Nota: (1) Harry Potter e seus personagens não me pertencem. E sim a J.K. Rowling e a Warner Bros. Entertainment Inc. Essa fanfic não tem nenhum fim lucrativo, é pura diversão.
(2) Contém Slash relação Homem x Homem, portanto, se você não gosta ou se sente incomodado com isso, é simples: não leia.
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ÔMEGA
"O homem nasce bom e a sociedade o corrompe", disse algum filósofo espertinho centenas de anos atrás. No entanto, certamente seria mais apropriado dizer que "um ômega nasce bom e a sociedade alfacêntrica misógina o corrompe". Já os alfas, estes sempre, sempre nascem maus. "Cuidado, haverá alfas lá", ômegas diziam uns aos outros, baixinho, pedindo silenciosamente para que seus pares tomassem cuidado na presença daquele gênero cuja agressividade e instintos animalescos eram naturalizados pela sociedade. "Ele é um alfa, é a sua natureza", "alfas não podem resistir agir dessa forma na presença de ômegas", "ele é apenas um alfa jovem com instintos a flor da pele, aquele ômega deveria ter tomado mais cuidado ao sair à noite", eram frases comuns ouvidas no dia a dia, repetidas como um mantra, naturalizadas como algo que sempre foi assim.
Desde cedo, nas aulas de ciências, as crianças aprendiam que na evolução do australopitecos para o homo sapiens, o gene lupino acabou por se embrenhar na cadeia evolutiva resultando nos gêneros atuais da sociedade. Não se sabe ao certo como isso aconteceu, mas pesquisadores encontraram esqueletos humanos com genes lupinos no oriente médio, em fósseis datando mais de quatro milhões de anos, bem como pinturas rupestres mostrando uma estrutura hierárquica que, até hoje, perdurava na sociedade. Os alfas eram os líderes naturais, criados desde cedo para profissões de prestígio e liderança, considerados naturalmente dominantes, curiosos e assertivos em suas decisões. Já os betas eram a grande massa da sociedade, a engrenagem que fazia a roda funcionar, pacíficos, sem instintos, sem nada que os diferenciasse ou destacasse realmente dentro do círculo social, eram os "homens médios", comuns, banais e necessários como mão de obra para que a sociedade siga o seu curso. Por fim, os ômegas são considerados as belas joias da sociedade, cuja existência limita-se a beleza e servidão aos alfas. Ômegas aprendem desde cedo que devem ser vistos, não ouvidos, devem sorrir, agir de forma amável, serem vaidosos e educados para um dia se casarem com alfas de prestígio.
Obviamente, a sociedade havia evoluído desde o período paleolítico até a idade média e mais ainda desde a ideia média até a idade moderna, até finalmente chegar na sociedade contemporânea de hoje, o ápice da evolução e das conquistas de direito dos ômegas. Hoje, ômegas podiam votar, sair sozinhos, trabalhar, dirigir, ter o seu próprio dinheiro, tomar anticoncepcional e até denunciar alfas agressores para delegacias específicas voltadas para o crime de gênero.
Ômegas, finalmente, eram livres.
É claro que a liberdade de um ômega na sociedade é igual ao bolso das calças apertadas vendidas nas sessões de ômegas nas lojas de departamento: aparentemente existe e está lá, bonitinho, mas quando vai usar, descobre que é falso. Ômegas podem votar, sim, mas são enganados por falsas promessas de políticas inclusivas apenas para angariar votos para alfas sedentos pelo poder; Ômegas podem sair sozinhos, mas correm o risco de serem assediados e estuprados por alfas a cada esquina e ainda serem os culpados pelos atos do pobre alfa que apenas seguiu seus instintos; Ômegas podem trabalhar, mas ganham 47,24% menos se comparados aos alfas na mesma profissão; Ômegas podem dirigir, mas sempre ouvirão "só podia ser ômega", se fizerem algo equivocado no trânsito; Ômegas podem ter o seu próprio dinheiro, mas sempre serão vistos como interesseiros e ávidos pelo dinheiro de um alfa rico, aos olhos da sociedade; Ômegas podem tomar anticoncepcional para controle de natalidade e até supressores para impedir seus períodos de cios, mas, se forem estuprados durante este período, alfas não podem ser considerados culpados e os ômegas são obrigados a gestar a criança originada desta agressão e, muitas vezes, até compelidos por suas famílias a se casarem com os agressores; Ômegas podem denunciar alfas agressores, mas, ao chegarem nas delegacias, geralmente são atendidos por alfas sem um pingo de empatia que naturalmente pensam que a culpa do que aconteceu era dos ômegas descuidados e provocadores, o que os levava a enfrentarem perguntas como: "mas o que você estava vestindo na ocasião?" ou "tem certeza de que você não queria mesmo?".
A vida dos ômegas não era fácil em nenhum lugar do mundo, seja do mundo mágico ou muggle, mas em todos os lugares haviam ômegas dispostos a sofrer as mais diversas represálias para garantir seus direitos e buscar igualdade com betas e até mesmo alfas, sendo considerados ômegas desvirtuados e extremistas que queriam abalar as sólidas e naturais estruturas sociais. Na rua dos Alfeneiros, n 4, havia um casal de betas que se orgulhava de dizer que eram perfeitamente normais. Eram o tipo de pessoas que se curvavam e sorriam falsamente para alfas e olhavam com desagrado e julgamento para jovens ômegas andando sozinhos durante a noite, que comentavam com maldade "ele certamente provocou" quando ouviam nos noticiários alguma atrocidade cometida por um alfa para com um ômega, mas bajulavam a esposa ômega do chefe dizendo que suas joias certamente realçavam sua beleza.
Os Dursley eram betas comuns e tinham tudo o que poderiam almejar em suas pacatas e desinteressantes vidas, mas também tinham um segredo, e seu maior receio era que alguém o descobrisse. Achavam que não iriam aguentar se alguém descobrisse a existência dos Potter. A bela ômega Lily Potter era a irmã caçula de Petúnia Dursley, mas não se viam havia muitos anos. Petúnia, na realidade, fingia que não tinha irmã, porque esta e o alfa imprestável com quem havia se casado eram o que havia de menos parecido possível com os Dursley. Por isso, naquela noite, quando Petúnia Dursley abriu a porta da frente para pôr as garrafas de leite do lado de fora, quase desfaleceu ao ver um pequeno cesto com um lindo bebê de olhos verdes brilhantes embrulhado por cobertores amarelos.
Ao Sr. e Sra. Dursley, rua dos Alfeneiros, n4.
Estava escrito no pulcro envelope branco que repousava sobre a criança.
Dentro do cesto, a bela criança que passaria as próximas semanas levando cutucadas e beliscões do primo Duda, não imaginava que, neste mesmo instante, havia pessoas se reunindo em segredo em todo o país e dizendo com vozes abafadas:
- Harry Potter, um ômega, sobreviveu à maldição da morte!
- Uma criança ômega derrotou Lord Voldemort!
- Um mero ômega...
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Quase onze anos haviam se passado desde o dia em que os Dursley acordaram e encontraram o sobrinho no batente da porta, mas a rua dos Alfeneiros não mudara praticamente nada. O sol nascia para os mesmos jardins cuidados e iluminava o número quatro de bronze na porta de entrada dos Dursley. Somente as fotografias sobre o console da lareira mostravam que o tempo passara. Dez anos antes havia uma porção de fotografias de um bebê beta de olhos caídos e bochechas redondas, mas Duda Dursley não era mais bebê, agora as fotografias mostravam um menino grande e louro na primeira bicicleta, no carrossel de uma feira, brincando com o computador do pai, recebendo um beijo e um abraço da mãe. A sala não continha nenhuma indicação de que havia outro menino na casa.
No entanto, Harry Potter continuava lá, no momento adormecido, mas não por muito tempo. Sua tia Petúnia acordara e foi sua voz aguda que produziu o primeiro ruído do dia.
- Acorde! Levante-se, ômega! Agora!
Harry acordou assustado. A tia bateu à porta outra vez.
- Você já se levantou? – perguntou irritada.
- Quase – respondeu Harry.
- Bem, ande depressa, ômega, quero que você tome conta do bacon. E não se atreva a deixá-lo queimar. Quero tudo perfeito no aniversário de Duda.
Harry gemeu.
- O que foi que você disse, ômega?
- Nada, nada...
Seus tios o chamavam de ômega como se o seu gênero fosse o pior insulto possível, mas Harry já estava acostumado, às vezes até se esquecia de que se chamava "Harry", mas não dava muita importância a isso. Levantando-se devagar, ele começou a procurar as meias. Encontrou-as debaixo da cama e depois de retirar uma aranha de um pé, calçou-as. A maioria das crianças ômegas morriam de medo de aranhas na escola, mas Harry estava acostumado a elas, porque o armário sob a escada vivia cheio delas e era ali que ele dormia.
Já vestido saiu para o corredor que levava à cozinha. A mesa quase desaparecera tantos eram os presentes de aniversário de Duda. Pelo que via, Duda ganhara o novo computador que queria, para não falar na segunda televisão e na bicicleta de corrida. Para o quê, exatamente, seu primo queria uma bicicleta de corrida, Harry não sabia. Afinal, Duda detestava fazer exercícios, a não ser que envolvessem bater em alguém e, obviamente, o saco de pancadas preferido de Duda era Harry, ainda que ouvisse sempre – até mesmo de seus pais – que não deveria bater em um ômega, mas ele os ignorava solenemente e o Sr. e a Sra. Dursley fingiam não ver as marcas em Harry. Mas nem sempre Duda conseguia pegá-lo, Harry não parecia, mas era muito rápido.
Talvez fosse porque fosse um ômega e vivesse num armário escuro, mas Harry sempre fora pequeno e muito magro para a idade, até mesmo para os ômegas da sua idade. Harry tinha o rosto magro, com maçãs delicadas e lábios rosados, cabelos negros bagunçados e olhos muito verdes, brilhantes, como esmeraldas redondas. No entanto, a única coisa que Harry gostava em sua aparência era a fina cicatriz em forma de raio na testa. Existia desde que se entendia por gente e, segundo sua tia, fora resultado do desastre de carro em que seus pais morreram, mas, estranhamente, tocar a cicatriz lhe transmitia uma cálida sensação de segurança.
Tio Valter entrou na cozinha quando Harry estava virando o bacon.
- Penteie o cabelo! Um ômega não deve andar desleixado dessa forma, vão dizer que não lhe ensinamos nada! – mandou, no lugar de um bom dia.
Depois do acesso de raiva de Duda, que havia ganhado um presente a menos do que no ano anterior, eles seguiram para o zoológico e Harry, por incrível que pareça, havia desfrutado daquela manhã ensolarada, cuidando sempre para andar um pouco afastado dos Dursley, mas não muito, pois sua tia o aterrorizava com histórias de alfas que pegavam crianças ômegas sozinhas na rua para fazer coisas horríveis com elas. Porém, quando chegaram na ala dos répteis, a boa sorte de Harry começou a mudar. Ele estava encarando uma magnífica cobra dentro de um vidro quando, por curiosidade, inocentemente perguntou:
- De onde você veio?
A cobra então aprontou com o rabo para uma placa próxima ao vidro. Harry espiou.
Boa Constrictor. Brasil.
- Era bom lá?
A jiboia apontou novamente a placa com o rabo e Harry leu:
Este espécime nasceu em cativeiro.
- Ah, entendo...
De repente, porém, Duda empurrou Harry para o chão e começou a bater no vidro, animado com a cobra que finalmente estava se mexendo. Harry estreitou os olhos, irritado, então parou de respirar: o vidro da frente do tanque da jiboia havia sumido. A grande cobra se desenrolou depressa e escorregou pelo chão, passando ao seu lado, dizendo com uma voz baixa e sibilante:
- Obrigado, filhote.
- De nada - respondeu ele, ainda em choque.
Os gritos de sua tia o tiraram de seu torpor e, ao levantar o olhar, deparou-se com o rosto zangado de seu tio. Estava tão furioso que mal podia falar. Quando chegaram em casa, ele conseguiu apenas dizer:
- Vá... armário... ômega... sem comida – antes de desmontar em uma cadeira e tia Petúnia ter que correr para lhe servir uma boa dose de conhaque.
A fuga da jiboia brasileira rendeu a Harry o seu castigo mais longo. Na altura que lhe permitiram sair do armário, as férias de verão já haviam começado. Certo dia, ao pegar as cartas no batente da porta, Harry notou um envelope grosso e pesado que, por incrível que pareça, estava endereçado a ele:
Sr. Harry James Potter
O Armário sob a Escada
Rua dos Alfeneiros, n 4
Little Whinging
Surrey.
Quando se dispôs a abri-lo, após entregar as demais correspondências ao tio, Duda o tirou de suas mãos e então o tormento começou. Seus tios primeiro debocharam perguntando quem poderia querer escrever para ele, então, depois de verem o selo estranho, rasgaram a carta e não voltaram a tocar no assunto. Porém, nos próximos dias dezenas de cartas iguais começaram a chegar, mas seus tios sempre as alcançavam antes dele e as queimavam com um ódio nunca antes visto refletido no olhar. Harry estava estarrecido, mas curioso, perguntando-se o que poderia haver naquelas cartas para que seus tios agissem de forma tão absurda. Então, quando centenas de corujas interromperam na casa certo dia, seu tio colocou todos no carro e os levou para uma cabana distante, onde – segundo ele – aquelas malditas aves não poderiam alcançá-los.
- O papai endoidou? - Duda perguntou para a mãe. Harry, por sua vez, fazia-se a mesma pergunta, mas Petúnia apenas negou e seguiu para o carro após lançar ao sobrinho um olhar incriminador, como se tudo aquilo fosse sua culpa.
Agora, numa cabana no meio do nada, Harry ouvia a tempestade rugindo lá fora e não conseguia dormir. Tremia, deitado no chão frio, e revirava, tentando encontrar uma posição confortável, seu estômago roncando de fome. Os roncos de Duda eram abafados pela trovoada que começou durante a noite. O mostrador luminoso do relógio do primo, que estava pendurado para fora do sofá em seu pulso gordo, informava a Harry que dentro de dez minutos ele completaria onze anos. Deitado, ele viu seu aniversário se aproximar, perguntando-se onde estaria o remetente das cartas agora.
Faltavam cinco minutos.
Harry ouviu alguma coisa estalar lá fora.
Um minuto...
BUM.
O casebre todo estremeceu e Harry sentou-se reto, arregalando os olhos para a porta que acabava de ser arremessada para o chão.
Um homem gigantesco estava parado no marco da porta. Ele não tinha um cheiro intimidador, então não era um alfa, tampouco cheirava doce como um ômega, então ele certamente era um beta como seus tios. Tinha o rosto completamente oculto por uma barba grande, mas dava para ver seus olhos, luzindo como besouros negros debaixo de todo aquele cabelo.
- Exijo que saia imediatamente! – disse seu tio, segurando uma espingarda velha com as mãos trêmulas – O senhor invadiu minha casa!
- Ah, cale a boca, Dursley.
Seu tio fez um som esquisito, como um camundongo sendo pisado.
- Em todo o caso, Harry – disse o gigante, dando as costas para os seus tios – Feliz aniversário.
Harry olhou para o gigante, apanhou o pequeno embrulho que este lhe estendida e quis dizer obrigado, mas as palavras se perderam a caminho da boca, ao invés disso, perguntou:
- Quem é você?
- É verdade, não me apresentei. Rúbeo Hagrid, guardião das chaves das terras de Hogwarts.
- Hogwarts...?
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Os instantes seguintes passaram como um borrão para Harry, nos quais ele absorveu inúmeras informações inimagináveis. Aparentemente, ele era um bruxo, seus pais também eram bruxos e não haviam morrido num acidente de carro, mas foram assassinados por um bruxo das trevas. Certo. Hagrid também lhe entregou a famigerada carta que os havia levado até ali e, finalmente, Harry descobriu que tinha uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e agora estava hospedado num lugar chamado Caldeirão Furado, pois nos próximos dias compraria seu material escolar e, no próximo mês, embarcaria para essa nova escola. Qualquer ômega em seu lugar certamente ficaria assustado, mas ele estava emocionado e não via a hora de conhecer aquele mundo novo e ficar o mais longe possível de seus tios.
Harry também descobriu que era famoso.
Pelo o que Hagrid havia lhe contado, o bruxo das trevas que assassinara seus pais havia tentado matá-lo, mas o feitiço acabou ricocheteando e matado o tal bruxo enquanto Harry sobrevivera com apenas uma cicatriz. Muitos duvidavam que um simples bebê ômega pudesse ter matado o maior bruxo das trevas de todos os tempos, outros, porém, o cobiçavam por causa disso e, de acordo com Hagrid, ele precisava ter muita cautela com quem se relacionar naquele mundo para não ser usado para os propósitos egoístas de algum alfa.
- Alvo Dumbledore, este é o único Alfa em quem você deve confiar, Harry.
Harry concordou em silêncio, mas, por dentro, mantinha-se cético diante das palavras do gigante beta.
Ele não deveria confiar em nenhum alfa, pelo menos era isso o que sua tia sempre dizia.
No dia que finalmente conheceu o Beco Diagonal, Harry ficou em choque. Toda aquela história ainda parecia muito fantasiosa para ele, mas, ao atravessar o arco de tijolos que havia magicamente se aberto diante dos toques do guarda-chuva de Hagrid, o pequeno ômega finalmente pareceu acreditar no que estava acontecendo. Ele era um bruxo. E estava no mundo mágico agora. Naquele instante, então, Harry desejou ter oito olhos. Ele virava a cabeça para todo o lado enquanto caminhava pela rua, tentando ver tudo ao mesmo tempo: as lojas, as coisas às portas, as pessoas em vestes engraçadas fazendo compras. Havia lojas que vendiam roupas, lojas que vendiam telescópios e estranhos instrumentos de prata que Harry nunca vira antes, janelas com pilhas de barris contendo baços de morcegos e olhos de enguias, pilhas mal equilibradas de livros de feitiços, penas de aves para escrever e rolos de pergaminhos, vidros de poções, globos de...
- Gringotes - anunciou Hagrid.
Tinham chegado a um edifício muito branco que se erguia acima das lojinhas. E ali, Harry descobriu mais uma coisa: ele era rico.
Pelo visto, o nome Potter significava dinheiro, muito dinheiro, a julgar pela câmara repleta de ouro que o duende anunciara ser o seu cofre. Então, após retirar de lá várias moedas e conseguir um cartão magnético mágico, Harry seguiu com o gigante para outra câmara, na qual este pegou um objeto confidencial para o diretor de Hogwarts, sob o olhar atento do duende. Para falar a verdade, Harry não sabia para onde ir agora que carregava tanto dinheiro, por sorte, Hagrid sugeriu que fosse ver suas vestes enquanto ele providenciava seus materiais para as aulas de poções e, assim, podiam otimizar o tempo.
- Hogwarts, querido? – Madame Malkin, uma ômega baixinha e sorridente perguntou quando Harry começou a falar – Tenho tudo aqui. Para falar a verdade tem um rapazinho alfa ajustando suas vestes para a escola também.
Nos fundos da loja, um alfa da sua idade de rosto pálido e cabelos loiros bem arrumados estava em pé em cima de um banquinho enquanto uma bruxa beta encurtava suas compridas vestes pretas. Madame Malkin colocou Harry num banquinho ao lado do outro, enfiou-lhe uma veste comprida pela cabeça e começou a marcar a bainha na altura certa.
- Olá – cumprimentou o garoto – Hogwarts também?
- Sim – confirmou Harry, as bochechas ligeiramente coradas. Ele nunca havia conversado realmente com um alfa, pois seu primo afugentava qualquer um que chegasse perto dele na escola para tentar ser seu amigo.
- Meu pai está na loja ao lado comprando meus livros e minha mãe está mais adiante procurando varinhas – disse o garoto. Tinha uma voz arrastada e quase lembrava a voz de Duda quando queria impressionar alguém – Depois vou levá-los para dar uma olhada nas vassouras de corrida.
Alfas eram estranhos, Harry concluiu, desviando o olhar dos magnéticos olhos cinzentos que o fitavam.
- Você tem uma vassoura?
- Não.
- Oh, minha mãe também não acha certo ômegas andarem de vassoura.
Harry franziu o cenho.
- Imagino que não saiba jogar quadribol também. Mamãe sempre fala para a minha prima que quadribol não é coisa de ômegas. Enfim, já sabe em que casa vai ficar?
- Não – respondeu Harry, sentindo-se cada vez mais desconfortável.
- Prontinho, meninos, podem descer.
O garoto loiro pulou do banquinho e parou ao lado de Harry, estendendo-lhe a mão:
- Mamãe diz que alfas devem sempre agir como cavalheiros para um ômega – explicou com um sorriso presunçoso.
- Obrigado – disse Harry, como tia Petúnia ensinou: "ao agradecer um alfa, sempre abaixe os olhos, saiba o seu lugar, ômega".
O menino pareceu gostar de seu gesto, alargando o sorriso.
- Bom, vejo você em Hogwarts – disse Harry, apressado em sair dali – Até.
- Até...
Harry encontrou Hagrid do lado de fora da loja segurando uma grande gaiola com uma bela coruja branca como a neve, que dormia profundamente, a cabeça debaixo da asa. Era seu presente de aniversário, de acordo com o gigante, o que fez Harry se emocionar e o abraçar com carinho. Sua tia o chamaria de ômega sentimental estúpido, mas ele não conseguira se conter e, a julgar pelo sorriso feliz de Hagrid, este não parecia se importar.
A última loja era estreita e escura. Letras de ouro descascadas sobre a porta diziam Olivaras: Artesão de Varinhas de Qualidade desde 382 a.C. Havia uma única varinha sobre uma almofada púrpura desbotada na vitrine empoeirada. Um sininho tocou em algum lugar no fundo da loja quando eles entraram. Era uma loja pequena, vazia, exceto por uma única cadeira alta e estreia em que Hagrid se sentou para esperar. Harry teve uma sensação esquisita como se tivesse entrado em uma biblioteca muito exclusiva. Engoliu um monte de perguntas novas que tinham acabado de lhe ocorrer e ficou espiando as milhares de caixas estreitas arrumadas com cuidado até o teto. Por alguma razão, sentiu um arrepio na nuca.
- Boa tarde – disse uma voz suave. Harry se assustou.
Havia um velho parado diante dele, os olhos grandes e muito claros brilhando como duas luas na penumbra da loja.
- Olá – disse Harry sem jeito.
- Ah, sim – disse o homem – Sim, sim. Achei que ia vê-lo em breve. Harry Potter. Você tem os olhos da sua mãe. Parece que foi ontem que ela esteve aqui, comprando sua primeira varinha. Vinte e seis centímetros, farfalhante, feita de salgueiro. Uma boa varinha para encantamentos.
O beta chegara tão perto que Harry quase deu um passo para trás. Ele olhava para sua cicatriz.
- Lamento dizer que vendi a varinha que fez isso – disse ele suavemente – Trinta e cinco centímetros. Nossa. Uma varinha poderosa, muito poderosa... Infelizmente, nas mãos erradas de um alfa que... Enfim...
Um alfa, é claro.
Não poderia ser diferente, Harry pensava consigo.
- Bom, agora, Sr. Potter, vamos ver. Qual o braço da varinha?
- Sou destro...
- Estique o braço. Isso.
Ele mediu Harry do ombro ao dedo, depois do pulso ao cotovelo, do ombro ao chão, do joelho à axila e ao redor da cabeça. Enquanto media, disse:
- Toda varinha aqui tem o miolo feito de uma poderosa substância mágica, Sr. Potter. Usamos pelos de unicórnio, penas de causa de fênix e cordas de coração de dragão. A varinha escolhe o bruxo, Sr. Potter. Agora vamos ver qual a sua varinha destinada – então, tirou uma varinha de um estojo sobre a bancada – Experimente esta. Faia e corda de coração de dragão. Vinte e três centímetros. Boa e flexível.
Harry apanhou a varinha e, sentindo-se bobo, fez alguns movimentos com ela, o que levou um vaso a explodir ao seu lado.
- Não, não. Tente esta. Bordo e pena de fênix. Dezoito centímetros. Bem elástica.
Harry experimentou e uma estante desabou à sua direita. Eles tentaram outras varinhas, sem sucesso, até que Olivaras sumisse para os fundos da loja murmurando coisas como "É, por que não? Uma combinação incomum, mas vale a pena tentar".
- Aqui. Azevinho e pena de fênix, vinte e oito centímetros, boa e maleável.
Harry apanhou a varinha e imediatamente sentiu um calor nos dedos. De repente, uma torrente de faíscas douradas e vermelhas saíram da ponta como um fogo de artifício, atirando fagulhas luminosas que dançavam nas paredes. Hagrid gritou e bateu palmas e o Sr. Olivaras murmurou:
- Curioso, muito curioso...
- Desculpe-me, senhor, mas o que é curioso? – perguntou Harry.
- Lembro-me de cada varinha que vendi, Sr. Potter. De cada uma. Acontece que a fênix cuja pena está na sua varinha produziu mais uma pena, apenas mais uma. É muito curioso que o senhor tenha sido destinado para esta varinha porque a irmã dela, ora, a irmã dela produziu a sua cicatriz.
Harry engoliu em seco, pagou sete galeões pela varinha e procurou sair depressa dali. Não tinha muita certeza se gostava do Sr. Olivaras. Ele era um homem estranho.
Quando Hagrid o deixou de volta na casa dos tios, Harry achou que as coisas seriam mais interessantes, mas este último mês com os Dursley não havia sido nada divertido. É verdade que Duda agora estava tão apavorado com Harry que não queria nem ficar no mesmo aposento que ele e seus tios não o trancavam mais no armário nem o obrigavam a fazer nada, tampouco gritavam com ele, na verdade, sequer falavam com ele. Meio aterrorizados, meio furiosos, agiam como se a cadeira em que Harry se sentasse estivesse vazia. Embora isso fosse sob muitos aspectos um progresso, tornou-se um tanto deprimente depois de um tempo.
No último dia de agosto, Harry achou melhor falar com os tios sobre a ida à estação no dia seguinte.
- Tio Valter, será que o senhor podia me dar uma carona?
Harry interpretou o resmungo irritado como sim.
- Muito obrigado.
Harry já ia voltando para cima quando seu tio falou de verdade:
- Onde fica essa escola afinal?
- Não sei – disse Harry pensando nisso pela primeira vez – Vou pegar o trem na plataforma 9 3/4 amanhã, às onze horas.
Seus tios arregalaram os olhos.
- Plataforma o quê?
- 9 3/4.
- Não diga bobagens – repreendeu tio Valter – Não existe plataforma 9 3/4.
- Está no meu bilhete.
- Loucos de pedra, todos eles. Você vai ver. É só esperar. Está bem, levaremos você até a estação. De qualquer maneira tínhamos de ir a Londres amanhã e não é certo um ômega pegar um ônibus sozinho para outra cidade.
- Obrigado, tio Valter.
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Chegaram à estação King's Cross às 10:30. Tio Valter jogou a mala de Harry num carrinho e lhe deu às costas para voltar ao carro, não sem antes desejar com ironia boa sorte na sua procura pela plataforma inexistente. Quando chegou aos números 9 e 10, Harry sentiu a boca seca. Seu tio tinha razão, é claro. Não havia qualquer sinal de plataforma 9 3/4. Que diabos iria fazer? Estava começando a atrair uma porção de olhares curiosos por causa de Edwiges, sua coruja, que piava incomodada com a multidão de pessoas. Ele perguntou a um guarda que ia passando, mas obteve apenas um revirar de olhos, então observou o guarda se afastar resmungando algo sobre pessoas que o faziam perder tempo. Harry tentou por tudo no mundo não entrar em pânico, mas o grande relógio em cima do quadro que anunciava os trens que chegavam, mostrava a ele que tinha apenas 10 minutos para embarcar no trem para Hogwarts e não tinha ideia de como fazer isso. Ele queria chorar. Nesse instante, sua mente ofereceu imagens de seu primo rindo e o chamando de "omegazinho chorão" e de sua tia franzindo os lábios com desgosto, o que o fez respirar fundo para conter as lágrimas.
- ...cheio de muggles, é claro...
Harry deu meia-volta. Era uma mulher baixinha que falava com quatro meninos, todos betas com cabelos cor de fogo. Cada um deles estava empurrando à frente uma mala como a de Harry e levavam uma coruja. Com o coração aos saltos, Harry os seguiu empurrando o carrinho. Eles pararam e ele também, bem próximo para ouvir o que diziam e ver o que faziam. Harry observou o que parecia ser o menino mais velho marchar em direção às plataformas 9 e 10 e correr para a parede que separava ambos os números, ele esperou pelo baque, mas não ouviu. Ao contrário, o menino havia desaparecido. Então, os gêmeos se seguiram, depois o menino ruivo da sua idade e, por último, a mãe com a menina. Todos haviam corrido de encontro à parede entre as plataformas 9 e 10.
Por que não?
Com esse pensamento, Harry fechou os olhos e seguiu atrás deles, preparando-se para a colisão. E ela não aconteceu. Continuou correndo e, quando abriu os olhos, uma locomotiva vermelha a vapor estava parada à plataforma apinhada de gente. Um letreiro no alto informava Expresso Hogwarts, 11h. Harry olhou para trás e viu um arco de ferro forjado no lugar onde estivera o coletor de bilhetes, com os dizeres Plataforma 9 3/4. Conseguira.
Os primeiros vagões já estavam cheios de estudantes, uns debruçados às janelas conversando com as famílias, outros brigando por causa dos lugares. Harry empurrou o carrinho pela plataforma procurando um lugar vago. Passou por um garoto de rosto redondo que estava dizendo:
- Vó, perdi meu sapo outra vez.
- Ah, Neville, não sei como você nasceu um alfa... – ele ouviu a senhora suspirar.
Harry continuou andando pela aglomeração até que encontrou um compartimento vago no final do trem. Primeiro pôs Edwiges para dentro depois conseguiu guardar a mala no compartimento certo embaixo do banco. Finalmente, sentou-se à janela onde, meio escondido, podia ver as famílias se despedindo daqueles que embarcavam no trem. De repente, a porta da cabine se abriu e uma menina da sua idade e de bonitos cabelos negros na altura do pescoço entrou.
- Ótimo, não é um alfa - ela suspirou, sentando-se à sua frente sem se dar ao trabalho de perguntar se o local estava vago.
Ela tinha olhos negros suspicazes.
- Eles são tão idiotas, não é mesmo? Acham que jogar snap explosivo no meio do trem é uma ótima ideia. Estúpidos. Todos estúpidos.
- Er...
- Oh, sinto muito. Como fui rude. Quão pouco ômega da minha parte – ela revirou os olhos, como se recitasse as palavras de alguém, mas estendeu a mão num cumprimento gentil – Pansy Parkinson.
- Harry Potter.
A boca rosada fez um pequeno "oh" e os olhos negros arregalaram ligeiramente.
- Você é mesmo...? – os olhos dela foram imediatamente para a testa de Harry – Tem mesmo a cicatriz...?
Harry afastou a franja para mostrar a cicatriz em forma de raio. Pansy olhou.
- Isso é incrível.
- Você acha?
- Bem, você é o primeiro ômega famoso que eu conheço que não se tornou famoso por ter se casado com um alfa, ou ter feito algum reality show mágico. Já viu o Keeping Up with the Ômegas Kardashians?
- Não, infelizmente, não conheço esse programa.
- Em que mundo você vive, querido?
Pansy passou as próximas horas atualizando Harry sobre os programas de entretenimento mágico e este não poderia estar mais encantado em ouvir sobre aquele mundo tão desconhecido e fascinante, no qual, infelizmente, parecia imperar a mesma discriminação entre alfas e ômegas existente no mundo muggle. Quando o carrinho de doces passou, Harry precisou insistir que a nova amiga comesse com ele as guloseimas que havia comprado, pois, segundo ela, sua mãe a mataria se ela engordasse uma grama sequer e não entrasse no vestido novo que havia comprado.
- Ela é uma narcisista tóxica que acha que eu existo apenas para fazer as vontades dela até eu me casar com um alfa que ela escolha – explicou a menina, com um sorriso irônico agora lambuzado de chocolate – Eu não via a hora de vir para Hogwarts e poder ficar longe dela.
- Entendo bem o que você quer dizer.
Harry confidenciou um pouco da infância com os Dursley e ouviu Pansy dizer palavras que seriam consideradas muito inapropriadas para uma ômega, mas sorriu com o olhar feroz da menina, sentindo-se estranhamente cálido pela fúria que ela dirigia aos seus tios. Naquele momento, os campos que passavam pela janela ficavam mais silvestres. As plantações tinham desaparecido. Agora havia matas, rios serpeantes e morros verdes escuros. Ouviram, então, uma batida à porta da cabine e uma menina de cabelos castanhos muito cheios entrou. Ela já estava usando as vestes novas de Hogwarts.
- Alguém viu um sapo? Um alfa, Neville, perdeu o dele – tinha um tom de voz mandão.
- E por que você está procurando o sapo de um alfa?
- E-Eu...
- Pois ele que procure e encontre sozinho – Pansy revirou os olhos e indicou que a menina se sentasse – Agora deixa eu dar um jeito nesse cabelo com um feitiço simples que minha mãe me ensinou.
Os olhos castanhos da jovem ômega, que havia se sentado sem titubear, brilharam com a possibilidade de aprender um novo feitiço. Em seguida, após Pansy sacudir a varinha e dizer algumas palavras em latim, viu seus cabelos antes emaranhados assentarem com suavidade sobre seus ombros. Estavam macios, hidratados, com um corte perfeito e sem qualquer sinal de pontas duplas.
- Prontinho. Segundo minha mãe, todo ômega deve saber esse feitiço – guardou a varinha – Prazer, Pansy Parkinson.
- Hermione Granger, muito prazer – cumprimentou com a voz muito mais suave – Deve ser incrível ter pais mágicos.
- Nem tanto.
Harry riu e também cumprimentou a menina:
- Prazer, Harry Potter.
- Verdade? – os olhos dela brilharam, animados – Já ouvi falar de você, é claro. Você está em História da Magia Moderna e em Ascenção e Queda das Artes das Trevas, ah, também em Grades Acontecimentos Mágicos do Século XX.
- Estou? - admirou-se Harry, sentindo-se confuso.
- Uau, você parece uma biblioteca ambulante.
Hermione corou, mas Pansy sorria, não havia falado com um tom de crítica. Na verdade, estava se divertindo com a energia da outra ômega que parecia incrivelmente curiosa e intrometida, algo que sua mãe sem dúvida detestaria e que, por isso, Pansy já adorava.
- Tenho certeza de que você vai ficar em Ravenclaw.
- Talvez, quero dizer, espero que sim – Hermione se apressou em dizer – Mas todas as casas parecem interessante, só tenho medo de cair em Slytherin sendo... Er... Bem...
- Nascida-muggle?
- Isso – murmurou envergonhada.
- Qual o problema? – Harry perguntou, confuso.
Pansy suspirou e olhou para o amigo:
- O fundador da casa Slytherin foi um alfa muito preconceituoso que achava que somente magos de sangue puro, ou seja, sem muggles na linhagem sanguínea deveriam estudar magia. Um babaca, na minha opinião. O problema é que muitas famílias mágicas tradicionais ainda acreditam nessa baboseira e a maioria daqueles que caem na casa Slytherin são dessas famílias. Minha mãe mesmo é uma dessas sem-noção, mas talvez seja possível salvar a nova geração, quero dizer, olhe para mim: linda e sem preconceitos.
Os três acabaram rindo e Hermione se sentiu mais calma na presença dos novos amigos.
Horas depois, o trem foi diminuindo a velocidade e finalmente parou. As pessoas se empurraram para chegar à porta e descer na pequena plataforma escura. Harry estremeceu ao ar frio da noite. Então, apareceu uma lâmpada balançando sobre as cabeças dos estudantes e Harry ouviu uma voz conhecida. Hagrid. O guarda-caça chamava todos os alunos do primeiro ano para perto de um lago onde pequenos barcos estavam às suas espera.
- Só quatro em cada barco! – gritou Hagrid, que tinha um barco só para si. Harry, Pansy e Hermione se adiantaram para um dos barcos e acabaram seguidos por um beta de cabelos castanhos que se apresentou como Ernesto Macmillan.
Então, a flotilha de barquinhos largou toda ao mesmo tempo, deslizando pelo lago que era liso como vidro. Todos estavam silenciosos, os olhos fixos no grande castelo no alto. A construção se agigantava à medida que se aproximavam do penhasco em que estava situado. Instantes depois, subiram por uma passagem aberta na rocha, acompanhando a lanterna de Hagrid, e desembocaram finalmente em uma entrada subterrânea forjada em pedras escuras e limo.
- Alunos do primeiro ano, Professora Minerva McGonagall – apresentou Hagrid, apontando para a bruxa alta de cabelos negros e vestes verde-esmeralda que parecia aguardá-los ali.
- Obrigada, Hagrid. Eu cuido deles daqui em diante.
Ela os levou pelas escadas de pedra a um imenso saguão e parou em frente a uma porta na qual o burburinho de centenas de vozes podia ser ouvido. Então, finalmente, voltou seu rosto muito severo a eles.
- Bem-vindos a Hogwarts – disse a professora Minerva – O banquete de abertura do ano letivo vai começar daqui a pouco, mas antes de se sentarem às mesas, vocês serão selecionados por casas. A seleção é uma cerimônia muito importante porque, enquanto estiverem aqui, sua casa será uma espécie de família em Hogwarts. As quatro casas chamam-se Gryffindor, Hufflepuff, Ravenclaw e Slytherin. Enquanto estiverem em Hogwarts os seus acertos renderão pontos para sua casa, enquanto os erros a farão perder. No fim do ano, a casa com o maior número de pontos receberá a taça das casas, uma grande honra. Bem, a cerimônia vai começar em instantes, sugiro que vocês se arrumem o melhor que puderem enquanto esperam.
O olhar dela se demorou por um instante na capa do garoto alfa que vivia perdendo seu sapo e no nariz sujo do beta de cabelos ruivos ao lado dele. Harry, nervoso, tentou achatar os cabelos, ainda que Pansy tivesse quase feito um milagre com eles.
- Voltarei quando estivermos prontos para receber vocês – disse a professora – Por favor, aguardem em silêncio.
E se retirou do saguão. Harry engoliu em seco e se virou para falar com as amigas quando uma voz arrastada o interrompeu:
- É verdade o que estão dizendo? Harry Potter veio para Hogwarts?
Harry olhou para o alfa de cabelos loiros à sua frente e o reconheceu da loja de Madame Malkin. Ele tinha olhos cinzentos intensos e um sorriso no canto dos lábios. Harry desviou o olhar, as bochechas levemente coradas e murmurou:
- Sim – logo todos os olhares estavam voltados para eles e os sussurros se fizeram presentes.
Diziam coisas como:
"É mesmo, vejam a cicatriz..."
"É Harry Potter"
"Não acredito, ele é realmente um ômega"
Este último comentário veio do beta ruivo parado ao lado de Neville e fez Harry se encolher ligeiramente. O loiro, no entanto, continuou a falar e Harry notou que ele parecia gostar de ouvir a própria voz e ter as atenções voltadas para si:
- Este é Crabbe e este outro, Goyle – apresentou os dois alfas fortes que pareciam muito maus, postados ao seu lado como guarda-costas – E meu nome é Malfoy. Draco Malfoy.
O garoto ruivo tossiu de leve, o que parecia estar escondendo uma risadinha. Malfoy olhou para ele.
- Acha o meu nome engraçado, é? Nem preciso perguntar o seu. Um beta, cabelos ruivos, expressão vazia, vestes surradas e de segunda mão, você deve ser um Weasley.
Virou-se para Harry, que notou que o outro menino estava com o rosto mais vermelho do que seus cabelos agora, mas não se atrevia a replicar ao alfa.
- Você não vai demorar a descobrir que algumas famílias de bruxos são melhores do que outras, Harry. Vou ajudá-lo a cercar-se das pessoas certas.
Ele estendeu a mão para tomar a de Harry, que mordeu o lábio inferior, hesitante. Sua tia o havia ensinado a sempre cumprimentar um alfa, abaixar os olhos – mesmo diante dos mais impróprios elogios – e sorrir. Então, Harry estendeu a mão trêmula e para sua surpresa, Draco a levou aos lábios, como um alfa tradicional faria. Ao seu lado, Pansy revirou os olhos.
- Pronto, Draco, deixe de monopolizá-lo – a menina puxou o amigo das garras do alfa. Ela e Draco pareciam se conhecer, porque este não respondeu de forma mordaz, apenas bufou e voltou para o seu lugar após um último olhar para Harry.
- Alfas... – Pansy sussurrou no ouvido de Harry, de forma exasperada, fazendo o amigo sorrir e balançar a cabeça em concordância.
Então, uma voz enérgica os surpreendeu:
- Vamos andando agora, a cerimônia vai começar – disse a professora Minerva – Façam uma fila e me sigam.
Eles imediatamente obedeceram e se organizaram uma fila precária que logo cruzou o saguão e atravessou as portas duplas que levavam ao Grande Salão Principal. Harry jamais imaginara um lugar tão diferente e esplêndido. Era iluminado por milhares de velas que flutuavam no ar sobre quatro mesas compridas, onde os demais estudantes já se encontravam sentados. As mesas estavam postas com pratos e taças douradas. No outro extremo do salão havia mais uma mesa comprida em que se sentavam os professores. A Professora Minerva os levou até ali, de modo que eles pararam enfileirados diante dos outros, tendo os professores logo à sua frente.
Ao olhar para cima, Harry viu um teto aveludado e negro salpicado de estrelas, então ouviu Hermione cochichar em seu ouvido:
- É enfeitiçado para parecer o céu lá fora, li em Hogwarts, uma história.
Harry baixou os olhos depressa quando a professora Minerva voltou a falar, apontando para um banquinho de quatro pernas enquanto segurava um chapéu velho e pontudo em uma das mãos:
- Quando eu chamar seus nomes, vocês colocarão o chapéu e se sentarão no banquinho para a seleção. Ana Abbott!
Uma beta de rosto rosado e cabelos loiros saiu aos tropeços da fila, colocou o chapéu, que lhe findou direto até os olhos, e se sentou. Uma pausa momentânea e então:
- Hufflepuff! – anunciou o chapéu.
A mesa da direita deu vivas e bateu palmas.
- Susana Bones!
- Hufflepuff – anunciou o chapéu outra vez, e a jovem ômega saiu depressa e foi se sentar ao lado de Ana.
- Rony Weasley!
- Gryffindor!
Dessa vez foi a segunda mesa à esquerda que aplaudiu, e o beta foi se sentar ao lado de seus irmãos.
- Hermione Granger!
Harry olhou com interesse para a nova amiga, que saiu correndo até o banquinho e enfiou o chapéu, ansiosa:
- Ravenclaw!
A casa dos inteligentes, lembrou-se Harry, com um sorriso, acenando de volta para a amiga enquanto esta seguia para a mesa que a aplaudia. Quando Malfoy foi chamado, o chapéu mal tocou seus cabelos loiros antes de anunciar:
- Slytherin!
E, curiosamente, a mesma coisa aconteceu com Pansy, que também seguiu para a mesa do lado direito, sentando-se de frente para o alfa. Faltavam poucas pessoas agora. Moon, Nott, Perks, Sara... E então, finalmente:
- Harry Potter!
Quando o ômega se adiantou, correu um burburinho por todo o salão. Logo, o cheiro de muitos alfas tornou-se mais proeminente, num misto de intimidação e interesse, ao constatarem que o famoso menino-que-sobreviveu era realmente um ômega e estava em Hogwarts para o seu primeiro ano letivo. Harry, então, inconscientemente se encolheu e a última coisa que viu antes do chapéu cobrir seus olhos foi um salão cheio de gente se espichando para dar uma boa olhada. Em seguida, ouviu uma voz grave dentro do chapéu, como se falasse em sua própria cabeça:
- Difícil. Muito difícil. Tem bastante coragem, vejo. Uma mente nada má também. Há talento e um desejo de provar a si mesmo... Interessante... Então, onde vou colocá-lo?
Harry apertou as bordas do banquinho e engoliu em seco.
- "Por favor, que seja um lugar onde eu possa ser aceito e fazer amigos".
- Fazer amigos? Oh, que adorável, pequeno ômega. Mas vou colocá-lo num lugar onde você alcançará a sua grandeza.
- "A minha o que...?"
- Sim! Você não imagina ao que está destinado, pequeno ômega, então melhor que seja: SLYTHERIN!
Harry ouviu o chapéu anunciar a última palavra para todo o salão. Tirou o chapéu e caminhou a passos trêmulos para a mesa Slytherin, sentando-se ao lado de Pansy, que sorria radiante. Na mesa dos professores, Hagrid tentava mostrar um sorriso de encorajamento, falhando no processo e, ao seu lado, um senhor bastante idoso e com uma longa barba o encarava com um brilho estranho nos olhos azuis, por detrás dos óculos em formato de meia lua.
- Nem acredito que estamos na mesma casa – Pansy agarrou seu braço, animada.
- Eu também não. Isso é ótimo, Pam – sorriu com carinho para a amiga. Então, como ele havia sido o último estudante a ser selecionado, o senhor que o encarava há instantes se levantou e abriu os braços num gesto caloroso, como se nada no mundo pudesse ter-lhe agradado mais do que vê-los todos reunidos ali. Lembrou-se das palavras de Hagrid: Alvo Dumbledore, o único alfa em quem ele poderia confiar.
- Sejam bem-vindos!
O velho alfa cheirava a alcaçuz, mas sua aura poderosa logo fez todo o salão se calar. E após o caloroso discurso de boas-vindas, com um adendo curioso sobre uma morte certa a quem se atrevesse a perambular pelo corredor do terceiro andar, os pratos diante deles se encheram de comida. Harry nunca havia visto tantas coisas gostosas em uma mesa só: rosbife, carne assada, costeletas de porco e de carneiro, purê de babata, ervilhas, cenouras, molho e, por alguma estranha razão, docinhos de leite. E mesmo que os Dursley não o deixasse realmente passar fome, nunca lhe permitiram comer o que quisesse e o quanto quisesse. Então, com certo receio, ele olhou para Pansy, perguntando silenciosamente se poderia comer qualquer coisa que estava ali.
Porém, antes que sua amiga pudesse lhe puxar para um abraço emotivo e passar os próximos vinte minutos xingando seus parentes muggles, um prato com um pouco de cada coisa lhe foi entregue pelo alfa sentado à sua frente.
- Você precisa se alimentar direito, está muito magro – disse Draco, sem realmente encará-lo.
- O-Obrigado.
Harry deu um pequeno sorriso e com um ligeiro cutucão conseguiu fazer Pansy se calar antes que ela mandasse o alfa cuidar da própria vida, sentindo-se estranhamente agradecido por aquele gesto. Afinal, desde os quatro anos, quando havia aprendido a segurar uma colher, Harry fazia o próprio prato e comia geralmente sozinho no armário sob as escadas. Mas ele não reclamava, pois era melhor do que ficar ouvindo sua tia dizer sobre as maneiras que um ômega deveria ter à mesa. "Cotovelos junto ao corpo", "boca fechada", "olhar abaixado", "espere todos começarem a comer"... É, sem dúvida, ele preferia o silêncio de seu armário.
Depois que todos se deliciaram com o jantar, surgiram as sobremesas. Taças de sorvetes de todos os sabores que se possa imaginar, tortas de maçã, de limão, de chocolate, tortinhas de caramelo, bombons de chocolate, roscas fritas com geleias, pudim de leite, bolos e frutas. Harry não sabia por onde começar e, mais uma vez, Draco sanou suas dúvidas, sob o olhar exasperado de Pansy.
- Prove estes – disse ele, entregando-lhe um prato com um pedaço de torta de limão e bombons de chocolate. Harry queria sorvete, mas achou melhor não discutir e agradeceu com um sorriso. Estava realmente uma delícia.
- Diga-nos, Potter, é verdade que você vive com parentes muggles?
Harry levantou os olhos para o beta sentado ao lado de Pansy, mas Draco se adiantou:
- Por que não cuida da sua vida, Blaise?
- Eu só perguntei...
- Está tudo bem – o ômega se apressou em apaziguar os ânimos – Sim, eu vivo com meus tios. Para falar a verdade, eu nem sabia do mundo mágico até pouco tempo...
Dessa vez, os olhos acinzentados se arregalaram para ele:
- Por quê?
- Meus tios são pessoas difíceis...
- São uns filhos da...!
- Pansy! – Harry a interrompeu, as bochechas coradas – Eles não se davam bem com meus pais.
- Muggles – disse Draco, com desdém, ganhando um aceno em concordância de Blaise.
- É o que a família Potter ganha por se envolver com muggles e manchar seu nome – disse um garoto alfa de cabelos negros e profundos olhos castanhos.
Harry se encolheu e Draco estreitou os olhos, expandindo seu aroma para rodear o ômega, como se quisesse protegê-lo:
- Ninguém pediu sua opinião, Nott.
- Ora, você vai me dizer que é mentira?
- Ele não tem culpa pelos erros do pai.
- Mas acabou arcando com esses erros.
- Ele está entre magos e bruxas agora e isso é o que importa.
- Ele perdeu onze anos de educação mágica, isso é um ultraje, um mago do calibre dele teria sido acolhido por qualquer família bruxa.
- Concordo, mas agora não há como voltar atrás.
Harry se sentiu incomodado com os alfas discutindo sobre ele como se ele não estivesse ali. Então, tentou dizer que não se importava com o tempo perdido, mas ninguém o ouviu. Exceto Pansy, que revirou os olhos e murmurou "Alfas...", ganhando um sorrisinho cúmplice do amigo. Então, levantando os olhos para a mesa dos professores, Harry sentiu uma pontada aguda e quente em sua cicatriz, o que o fez colocar a mão sobre a testa com uma pequena careta de dor.
- O que foi? – perguntou Draco, finalmente deixando de lado a discussão com Nott.
- N-nada.
A dor se foi com a mesma rapidez com que viera. Mais difícil foi se livrar da sensação que teve sob o olhar do professor de vestes negras e nariz pontiagudo. Uma sensação de que o alfa não gostava nada de Harry.
Harry não disse nada, mas ficou aliviado ao notar que o professor não havia voltado a encará-lo. Então, quando as sobremesas também desapareceram, os alunos novos seguiram seus monitores para os dormitórios. Ao chegarem nas masmorras, Harry esperava um local frio e úmido, mas se deparou com o grande e aconchegante salão comunal escondido sob a tapeçaria de uma serpente. O local estava decorado em tons sóbrios, com poltronas e sofás de couro em frente a uma grande lareira, tapeçarias nas cores verde e prata, estantes forradas de livros e mesas de madeira polida. Num corredor à direita localizava-se o dormitório dos alfas, cujos quartos eram separados conforme os anos. À direita, descendo às escadas, estavam os dormitórios dos ômegas, que se dividiam da mesma forma. As malas já haviam sido trazidas. Então, cansados demais para falar muito, Harry e Pansy apenas trocaram um sorriso, felizes com a perspectiva de compartilharem a habitação pelos próximos anos. Porém, antes que pudesse seguir a amiga para dentro do quarto a fim de desfrutar de uma merecida noite de sono, uma voz agora conhecida o deteve:
- Espere.
- Precisa de algo, Malfoy? – perguntou com um sorriso educado.
- Primeiro, que você me chame de Draco – disse o loiro, sem encará-lo de fato, parecia quase envergonhado – e quero que me espere para tomarmos o café da manhã juntos amanhã.
Harry franziu levemente o cenho. Era assim que se tornava amigo de um alfa? A postura autoritária do loiro o deixava desconfortável, mas ele não estava certo do que deveria fazer em relação a isso. Então, disse o que o alfa esperava ouvir, como sua tia havia ensinado:
- Tudo bem, Draco.
- Ótimo. Agora vá dormir, Harry – ordenou, dizendo seu nome com familiaridade, ainda que Harry não tivesse estendido a ele a cortesia de chamá-lo pelo primeiro nome – Você precisa descansar.
Com um breve aceno, o moreno se despediu e desceu as escadas para o seu dormitório, deixando Malfoy com um sorriso radiante parado no mesmo lugar. Draco, por sua vez, lembrava-se das palavras de seu pai ao completar onze anos naquele verão: "você está com onze anos agora, em breve, deverá desposar um ômega digno de carregar o sobrenome Malfoy".
E se esse ômega fosse o belo menino de olhos esmeraldas e aroma com notas de pêssego e baunilha?
E se esse ômega fosse Harry Potter?
Continua...
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N/A: Olá, meus amores! Como vocês estão? Espero que bem. Nossa, quanto tempo, não é mesmo? Faz quase um ano desde a minha última atualização (o final de Amnésia) e desde então o mundo está um caos, temos pandemia, quarentena, cenário político caótico... Mas, vejam pelo lado bom, eu ressuscitei. Rs... Espero que gostem dessa nova história, a qual foi pensada num universo que estou me interessando bastante dentro do app de fanfic cuja existência eu descobri há alguns meses e que mudou minha vida: Wattpad. Sério, é maravilhoso! Eu repostei algumas histórias minhas lá e também postarei essa em paralelo aqui e lá.
Como vocês puderam notar, essa história abordará a diferença de gênero que vivemos em nossa sociedade sob a perspectiva Alfa x Ômega e espero que possa ser interessante trazer a tona o diálogo e até despertar o senso crítico para a situação das mulheres (no caso da história, ômegas) dentro do nosso cenário atual. Bora militar fanficando! Rs... Um livro muito interessante que utilizei para fazer essa história foi "Este livro é coisa de mulher" da youtuber maravilhosa Maíra Medeiros, cujo canal chama "Nunca te Pedi Nada" e vale muito a pena conferir!
Por favor, deixem suas reviews me dizendo o que acharam e o que esperam para os próximos capítulos!
Já adianto que teremos o nosso amado Tom em breve. Ele será um alfa escroto? O que vocês acham? Rs... Deixem nos comentários!
Um grande beijo e até o próximo capítulo!
