Lilibeth: O Remus ainda vai mostrar mais as garras. Docemente, é claro.
Paula Lírio: Agora é ver se o Draco resiste ao encanto da Lua, ops, do Lupin
Viviane Valar: O Remus é isso tudo e mais um pouco. O motivo da crise do Draco vem no próximo cap
Então vamos lá, divirtam-se na noite de Lua Cheia
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
Parte I – Outono
Tempo de deixar ir.
Capítulo III – Lua Cheia
País de Gales – 04/10/1998
Draco Malfoy:
Tédio. Estou entediado. E se abro a boca para falar algo sobre isso, o Lobo dos Infernos me diz que eu devo arrumar algo para me ocupar.
Eu quero voar. Mas Snape respondeu com um retumbante "não mesmo" a coruja que lhe enviei pedindo minha vassoura. Talvez eu não devesse ter sumido por dois dias levando a do Potter, mas isso são águas passadas.
Tudo o que me resta é ler. Realmente, existe uma quantidade absurda de livros nessa casa: acho que tem todos os livros sobre lobisomens já escritos. Tem um bocado sobre Defesa Contra as Artes das Trevas também. E História e Direito bruxo. Sem contar os livros trouxas! Tédio total.
-Malfoy, almoço.
Eu vou fazê-lo esperar por cinco minutos. Mais que isso ele sobe para me buscar.
Todos os dias ele me faz acordar cedo, tomar o bendito café da manhã e depois some. Sai para andar. O que há para se ver nesse fim de mundo? Ele volta, enfia-se no tal escritório e só sai de lá para providenciar o almoço. Depois se enfia lá de novo, sai para o chá, vai andar e só volta para o jantar. Cara mais chato. O que de tão importante ele acha que faz?
Como sempre, eu entro na cozinha e ele está sentado à mesa, sem se servir, me esperando.
Ora essa, hoje temos uma variação na rotina. Ele não sorri. Na realidade, está pálido.
Eu o observo pelo canto do olho; a criatura está estranha hoje. Mal come, parece distraído. Normalmente ele comenta algo sobre uma das muitas revistas que assina, ou jornais. O desgraçado sabe que, para espantar o tédio, eu leio até os jornais trouxas que ele compra, junto com o Profeta Diário.
-Malfoy, hoje é a primeira noite de lua cheia. Vou para meu quarto agora. Acredito que você possa improvisar seu jantar.
Ele hesita um instante e sai. Eu vou ficar sozinho com um lobisomem hoje à noite! Não mesmo A casa do Potter já não me parece tão ruim.
Por orgulho, acabo ficando. Meu quarto é magicamente protegido; lobisomens não aparatam, quando na sua forma lupina, e Lupin já se trancou no quarto dele. Que seja, quem liga realmente?
Saber que Lupin está no quarto aguardando a lua me deixa inquieto; acabo saindo de casa pela primeira vez em dias.
O Chalé da Lua, como o sujeito chamou a casa, fica na encosta de uma colina alta. O vale lá em baixo faz parte da propriedade; parece que ele queria se isolar mesmo.
Subo até o topo da colina; dá para ver a vila trouxa, onde Lupin já foi duas vezes depois que chegamos. Típico. Misturando-se com trouxas!
O pensamento ocorre sem que eu me dê conta, mas soa como se eu ouvisse Lucius Malfoy falando. Um arrepio de asco percorre minha espinha, e eu volto para o chalé. Já passou da hora do jantar.
Estou prestes a entrar na casa quando noto a lua nascendo. Não tenho fome. Certamente lembrar de Lucius não ajuda meu apetite. Tomo um copo de leite e vou para a sala. Ora essa, o Lobisomem não é perfeito! Os discos dele estão uma bagunça. Gasto um tempo organizando tudo e perco a vontade de ouvir música.
Acabo me deitando cedo demais e não consigo dormir. Afinal de contas, quem conseguiria, tendo um animal desses dentro de casa?
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
Remus Lupin:
Os efeitos da Lua Cheia já começaram há dois dias. Meu corpo fica fraco, me canso com facilidade e minha mente tende a divagar. A poção chegou ontem. Desde a volta de Voldemort, Severus tem enviado para mim, todo mês, a dose necessária. Acredito que só Harry saiba disso. Mas ele tem minha gratidão.
Quando digo a Draco que hoje é Lua Cheia, ele fica pálido. Mesmo ainda na minha forma humana meu olfato sensível identifica o medo dele. Não há nada que eu possa fazer. Não me surpreenderei se amanhã ele já estiver de volta à casa de Harry. Na realidade, eu quase desejo isso.
Os últimos dias foram complicados. Ele não faz nada e reclama do tédio. O que ele espera? Que eu contrate um circo para entretê-lo?
Viro na cama, sem encontrar uma posição minimamente confortável. A primeira noite, de certa forma, é a pior. Não estou suficientemente fraco para dormir o dia todo, e minha mente ocupa-se em antever o que virá. Isso de nada adianta, já aprendi faz tempo. O ciclo se completará, eu queira ou não.
Draco. Se eu conseguir manter a minha mente nele, não vou ficar pensando no que me espera hoje à noite. Ele precisa se ocupar com algo, ou eu vou ficar maluco com ele assombrando a casa.
Do que esse garoto gosta? Não me parece do tipo intelectual, nem do tipo que se envolve em acampamentos. Fora isso, a única coisa que eu tenho para ensinar a um garoto dessa idade é se defender em combate. Acho que se defender ele já sabe.
O sol está se pondo; meia hora e a Lua nascerá.
Minha porta está trancada e enfeitiçada, por segurança. Mesmo assim, eu me arrasto para fora da cama. A única coisa que me impediria de me sentir um caco nesse momento seria uma superexcitação nervosa; a última vez que não percebi a proximidade da Lua Cheia foi quando reencontrei Sirius na Casa dos Gritos. Não é hora de mergulhar em memórias.
Dispo-me - não há razão para rasgar mais uma veste - e me dirijo ao quarto interno. Tranco magicamente a porta, acendo o fogo e guardo a varinha sobre o console da lareira. Abro as cortinas. Só o vento típico das altas colinas galesas me impede de abrir as janelas. Deitado no colchão no chão, único objeto em todo o quarto, eu espero.
A calmaria antes da tempestade. Não sinto mais a fraqueza que me abatia minutos atrás, e as dores ainda não começaram. A natureza animal está rondando minha mente. Por um minuto, sinto-me dois. Eu e meu Lobo, só nós dois no universo.
Eu nunca disse a ninguém, mas, nesse breve momento que antecede o nascer da Lua, eu mergulho em um êxtase profundo. Às vezes sinto que, se esse momento durasse um átimo a mais, eu me tornaria o Lobo e nada mais iria importar - fosse Lua Cheia ou não, eu estaria livre.
Mas a Lua sempre nasce, e sou arrancado do êxtase pela dor que se espalha por todo meu corpo. Já levei Cruciatus, mais de um até, mas a dor que sinto a cada transformação é pior. Começa na altura do peito e se espalha em ondas. É impossível não gritar. Estou deixando de ser, de existir. Minha mente se rebela diante desse fato. Por algumas horas, Remus John Lupin deixará de existir.
A poção me mantém sob controle, mas tem um efeito colateral horrível. Parte da minha consciência não abandona o corpo, e eu vejo toda a transformação. Sinto-me perder a forma, sinto minha alma partir-se para que a maldição se cumpra. Não há como evitar o grito que se forma em minha garganta. Um grito que começa humano e termina animal.
Sou um lobo agora.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
País de Gales – 05/10/1998
Draco Malfoy:
Tive uma noite horrorosa. Estou com fome, maldormido e de mau humor. E, claro, vou ter de arrumar meu café da manhã. O lobisomem ainda não deu as caras, apesar de já serem bem mais de 10 horas.
Pego um livro e volto para o quarto. Nunca vi o autor antes; parece ser trouxa, mas estou com preguiça de descer e trocar.
Já passa de duas da tarde quando desço para o almoço. A mesa está posta para uma pessoa, e um dos elfos que trabalham para o Potter está acocorado junto ao fogão.
-Mestre Malfoy deseja almoçar agora? – É a elfa. Unick, Uiinti, Uísque, sei lá.
-Sim. Onde está mestre Lupin?
-No quarto, mestre Malfoy. Winky já levou o chá para o mestre Lupin.
-Só chá? Ele não vai comer mais nada? – A elfa se encolhe um pouco. Como o idiota do Potter pretende controlar esses elfos, ninguém entende.
-Ele não quer mais nada, senhor. Winky ofereceu. Ele só quer dormir.
-Que seja, então. – Nunca me ocorreu como é o dia seguinte de um lobisomem.
Saio da cozinha depois de comer um pouco.
Ontem ele já não comeu quase nada, e hoje só chá? Não é de estranhar que parecesse um saco de ossos quando o conheci. A ironia perdeu a graça. Subo para o meu quarto e hesito em frente ao dele. Que se dane. Quem se importa? Volto para meu quarto para ler sobre o turista maluco em um mundo sobre uma tartaruga.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
Remus Lupin:
Segunda noite. Estou novamente esperando a Lua. Sirius nunca pôde entender que eu a ame tanto quanto a odeio.
Ninguém que não passe por isso pode.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
País de Gales – 06/10/1998
Draco Malfoy:
A droga da elfa só levou chá para ele de novo. Ninguém pode viver de chá e Poção Mata Cão. Merda de lua cheia que não acaba.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
País de Gales – 07/10/1998
Remus Lupin:
A terceira Lua se vai. Sinto minha forma humana voltar mais uma vez. Terei novamente um bom tempo pela frente.
A paz invade minha mente. Meu corpo está um lixo, mas sinto que voltei purificado de algum lugar bem longe daqui. Nesse momento, meu medo parece sem sentido. Não me dou ao trabalho de voltar para meu quarto; me deixo escorregar para o sono aqui mesmo.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
Draco Malfoy:
-Só chá outra vez! – A tonta da elfa quase se esborracha quando eu grito com ela. E eu nem mesmo tentei ser ameaçador. Potter definitivamente acostumou mal essas criaturas.
-Sim, mestre Malfoy. Mestre Lupin deseja apenas chá.
-Você perguntou a ele? – Tento manter um tom calmo, com se conversasse com um bruxo, para que o pequeno monte de nada na minha frente consiga me responder direito.
-Não, senhor. Mas mestre Lupin disse que era para levar só chá todos os dias.
-Faça uma bandeja com alguns sanduíches e o bendito chá e venha atrás de mim.
Nem escuto o que a tal Uintky responde. São três horas da tarde, Lupin ainda não comeu e ela ia levar apenas chá! Elfa estúpida. Potter estúpido.
Subo determinado a fazer Lupin comer. Se eu atraso para uma refeição ele faz uma cena de folhetim, mas agora resolveu fazer greve de fome. Daqui a pouco eu acabo com um lobisomem morto nas mãos, e ainda vai ter algum imbecil para dizer que a culpa é minha.
Bato na porta e entro, seguido pela estúpida criatura que quase matou o lobisomem de fome.
Ele está deitado na cama no centro do quarto, pálido como a morte. Fome, certamente.
- Malfoy!? Aconteceu alguma coisa?
-Claro que aconteceu. Nem você, nem o estúpido do Potter têm juízo. Quer morrer de fome e me fazer levar a culpa?
Ele parece confuso. Pelo que me lembro das aulas dele, lobisomens não são retardados, então não existe razão nenhuma para eu explicar de novo.
-Deixe a bandeja aí, elfo, e some pra cozinha.
- Malfoy, não tem necessidade de falar com a ....
-Lupin, senta e come.
-O quê?
-Eu não vou sair daqui enquanto você não comer. Come. – Fui treinado a vida inteira para dar ordens. Vamos lá. Teima só um pouquinho. Por favor, eu vou adorar discutir um pouco.
-Malfoy, eu agradeço a preocupação....
-Eu não estou preocupado, portanto não agradeça. Come. – Vamos lá, discuta. Não seja tão bonzinho.
-Eu não tenho fome. Deixe aí, eu como depois.
Eu me sento e dou o sorriso mais gelado possível.
-Come.
A palidez do rosto dele sumiu um pouco. Ele ainda está abatido e com ar cansado, mas não parece mais prostrado. Interessante.
-Andei lendo. Depois da transformação você deveria se alimentar levemente, e não fazer quatro dias de jejum. Se você tiver de ir para um hospital eu vou ter de voltar para casa do Potter. Aqui é um tédio, mas é melhor do que lá. Portanto é melhor comer. Não arredo pé daqui enquanto você não tiver comido tudo. Não tem juízo? Devia saber melhor do que qualquer um que ....
Ele tem a ousadia de me interromper:
-Está bem. Eu como, Draco. Se você se calar, eu como.
Essa aberração está me dizendo que eu falo muito?
Antes que eu retruque qualquer coisa, vejo que ele se senta com dificuldade.
-Ei! Ninguém nunca lhe disse que gente decente dorme vestindo alguma coisa?
-Draco, eu voltei à forma humana faz poucas horas. Dormi no outro quarto, de tão cansado. Quando acordei me forcei a vir até aqui e, definitivamente, não estava esperando sua visita. Portanto não me amola e me passa a bandeja.
Que encanto! Ele quase perdeu a paciência! Eu tento isso desde o terceiro ano.
Eu o espero comer. Afasto-me da cama; eu detesto comer com alguém me olhando. Aproveito e dou uma olhada geral no quarto.
Além da cama, tem o guarda-roupas, duas cadeiras, uma porta que deve dar no tal quartinho interno e uma cômoda. E, claro, livros por quase todos os lados. No console da lareira, uma multidão de fotos. A de Black destaca-se entre as demais. Em outra foto, um Potter de treze ou quatorze anos me olha surpreso junto com seus amiguinhos. Esse outro arrepiado aqui deve ser o Potter pai; a Potter mãe tem os olhos iguais aos do filhote Cicatriz. Nas outras fotos, algumas bem antigas, um monte de gente que eu não conheço.
Quando olho para ele, o lobisomem inapetente comeu os sanduíches todos, e está na terceira xícara de chá. Se não estivesse me olhando tanto, já teria tomado o bule.
-Obrigado. – Aquela voz educada e controlada novamente.
-Vou mandar a elfa buscar a bandeja.
Grande Merlin, o que serão todas aquelas cicatrizes? Não que eu repare.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
País de Gales – 08/10/1998
Remus Lupin:
Acordei faminto. Depois da insistência com os sanduíches no meio da tarde, Draco ainda me fez comer um caldo à noite. Provavelmente obrigou Winky ficar até mais tarde para fazê-lo.
Ele se comportou de forma tão grosseira criticando quase todas as fotos no meu quarto que, por muito pouco, não virei a travessa na cabeça dura dele. Só o fato de o caldo estar excelente me impediu.
Seria divertido ver o que ele faria. Melhor não. Melhor fazer isso quando eu puder me defender com mais destreza.
Ele desce com o habitual mau humor matinal e se atraca ao café da manhã; até parece que foi ele quem passou quatro dias sem se alimentar. Espera aí!
Dou uma chegada na geladeira e nos armários.
-Draco, eu fico de cama dois dias e você pára de comer! Qual é, garoto?
-Não foram dois dias, foram cinco.
Ele tem uma irritante mania de precisão numérica.
-E eu comi o que quis. Sabe, é bom poder fazer o que eu quero sem ter um vigia atrás de mim - acrescenta ele.
Desisto da discussão; apenas tenho de me lembrar de planejar melhor a próxima Lua Cheia. Estou ansioso para sair, preciso de ar livre. Cinco dias no quarto é um martírio para mim.
-Onde você que pensa que vai? – A voz arrastada dele vem de dentro da cozinha. Criança irritante. Eu cedo uma vez e ele acha que pode falar assim comigo.
-Andar, Malfoy.
-Vou junto.
-O quê?
-Vou junto. Que foi, é surdo?
-Não, na realidade eu escuto melhor que você, mesmo na forma humana.
-Eu sei. Sentidos levemente ampliados durante todo o mês, mas nos dias que precedem a lua cheia eles ficam bastante ampliados.
-Cinco pontos para a Sonserina
Ele ri.
Morgana! É a primeira vez em dias que ele ri.
-Só cinco?
Ele me segue até a pequena nascente colina abaixo. A água gelada mata minha sede. Ele me olha como se eu fosse uma alucinação. Que será que deu nele agora?
-Essa água? Pode-se beber assim?
Era só esse o problema dele?
-Pode, Draco. Essa é limpa e pode. Você nunca acampou?
-Não. Gosto de conforto. – Ele me fita uns instantes. – Você tem cara de quem já acampou muito.
-Gosto do ar livre.
Descemos em silencio até o vale. Ele está despenteado e um pouco ofegante. Mas ainda acha fôlego para começar a reclamar:
-Agora vamos ter de subir isso tudo. Por que você tinha de vir tão longe? Eu só vim para ter certeza de que você não teria um treco sozinho por aí, e agora eu descubro que você é mais doido do que eu pensava....
Esse garoto fala demais ou sou eu quem o deixa nervoso?
-Draco, por favor, escuta – falo baixinho, forçando-o a prestar atenção.
-O quê? – sussurra ele de volta, a mão já na varinha.
-O lugar, o silêncio. A vida que tem aqui.
Ele me olha como se eu estivesse louco, mas se cala, e aos poucos vai relaxando.
A pequena nascente aos poucos virou um córrego, e o córrego criou um lago fundo e bastante grande na entrada do vale. Às margens do lago, minha árvore favorita, um enorme salgueiro, já perdendo as folhas.
Eu me sento recostado em seu tronco e, depois de alguma hesitação, Draco me acompanha.
Pego uma folha no ar. Gosto dos tons castanhos que o mundo assume no outono.
-Vamos ficar imundos com todas essas folhas. – Ele tenta dar o habitual tom de tédio à voz, mas ela soa preguiçosamente deliciada.
É assim mesmo, Draco, é com calma e com delicadeza que devemos contemplar a natureza.
-Devíamos fazer a mesma coisa que as árvores. Ter uma época para deixar ir tudo de ruim embora. – Só percebo que falei alto quando ele se volta para mim.
-Gosta do outono?
-Sim. E você?
-Nunca parei para prestar a atenção.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
País de Gales – 06/12/1998
Draco Malfoy:
Segundo dia depois da terceira Lua Cheia que passo no chalé. Remus conta o tempo pelas luas, e eu começo a fazer o mesmo.
O raio do Lobisomem não é de todo ruim. Ele agora come o que eu levo, sem discutir, nos seus dias de Lobo - como ele se refere à época da Lua Cheia. Apenas pede que eu o poupe de carne, mas não me diz por quê.
Nos dias normais, se não chove, eu saio com ele para caminhar. Conversamos muito algumas vezes, andamos em silêncio outras. Remus lê muito e, por causa das coisas que ele fala, eu acabo mergulhado em livros também.
Nos dias que chove, ele teima em sair sozinho. Volta encharcado e feliz. Insiste em dizer que eu perdi algo de muito bom. Ainda acho que ele é meio louco.
O passeio favorito dele é até o lago; o meu, até o topo da colina. Típico de nós dois. Hoje iremos até o vale: ele ficou cinco dias preso dentro de casa, sou generoso
O salgueiro não tem mais folhas. Mesmo assim, nós nos sentamos embaixo dele. Remus é capaz de ficar horas olhando o lago e, quando eu pergunto por quê, apenas diz para eu esperar o verão. Vá entender!
Na volta eu e Remus bebemos a água da nascente. Está tão gelada que chega a doer a minha mão. Só então reparo que Remus não está usando luvas, e usa muito pouco agasalho, também.
-Lobisomens não sentem frio?
Como sempre, ele parece seguir meu raciocínio sem esforço. Essa é a maior qualidade dele. Detesto me repetir.
-Sentimos. O caso, Draco, é que sentimos prazer na sensação de frio na pele. Não um frio intenso, como o que fará dentro em pouco, claro, mas um friozinho agradável como esse.
-Não gosto de frio. Para mim já está muito frio.
-Não gosta de frio, não gosta de chuva, detesta sol forte. Do que você gosta?
-Vento no rosto.
-Sim, isso é muito bom!
Ele sorri e fecha os olhos, provavelmente imaginando o vento no rosto. Remus ama quase todas as sensações da natureza. Não sei se é por ser lobisomem, ou ele mesmo é que é assim. Mesmo assim, ele continua passando boa parte do dia trancado no escritório.
Eu levo um chá para ele todo fim de tarde, senão ele se esquece de comer. Depois fala de mim. Ele tem mais fotos no escritório do que no quarto. Black é sempre o primeiro a acenar para mim quando entro. O maluco parece ir com minha cara. Com se me importasse com a opinião do namoradinho morto do Remus. Nas fotos o desgraçado é simpático. Claro, meu primo.
Descobri por que ele passa tanto tempo no escritório. Remus está escrevendo alguma coisa. Não me sinto à vontade para perguntar o que é, e o mal-educado não me mostra.
Ele descobriu que eu gosto de fotografia, e me deu uma máquina. Acabei montando um estúdio de revelação no cômodo vago do térreo. Agora a criatura insana insiste em que eu experimente revelar algumas fotos no modo trouxa. Só pode estar de gozação comigo. Ele tem algumas fotos trouxas no escritório; são muito estranhas, totalmente imóveis. Ele insiste em que são artísticas.
Estou tão ocupado que minhas memórias não me assolam mais. Só quando o último vidro de Poção Sem Sonhos chegou é que notei que não tinha sequer aberto o anterior. Claro que o tonto do Lupin diz que é por causa das idéias dele sobre rotina saudável. Claro que não, eu só precisava de um tempo. Aquela curandeira caquética estava enganada. Não tem nada de errado comigo.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
Remus Lupin:
Estou surpreso. Draco não só agüentou a primeira Lua Cheia como se adaptou às minhas transformações. Há mais nessa criança que eu supunha a princípio.
Ele está melhor. Mantém-se ocupado com a máquina fotográfica e meus livros. Lê alguns livros trouxas - gosta, mas não admite. Eu o flagrei rindo da Vovó Cera do Tempo - ele jura que estava tossindo.
Apesar das mudanças, ele ainda está muito fechado. Existe um muro em volta dele, e Draco nem mesmo se dá conta disso.
A surpresa boa é que eu e ele não entramos em uma guerra e, apesar das diferenças em todos os setores, nós nos relacionamos razoavelmente bem. Tenho de admitir, o humor sarcástico dele é divertido.
Minha outra guerra vai de mal a pior. Falta algo, algo muito importante, e eu não percebo o que é.
Há muito tempo percebi que, enquanto a população mágica enxergar os lobisomens como não humanos, as leis de segregação continuarão a tornar nossa vida impossível. Argumentos lógicos não mudam preconceitos. Eu preciso achar uma forma de fazer as pessoas sentirem que nós também somos humanos.
Eu conheço um número grande de lobisomens; coletei histórias deles para publicar. Alguns me pediram apenas o anonimato e me deixaram contar as histórias, outros liberaram qualquer dado, preocupados em ajudar. Alguns - poucos, de fato - têm medo. Juntando com minhas histórias, tenho material para dez livros. Mas falta algo. São lindas histórias. Nem todas com finais felizes, mas são histórias que precisam ser contadas. Mesmo que eu não consiga mudar nada, as pessoas precisam saber dessas histórias. No entanto....
Eu leio tudo sobre Licantropia e Direito Bruxo. Vou rebatendo algumas falsas alegações com lógica e método. Isso ajuda, mas ainda falta algo.
Hora de fazer o jantar.
Paro por uns instantes diante da sala de revelação que Draco montou. Sei que ele vai ficar enfiado aí dentro até eu avisá-lo do jantar. Penso em chamá-lo para me fazer companhia na cozinha, mas desisto. Melhor deixar a criança com seu brinquedo novo.
Quando vou me afastando, meu coração se aperta com uma intuição de perigo. É a segunda vez que uma sensação de que algo ruim se aproxima dele me atinge. Melhor ficar atento.
p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p/p
O livro que Draco está lendo na primeira transformação de Remus é A Cor da Magia, e Vovó Cera do Tempo é uma personagem de Direito Iguais Rituais Iguais. Os dois livros são de Terry Pratchett, ambos excelentes.
