ISCARIOTES

Por Lyra de Lioncourt
Censura R
Classificação Drama, SLASH boyxboy, Harry Potter x Draco Malfoy, com um Blaise Zabini muito inconveniente.
Sumário Harry Potter acorda depois de um coma de três anos pós-Voldemort, e descobre da pior maneira que o tempo pode realmente curar qualquer ferida. Principalmente quando se é um Draco Malfoy que não tem mais nada a perder.
Disclaimer Não estou ganhando dinheiro, Harry Potter e definitivamente Draco Malfoy não são meus. Não me processem.

II. Nada quebra como uma promessa quebrada

To rise, to fall.
To hurt, to hate.
To want, to wait.
To heal, to save.
What if the rest of the world
Was hopelessly blinded by fear?
Where would my sanctity live?
Suddenly nobody cares.
It's never enough
You're wasting your time
Isn't there something I could say?
You don't understand
You're closing me out
How can we live our lives this way?
I show you my hands
You don't see the scars
Maybe you'll leave me here to burn.
Do you feel you don't know me anymore?
And do you feel I'm afraid of your love?
And how come you don't want me asking?
And how come my heart's not invited?
Thirty years say we're in this together
So open your eyes.

(Scarred - Dream Theater)

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"Ok... vamos começar!"

Harry observava emburrado enquanto Zabini terminava de arrumar uma pena de repetição automática púrpura e olhava para ele com um sorriso hipócrita, sentado no banco antes ocupado por Draco.

"Harry Potter, recém acordado de um coma de três anos" Zabini ia dizendo para a pena que, Harry viu, copiava exatamente as mesmas palavras. Bem, tinha certeza que elas seriam editadas depois! "também conhecido como Menino Que Sobreviveu." ele olhou para Harry direto nos olhos, com um sorriso satisfeito.

Harry grunhiu em resposta.

"Então, Potter. Qual é a sua última memória?"

"Oh, minha última memória? Eu estava com meu namorado, que no caso ainda não estava saindo com um completo boçal."

"O seu namorado não estava com um boçal?" ele deu um sorrisinho de deboche. "Ok. Você pode dizer ao mundo mágico como aconteceu a vitória final sobre Voldemort?"

Uhm, então eles já falam o nome dele.

"O mundo mágico não quer um conto de sangue. Ele foi derrotado. Ele não vai voltar. Fim."

"Sim, mas na Primeira Queda todos nós achávamos que ele não iria voltar, também, não é?"

"Não. Na 'primeira queda' os sinas estavam todos aí. Apenas não viu quem não queria ver."

"E por que você, sendo o Menino Que Sobreviveu, e estando atento a todos eles, não fez nada a respeito?"

Harry lhe dirigiu um olhar mortal, que, na sua opinião, seria digno de Draco Malfoy.

"Porque não havia nada a ser feito." ele respondeu entredentes. Blaise deu um sorriso satisfeito e olhou para a pena que escrevia furiosamente, feliz.

"Como é a sensação de impotência?"

"Zabini, será que é tão difícil assim perceber que tudo o que eu não quero agora é dar uma entrevista? Principalmente para você."

Blaise continuou com aquele sorriso nojento nos lábios, e disse:

"Você não tem opção, Potter. Eu ou uma coletiva." e antes que Harry pudesse verbalizar um 'Eu fico com a coletiva', ele já estava dizendo: "Com medo das mudanças que podem ter acontecido enquanto você dormia?"

"Quer saber? Não. A vida continua e todas aquelas merdas." e foi uma daquelas adoráveis coincidências que Draco escolhesse exatamente aquele instante para entrar no quarto. "Eu estou mais preocupado em deixar o passado para trás e me concentrar no futuro."

Blaise lançou um olhar significativo para Draco, como quem diz "Ora, mas vejam só!" e voltou-se para Harry com uma expressão quase de deboche.

"E quais seriam os planos para o futuro, Potter?"

"Chega, Zabini. Fora."

Harry e Blaise olharam espantados para Draco, mas foi o segundo que falou.

"Você me prometeu dez minutos, Draco."

"Oh, Blaise. E você já não me conhece o suficiente para saber que as minhas promessas valem tanto quanto ouro de leprechaun?" Draco deu um sorrisinho piedoso.

"E aí nós vamos ter que concordar." Harry resmungou, e não se atreveu a olhar Draco para checar sua reação. Zabini, porém, levantou-se do banco no mesmo instante, recolhendo a pena e os pergaminhos.

"Ótimo, Draco. Sabe, você tem razão. Eu deveria saber."

"Blaise... não."

Harry estava quase vomitando ao ouvir o tom resignado e cansado nas palavras de Draco, enquanto o loiro dirigia os olhos para o chão e estendia um braço hesitante para Zabini.

E de repente, ele sentiu como se os outros dois tivessem esquecido completamente de sua presença. Engraçado, ele pensou, uma vez que o resto do mundo mágico não deveria pensar em outra coisa. Blaise aproximou-se de Draco lentamente, levando uma das mãos à sua nuca, colando as testas dos dois.

"Não... Não é minha culpa. Perdão, Blaise, eu..." e o Menino Que Sobreviveu desejava com todas as forças que não pudesse ouvir as palavras sussurradas, ou que conseguisse obrigar seus olhos a desviarem-se do casalzinho à frente.

"Shh, Draco." Blaise estava agora passando a outra mão delicadamente pelo contorno do maxilar de Draco. "Eu sei." ele inclinou-se e beijou-o levemente no canto dos lábios finos. "Vai dar tudo certo." e dessa vez os lábios dos dois se encontraram perfeitamente, e Blaise estava inclinando-se para aprofundar o beijo, mas Draco recuou respeitosamente.

"Nós conversamos depois." ele tentou assumir novamente o tom profissional, falhando miseravelmente, enquanto indicava a porta para Zabini.

Tão logo o moreno deixou a sala, Harry manifestou-se.

"Eu quero outro médico."

"O quê?!" Draco parecia indignado.

"Eu quero outra pessoa. Qualquer um que não seja você."

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Blaise saiu do quarto querendo espancar a primeira pessoa que cruzasse seu caminho, que aconteceu oportunamente de ser Ginny Weasley.

"E então?" ela perguntou, ansiosa, torcendo as mãos.

"E então o quê, Weasley?"

Ela franziu as sobrancelhas, parecendo levemente ofendida.

"Como foi? Com Harry, eu quero dizer. Eu mesma ainda não consegui conversar com ele."

"Oh, bem vinda ao clube!" e com uma careta muito feia, ele abandonou a ruivinha falando sozinha, perguntando-se vagamente se ainda conseguiria encontrar Travis aquela noite.

"Como estão as coisas?" veio a voz insistente de trás de seus ombros, e ele virou-se com todo o auto-controle que possuía para encarar os olhos hesitantes de Ginny. "Com Draco e Harry?"

"Escuta aqui, Weasley. Não existe mais Draco e Harry. Existe Draco, o médico e Harry, o paciente infernal. E você sabe porque não existe mais Draco e Harry? Bem, é uma coisinha simples que eu posso explicar com uma frase só: porque Draco Malfoy é me..." mas antes que Blaise pudesse terminar sua declaração de posse, Ron Weasley veio voando na direção deles, seguido nos calcanhares por Hermione Granger. A dupla dinâmica, Blaise pensou com desdém; as cinzas do trio maravilha.

Ron Weasley parou de frente para Ginny, sem nem ao menos se incomodar de lançar o habitual olhar de ódio na direção de Blaise.

"Onde ele está?" o ruivo perguntou, arfante.

"Ron, nós não deveríamos... Você não deveria estar..." Hermione implorava, segurando fracamente uma de suas mangas.

"Oh, mas eu conheço alguém que vai ficar muito feliz de te ver aqui, Weasley!" Blaise lançou um olhar penetrante ao outro, e a despeito o tom sarcástico de suas palavras, seu rosto estava enfurecido.

"Ron, você não quer esperar lá for..." Ginny começou, mas Ron parecia não estar ouvindo nenhum deles. Ele agarrou a irmã pelos ombros, e olhando-a diretamente nos olhos com uma expressão determinada, ele repetiu:

"Onde ele está?"

Hermione observava a discussão angustiada, e Blaise estava quase tomando o partido de Ginny, apenas para ter uma razão para bater de frente com Ronald.

"Você não vai entrar no quarto agora." ele sentenciou, cada palavra pronunciada muito claramente. "Draco está lá."

Os olhos castanhos de Ron se tornaram ainda mais escuros.

"Eu estou pouco me fudendo para quem está com ele no maldito quarto. Eu vou entrar." ele sustentou o olhar de Blaise, dirigindo-se para Ginny mais uma vez. "Leve-me até ale, Ginny."

"Ron, eu não acho que seja..."

Ele virou-se para ela mais uma vez, sacudindo-a um pouco violentamente demais, na opinião de Blaise.

"Ginny, agora!" as pessoas ao redor começavam a olhar o grupo assustadas.

"Ok, seu trasgo estúpido" Blaise resolveu que era hora de fazer alguma coisa, puxando Ginny nada delicadamente para longe do alcance de Ron. "você quer ver seu amiguinho cicatriz? Eu te levo até ele." um segundo se passou no qual a intensidade com que os dois miravam um ao outro poderia ser pesada no ar. "Eu vou adorar ver Draco acabar com a sua raça."

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"Você não pode ter outro médico, Potter."

"Eu estou pagando por essa merda toda. Eu posso ter o que diabos eu quiser."

"Isso não poderia ser menos verdade."

Harry sentiu o peso das palavras com toda a sua alma, e levou uma das mãos para esfregar os olhos. Não, ele não poderia ter tudo o que queria. Não mesmo.

"Potter, você ficou em coma por três anos..."

"Você poderia parar de repetir essa porra?"

"...e eu fui o responsável durante cada dia deles. Você é meu paciente, e você gostando ou não eu sou o melhor."

"Eu estou perfeitamente bem. Eu não preciso de mais atendimento médico nenhum. Eu quero ir para casa."

"Sua casa foi fechada pelo Ministério. Seus bens estão guardados na Mansão."

Oh, é claro. Ele não esperava matar a cobrinha no tapete da sala e depois voltar para casa como se nada tivesse acontecido.

"Eu não quero minhas coisas com você. Chame Hermione, ela pode me conseguir uma nova casa, e tudo vai ficar em ordem de novo, e..." ele parou, sentindo as palavras faltarem subitamente. Você não vai chorar na frente de Draco Malfoy. Certas regras nunca mudam.

"Você está sendo terrivelmente infantil, Potter."

"Foda-se, Malfoy!" lágrimas escorrendo. Merda. "Eu quero você longe da minha vida! Eu quero você longe de mim!" ele colocou as duas mãos sobre os olhos, irritado, agora lutando contra os soluços.

Um momento de silêncio passou-se, no qual apenas eram ouvidos os lamentos de Harry na cama, e então ele sentiu os braços de Draco envolvendo-o. Suas mãos enlaçaram o pescoço do loiro involuntariamente. Draco enterrou a testa no travesseiro, a boca a milímetros de distância de seu ouvido.

"Vai ficar tudo bem." as malditas palavras de Zabini, e é claro que para eles tudo ficaria bem. "Shh, Harry... está tudo bem."

"Não, não está!" um pouco alto demais, e agora ele agarrava-se ao pescoço de Draco, com soluços irrefreáveis balançando-lhe o corpo todo. "Draco, você não entende..."

Braços envolvendo-o mais forte, o corpo de Draco pesando contra o seu.

"Eu entendo." sussurrado em seu ouvido, e a proximidade doía tanto... "É claro que eu entendo..."

"Não, você não entende!" Harry empurrou-o de repente, sentando-se na cama. "Para você e todo o mundo podem ter-se passado três malditos anos, mas para mim é como se fosse ontem, Draco! Então não se deite ao meu lado e murmure o que eu quero ouvir achando que isso vai fazer alguma coisa ficar melhor, porque não vai! Você e Zabini agindo como uma droga de recém-casados na minha frente, e para mim é como se fosse ontem...!"

Harry parou, ofegante, olhando para Draco. Sentiu a camada de frio e indiferença envolvendo-o novamente, e ele olhou para a cama com desprezo, alisando as vestes e parando perto da porta.

"Bem, me desculpe. O que diabos você espera que eu diga, além disso?"

Mas antes que Harry pudesse sequer tentar responder, a porta abriu-se com estardalhaço e Ron Weasley entrou como uma flecha no quarto.

Draco estreitou os olhos perigosamente, mas não moveu um músculo.

Zabini, Ginny e Hermione entraram logo em seguida, os três parecendo terrivelmente alarmados. Blaise tentou trocar um olhar cúmplice com Draco, mas o loiro não desgrudava os olhos de Ron. Ginny estava parada a um passo do irmão, como que com intenção de segurá-lo caso fosse preciso, e Hermione torcia as mãos na entrada da porta, apreensiva. Seus olhos desviaram-se para a cama, e ela correu na direção de Harry.

"Oh, Harry!"

"Não se atreva a tocar no meu paciente, Granger." Draco sussurrou, ainda vigiando Ron atentamente, que o encarava de volta. Hermione congelou a meio caminho. "Blaise, tranque a porta."

"Blaise, não...!" veio o grito de Ginny, que correu para impedir Zabini, porém tarde demais; ele já estava lançando uma tonelada de feitiços de tranca e silenciadores na porta, com uma expressão de quem não poderia estar se divertindo mais.

Harry estava ficando nauseado.

"Quando você quiser, Draco." Blaise sorriu, e Draco puxou a varinha no mesmo instante.

Ron seguiu-o, mas fora pego totalmente desprevenido, e antes que pudesse fechar os dedos em torno da varinha, ela já estava voando para a mão aberta de Draco.

Ron olhava com ódio para sua varinha no bolso de Draco, e fez menção de esticar-se para pegá-la. Por um instante, Harry achou que Draco fosse azará-lo, mas o loiro contentou-se em prensá-lo contra a parede mais próxima, colando a ponta da varinha em sua têmpora, com um brilho assassino nos olhos. Ron não parecia nem remotamente assustado.

"Granger, varinha no chão." Hermione mal esticara os dedos para a varinha no bolso, e segurou-a hesitante. Draco lançou um olhar por cima do ombro e gritou: "AGORA, GRANGER!"

Hermione abaixou-se, obedecendo lentamente, e Harry estava começando a ficar preocupado de verdade.

Ginny colocou as mãos sobre a boca, sufocando um gritinho, e Blaise parecia a ponto de começar a gargalhar de satisfação.

"Chute ela para mim."

Hermione não se mexeu.

"Oh, eu cuido disso, querido." Blaise abaixou-se e pegou a varinha do chão, guardando-a no próprio bolso.

Por algum motivo, tudo aquilo estava lembrando muito a Harry alguma coisa parecida com um ritual mórbido de Comensais da Morte.

Draco voltou os olhos chispando para Ron, e com a boca muito próxima de seu ouvido, ele sussurrou:

"Eu me lembro, Weasley, que eu disse que iria acabar com a sua vidinha patética se você aparecesse na minha frente de novo."

"Ok, Draco, isso já foi longe demais." Harry declarou, sentando-se mais ereto na cama.

Ron e Draco o ignoraram.

"Foda-se, Malfoy! Você não vai continuar me proibindo de olhar para ele agora que ele acordou! Eu tenho o direito..."

Draco afastou-se apenas o suficiente para disparar na cara de Ron:

"Eu tenho o direito de fazer o que diabos eu quiser no meu hospital!"

Passou-se um segundo de silêncio, então Ron inclinou-se para frente e cuspiu bem no meio do rosto de Draco.

Harry quase podia sentir Ginny e Hermione prendendo a respiração, e o único som na sala era o risinho de expectativa abafado de Blaise.

"Weasley" Draco deu um sorriso frio. "você está morto." ele moveu a varinha para baixo do maxilar de Ron, fazendo com que ele virasse a cabeça para cima, e pressionou-o mais contra a parede. "Mas eu me lembro de dizer que faria você falar alguma coisa, antes, não é? Então, Weasel, você tem alguma coisa para me dizer?"

"Draco, por favor..." Ginny murmurou, mas ele parecia nem tê-la ouvido.

"Diga, Weasley."

Ron lançou um olhar de desprezo para Draco, e murmurou com prazer:

"Eu espero que o seu pai imundo esteja apodrecendo no Inferno!"

E então Harry soube que era hora de fazer alguma coisa. Agindo sem nem ao menos pensar no que estava fazendo, ele pulou da cama e tirou Draco de cima de Ron, antes mesmo que o loiro pudesse terminar de pronunciar a palavra "Avada". Jogou-o na cama, ao mesmo tempo em que Hermione usava a varinha de Ginny para destrancar a porta e a ruiva arrastava o irmão à força para fora da sala. Os dois saíram, Hermione arrancou a própria varinha do bolso interno das vestes de Blaise sem a menor cerimônia e saiu correndo atrás deles.

Zabini deu um olhar de censura para Harry e disse, emburrado:

"Agora, você sabe como acabar com a diversão alheia!" e saiu da sala, deixando-o sozinho novamente com Draco.

O loiro mandou-o voltar para a cama sem nem ao menos olhar para ele, e tirou um lenço do bolso, limpando o rosto enojado.

"Isso foi absurdo, Draco. Você poderia ir preso." Harry censurou-o, quase com desprezo.

"Não, não poderia, Potter. A lei me protege nesse tipo de situação." Draco respondeu, contido, ainda sem olhá-lo nos olhos. "Volte para a cama."

Harry obedeceu, mais por falta de ânimo para discutir do que qualquer outra coisa.

"Ele é anistiado de guerra. Todos nós somos, eu deveria lembrá-lo."

Draco finalmente encarou-o com um sorriso perverso, mas seus olhos não poderiam estar mais distantes.

"E agora você finalmente vai aprender as vantagens de ser um puro-sangue, Harry. Nossos códigos são de magia antiga, e as leis atuais não têm poder para quebrá-los. Por isso, assim que eu encontrar seu amiguinho Weasel, eu vou torturá-lo até que ele implore para que eu o mate mais rápido. E, dessa vez, eu não vou esperar ele cometer a estupidez de cruzar o meu caminho. Eu vou caçá-lo."

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Harry acordou no dia seguinte para ver os últimos fios sendo removidos de seus braços por um bruxo completamente desconhecido. O estranho retirava as agulhas enfeitiçadas precisamente, mas com uma lentidão quase ridícula. Quando Harry falou, suas mãos tremeram e quase deixaram a agulha em questão escapar.

"Quem é você?" ouviu a própria voz sair mais seca do que pretendia.

O bruxo, que Harry assumiu trabalhar no hospital por motivos óbvios, parecia pouco mais velho que ele e terrivelmente constrangido.

"Uh... bem. Na verdade, Sr. Potter, o que ocorre é que... bem, Draco passou você para mim."

Harry sentiu pedras de gelo dançando no estômago, mas tentou manter a calma.

"O que você quer dizer com 'me passou para você'?", perguntou, observando o homem à sua frente corar até o último fio de cabelo.

"Ele não te quer mais... quero dizer, como paciente. Digo, é claro que é como paciente. E... não que ele não te queira, 'não querer' não é a expressão, é mais como se..." Harry esperou pacientemente enquanto o outro parecia procurar as palavras certas. "Bem, ele disse que estava ocupado demais com outros pacientes no momento."

Harry ergueu uma sobrancelha ao ver o bruxo olhar fixamente para o chão, odiando o rumo que a conversa estava tomando. Já se acostumara em levar sua vida amorosa sob os olhares atentos de toda a comunidade bruxa, mas isso fora quando estava com Draco. Ser motivo de conversas alheias relacionadas com seu atual estado de rejeitado não era exatamente agradável. "

Olha, está tudo bem. Fui eu que pedi outro médico, sabe?" vendo que agora era o outro que levantava uma sobrancelha para ele, Harry resolveu-se por uma mudança de assunto estratégica. "Em todo caso, você tem nome?"

"Uh, Joe Warner. Joey."

"Certo. Joe. Quando eu vou poder sair daqui?"

Warner começou a revirar a pasta de Draco, ao lado da cama, com uma expressão confusa.

"Bem, eu não tenho ordens de liberar você ainda. Três anos, e tal. Mas parece que está tudo em ordem com você, então acho que só mais algumas semanas de observação. Mas..."

"Semanas?"

"...mas depende de Draco, sabe."

Harry, sentindo-se terrivelmente infantil e não dando a mínima, cruzou os braços e enterrou-se na cama, olhando emburrado para a parede.

Joey mexeu-se no banco, desconfortável, e começou a escrever em uma prancheta, enquanto dizia:

"Sabe, você precisa superar isso. Apesar de Draco ter... uh... me mandado segurar as coisas por aqui, ele ainda está bem... envolvido no caso, eu diria. E, bem, apesar de, você sabe, você e ele, bem..."

Harry encerrou sua disputa com a parede para dirigir seu pior olhar ao médico sentado ao seu lado.

"Bem, o que eu quero dizer é que dor de corno é complicado, mas passa." e deu um sorriso.

Harry quis sufocá-lo com o travesseiro.

"Olha. Joe. Eu agradeço o que você está fazendo, mas conselhos amorosos não são a minha prioridade no momento."

Joey levantou os olhos do papel e olhou para ele, desconfiado.

"Tem certeza? Porque você parece exatamente o contrário."

Harry soltou um suspiro cansado, e passou as mãos pelos cabelos com seu melhor ar de derrotado.

"Eu quero dizer, Draco já superou tudo isso. Há quanto tempo ele e Zabini estão juntos?"

Joe arregalou os olhos e deixou a prancheta cair no chão, olhando para Harry em choque.

"Draco... e Zabini?"

Harry lançou-lhe um olhar embaralhado.

"Bem, você me parecia informado da situação."

"Não, Ginny me contou que Draco não queria mais saber de você, uh, sem ofensa. Mas Zabini? Blaise Zabini é gay?"

Harry achou que estava ouvindo errado. Como diabos alguém podia duvidar da homossexualidade de Zabini? "Ele é bem gay, na verdade."

Joey levantou-se do banco com uma expressão aérea, e Harry percebeu que um pequeno sorriso estava formando-se em seus lábios.

"Espere até Ginny..." e saiu correndo do quarto, murmurando uma desculpa esfarrapada qualquer sobre relatórios das crianças desnutridas de Burkina Fasso.

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Draco odiava o sentimento de aparatar em casa sabendo que os móveis estariam todos exatamente no mesmo lugar, o hall de entrada com seu piso de mármore impecavelmente limpo, o lustre no alto do teto que em dias como aquele sempre parecia alto demais. Cada superfície de madeira mármore prata ou vidro reluzindo em seu silêncio opressor que gritava a plenos pulmões em seus ouvidos já cansados, competindo com o rasgo dilacerante da sempre solidão.

Quando se é uma criança de cinco anos e vive-se em uma casa maior do que a própria fortuna poderia um dia conceber, acostuma-se com o silêncio e os aposentos vazios. Mas sempre havia o conforto do pai que por mais que viajasse, sempre estava lá mais cedo ou mais tarde para mudar a caneta de seu escritório particular de posição, ou mandar que um elfo doméstico afastasse as cortinas da sala de visitas. Porque naquela época os elfos domésticos ainda obedeciam à sua mãe, e as refeições ainda eram escolhidas a dedo e partilhadas religiosamente. Almoços e jantares em família. Uma porra de uma família já seria o suficiente agora.

Seu pai estava morto há tantos anos que ele nem mais se dava ao trabalho de contar. Se fosse honesto consigo mesmo, saberia que se obrigara a esquecer a conta a partir do quinto. Aniversários de morte são apenas mais uma manifestação de autopiedade em busca de redenção. Ele se lembrava que em algum passado distante, antes de Hogwarts e quadribol e Trevas, que costumava imaginar se os mortos estariam esperando algum presente. Ele estaria, se fosse ele.

Mas agora Draco Malfoy vivia em uma por demais clichê Mansão Fantasma. Draco Malfoy esgueirava-se pelos cantos sem saber ao certo porque não estava morando na França, ou talvez viajando pela Itália com a mãe. Às vezes quando um peso é muito grande, você se esquece de como andar quando não consegue sentí-lo nos ombros.

...Há quanto tempo estava parado ali?

Seus dedos estavam esfregando os olhos fechados, e ele nem ao menos se lembrava de ter erguido o braço. Deixou a mão cair ao lado do corpo, abrindo os olhos, a cabeça jogada para trás. O lustre era como cristal líquido chovendo, mas as gotas nunca chegavam realmente a perfurar-lhe os olhos. Luz cegando-o era uma idéia levemente engraçada, mas ele não sabia ao certo por quê. Apenas por um instante a idéia de permanecer parado no frio com o rosto de encontro à chuva lhe pareceu abominável. E apenas por um instante ele teve de olhar para as mãos para ter certeza de que não havia sangue escorrendo por seus dedos.

E junto com a visão de suas mãos de alabastro tão brancas quanto sempre foram, veio o mais leve dos cheiros de queimado. Fogo. Draco poderia jurar que isso também era parte de suas alucinações causadas pelo estresse, nada além de um pequeno distúrbio que seria curado com um bom banho quente, uma noite propícia de sono e certos Meninos Que Insistiam Em Sobreviver bem longe de seu caminho.

Mas o cheiro não desapareceu, e Draco viu-se forçado a entrar na sala de visitas. Atravessou a ante-sala e sentiu os pés afundarem no tapete macio, ao mesmo tempo em que seus olhos registravam Blaise Zabini estirado em um dos sofás com um cigarro pendendo entre os dedos, quase tocando o chão.

Deu um suspiro cansado e atravessou a sala em poucos passos, arrancando o cigarro da mão de Blaise e jogando-o na lareira acesa.

"De todos os seus vícios, esse é o pior."

Zabini lançou-lhe um sorriso que era um misto de diversão e... algo mais.

"Engraçado. Eu sempre achei que fosse você."

Draco apenas ficou parado encarando os olhos azuis que faiscavam de encontro aos seus.

"Terrível, Blaise."

"Não é minha culpa, querido," o moreno continuou com o tom quase imperceptivelmente irônico, sem desgrudar os olhos dos de Draco por um segundo que fosse. "você faz isso comigo."

"Blaise, não me obrigue a te jogar na lareira junto com aquele cigarro."

Zabini limitou-se a jogar a cabeça para trás em um riso despreocupado, para depois estender a mão que pendia do sofá, puxando Draco para si. O loiro ajoelhou-se desajeitadamente no chão, sem nem ao menos tempo para uma expressão surpresa adequada, com a outra mão de Blaise em sua nuca, trazendo-o para perto e roçando seus lábios levemente.

"Sentiu minha falta?" a mesma fala debochada.
"Blaise, pare." Draco fechou os olhos por um segundo, a última coisa que queria no momento um Blaise Zabini alterado, enquanto tentava desvencilhar-se das mãos do moreno e ficar em pé novamente.

Blaise segurou o pulso de Draco antes que ele pudesse afastar-se, talvez com mais força do que seria sensato, e ainda que sua voz continuasse despreocupada e levemente sarcástica, os olhos começavam a aparentar um brilho insano.

"Qual o problema, amor? Eu vou começar a achar que você não me quer aqui." e ele de repente tinha uma expressão satírica de abandono que fez Draco desejar cuspir em seu rosto. Ao invés disso, soltou o braço bruscamente e ficou ajoelhado do lado do sofá, encarando o outro friamente.

"Zabini. Agora. Não."

Blaise pareceu confuso por um átimo, mas logo estava inclinando-se lentamente, olhando Draco com uma expressão vaga e os lábios ligeiramente entreabertos.

No segundo seguinte estavam se beijando.

Olhos abertos e parados e Blaise olhava para ele com olhos azuis tão vazios que a coisa toda parecia terrivelmente... errada. Mas a língua de Blaise contra a dele e as mãos de Blaise trazendo-o mais para perto e ele estava quase caindo em cima do outro no sofá, apenas seu braço apoiado no encosto impedindo-o, e então... E então os olhos de Blaise brilharam do jeito errado, e logo em seguida estavam fechados, e Draco sentiu-se sujo.

Blaise afastou-o com uma mão em seu peito, mas apenas o suficiente para deitar-se de volta na posição original.

"Só... Faça de uma vez." os olhos dele agora estavam no teto, mas sua mão ainda segurava a camisa de Draco quase inconscientemente, e Draco percebeu que ainda estava inclinado sobre ele.

"No sofá?"

Blaise encarou-o com total descrença. "Eu não quis dizer isso! Eu quis dizer... oh, esquece."

Blaise levantou-se do sofá repentinamente e foi rumando para fora da sala, sem olhar para trás.

"Onde diabos você pensa que vai?" Draco levantou-se e antes que percebesse o que estava fazendo, e Blaise estava parado na porta olhando para ele e ele estava olhando para Blaise de volta e os olhos de Blaise ficavam tão bonitos quando eram seus olhos de verdade.

"Eu não preciso ouvir o que você vai me dizer. Nós dois sabemos o que é, então esquece, Draco."

"Eu não vou esquecer porra nenhuma. Você não vem pra cima de mim e depois simplesmente sai andando. As coisas não funcionam assim, Zabini."

"Oh, e como elas funcionam, então, Draco? Está tudo bem para a princesinha até o seu herói resolver acordar, e então eu me fodo? Qual o problema, agora, Aquiles ainda não está curado o suficiente para você? Você precisa de alguém para se divertir enquanto o grande Harry Potter retira as ataduras?"

Blaise olhava para ele com uma intensidade doentia, as faces coradas pela súbita explosão, e Draco não conseguia pensar direito com o moreno parado logo ali, mas é claro que ele nunca admitiria.

"As coisas não funcionam assim." repetiu entredentes.

Blaise soltou um som frustrado enquanto agarrava os cabelos com as duas mãos, e antes que Draco pudesse entender o que estava acontecendo, Blaise já caminhara até ele e em segundos jogara-o desprevenido no sofá, deitando-se por cima dele e segurando seus pulsos firmemente do lado da cabeça.

"E você não quer me explicar como diabos elas funcionam, querido?" ele sussurrou em seu ouvido.

Draco tinha o rosto impassível, mas, ele pensou, isso não fazia a menor diferença agora, não é? Blaise estava com o rosto afundado em seu ombro, os lábios passando o mais próximo de seu pescoço sem tocá-lo.

"Elas não funcionam do jeito que você está pensando. Eu não posso, eu quero dizer, não posso agora..." a língua de Blaise traçando sua artéria. "...porra, Blaise. O que você quer, afinal?"

A boca em seu ouvido novamente, e o sussurro baixo que ele mal sabia como conseguia escutar."Eu quero ouvir que não tem nada a ver com agora ser agora." Draco sentiu o corpo ainda mais prensado contra o sofá, e não sabia como isso era possível, e a única coisa que de fato importava eram os lábios de Blaise quase tocando sua orelha. "Agora."

"Blaise..." ele esperava lábios frios mas eles estavam quentes como sempre, traçando todo o pescoço e descendo para o colarinho, mas os lábios sempre são quentes, não é? "Você quer que eu minta para você?" e Draco esperava dentes e dor ou pelo menos frio, mas tudo o que sentiu foi a boca de Blaise contra a sua, mais agressivamente do que nunca e, para falar a verdade, ele não estava se importando nem um pouco.

"Seu sonserino de merda" sibilou Blaise, a boca a milímetros da sua, as mãos apertando os punhos de Draco forte demais para serem ignoradas agora, mas ele ignorou mesmo assim. "Não te ensinaram a mentir na escola?"

"Nós não estamos mais na escola, Blaise." e ele estava mexendo os braços desconfortavelmente agora, mas a pressão em seus pulsos apenas ficava maior.

"Engraçado" Zabini lambeu o lábio inferior de Draco lentamente, os olhos azuis brilhando de novo, mas dessa vez Draco os achou tão repugnantes quanto belos. "porque por um instante foi exatamente onde me pareceu que nós estávamos."

"Não leve as coisas para esse lado, Blaise." o moreno apenas deu um sorriso maníaco, os olhos quase ofuscantes. "Solte meus pulsos." e ele obedeceu imediatamente, uma das mãos indo parar na cintura de Draco e a outra espalmada bem ao lado de sua cabeça.

"Você vai me deixar de novo, não vai?" e de repente ele parecia tão desprotegido e completamente abandonado que Draco não sabia o que fazer. Seus olhos estavam brilhando no tom de azul que ele gostava de novo, e pareciam subitamente tão carregados de emoção que Draco achou que eles pudessem se quebrar e os cacos cair bem ali, em cima de seu rosto.

"Não." Draco disse com uma voz que não admitia argumentações. "Eu não tenho a menor intenção de deixar você."

E ele tinha certeza que Blaise não acreditara em uma palavra, mas ele não parecia capaz de dizer nada. Ao invés disso, deitou a cabeça no peito de Draco, recolhendo as mãos à frente do rosto, os olhos abertos e parados.

"Você vai." ele murmurou, e Draco precisou esforçar-se para ouvir. "Você sabe que vai."

"Eu amo você." Draco murmurou de volta, e por mais que seus pulsos estivessem ardendo, ele acariciava os cabelos negros de Blaise como se nada mais importasse no momento, e ele sabia que era verdade. Os dedos de Blaise contraíram-se fracamente, apertando sua camisa, ao ouvir as palavras. "

Mais do que você o amava?"

Draco não respondeu. Harry era... Com Harry as coisas eram tão diferentes. Tudo era quadribol e grama e ele conseguia dizer que o amava e o odiava sem mentir nunca. Harry dizia que deveria ter sido sorteado para a Sonserina e que dentro dele havia sombras que ninguém nunca, nunca iria entender, e que Draco as decifrava perfeitamente. Mas Draco só achava que ele era um menininho perdido, e mais grifinório do que qualquer um que ele jamais havia conhecido na vida. Harry costumava depender dele de uma maneira que ao mesmo tempo o assustava e agradava. Harry era seu. Harry seria seu para sempre, e, por mais que relutasse em admitir, era assim que Draco queria que fosse.

Ele desejava com todas as suas forças que pudesse corresponder ao que o Menino-que-Sobreviveu esperava dele, e é claro ele não podia.

Mas Blaise estava deitado em seu peito, e Blaise precisava dele, e por mais que Harry clamasse tão desesperadamente ser o detentor de tudo o que é ruim, Blaise conseguia entender as Trevas dentro dele como ninguém, porque Blaise as compartilhava.

Harry nunca entenderia o que era viver nas masmorras de Hogwarts, nunca entenderia porque Puros Sangues serão Puros Sangues mesmo quando metade deles estava agora morta e a outra metade sofrendo a humilhação da derrota. Harry nunca entenderia que um Puro Sangue lutando por Dumbledore ou Voldemort, tolerando ou não, irá para sempre desprezar qualquer trouxa que cruze seu caminho e, acima de tudo, ele seria incapaz de entender o porquê.

Harry Potter seria para sempre o Menino-que-Sobreviveu. Apenas um garotinho.

Harry Potter era seu, mas Blaise Zabini o possuía de uma maneira que o outro nunca conseguiria.

"Mais."

Quando Blaise levantou os olhos surpresos para ele, Draco beijou seus lábios suavemente e permitiu que Blaise se inclinasse sobre ele e beijasse-o como se o mundo estivesse acabando.

E Draco Malfoy não teria tempo para pensar se estava mentindo para Blaise ou para si mesmo tão cedo, mas tudo o que sabia era que no fundo de sua cabeça uma vozinha já começava a murmurar maquiavelicamente... "Oh, mas você já está se perdendo de novo, não é?"

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FIM DO CAPÍTULO 2

N/A: "Nothing breaks like a broken promise" - verso de uma música do Dream Theater (título)

N/A2: Muito obrigada a todas as reviews, eu realmente não esperava tantas! Eu agradeceria direito a todas vocês, mas, sério, vão arrancar a minha pele se eu ficar aqui mais um segundo! Em todo caso, MUITO OBRIGADA, vocês são o máximo, queridas!

Próximo capítulo: Com sorte não vai demorar muito. Uh. Com sorte.