Capítulo 2 - Um começo turbulento
Yuki respirou profundamente e entrou novamente no quarto. Shuichi permanecia na mesma posição que ele o havia deixado: na cama, sentado com um olhar confuso. O rapaz virou-se na direção de Yuki quando ouviu seus passos adentrarem no quarto.
-Olá... -ele disse, trêmulo.
-Um...é...olá. -Yuki respondeu. Shuichi franziu o cenho. O escritor podia apostar que o garoto estava tentando lembrar se já havia ouvido aquela voz alguma vez. Decidiu, por fim, poupá-lo daquele trabalho. -Você não me conhece. -ele disse.
Se fosse possível, Shuichi ficou ainda mais confuso.
-Então, -o garoto perguntou. -Por que está aqui?
-Não estou aqui porque quero. -Yuki esbravejou. Shuichi baixou os olhos para o cobertor em sua cama, uma expressão dolorosa em seu rosto. Os olhos do escritor se suavizaram ao lembrar-se das palavras do médico, que informara que o garoto não recebia nenhuma visita. -Desculpe-me, eu fui jogado nisso sem nenhum aviso.
-Eu entendo. Apenas saia. -o olhar de dor ainda estava nos olhos de Shuichi. As desculpas de Yuki não haviam ajudado a diminuir a tristeza por não ter ninguém que o quisesse.
-Me desculpe. -Yuki tentou mais uma vez.
-Eu não me importo! Posso dizer pelo tom da sua voz que você não quer estar aqui! Você só sente pena do garotinho cego! 'Oh, ele é cego, eu deveria tentar confortá-lo, quando na verdade não queria estar aqui' -Shuichi desdenhou de Yuki.
-Ei! -o escritor começou a se defender. -Quando eu entrei aqui, não sabia que você era cego! Só sabia que você não recebia visitas e eu seria uma.
-Você achou que um idiota que eu não conheço iria me fazer sentir melhor? Você é maluco? Porque essa é uma lógica totalmente estúpida!
Yuki bateu com um dos punhos na lateral da cama, estava cansado de ser insultado. Não era justo! Na noite anterior ele tinha uma vida normal. Que para ele consistia em escrever, escrever e escrever.
-Pelo menos eu não sou um garoto cego preso em uma cama de hospital sem ninguém para visitá-lo. Boo hoo (1). Aposto que você chora atá dormir toda noite porque você está completamente SOZINHO! -Shuichi ficou realmente nervoso.
-Saia daqui agora!!!!!
-Há quanto tempo você está aqui? -ele perguntou, gritando. Estava numa descida vertiginosa e não ia parar. -Duas semanas? Três? Um mês? Mais que isso? Aposto que você foi abandonado aqui!
-SAI DAQUI!!!!! -e algo aconteceu a Shuichi, seus olhos ficaram escuros e ele começou a tremer violentamente. -Sai daqui! Sai daqui! Sai daqui! -Yuki estava surpreso que nenhuma enfermeira correu para verificar o que estava acontecendo.
Silenciosa e lentamente, Yuki saiu do quarto. Duvidava que Shuichi o ouvira fazê-lo. Olhou em seu relógio. havia ficado no quarto por quase cinco minutos. Suspirou. Tentara ficar por mais tempo, mas não conseguira. Desde criança ele nunca foi bom em se relacionar com pessoas. Elas costumavam aborrecê-lo ou ele costumava aborrecê-las. De qualquer maneira, ele não se dava bem com elas.
Andou pelo corredor, querendo apenas desistir daquela coisa de ser voluntário e agüentar as conseqüências. Não havia nada que fosse suficiente para valer todo aquela agonia que estava passando. Poderia ser despedido da agência, não se importava. Parou em frente à porta do elevador e quando elas se abriram ele ficou cara-a-cara com Ezaniya Akinori. Os olhos do escritor se alargaram mas ele apenas tentou passar pelas pessoas e entrar no elevador. Tentou, porque o médico o segurou pelo braço, impedindo-o.
-Aonde está indo, Yuki-san?
-Para casa, onde é meu lugar.
-Você não ficou aqui nem por meia hora.
-Não importa. -Yuki explicou. -Já causei sofrimento desnecessário às pessoas. Ficaria surpreso se não causei danos permanentes ao garoto que eu estava conversando. Não tenho o mínimo talento para falar com pessoas.
Havia uma expressão preocupada nos olhos do médico.
-Qual garoto? -ele perguntou.
-Shindou Shuichi.
A expressão alterou-se para de uma preocupação ainda maior. Sem dizer qualquer outra palavra, o diretor correu até o quarto do garoto em questão. Yuki, curioso para saber porquê o médico estava tão preocupado, o seguiu, mas parou do lado de fora da porta do quarto, enquando o médico entrava. Ele tinha a ligeira impressão de que Shuichi não suportaria outro encontro com ele no mesmo dia.
O médico saiu do quarto quase trinta segundos depois com uma expressão aliviada.
-Ele está dormindo. Graças a Deus está dormindo.
-Por que?
-Yuki-san, preciso lhe contar algumas coisas sobre Shuichi. Ele está aqui a seis meses. -os olhos de Yuki se arregalaram. -Como lhe disse antes, ele não recebe visitas e não sabemos ao certo o que aconteceu com ele. Alguém o encontrou na rua e o trouxe para cá. Por um longo tempo não sabíamos nada sobre ele porque ele ficou em coma por um mês. Quando finalmente acordou, a única coisa que se lembrava era de seu nome. Sendo assim, procuramos em escolas e com a polícia para sabermos se alguém havia reportado o desaparecimento dele, mas a resposta foi negativa, então basicamente, ele foi abandonado aqui. Tentamos mandá-lo para um orfanato, mas ele sempre se machucava, as crianças o ameaçavam porque ele não enxergava. Machucava-se com tanta freqüência que era mais sábio que ele ficasse por aqui.
O queixo de Yuki estava no chão.
-Nossa.
-E mais. -o diretor disse, como uma nota. -Temos quase certeza de que Shuichi não era cego e o que quer que tenha acontecido com ele antes de o termos pego foi o que provocou isso.
Yuki tentou dizer alguma coisa, mas não conseguia. Abria a boca, mas as palavras simplesmente não saíam. tentou buscar algo, qualquer coisa, em sua mente, mas ela estava completamente vazia.
-Se você quiser ir, -o diretor disse. -você pode. Mas eu o espero de volta em dois dias. E eu quero você aqui por mais tempo que hoje, quem sabe você não brinca com algumas das crianças?
-Tudo bem.
Yuki caminhou de volta ao elevador, mecanicamente. Após pararem em alguns andares, ele finalmente alcançava o vento frio e cortante da rua. Estranhou a temperatura, definitivamente não estava frio daquele jeito quando ele saiu de casa para ir ao café aquela manhã. Fazia tanto frio que ele por um momento pensou em voltar à amenidade do hospital.
Pensou melhor, depois. Já havia passado muito tempo ali por um dia só. Voltaria ali em dois dias, como o diretor havia pedido, isso ele já havia decidido.
Ele não deveria voltar, a prudência o alertava daquilo. Mas depois de encontrar-se com o diretor e ele praticamente tê-lo contado toda a vida de Shuichi, ele decidira que devia, ao menos, desculpas ao garoto. Ele merecia um pedido de desculpas e o teria. Só não o faria nesse momento porque sabia que ele estava dormindo e não seria correto entrar no quarto do garoto e acordá-lo só para pedir-lhe desculpas. Provavelmente ele ainda não deveria estar recuperado do que acontecera anteriormente e acordar alguém no meio do sono não é melhor coisa quando se está implorando por desculpas.
Não que Yuki fosse implorar ou qualquer coisa parecida.
O escritor voltou pra casa, resoluto do que iria fazer, até que seria bom fazer algo de bom para alguém. Enquanto fervia água, foi até o escritório para checar as mensagens. A secretária eletrônica piscaava e ele resolveu ouvi-la, enquanto ligava o computador.
-Yuki-san, é a sua editora. Gostaria que você me ligasse para me contar como foi seu primeiro diz como voluntário. Espero que tudo tenha corrido bem, não sabe como foi difícil que alguém o aceitasse, devido à sua reputação. O hospital era minha última esperança. Bom, estou divagando. Me ligue.
A secretária desligou. Ele fez a ligação de volta, sabendo que se não o fizesse, pela manhã a mulher não largaria de seu pé.
-Olá, Yuki-san. -ela disse, imediatamente quando atendeu o telefone. Provavelmente teria identificador de chamadas e sabia que era ele quem estava ligando.
-Foi uma merda, obrigado por perguntar. -ele disse, respondendo à pergunta que ela deixara em forma de mensagem em sua secretária eletrônica. A voz dela imediatamente tornou-se preocupada.
-Por que? O que aconteceu?
-Eu me meti em uma briga com um paciente. -ela ficou em silêncio por um momento. Mesmo sabendo que ela estava preocupada, ele conseguiu distingüir o som de uma risada abafada do outro lado da linha.
-Você...se meteu em uma um paciente. -ela dissolveu-e em mais uma risada, dessa vez mais audível.
-Sim. Por que diabos isso é tão engraçado?
-Yuki-san, mesmo que seja da sua natureza ser cruel, não acredito que tenha brigado com um paciente, dentro de um hospital. Por isso que essa foi uma das minhas opções.
-Ei! Eu não comecei a discussão!
-Com certeza, eu acredito muito.
-Sério, eu não comecei!
-Yuki-san...
-Tudo bem talvez tenha sido minha culpa. Mas em parte foi culpa daquele garoto também. -a editora quase pulou dentro do aparelho ao ouvir que ele havia brigado com uma criança. -Cale e boca. Você vai ficar contente em saber que apesar de tudo, eu vou voltar àquele inferno que você chama de hospital.
-Bom. Eu eu espero um relatório detalhado depois da sua segunda sessão. Compreendeu?
-Tudo bem, eu te ligo em dois dias.
-Tchau, Yuki-san.
-Tchau.
Assim que ela desligou, ele voltou a digitar as páginas de seu romance. Mesmo sendo voluntário, ele tinha que escrever, afinal de contas, tinha um prazo para entrega. Mas enquanto o fazia, não conseguia parar de pensar no que iria dizer ao garoto cego da próxima vez que o visse. Um pedido direto de desculpas era o mais recomendado, mas não sabia se deveria levar consigo mais alguma coisa. Ele poderia ser alérgico a chocolate ou flores e com certeza não poderia ler um cartão.
Decidiu, finalmente, que iria comprar um urso de pelúcia para Shuichi. Seria perfeito. Ele nao chegaria de mãos vazias e o garoto finalmente teria companhia com ele todo o tempo.
Yuki continuou escrevendo as páginas do livro, mas acabou por desistir não muito tempo depois. Estava cansado, mal havia dormido a noite anterior. Foi até a cozinha e desligou o fogão, havia esquecido da água que fervia. Agora não importava mais.
Caminhou até o quarto e caiu no sono instantaneamente.
Continua...
Agradecimentos: à todas que estão lendo o fic e mesmo que não deixam reviews. Obrigada!
