Paula Lírio: A dor do Draco é mais obvia, a do Remus mais sutil, por isso é mais difícil ver o efeito positivo do Draco sobre o Remus. Mesmo quando Draco faz merda os dois acham um jeito de se entenderem.

Viviane Valar: O Remus acha o jeito de dar um jeito no Draco. Com certeza. rs

Momoni: O Draco complica tudo, mas é exatamente disso que o Remus precisa para sair do lugar.

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A música no final do capítulo é: Filho Único de João Rebouças e Cazuza.

Parte II – Inverno

Cura da Alma.

Capítulo VI – Feridas Antigas.

País de Gales – 25/12/1998

Draco Malfoy:

"Você fez de propósito?" A pergunta de Remus fica na minha mente. Não, seu imbecil, tonto, idiota, eu não fiz de propósito.

Estou cansado, mas não consigo dormir novamente. Deito de frente para lareira e de costas para Remus, que se senta ao lado da cama.

A mesma sensação de inquietação da véspera volta a me atingir. Uma tristeza tão amarga que ...

Droga! EU NÃO FIZ DE PROPÓSITO!

Meus olhos queimam como se eu fosse chorar. Por que eu me importo com a opinião que esse imbecil tem sobre mim? Por que me dói tanto a idéia de que ele me despreze?

Mas quando perguntou se eu havia tentado me matar não havia desprezo ou piedade nos olhos dele. Só preocupação.

Merda, Remus. Por que você tem de ser assim? Tão... tão você?

-Remus?

-O que foi, Draco?

Pelo tom de voz, ele estava distraído quando eu o chamei.

Ainda de costas para ele, eu me explico:

-Eu não fiz de propósito. Aconteceu uma coisa, e eu só queria dormir.

-Acredito em você, Draco.

Preciso de muita força de vontade para conter minhas lágrimas. Remus, você é um cretino por me afetar tanto assim.

Você acredita em mim!

-O que aconteceu, para deixar você tão abalado a ponto de errar assim nas dosagens das poções?

Eu identifico preocupação e mais nada na voz de Remus.

Se eu contar, vou estar dando ainda mais armas para ele usar contra mim. Dane-se. Ele já tem munição mesmo.

Ainda enrolado no monte de cobertas que ele colocou em cima de mim, eu me viro e o encaro.

Ele evocou a poltrona da sala e a colocou bem pertinho da minha cama. Está sentado nela, com os cotovelos apoiados no joelho, o corpo inclinado em minha direção e os olhos, com uma expressão séria e preocupada, fixos em mim.

Tento um sorriso. De repente, é muito importante tranqüilizar Remus. Fazê-lo ver que não estou tão ruim assim. Ele não sorri, mas os olhos se tornam mais calorosos, e ele repete a pergunta:

-O que houve, Draco?

-Desde que meu pa... que Lucius me vendeu para aquele cara, às vezes eu tenho umas crises de angústia. Imagens ficam vindo à minha mente. Cenas de várias épocas. Memórias. Nem todas ruins, mas eu não tenho controle, não consigo fazer parar. A curandeira diz que é porque eu sufoco as lembranças do que me aconteceu. – Essa voz rouca e baixa é minha mesmo? – Ontem foi muito forte e, quando o surto passou, tudo o que eu queria era dormir e não sonhar. Eu precisava dormir.

-Por que você não me chamou quando viu que não estava bem?

-Não consegui. – Patético, mas no final das contas, apesar de não querer que soubesse ainda mais sobre mim, eu só não o chamei porque não consegui gritar por ele. – Quando acontece isso eu não consigo me mover direito, nem falar.

A solidão volta à minha alma, e fecho os olhos.

Remus se levanta da poltrona e senta-se na minha cama. Quando percebo, ele colocou minha cabeça no seu colo e desliza os dedos pelo meu cabelo.

-Vai ficar tudo bem, Draco. Você não está sozinho.

Remus Lupin, desgraçado, você sempre sabe o que me dizer.

Relaxo no colo dele. Remus me chama de criança, e nesse momento me sinto assim. Uma criança protegida.

O ronco escandaloso do meu estômago interrompe o silêncio do quarto. Eu e Remus nos entreolhamos e, como duas crianças bobas, caímos na risada.

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Remus Lupin:

Eu e Draco começamos a rir como loucos por causa do oportuno ronco do estômago dele. É uma risada cheia de alívio por ele estar bem, e que espanta a tensão e a melancolia do quarto.

-Vou descer e ver o que dá para se fazer com o almoço. Vista-se e agasalhe-se bem. Eu espero você lá embaixo.

Enquanto improviso um lanche com o que teria sido nosso almoço de Natal, eu me preparo mentalmente para a conversa que terei com Severus.

Não quero que Draco vá embora. Estranho isso agora, mas se antes eu só o aceitei porque Harry e Severus pediram, agora eu realmente quero fazer algo pelo garoto. Se ele for internado vai ser pior, muito pior.

Só quando Draco entra na cozinha ele parece se dar conta de que é Natal. Ele pára ao ver a mesa e me olha com uma expressão de culpa muito semelhante à de uma criança:

-Estraguei seu Natal! Me desculpe, Remus.

-Tudo bem. Sente-se logo, eu também estou com fome.

Depois do almoço, eu o faço ir para a sala, abrir os presentes. Severus também lhe enviou algo.

Sento-me no chão, com as costas apoiadas no sofá, e Draco senta-se ao meu lado com os dois pacotes no colo. Não parece ter pressa de abrir os embrulhos.

-Já abriu os seus, Remus?

-Já. Obrigado pelo livro. Era o único de Charles D. A. que eu não tinha.

-Eu notei.

Enquanto falamos, Draco abriu a caixa com o conjunto de poções para revelação de fotos que Severus havia enviado e começou a desembrulhar o meu presente.

-Legal! – Ele sorri ao perceber o que era.

Passamos o resto da tarde vendo o livro e conversando. Só muito mais tarde ele me pergunta:

-Você vai contar ao Snape o que houve?

-Vou. É preciso, Draco, você sabe. Não se preocupe, ele não vai internar você. Você não está louco. Deprimido, sim. Louco, não.

Ele sorri e olha o fogo em silêncio por um tempo enorme antes de virar-se para mim e dizer:

-Obrigado. Sabe, por salvar minha vida.

-De nada.

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País de Gales – 26/12/1998

Draco Malfoy:

Remus mandou uma coruja para o Snape logo cedo. Cinco minutos depois de receber a carta, Snape aparece furioso em nossa lareira.

-Malfoy, vá arrumar as suas coisas. Você vem comigo.

Não. Merlin, não! Eu não quero ir!

Não consigo falar nada, nem sair da sala. Para minha surpresa, Remus sorri como se fosse novamente Natal. Ele olha fixo para Snape e sorri. Dura só um segundo, mas eu juro, não ia gostar que ele desse esse sorriso para mim.

-Bom dia, Severus, Harry. Sentem-se, por favor. Sente-se também Draco. Temos que conversar. Civilizadamente.

Tão gentil, esse lobisomem!

O Cicatriz responde o bom dia de Remus e senta-se apoiando o cotovelo no braço do sofá, escondendo o riso com a mão. Ele também percebeu o sorriso de Remus.

Sento-me, ainda olhando para Snape, que apenas solta um som parecido com um rosnado e encara Remus com o olhar que ele usa para congelar seus alunos.

Ao contrário de todo bom senso, eu aposto no lobisomem.

-Sente-se, Severus. Draco não vai a lugar nenhum.

Ataque direto! Eu estou gelado; conheço razoavelmente bem o Professor Snape. O estúpido Potter parece estar achando a cena engraçada.

-Ainda sou o tutor dele, Lupin. Draco, vá arrumar suas coisas agora.

Eu não vou me mover sem que Remus diga. Não quero ir para a casa do Potter e menos ainda para São Mungo.

-Eu sei que o tutor dele é você. E sei também que toda essa explosão é por se preocupar com Draco. – Remus está usando sua voz mais educada. Me engana, que eu gosto! – Eu sei que você, assim como eu, quer o melhor para ele. Portanto, sente-se de vez, Severus. Temos de conversar.

Snape senta-se ao lado de Harry no sofá, e Remus no braço da minha poltrona. Primeiro gol é do time dos Lobos, que mantém a posse da goles; resta saber quem vai pegar o pomo. Morgana, eu estou ficando doido!

-Muito bem, Lupin, o que você tem a dizer em sua defesa?

Contra-ataque dos Tutores Zangados.

-Em minha defesa, Severus?

-Da sua absurda irresponsabilidade ao deixar esse lamentável incidente acontecer.

-Não acho que tenha sido minha culpa, nem de Draco, na realidade. Foi uma fatalidade.

O goleiro dos Lobos é bom e defende, mas Tutores Zangados ainda tem a bola.

-Obviamente você não teve cuidado o suficiente com Draco.

-Obviamente ouve uma falha de comunicação entre mim e Draco, e obviamente eu e ele somos perfeitamente capazes de aprender nossa lição e evitar futuros problemas desse tipo.

Defesa!!! Dá-lhe, Lobos!

-Draco precisa de cuidados especializados. Foi tolice tentar mantê-lo longe de São Mungo. – Snape parece cansado. A voz dele soa quase triste, e ele me olha longamente. Céus! Ele se importa! – É obvio que Draco tentou se matar, Remus.

-ELE NÃO TENTOU SE MATAR, SNAPE! QUE MERDA, HOMEM, ME ESCUTE. FOI UM ACIDENTE.

Remus se levanta tão rápido que quase me derruba. Snape se levanta também e o encara.

-Como você pode ter certeza?

-Eu confio nele.

-Severus, talvez Remus tenha razão – Potter interfere antes que Snape retruque. – Converse com Draco, ele está bem aí, e não me lembro de ele ser incapaz de falar. Que droga, vocês dois.

Ora essa! Potter de vez em quando presta para alguma coisa.

Snape me encara com aquele olhar que parece perfurar a mente de qualquer criatura.

-Você tentou se matar, Draco?

-Não. – Apesar de estar dizendo a verdade, é a custo que sustento o olhar dele.

Ele ainda me olha por alguns minutos antes de dar o veredicto:

-Acidente. – E senta-se, respirando fundo.

Ele encara o fogo por longos minutos em silêncio, enquanto Potter apenas põe a mão no ombro dele. Snape realmente se importa com o que me acontece!

-Eu tenho uma idéia para evitar que isso se repita. – Lobos no ataque outra vez, mas parece que Tutores Zangados não está mais jogando para valer.

-E qual seria? – Snape volta o olhar para mim. Céus, ele está preocupado comigo.

Remus estende dois cordões de ouro. Cada uma deles tem uma meia lua como pingente. Ele me entrega o quarto crescente e fica com o minguante.

-Quando Draco estiver se sentindo mal como ontem, ele aperta o pingente. O meu vai mudar de cor e emitir um zumbido. Eu vou ao encontro dele.

E os Lobos pegam o pomo de ouro!

Obrigado, Hécate. Se possível devolva-me um pouco da minha sanidade. Se possível.

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País de Gales – 30/12/1998

Remus Lupin:

Draco revelou o filme que usou antes do Natal no modo trouxa, rasgou um monte de fotos, escondeu outras e me deu duas cópias da que eu tirei dele. Segundo ele, é para eu deixar uma no escritório e outra no meu quarto. O mais engraçado é que essa é a forma de ele me agradecer por não ter deixado Severus levá-lo.

Ele não voltou a ter nenhuma crise de angústia, mas temos falado bastante sobre isso. Minha teoria de que ele passa por isso quando está em um determinado estado de espírito acabou se confirmando. Se Draco fica relaxado, calmo ou feliz, isso acontece. É como se ele se punisse por estar bem.

Como outras vítimas de estupro, Draco culpa-se pelo que aconteceu. Claro que ele nega. Surpresa seria se concordasse.

Pego a foto dele sobre a mesa. Não sou um fotógrafo excepcional, mas dei sorte dessa vez. Captei o ar distante e melancólico típico de Draco.

Ele entra sem bater no meu escritório.

-Eu sei que o modelo é maravilhoso, mas não precisa ficar contemplando o dia todo – diz ele, olhando em volta com o ar levemente entediado. – Vai ficar enfurnado aqui o dia todo?

-Draco, sente-se.

-Remus, você não vai começar de novo com aquele assunto, vai?

-É preciso.

Ele senta-se, com um suspiro. Toda sua atitude é defensiva. Hécate, guia-me.

-Draco, o que aconteceu com você foi uma das piores coisas que poderiam acontecer a alguém. Ninguém, a não ser você, pode saber o quanto realmente isso o feriu.

Ele ouve em silêncio. Eu preferia nunca mais tocar nesse assunto também, mas, para o bem dele, tenho de fazê-lo ver. Forço-me a prosseguir:

-Você já me contou os fatos, Draco, mas se recusa a falar sobre seus sentimentos a respeito. Sobre o que você sentiu na época, sobre o que você sente hoje, e sobre seus sentimentos em relação aos seus pais.

-Eu não tenho pais. – A voz fria e defensiva.

-Tem sim. Foram horríveis com você. Mas tem.

-Não se meta nisso, Lupin.

-Já estou envolvido nisso, quer você queira, quer não. – Me inclino para frente e o encaro novamente. – Fale, deixe que eu, ou Severus, ou qualquer outra pessoa ajude você. Vai doer como o inferno, mas é o único caminho para quebrar esse jugo que eles puseram sobre você.

-Eu não devia ter vindo aqui. – Ele faz um gesto para levantar-se.

-Draco!

Então ele se volta, furioso, e me encara:

-Você quer que eu diga o quê? Que passei a minha vida inteira tentando ser o filho de Lucius Malfoy e ouvindo que eu não chegava nem perto? Que cansei de ouvir minha adorável mãe dizendo que minha fraqueza vinha do sangue Malfoy e Lucius culpando os Black? – ele fala com ódio. Os olhos parecem adagas.– Quer saber como eu me sentia? Um lixo. Um merdinha. Quer saber se Lucius me batia? Não. Ele tinha formas mais cruéis de me ferir. Ele garantia que eu era menos que nada. Ele comprou uma vaga no time de quadribol para mim e, todos os anos, jogava na minha cara que o Potter era melhor que eu. O filho-da-puta não precisava me bater. Eu já me sentia arrasado o suficiente.

Draco está tremendo. Ele se abraça e me olha com raiva. O gesto parece tão natural nele.... quantas vezes esse menino não se consolou sozinho?

-O que foi, Lupin? Não era isso que você queria ouvir? Só na escola eu podia me impor. Só na escola eu me sentia bem. Quer saber o que eu sinto por Narcissa e Lucius hoje? Ódio. Raiva. Desprezo. Nojo. Quer mais? Quer saber como me sinto? Sujo. Quer saber por que eu não deixo ninguém me tocar? Porque dói. Porque eu tenho medo. Eu sou um covarde, um fraco, um estúpido que não conseguiu se defender. Sabe por que eu não quero falar daqueles dias que fiquei à mercê daquele louco? Porque dói. Dói saber que eu sou fraco, dói lembrar o que ele fez e eu não pude impedir.

Ele vai voltar a raiva contra mim, pelo menos por agora.

-Draco, você não...

-Não vem me dizer que eu sou o sobrevivente de uma tragédia. Ferido mas forte por ter chegado vivo. Eu não acredito nisso. Já ouvi essa merda vezes demais para acreditar nela. Eu não estou vivo.

A dor dele enche a sala. Eu me aproximo, não sei se para confortar a ele ou a mim, mas Draco me repele.

-Eu não preciso da sua piedade. Eu não quero a sua piedade. Já não me basta a vergonha de você saber que eu sou um fraco patético? Poupe-me da sua pieguice!

Eu sei que é a dor dele falando. Mas isso me fere. Me fere mais do que deveria.

-Não é piedade, Draco, é solidariedade. Amizade.

-Poupe-me delas também.

Ele se volta para a janela e ergue um muro de silêncio entre nós dois. Eu me sento no tampo da escrivaninha e espero. Sei que externar tudo isso fez bem a ele, mas sei que é só o primeiro passo. Draco precisa entender que ele não teve culpa. Ele tem de parar de se ferir mais ainda.

Mantenho o silêncio, esperando que ele se acalme.

Sem se voltar, ele me pergunta, seco:

-Por quê?

-Como?

-Por que você .... por que você quer saber?

-Porque me importo com você.

-Snape também. Por incrível que pareça, Snape se importa comigo. Mas ele nunca ficou me perturbando assim.

-Ele tenta ajudar você do jeito dele.

-Você quer me controlar. – Ele se vira e me encara com raiva

A acusação me pega de surpresa e, por um instante, fico sem ação. Com Draco, isso é fatal. Ele continua:

-É isso, não é? Pobre Draco, tão dependente do Lupin. Tão fraco, tão incapaz. Como Lupin é forte, generoso, de aturar a cria dos Malfoys. – Ele está usando as palavras para ferir, para destruir. – Eu não vou aceitar que me prendam de novo. Muito menos uma aberração como você. Um lobisomem. Uma criatura que se acha humana.

Ai!

-Controle-se, Draco. – Eu tento me conter também. Ele é só uma criança ferida falando bobagem.

-Você não manda em mim. Ainda não desci a esse ponto.

-Draco, você ainda não percebeu? – Eu falo o mais calmo que posso. Ele me magoou demais, mas eu não quero revidar. Só quero que ele veja. – Você está fazendo exatamente como Lucius.

-EU NÃO SOU COMO ELE! NÃO SE ATREVA A ME COMPARAR COM ELE.

-Eu não estou dizendo que você é como ele. Eu só disse que, nesse minuto, você está agindo como ele.

-Esse seu tom de falso amigo não me engana. Não seja cínico, Lupin. Você não passa de um lobisomem patético, um gigolô do Sirius Black.

Eu poderia matar Draco agora. Sinto minha respiração se alterar. Eu me conheço, ele está em perigo se eu ficar aqui mais um segundo.

Quero sacudi-lo até que os dentes dele quebrem. Quero esganar esse garoto burro. Se tocá-lo agora, eu o machuco de verdade.

Saio. Preciso andar, preciso de ar. Preciso ficar longe dessa peste, nem que seja para que ele sobreviva até o fim do dia.

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Draco Malfoy:

A expressão de Remus rouba meu fôlego e me congela no lugar. Dor e raiva. E fui eu quem causou isso. A dor dele me fere. A raiva me assusta.

Só respiro novamente quando ouço a porta da casa bater com força. Minhas pernas tremem e meu corpo inteiro dói. Estou sozinho e vazio de novo.

Saio do escritório. Quero me refugiar no meu quarto e me esquecer da expressão dele. No vestíbulo, vejo a capa de Remus pendurada ao lado da minha. Merda, ele saiu sem se agasalhar.

Deito-me enrolado no mesmo edredom que ele usou quando cuidou de mim na manhã de Natal. Dói tanto saber que eu o feri. Não deveria doer, não deveria importar.

Passo a tarde atento aos ruídos da casa. Já está escurecendo quando Remus chega e vai direto para o quarto.

Pelo visto nenhum de nós tem fome. Eu, com certeza, não tenho sono também.

Então eu me lembro: amanhã é Lua Cheia novamente. Merda.

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País de Gales – 31/12/1998

Remus Lupin:

Acordo com a garganta doendo e todos os sintomas possíveis de um resfriado forte.

Desço, forço-me a tomar um chá e volto para o quarto antes que Draco apareça.

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Draco Malfoy:

Eu o ouvi descer e levei um tempo enorme tentando criar coragem para ir atrás. Não consegui. Só saio do quarto depois que ele já subiu. Pelo tempo que levou e pela total ausência de indícios de uma refeição, imagino que ele tenha só tomado um chá. Merda. O que eu faço agora?

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Remus Lupin:

O pior dia para pegar um resfriado é na época de Lua Cheia. Nenhuma das poções que poderiam me ajudar pode ser misturada com a Mata Cão. Eu tento dormir, mas a respiração ruim não deixa.

Já me transformei doente antes, sei que vai ser um inferno. O pagamento pela minha estupidez de esquecer a capa ontem.

Eu deveria ir ver Draco. Quando provoquei o desabafo, sabia que ele ia reagir mal. Não deveria ter deixado que isso me atingisse. Estou acostumado a ser considerado como menos que um humano, mas, vindo de Draco, doeu. Esses meses aqui com ele me fizeram esquecer as crenças nas quais ele foi criado. Foi tolice minha. É uma tolice muito grande.... oh Merlin, gigolô de Sirius..... Draco sabe ferir.

Eu preciso ver como ele está. O garoto está muito instável para ser largado assim, por mais que ele tenha me irritado ontem.

A letargia da primeira noite de Lua Cheia e a prostração da gripe não me deixam sair da cama. Mergulho em um semi-sono cheio de sonhos ruins até que uma batida na porta me trás de volta.

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Draco Malfoy:

Fui ao quarto de Remus. Ele está dormindo um sono agitado e não me viu entrar. Está mais abatido do que o normal, obviamente resfriado e não parece bem. Além disso, não come nada desde o almoço de ontem.

Não sei exatamente o que ele passa para se transformar, mas sei que é desagradável e cansativo, e com o resfriado vai ser pior. E a culpa é minha. Droga.

Não sei o que é pior, discutir com Remus porque ele está tentando me ajudar ou ficar me sentindo um lixo por ter feito isso.

Que grande porcaria. Será que essa criatura não percebe que falar da minha vida dói? Eu não preciso lembrar. Já contei a ele tudo o que era preciso. Agora ele cismou que eu me sinto culpado. "Vá para o inferno, Remus Lupin! Me sinto culpado o cacete."

A água ferve e eu arrumo rapidamente a bandeja de chá para levar para Remus.

Missão difícil, fazer aquele lobo teimoso comer alguma coisa estando resfriado. Praga.

Dou uma leve batida na porta e entro, fazendo a bandeja flutuar à minha frente. Remus está deitado, ainda mais pálido do que costuma ficar nos dias de Lua Cheia.

Não é hora de ter peninha dele.

-Senta, Remus.

-Draco, eu estou sem fome. – A voz dele está rouca, e ele parece ter dificuldade para falar.

-Tomou uma poção contra gripe?

-Não posso misturar com a Mata Cão.

-Então senta e toma pelo menos o chá.

Eu o ajudo a sentar-se; ele está um pouco febril.

Entrego-lhe a xícara de chá, e o vigio para que beba toda. Com alguma insistência, ele come uma fatia de bolo. Por fim, recosta-se, cansado, na cabeceira da cama.

-Vão ser três noites mais difíceis do que o normal.

Certo, esse não foi meu comentário mais brilhante, mas desde ontem nós não conversamos, e eu preciso quebrar o gelo. Não quero que a Lua Cheia o pegue sem que esteja tudo bem entre nós. Bobagem minha, eu sei.

-Vai ficar tudo bem.

-Esse é seu mantra favorito. – Afasto uma mecha de cabelo do rosto dele. – É culpa minha você estar assim.

-Você não tem culpa de eu ser um tonto que sai na neve sem se agasalhar.

-Você sabe do que eu estou falando. Eu não queria magoar você, Remus.

-Eu sei.

-Mas magoei.

-Sim.

-Me desculpa?

-Sim. – Ele dá o primeiro sorriso em vinte quatro horas. Não tem como esconder. O alívio que me invade a alma escapa pelo rosto.

-Obrigado. – Hesito em perguntar. Merda. Eu realmente me importo com ele. - Remus...

-Sim?

-Você está monossilábico por causa da garganta, certo?

Ele só balança a cabeça, com uma sombra de sorriso ainda no rosto.

-Quer ficar sozinho?

Ele nega com a cabeça.

Ótimo! Nesse minuto o único lugar em que eu quero estar é aqui.

Remus me estende a mão e, quando eu a seguro, ele a aperta de leve.

Merlin, ele realmente me quer aqui, perto dele!

Você me quer?

Você cuida de mim?

Mesmo eu sendo uma pessoa egoísta

E ruim?

Você me aceita, e me dá a receita

De como conviver com um monstro

Mesquinho e careta

Você me respeita, não grita comigo

Mesmo que tente tudo para te irritar

Você tem de entender

Que eu sou filho único

E os filhos únicos são seres infelizes

Eu tento mudar

Eu tento provar que me importo

Com os outros

Mas é tudo mentira

Estou na mais completa solidão

Do ser que é amado e não ama

Ma ajuda a conhecer a verdade

A respeitar meus irmãos

E a amar quem me ama.