vinha... Por que eu me apaixonei por ele? Por Heero? Era frio demais, apesar da bondade e do desejo de paz igual ao dela. Mas.
Se encontrar com Heero era maravilhoso. Fazia seu coração saltar de ansiedade quando o via. Estando com ele, ela se senta completa. Mas só ficavam juntos por muito pouco tempo. Às vezes não havia tempo para trocar uma só palavra. O que aconteceria se ela vivesse com ele para sempre, como sempre ansiara fazer? Conseguiria viver com alguém parecendo tão indiferente e tão distante, tão cruel às vezes?
Não, Relena, não. Você não iria conseguir.
Já reparou, Relena, que você tem tudo agora? Tem Clermont, tem um marido bom e sábio, que a compreende; tem uma vida boa economicamente, tem as pesquisas e descobertas mundiais nas mãos, só falta... filhos, talvez. Se bem que nunca pensara no fato de ser mãe.
Olhava Quatre. A respiração dele era calma enquanto dormia, o rosto belo que ela comparara, uma vez em Clermont, a um anjo de
Pense bem, Relena. Você tem paz aqui, e ainda acha que está o amando agora. Por que querer mudar tudo? Por que começar a rebelião de novo, do lado das Colônias, de Heero? Está tudo muito bom, muito bom.
E, pensando nisso, beijou-o. Ouviu-o suspirar, mas ele não acordou.
Quanto às formas de tratamento, Lala e Sid, bem, me lembro delas da novela das 8 ' Não sei se estão corretas, e, sem alguém souber, por favor me avise.
Arigatou!
Kitsune-Onna
