n.a.: twilight não me pertence, mas o desejo insubstituível pela tartelete de curd de limão com chantili, sim.
Taty obrigada demais por uma betagem que vai muito além do que se espera de uma beta. Obrigada por me entender, e entendê-los melhor do que eu mesma! Te amo, amiga!
.: por todos os dias de nossas vidas :.
Olhei para o celular quando ele voltou a vibrar. Vi aparecer o mesmo nome piscando na tela, o mesmo rosto pintado de laranja e azul com a expressão irritada que sempre me fazia sorrir. Respirei fundo, me acomodei no vaso sanitário e fechei os olhos ao levar o aparelho ao ouvido.
— Oi.
— Você tá legal? — suspirou na linha e pressionei os lábios para não sorrir. Mesmo sozinha no banheiro do Terrace on the Park, era como se eu não quisesse admitir que ele me fazia feliz com apenas um cumprimento.
— Aham.
— Onde você tá?
— No banheiro.
— Do Terrace?
— Ahan.
— Tá tudo bem mesmo?
— Tá, Edward. Só com dificuldade de fechar o zíper do vestido.
— Tá sozinha?
— Ahan.
— Tô indo aí — respondi o "não precisa" para o nada, porque ele já tinha desconectado a chamada.
Não esperei muito. Só deu tempo de descer um pouco o zíper — que eu usava apenas como desculpas para justificar a demora em sair do banheiro —, e logo o ouvi me chamar. Quando balbuciei qualquer coisa, entrou. Destranquei a cabine que me escondia e saí. Segurava meu vestido verde na altura do seio, porque agora com o zíper baixado, ele ficava solto demais no meu corpo.
Não o olhei diretamente, mas seu reflexo no espelho sorria na minha direção, até que a expressão deu lugar a uma de preocupação.
— Tá tudo bem mesmo? — perguntou e eu balancei a cabeça em concordância enquanto virava minhas costas na sua direção.
Ele fechou o zíper sem tocar na minha pele. Foi esquisito. Confesso, que a ausência de toque gerou um estranhamento, mas, simultaneamente, uma sensação de controle.
Quando mandei o vídeo no dia da prova da roupa com Alice, e recebi aquele "tomara" em resposta, consegui curtir a parte boa da ansiedade por uns dois minutos. Logo, já estava consumida por um nervosismo ridículo que parecia me dominar.
Ao finalmente escolhermos o vestido verde musgo com estampa floral em cores outonais, que acentuava meus seios por ser justinho apenas ali, pedi que ela falasse com seu primo para buscá-lo no ateliê e deixar no local do casamento. A ideia de encontrá-lo congelava as minhas entranhas.
Como o Terrace on the Park é uma casa mais tradicional, e entrar de penetra seria complexo, tivemos que articular muito bem como entrar neste casamento. Certamente foi o que deu mais trabalho de planejamento, não à toa, trabalhávamos nisso há três meses. Consegui os contatos certos para isso há pouco mais de três meses, e quando apresentei a proposta de uma segunda temporada de casamento no mesmo ano para Edward, foi justamente o Terrace que o convenceu. Sendo um romântico incurável como eu sabia que ele era, sempre quis visitar o espaço. Pareceu oportuno agarrar a oportunidade de entrar de penetra em um casamento lá.
A sobrinha de uma das enfermeiras da Cora conhecia uma garçonete que trabalharia no casamento, e como Dona Coralina é uma idosa ardilosa, conseguiu informações vitais para que Edward entrasse no espaço com o fornecedor de bebidas. Na missão, ele escondeu nossas roupas no banheiro de funcionários, para quando entrássemos fingindo ser parte da equipe do buffett, fôssemos para o banheiro, trocássemos de roupa e entrássemos no casamento.
Segundo Cora, ricos jamais se desgastariam para expulsar duas pessoas bem-vestidas de uma cerimônia, e caso houvesse qualquer inconveniente, ela fez questão de envolver o filho mais velho de Jenks em uma busca por informações sobre o casal na internet. Assim, caso surgisse qualquer outro problema, nosso "plano b" seria uma mentira elaborada à dez mãos que comprovaria que conhecíamos a mãe da noiva. Até uma montagem muito bem-feita da minha mãe com Rosilyn, a mãe em questão, eu tinha no meu celular.
— Tenho uma proposta para te fazer. — Edward murmurou, ainda atrás de mim, me tirando das minhas memórias.
Olhei para seu reflexo no espelho, que me encarou de volta. Controlei meu olhar para não passear demais pelo homem por trás de mim, mas o smoking preto com as lapelas em um tecido brilhante, e uma gravata borboleta, faziam da tarefa algo quase impossível. O caimento era perfeito no seu corpo, e certamente tinha dedo da Alice, porque o lenço no bolso do paletó era da mesma cor do meu vestido.
— Você está linda — suspirou atrás de mim e eu senti a pontinha do seu dedo passear pelas minhas costas, que estavam um pouco expostas pelo decote tomara que caia e mangas bufantes. Finalmente.
— Qual proposta? — pigarreei e dei um passo para frente para tentar colocar a cabeça no lugar.
Olhei rapidinho o reflexo e vi seu sorriso sumir. Apressei para me virar e apertei a mão que caiu ao lado de seu corpo, quando então me lançou um sorriso tentativo, tímido, e apertou minha mão de volta.
— Sei que tem um elefante branco enorme aqui entre a gente, mas esse é o último casamento da temporada…
— E o que a gente quer ir desde que começamos com essa maluquice de Temporadas de Casamento — complemento e seu sorriso aumenta.
— Eu ainda me impressiono toda vez com o fato que você conseguiu isso.
— Eu sabia que trabalhar de voluntária em um asilo e ser diariamente torturada por uma velha de quase 80 anos teria seus benefícios.
— Que horror! — exclamou, rindo. — Mas foi isso e a carta de recomendação, né?
— Uhum — sorri.
— Já mandou?
— Não — disse e o olhei por baixo dos cílios. Ele juntou as sobrancelhas em uma expressão questionadora e dei de ombros. — Ainda tenho uns dias. Queria fazer contigo — respondi cheia de timidez, ridiculamente insegura por admitir. Edward levantou minha mão e depositou um beijo no dorso sem desgrudar os olhos dos meus.
— A gente faz hoje então. Combinado? — sugeriu e respondi com um sorriso, espelhado por ele.
— Qual a sua proposta?
— Ah, não sei. A gente pode comprar uma pizza no caminho e fazer lá na sua casa mesmo, acho que suas coisas estão lá né? A documentação… É mais fácil.
— Quê?
— A inscrição na faculdade.
— Não, Edward, a proposta que você queria fazer…
— Como assim?
— Meu deus — ri e meneei a cabeça. — Você entrou no banheiro dizendo ter uma proposta porque a gente sempre quis vir num casamento aqui. O tal do elefante branco…
— Ah — murmurou e coçou a nuca. Seu rosto foi imediatamente tomado por um rubor. — Queria propor que a gente fingisse que está tudo bem e que não precisamos ter uma DR gigantesca. Que pelas próximas horas você só se lembre que é a pessoa mais importante da minha vida e eu te juro que deixo você me esculhambar pelas coisas que te falei lá em casa. Até porque vai ser merecido.
— Não vai…
— Será um pouco, sim, Bella. Falei um monte de merda que não devia ter falado.
— Você falou o que estava sentindo naquele momento.
— Sim. Como eu disse: um monte de merda. Eu estava puto porque você tinha me rejeitado de novo, e quis te pagar na mesma moeda.
— Eu sei.
— Mas eu não te rejeitei. Não de verdade — disse com a voz suave e acariciou o meu pulso com o dedão.
— E sobre a sua proposta de conversarmos depois? Eu não sei se tô no clima agora, e falar sobre isso num banheiro parece absurdo.
— Mas é um banheiro do Terrace on the Park, Bella. — Gesticulou ao redor e eu ri. Porque, de fato, era potencialmente o banheiro mais pomposo que já tinha visto em toda a minha vida.
— As pessoas ainda cagam aqui, Edward.
— Então parece propício que a gente tire esse monte de merda de dentro de nós também — disse, mas o sorrisão não deixava dúvidas de que ele concordava comigo.
— Vem, seu bocó, vamos achar a minha tartelete. — O puxei pela mão na direção da saída do banheiro. Ele entrelaçou nossos dedos e, dessa vez, quando o meu sorriso fez menção de aparecer, não impedi.
A gente não procurou o doce. Assim que saímos do banheiro, percebemos que estava tocando uma de nossas músicas favoritas e fomos imediatamente para a pista de dança.
Ao longo da hora seguinte dividimos o espaço com os noivos e seus convidados. Dançamos juntos, e com outras pessoas também. Como a Cora sugeriu, não fomos impedidos de aproveitar o casamento. A festa estava tão cheia que mais dois entre os 300 convidados, ou algo próximo disso, não faria nenhuma diferença.
A despeito de querer muito me manter sóbria durante essa noite, admito que bebi, mas quando Edward me ofereceu tequila, declinei. Não expliquei, ainda que ele tivesse questionado, mas a verdade é que eu queria estar consciente para a conversa difícil que certamente teríamos.
No começo da noite fiquei ansiosa, angustiada. Supervalorizei cada olhar e cada toque, mas ao longo das horas fui ficando mais confortável com a familiaridade dele. Os sorrisos cada vez mais fáceis, as conversas fluidas. Curiosamente só o vi sair para fumar uma vez, e ainda assim só o fez quando me escusei para ir ao banheiro. Como se ele quisesse aproveitar todos os momentos comigo, em um eco do que eu sentia.
Arrisco a dizer que foi a noite mais agradável que tivemos nesses três meses desde que retornou do cruzeiro. Ainda assim, parecia que caminhávamos com cautela ao redor do outro. Toques existiam, mas não se prolongavam, conversamos, mas não aprofundamos em assuntos delicados. Estávamos juntos e nos divertindo, mas era como se faltasse um pouco de nós ali.
Não sei dizer quando tudo mudou, mas no final da festa já havia uma aura diferente entre mim e Edward. Um campo gravitacional impedindo que a gente se afastasse por muito tempo. Um olhar cheio de significado, um sorriso com mensagens criptografadas que só eu conseguia interpretar… Era carregado. Energético.
Eu estava exausta de tanto dançar, descansando meus pés maltratados pelo salto quando o vi na mesa de doces, provavelmente tentando ficar sóbrio.
Notei se virar e buscar meu rosto em meio aos que permaneciam na festa, e quando me viu, seu olho já estava fechadinho, comprimido por um sorriso enorme. Acenou desesperado para que eu fosse até a sua direção, mas, ao mesmo tempo, caminhava na minha.
Sua roupa já estava desmontada, o smoking e a gravata borboleta abertos, os cabelos desgrenhados, e tinha nas mãos um guardanapo com o que eu imaginava ser um doce. Ele segurava aquilo como se fosse um recém-nascido, cheio de cautela e devoção. Gargalhei quando estava próxima demais para me ouvir. Edward bêbado era sempre um acontecimento.
— O que é iss— perguntei, mas arfei quando notei o que ele segurava. O olhei e a expressão animada com que me encarou de volta era contagiante. — Edward não pode ser — murmurei e quando aproximou as mãos do meu rosto, dei um passo para trás.
— Eu não comi. Era o último na mesa, então não sei. Mas parece com a sua tartelete, não parece? — perguntou com a voz arrastada. Acenei a cabeça, concordando e peguei a tortinha.
Levei ao nariz e o cheiro cítrico me invadiu em cheio. A massa parecia ser folhada, e o chantili impedia que eu visse o recheio, mas o cheiro nada deixava à imaginação. Era a minha tartelete de mil-folhas com curd de limão-siciliano e chantili!
— Não vai comer? Que cara é essa, Bella? — perguntou apoiando sua mão abaixo da minha, se precavendo para que eu não deixasse o doce cair.
Eu não sabia o motivo, mas subitamente ver a tartelete me incomodou.
Estávamos há anos entrando de penetra em casamentos aleatórios, justamente com a missão de encontrar este doce, o qual consumi pela primeira vez no de Angela. Há anos criamos um ritual de ficarmos noivos por três meses, com um pedido de noivado ridículo no início de cada nova estação. Há anos nos divertimos em meio a uma porção de gente que não conhecíamos, podendo ser sempre quem gostaríamos de ser. Tudo em prol de conseguirmos reencontrar a porra desse doce que eu tinha em mãos sob a justificativa que há anos usamos para continuarmos nossas Temporadas de Casamento.
Subitamente, segurá-lo me gerava uma sensação esquisita. Como se, agora que eu pudesse comê-lo novamente, nada do que planejamos viver nos últimos casamentos precisava ser experienciado mais uma vez.
— O pior você não sabe. — Edward disse, tirando meu foco do doce e levando para si.
— O quê?
— Jurei que aqui nesse casamento chique teria aquele copinho de chocolate belga com cristais de laranja para eu beber com Cointreau. — O sorriso que ele tinha no rosto era muito mais do que um arquear de lábios, e fez meu coração inteiro contrair. Ele me entendia.
— E não tinha?
— Não tinha. Dá pra acreditar? Horrível, né? — O ultraje que tinha na voz era tão forçado que gargalhei.
— Não dá para acreditar. E agora, Edward?
— E agora que precisamos dar um jeito de caçar ele no ano que vem num casamento de primavera.
— Primavera?
— É.
— Não deveria ser de inverno? A gente tá no outono, e sempre seguimos na ordem.
— E você acha que consigo esperar mais de um ano para comer meu doce? Tenha piedade de mim, Bella.
— Mas por que primavera?
— É a primeira estação do ano. — Deu de ombros, roubou o doce da minha mão e enfiou inteiro na boca.
— Edward! — exclamei, horrorizada.
— O quê? Você ia comer? — perguntou com a boca cheia. Balancei a cabeça em descrença do que via. — Imaginei que não. Se te serve de consolo, não tá tão gostoso assim. — Passou o braço por cima dos meus ombros e nos guiou para a saída.
Encostei a cabeça nele e sorri. Eu provavelmente não comeria mesmo. O medo de me decepcionar e acabar marcando as memórias do que vivemos pelo doce me manteria paralisada. Ele sabia disso, e para me poupar de ter que tomar uma atitude, o comeu por mim.
— Copinho de chocolate com Cointreau então, não é?
— De chocolate belga e cristais de laranja. Não pode esquecer os cristais de laranja.
— Esse não foi o casamento daquela noiva brasileira que era irmã de uma confeiteira que mora na França? Foi ela quem fez todos os doces da festa, não foi?
— Não sei. Foi? — perguntou, mas o sorriso no seu rosto acusou.
— Ahan, Edward. Alguma coisa Perry. Tatiene?
— Não sei porque sua memória ainda me surpreende — disse e rolei os olhos.
— Sabe quais as chances de conseguirmos comer esse doce novamente nos Estados Unidos?
— Quais as chances, Bella? — Riu quando levantei as sobrancelhas. — É. Não tem jeito, então. Em quanto tempo você acha que conseguimos aprender francês?
— Que?
— É, ué. Ou você acha que consegue entrar de penetra em um casamento na França sem falar o idioma deles?
Quando gargalhei, me puxou mais para perto de si e beijou o topo da minha cabeça.
— Vamos lá pra casa? — perguntei quando chegamos na rua e ele puxou seu cigarro.
— Estava pensando em dar uma caminhada em alguma praia, aproveitar que o dia hoje está agradável.
— Mas não tem praia lá perto de casa.
— A gente vai na Coney Island e depois dorme lá na minha.
— Mas e a inscrição na faculdade?
— Ah é. Putz.
— Se bem que tenho tudo na nuvem, dá pra fazer da sua. Vai, me dá a sua chave.
— Oi?
— Me dá a chave de casa — pedi e ele me encarou sem entender. — A qualquer momento você pode morrer e eu não posso perder a inscrição.
— Do que você tá falando, Bella?
— Você é fumante, Edward. A qualquer momento você pode bater as botas. — Ele rolou os olhos, divertindo-se, e me puxou para os seus braços.
— Para a sua informação, eu tô parando. Esse é o segundo do dia. E só tô fumando este porque tô bêbado, e beber me dá vontade.
— Mhm... E o primeiro? Qual foi a razão?
— Ah… aquele foi para me afastar, dar uma respirada.
— Afastar do quê?
— Eu tava cheio de vontade de você. Fumar poderia me dar uma sobrevida maior do que tentar algo contigo.
Ele tinha um sorriso debochado, e falou com tanta naturalidade que demorei alguns instantes para entender o que quis dizer. Quando o fiz, meu corpo inteiro retesou. Ainda em seus braços, senti quando me apertou para si em meio às risadas.
— Respira — murmurou contra meu cabelo e acariciou minhas costas. Quando me senti relaxada, o olhei. Ele tinha uma expressão sem remorso e um sorriso ridículo.
— Ainda não acabou com essa porcaria aí? — perguntei apontando para o cigarro com o queixo. Ele deu mais um trago e apagou na parede. Se afastou para jogar fora, e quando parou à minha frente ofereceu a mão.
— Coney Island?
— Coney Island — concedi. — Mas se eu passar frio, faço uma fogueira de você para me aquecer.
Ele gargalhou tão alto que acordou até o taxista que estava a alguns metros de distância, o que foi propício porque foi justamente quem nos levou à praia, com uma parada no supermercado 24h para Edward comprar suprimentos e um cobertor.
Nem sei de verdade quanto tempo caminhamos pela areia da praia até acharmos um lugar confortável para nos sentar. De fato, estava uma noite agradável, mesmo para os padrões de início de novembro. A praia trazia uma brisa gelada, mas o paletó do Edward que eu estava usando era suficiente para me deixar confortável.
Eu estava segurando a barra do meu vestido, evitando que arrastasse na areia, enquanto ele carregava nossos sapatos, minha bolsa, o cobertor e a garrafa de espumante que comprou no mercado.
Eventualmente apontou com o queixo para um ponto na praia. Era suficientemente iluminado e havia umas pessoas fazendo uma fogueira há alguns metros. Parecia seguro por ter movimento, mesmo que a alguns metros de distância, e isolado o suficiente para conversarmos sem interrupções. Quando concordei, ele estendeu uma manta e posicionou o cobertor no cantinho. Limpou o pé, parando no meio do tecido, e estendeu a mão para me apoiar enquanto eu fazia o mesmo.
— Como você quer fazer isso? — Parei à sua frente e ele riu nervoso.
— Direto assim, é? — pigarreei tentando ganhar tempo para arrumar qualquer assunto pra desviar o foco.
— Acho que a gente tá enrolando há tempo suficiente, não acha? — perguntou e entrelaçou nossos dedos quando acenei a cabeça. Ele se sentou na manta, e com as pernas abertas bateu no espacinho entre elas. — Por que você não se senta aqui? A gente pode ficar encarando o mar por tempo suficiente até você dar uma surtada com a certeza de que algum monstro abissal vai subir na praia e te pegar… ou só olhar o mar enquanto conversamos sobre aquela briga que a gente teve antes de eu ir para Forks.
Soltei uma risada genuína, porque ele me conhecia bem demais. Sabia que seria mais fácil para mim não olhar para ele diretamente, já que eu teria que me desarmar e mostrar vulnerabilidade.
— Ainda me impressiona o tanto que você me conhece — confessei, enquanto me posicionei à sua frente e me acomodei contra seu peito.
— Só pela nossa vida inteira — disse com suavidade enquanto me abraçava por trás. — Tudo bem se eu fizer isso? — perguntou quando encostou o queixo no meu ombro. Concordei e exalei profundo quando me beijou o ombro.
Ficamos em silêncio, só nos acostumando com a sensação do abraço, e olhando para o mar à nossa frente. As ondas batendo e a bagunça que um grupo de amigos festejando há alguns metros de distância fazia, sendo a trilha sonora da nossa noite.
— Acho que eu te devo um pedido de desculpas, Bella — murmurou e eu bufei. — Não. Sério. Não balança a cabeça, porque eu realmente te devo um. Falei coisas horrorosas naquele dia, e preciso que você saiba que me arrependi no segundo em que pisei fora da cozinha. Eu não sei o que passou pela minha cabeça, mas eu estava tão machucado. Sei lá, acho que fui imaturo em querer sair por cima. Queria fazer você sentir alguma coisa por mim, nem que fosse medo de me perder. — Ele tinha a voz tremida, insegura. Acariciei o braço que ainda mantinha o aperto em volta de mim, e ele relaxou. — Me desculpa por te fazer achar que eu me arrependi de você. Isso nunca aconteceu, Bella. Tô disposto a fazer qualquer coisa pra reconstruir a gente.
— Eu também. — Ele acenou a cabeça ao meu lado, provavelmente compreendendo o que eu sentia porque Edward sempre soube que eu tinha dificuldades de me expressar. Apertou os braços em volta de mim, e eu entendi ser a sua forma de me conceder o seu perdão. Ainda assim, não pareceu suficiente. — Me desculpa por ter te acusado de se aproveitar de mim. Imagino que deva ser enlouquecedor conviver nesse chove-não-molha comigo. — Ele riu e escondeu o rosto no meu pescoço. — Não é proposital, espero que você saiba. Eu só fui realmente surpreendida porque a possibilidade de viver um relacionamento contigo nunca passou pela minha cabeça. E na sua… Na sua já estava rondando há um tempo, não é?
— Uhum — murmurou e quando não fiz menção de falar, virou o rosto na minha direção. Pela minha visão periférica eu conseguia vê-lo ali, mas meu corpo ainda estava travado, me fazendo olhar só para o mar. — Quer falar sobre isso? — Levantei os ombros, subitamente tímida.
— Se você quiser.
— Estou querendo há um tempão, mas pode ser demais e não quero que você se feche de novo.
— Eu já tô me preparando para essa conversa há uns dias. Acho que posso suportar — ri. — Não é como se eu fosse conseguir fugir com você me abraçando desse jeito também — impliquei, e quando ele fez menção de me soltar de seu abraço, prendi seus braços com minhas próprias mãos. — Tô brincando, fica aqui — murmurei e toquei a lateral de nossas cabeças. Ele soltou o ar e percebi que seu corpo amoleceu.
— Foi meio que recente. Eu não sei você, mas pela minha vida toda, ouvi piada sobre como a gente parecia ser um casal. Só que nunca foi assim para mim — confidenciou e apertei seus braços, encorajando. Entendendo. — Eu estava fazendo aniversário de um ano com a Tanya, e as coisas estavam ficando sérias entre a gente. Como ela passava muito tempo viajando, quando voltava para cá eu sempre ia para casa dela, e aí quando percebi, tinha mais coisa minha lá do que na minha casa. Um dia ela puxou um assunto de casamento, e, sei lá, fez sentido.
— Ai, Edward, isso acabou comigo. Saber que eu possa ter arruinad—
— Nem termina esse raciocínio porque não é por aí… Não tinha nada para ser arruinado. O meu ponto é que pensar em casamento virou uma preocupação constante.
— Por que você nunca me falou sobre isso?
— Aí é que tá… Eu não queria falar sobre isso contigo. Parecia errado. E então quando comecei a me perguntar o motivo disso, percebi que a gente nunca conversou sobre relacionamentos. Já percebeu isso?
— Não, mas não é como se eu tivesse tido muitos para poder falar, né? — ri, porque, de fato, nunca tive um relacionamento sério, enquanto Edward sempre foi namoradeiro.
— Você nunca namorou, mas não é como se não pegasse ninguém. A quantidade de homem de coração partido fazendo fila para pedir para eu te convencer a voltar com eles — implicou.
— Sério? — ri, e o olhei.
— Sim.
— Me pergunto o porquê do meu melhor amigo nunca ter tentado me convencer a voltar com um contatinho — provoquei e ele riu atrás de mim.
— Acho que agora dá para entender né?
— Acho que sim — suspirei. — Mas meu caso é diferente. Eu nunca me deixei envolver com ninguém.
— Hum… Foi proposital?
— O quê?
— Você não se envolver — perguntou com a voz baixinha. Senti seu dedo acariciar do meu cotovelo à minha mão.
— Eu não sei dizer… Tem um negócio dentro de mim que me faz subir todas as defesas depois do 3º, 4º encontro. Meio que não me sinto à vontade para me entregar emocionalmente… Sei lá, faz sentido na minha cabeça. O quê? — perguntei quando o senti sorrindo contra a pele do meu ombro.
— Você é demissexual?
— Sabe que não sei? Nunca pensei nisso. Mas talvez. Ou talvez eu só seja muito fudida para deixar evoluir o suficiente para sair do casual. O quê? Por que tá rindo?
— Só pensando aqui como fazer para te levar em cinco encontros sem que você perceba o que tá acontecendo.
— Você é ridículo — ri, mas apertei a sua mão que ainda me acariciava. — Mas vai, continua.
— Foi mais ou menos isso aí… Eu estava considerando a possibilidade de casar, e não conseguia me sentir confortável de falar sobre isso para minha a melhor amiga. E porra, a gente fala de tudo, Bella. Quer dizer, de tudo menos isso. Aí fiquei tentando entender o que estava acontecendo comigo, e com a gente. Peguei o anel da minha mãe no cofre pra dar para a Tanya e acabar logo com essa angústia. Eu estava frustrado, confuso e realmente achei que ela seria a resposta, mas não consegui. Toda vez que imaginava Tanya usando aquele anel, ficava inquieto, ansioso. Parecia errado. Era tão fácil te pedir em casamento, mas quando eu pensava em fazer com ela… Sei lá.
— Os meus eram de mentira, Edward. Não se cobra tanto assim…
— Será que eram mesmo Bella? Eu me pergunto isso o tempo todo. Eles eram falsos, mas de mentira? Hoje em dia acho que sempre fui… sempre tive algo diferente por você e só não deixei crescer por razões óbvias, né?
— Então por que você não terminou com a Tanya?
— Porque se eu terminasse com ela, ia precisar entender o porquê de estar fazendo isso. E, no fundo, no fundo, sabia o porquê de não conseguir imaginar um futuro com ela, só estava com um medo do caralho de admitir.
Respirei, absorvendo tudo aquilo. As ondas batendo quase na cadência da minha respiração. Arrepiei quando notei que virou o rosto, escondendo o nariz no meu pescoço. — Admite pra mim? — sussurrei torcendo para o vento levar minhas palavras ao lugar certo.
— Admito. — Senti sua respiração quente no meu rosto e sabia que agora estava me olhando. — Porque o meu futuro só fazia sentido contigo. Era no seu dedo que eu imaginava aquele anel. Era o seu sorriso que eu queria ver todo dia quando acordasse. Porra Bella, era a sua boca que eu queria beijar depois de ouvir um "sim".
Ele me puxou mais para si, e tornou a esconder o rosto no meu pescoço, inspirando ali por algum tempo, até que novamente levantou a cabeça, apoiando-a de volta no meu ombro.
— Não surta, por favor.
— Não tô surtando.
— Ahan — bufou uma risada.
— Juro — ri. — Acho que tá sendo bom entender o seu processo.
— Certo, então deixa eu aproveitar a sua boa vontade e continuar. — Empurrei seu ombro. — Depois da epifania, percebi que te queria de uma maneira que nunca imaginei. Só que você havia acabado de terminar com aquele bartender lá, e estava há dias falando sobre estar exausta de homem, e que queria um tempo para você — riu e esticou a coluna, acomodando minha cabeça agora abaixo do seu queixo. — Encarei como um sinal de que era para gente não ficar juntos e tentei melhorar minha relação com a Tanya. Naquele momento eu estava surtado e me apegando a qualquer coisa que me fizesse esquecer a ideia absurda de me apaixonar pela minha melhor amiga. Aí achei que focar num relacionamento de verdade ia tirar minha cabeça dessa maluquice.
— Sinto muito… — murmurei.
— Não é culpa sua. Tô te contando como foi perceber querer algo a mais contigo. E como fui um covarde para lidar com isso. Porra… vacilei comigo, contigo, e com a Tanya. Ela não tinha culpa na história, e mesmo assim respingou nela.
— Comigo? — O arrependimento de ter ignorado o comentário sobre Tanya durou pouco.
— Claro, eu lidei com isso tudo mal à beça. Por que você acha que arrumei o trabalho no navio? — Virei o rosto para encará-lo. Meus olhos estavam arregalados enquanto ele tinha uma expressão complacente. — Achei que me afastar por 100 dias ia ser suficiente para esquecer essa paixão pela minha melhor amiga. E aí faço o quê? — perguntou, e eu o encorajei a continuar mesmo sentindo o meu corpo inteiro formigar depois do comentário sobre estar apaixonado. — Eu não termino com a minha namorada, seduzo o amor de minha vida, que, se você ainda não entendeu, não era a Tanya, te levo pra cama, onde a gente faz um sexo gostoso para caralho. — A voz era leve e divertida quando murmurou a última parte no meu ouvido. Me apertou contra si e eu soltei uma gargalhada, lembrando que ele se referia àquela noite assim quando voltou de viagem. — E aí, como se não bastasse, vou embora antes de você acordar porque tinha certeza de que você surtaria, a gente ia brigar e eu passaria 100 dias longe e desesperado tentando consertar as coisas à distância. Ia ser um desastre. Profissionalmente e entre nós dois.
— Você tentou me acordar. Não se culpa tanto assim.
— Mhm... — murmurou e logo pigarreou. Quando o olhei, desviou o rosto.
—Você disse que tentou me acordar! Edward tem algo que você queira dizer? — bufei e ele jogou a cabeça no meu ombro derrotado.
— Falei que tentei, mas, na verdade, não tive coragem. Eu sabia que você ia surtar. E eu tinha um plano! Ia pro cruzeiro lavar você da minha cabeça em alto-mar e voltar pra NY como se nada tivesse acontecido.
— Eu não ia surtar — disse, petulante.
— Bella… — Ele provocou por entre dentes, e rimos juntos. Eu definitivamente surtaria. — Aí termino com a minha namorada pelo telefone, enquanto ainda tô com seu cheiro, tento entrar em contato contigo só umas 2 ou 3 vezes durante toda a viagem, sendo obviamente ignorado porque eu sabia que você estava surtando e faço o quê? Isso mesmo: nada. Finjo que estou sendo maduro e dando seu tempo, sendo que tô sendo um covarde filho da puta. Por isso, também, me desculpe — murmurou com tanta emoção no topo da minha cabeça que me pegou até desprevenida.
— Já passou. Esquece isso — reforço e o abraço mais forte.
— A minha mãe me ajudou a entender o que estava rolando, sabia?
— É?
— Liguei pra ela na primeira noite no navio e contei tudo. Quase tudo. Falei sobre estar inseguro sobre um futuro com a Tanya porque eu não conseguia te contar estar pensando em casamento com ela. Sobre como parecia errado falar para você que me casaria com outra mulher. Questionei se isso significava que eu estava apaixonado por você. Eu estava confuso pra caramba, nada fazia muito sentido na minha cabeça, sabe? — acenei a cabeça, mas não respondi sua pergunta retórica. — E aí ela me perguntou um negócio que me deixou bastante reflexivo.
— O quê?
— Perguntou se alguma vez consegui imaginar um futuro sem você. Quando neguei, ela complementou, questionando se eu conseguia me imaginar romanticamente contigo. Eu não respondi, óbvio. Eu não contei da nossa transa.
— E como isso terminou?
— Eu não respondi. Dei uma desculpa qualquer e desliguei, mas Bella… Eu nunca mais consegui imaginar um futuro sem que a gente fosse um casal. Os 100 dias do navio foram uma tortura… Tudo era você. Sabia que a tripulação achou que a gente estava junto? E eu nunca neguei. Eu não quis negar. Foi bom fingir, mesmo que só naquele navio, que a gente era de verdade. Eu estava muito fodido da cabeça — riu e beijou a minha. — E quando voltei e te vi no bistrô… Puta que pariu… Sabia que não ia ter volta.
Senti as palavras me invadirem em cheio. Eu não sabia de praticamente nada do que ele estava me contando, mas tudo fazia sentido. Fiquei em silêncio, absorvendo o que disse até que comecei a me desvencilhar dele.
— Isso não quer dizer que eu não vou respeitar o seu desejo — correu para explicar, talvez com medo de que eu fosse embora. Me virei na sua direção e sorri.
— Eu sei.
— Tô te contando como é para mim, ok? Tô sendo honesto com tudo o que estou sentindo, mas se você não quiser, nem se sentir como me sinto, eu tô disposto a trabalhar isso nem que seja em terapia. Só não quero perder você.
— Eu sei — repeti e acariciei seu rosto. — Vamos beber? — Me encarou alarmado por um instante.
Logo a expressão desmontou e ele se apressou para abrir a garrafa. Sem copos, dividimos alguns goles no gargalo mesmo.
— Eu não odeio a ideia de nos imaginar romanticamente.
— Acho que isso foi uma das coisas mais românticas que você já me disse, Bella… — O encarei e me desfiz em gargalhadas. O efeito do champanhe deixando meu corpo mais leve.
— Não foi isso que eu quis dizer e você sabe — disse, e bati meu pé com o dele. Estávamos agora sentados de frente. Ele com as pernas cruzadas, e eu com as minhas esticadas e apoiadas nas dele. Debaixo do cobertor, Edward fazia carinho nos meus pés, ainda massacrados pelo salto bonito demais, mas desconfortáveis para um diabo.
— Não, é? — O sorriso era curto em uma expressão tranquila. Ele sabia, mas acho que merecia ouvir de mim.
— Tô dizendo que tem ficado cada vez mais fácil me acostumar com a ideia. Acho que você ficar por perto, ajuda, mas ainda assim…
— O quê? — insistiu depois que não completei o raciocínio.
— Não quer dizer que eu não passe mais tempo surtando com a ideia de dar merda, do que sonhando com o que pode dar certo.
— O que você acha que pode dar errado? — Balancei meu pé, pedindo por mais carinho depois que parou. Retomou o gesto, e fitou meus olhos com uma intensidade que me deu vontade de me enrolar e esconder. — Olha para mim — murmurou, puxando meu dedão, ao desviar o olhar, decidindo que seria mais fácil encarar o grupo de jovens a alguns metros de distância. — Bella… — insistiu, e o fiz.
— Eu não sei como falar isso sem parecer que estou fazendo um drama.
— Pode falar comigo o que você quiser. Sou eu.
O olhar, tão carregado de empatia, foi convidativo para me abrir. Ainda assim, a ideia de mostrar tantas vulnerabilidades embargou minha voz.
Pigarreei, respirei fundo algumas vezes, bebi mais champanhe, fiz desenhos na areia, tudo para tentar fazer com que ele mudasse de assunto. Mas Edward tinha uma paciência que colocaria qualquer monge tibetano à prova.
— Eu não… Às vezes acho que… Eu nunca sei se… Merda — bufei e encarei o céu preto. Subitamente senti saudade do teto estrelado de Forks. — Acho que você estava certo naquele dia na cozinha — murmurei.
— Olha para mim — pediu, mais uma vez. Quando o fiz, notei sua expressão confusa. — Do que você está falando?
— Sobre isso de… — gesticulei na minha frente. — Sobre ser mais fácil desistir.
— Desistir?
— Sim, para você se proteger. Sobre você poder voltar no passado e refazer tudo. Fazer diferente…
— Eu não quero voltar no passado, Bella. Se eu tiver que me reajustar porque você decidiu que não quer tentar, eu faço, mas não é porque eu quero. É porque você decidiu assim. Por você serei só seu amigo, mas se depender de mim, não voltamos para essa fase da nossa vida mais não.
— Você disse querer… Disse que se pudesse, voltava.
— Eu disse muita merda naquele dia. E eu acho que já te expliquei o porquê fiz isso. — A voz suave, enquanto massageava meu calcanhar. — Naquele dia eu estava com o ego ferido. Não é você mesma que diz que homem com ego ferido é um pesadelo? — perguntou e eu sorri. — Eu nunca escolheria voltar no passado e esquecer como é a sensação de — pigarreou interrompendo a fala. Sorri do seu rosto corado. — De nós dois.
— Mas… E sobre… — bufei, novamente sem conseguir falar. Ele apertou meu calcanhar, incentivando. Desviei nossos olhares, e não tornei a encará-lo nem quando puxou meus dedos dessa vez. — Você falou uma coisa naquele dia que pode até ter se arrependido, mas não deixa de ser verdade.
— O que é?
— Sobre me amar.
— O que eu disse sobre isso?
— Você disse que me amar machucava demais — soltei a última palavra com a respiração e senti quando sua mão parou. Não consegui encará-lo. Ao invés disso, foquei nas pessoas dançando, enquanto um deles tocava violão.
— Eu não quis dizer isso — falou depois de vários segundos. — Eu estava só querendo tirar alguma reação de você.
— Então me amar não te machuca? — O olhei, porque queria ver na sua expressão o que ele sentia de verdade. Para mim, Edward sempre foi um livro aberto. E ele sabia disso. Sabia tanto que nada falou, mas seu silêncio disse o que eu precisava ouvir.
— Bella…
— Você não vai concluir, não é? — O olhei com um sorriso triste e dei mais um gole no espumante. — Mas está tudo bem, você não disse nada que eu já não soubesse.
— Como assim?
— Edward… — estiquei seu nome, tentando fugir da conversa. Ele me encarou, prendendo-me ali com seu olhar. — Me amar machuca mesmo. Você não foi a primeira pessoa da minha vida que passou por essa descoberta — ri sem qualquer fio de humor e o notei sacudir a cabeça, mas quando fez menção de falar, o interrompi. — Meu pai foi embora, depois minha mãe… — pigarreei porque era esquisito pensar nela assim, nesse contexto. Especialmente depois que a gente voltou a se reaproximar. — Minha mãe decidiu que não queria me amar, não queria sofrer.
— Não foi isso, Bel—
— Edward eu a ouvi falar com a sua mãe sobre como me olhar a machucava. Sobre como eu a fazia lembrar do Charlie.
— Isso é um problema da sua mãe, não seu. Ela devia ter trabalhado isso em terapia.
— Independente disso, me amar, a machucava. E sem contar no seu pai.
— Meu pai?
— Sim, foi no ano que fui morar com vocês que seus pais se separaram. Ele não queria morar em uma casa em que eu morasse.
— Bella não seja absurda, meu pai traiu a minha mãe! Eles não se separaram por você, mas porque ele foi um escroto e teve um caso com a secretária enquanto minha mãe lidava com aquele caos em casa.
Eu não fazia ideia de que Carlisle havia traído a tia Lizzie, mesmo anos convivendo com eles, a razão do divórcio nunca foi dividida comigo. O encarei, tentando absorver o que foi dito, e confesso ter sentido um pouco do peso deixar meu ombro.
— Você nunca me contou.
— Não é como se eu tivesse orgulho disso, né? E nunca foi minha história pra contar…
— Ainda assim…
— Você estava lidando com um abandono parental. Esperava que eu fosse choramingar porque meu pai não consegue manter o pau nas calças, enquanto você lidava com problemas de verdade?
— Sim — disse. — Sou a sua amiga, também. Sabe disso, não sabe? — provoquei, e, em seguida, suspirei. — Talvez tivesse sido mais fácil.
— O quê?
— Tudo — ri e me joguei no cobertor propriamente me deitando na praia. Ele me imitou, vindo se aninhar mais perto. Enquanto eu estava de barriga para cima, ele estava de lado, com a cabeça apoiada no braço e me olhando.
— Vou precisar que você seja mais específica — murmurou e o olhei. Quando o fiz, ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. Sua mão repousou com suavidade no meu pescoço.
— Achava que também tinha sido culpada por ele sair da sua vida.
— Para de ser dramática, Bella — riu e apertou meu nariz. — Ele nem saiu da minha vida. — Rolou os olhos. — Mas como assim: também?
— Ah — pigarreei novamente, e respirei fundo tentando encontrar coragem. Ele não deixava nada passar, e isso fazia muito mais sentido dentro da minha cabeça. — Eu… Quando o Charlie ainda morava conosco, o ouvi falar no telefone uma vez sobre ir embora.
— O quê? — arfou e subiu a mão para o meu maxilar, impedindo que eu virasse o rosto para escapar do seu olhar.
— Eu nem sei direito como foi porque faz muitos anos, mas me lembro de ouvi-lo falar sobre estar cansado da gente. De mim. Lembro nitidamente dele falando de mim, e de como acabei com a vida dele.
— Bella… — murmurou e me puxou para seus braços quando resfoleguei. Me afastei e respirei fundo. Eu não choraria por isso. Eu não voltaria a me afetar por isso. — Você nunca me falou.
— Como eu poderia, Edward? Admitir uma coisa dessas lá atrás acabaria comigo. — Escondi os olhos com meus braços, ao ouvi-lo murmurar que eu era apenas uma criança. Quando consegui efetivamente impedir que o choro descesse, soltei a respiração de uma só vez. — Não é fácil reconhecer que "me amar machuca demais". — Tentei não falar com ressentimento, mas quando ele nada disse, baixei os braços. A expressão magoada que tinha no rosto foi suficiente para mostrar que falhei.
— Seu pai nunca te amou — disse depois de alguns segundos, e aquilo me chicoteou. — Se ele te amasse, teria ficado. Não dá para te amar e não ficar perto de você — murmurou acariciando meu cabelo.
Me aconcheguei nele, escondendo o rosto no seu peito. Não queria que visse a expressão decepcionada que eu tinha no rosto. Afinal de contas, ele também me deixou quando achou que estava apaixonado. Edward foi para o cruzeiro.
— Consigo ouvir as engrenagens daqui — murmurou contra meu cabelo e soltou uma risada. — A gente prometeu que falaria sobre tudo, não prometeu?
— É bobagem, vai passar.
— Adoro bobagens. Me conta — pediu logo após me dar um beijo longo na testa. Levantei meu olhar ao dele e suspirei em um misto de insegurança com conforto.
— Você também foi embora.
— Hum?
— Quando achou que sentia algo a mais por mim. Você também foi embora — murmurei e segurei a mão dele contra meu rosto, porque queria que entendesse que não estava me afastando. — O cruzeiro — expliquei.
— Mas voltei — disse com uma intensidade no olhar que me fez desviar os meus.
— Ainda assim, você foi. Você me fez achar que tinha sido… Sei lá… Alguma coisa. E mesmo assim foi embora. Como Charlie e Renée, que apesar de nunca ter ido embora, nunca esteve realmente ali. Não pra mim, pelo menos.
— Bella você não pode comparar o que aconteceu conosco com eles, e nem se responsabilizar por as pessoas serem fodidas da cabeça. — O olhei e tentei absorver suas palavras. — Não foi culpa sua, poxa, você era uma criança — murmurou contra a minha testa, onde depositou um beijo. Suspirei e me desvencilhei de seus braços, propriamente voltando a deitar de barriga para cima.
— Sabe o porquê de nos conhecermos há 16 anos e eu nunca ter falado essas coisas?
— Por quê?
— Porque tenho uma dificuldade absurda de mostrar vulnerabilidade. Tive que fingir ser uma fortaleza durante toda a minha vida.
— Bella… — suspirou e segurou minha mão por baixo do cobertor. Respirei fundo várias vezes, tentando engolir o choro preso e aceitar um conforto que eu não estava pedindo.
— Meu pai foi embora? De boa, não me importa. Minha mãe praticamente me deu para vizinha porque não conseguia cuidar de mim e nenhum parente me quis? Tranquilo, eu adorava o leite achocolatado da Tia Lizzie… — disse com a voz embargada, falhando em controlar o choro. — A vida toda, achei que se me abrisse as pessoas pegariam as minhas fraquezas para me destruir.
— Eu não vou fazer isso — se apressou para dizer e eu o acariciei no rosto.
— Eu sei que você não faria isso propositalmente, mas o que tô fazendo aqui contigo, é justamente me deixar ser vulnerável. E não tá sendo fácil. E cada vez que você minimiza as minhas angústias, eu tenho mais vontade de voltar a subir as minhas barreiras emocionais para me proteger.
— Até de mim?
— De qualquer pessoa, Edward. É assim que sou… É o meu padrão.
— Desculpa — murmurou após bastante tempo me olhando.
— Essa conversa aqui não é para você resolver meus problemas, nem me dar respostas. Estou me abrindo para você entender por que é tão difícil para eu confiar que podemos dar certo. — Ele fez menção de falar, mas logo se calou. Sorri e acariciei seus lábios. — Pode falar.
— Não — riu, divertido. — Acho que ia minimizar essa sua preocupação. Desculpa, é só natural tentar te convencer que a gente pode ser feliz pra caramba.
— A gente já é, não é?
— É… Acho que sim — disse com tanto carinho no olhar, que senti umas lágrimas escaparem.
Ele não as limpou, apenas acompanhou o caminho que percorreram pelo meu rosto até sumirem no meu cabelo. Reconheci o esforço dele com um sorriso, e o acariciei no rosto até fechar seus olhos em uma expressão tranquila. Tinha um sorriso pequenininho. Deitou-se no meu peito e afundou a mão nos meus cabelos. Senti meu coração bater diferente, como se tivesse triplicado de tamanho pelo tanto de afeto que ele me fazia sentir.
— E eu também acho que a gente tem potencial de ser muito mais feliz do que "pra caramba".
— É? — sussurrou e levantou seu rosto para me encarar.
— Acho que sim. Mas eu ainda tô apavorada com a ideia de dar merda.
— E não te apavora a possibilidade de dar merda na nossa amizade? Olha o potencial destrutivo que a gente tem — riu e franzi a testa. — Aquela briga na cozinha, Bella. Não te apavora que a gente faça merda mesmo sem estarmos juntos? Desculpa, não quis minimizar! — exclamou com os olhos arregalados e eu soltei uma risada.
— Você tem liberdade de falar o que sente, Edward. Fica tranquilo que quando me incomodar, vou dizer. — Ele acenou a cabeça e voltou a deitar no meu peito. Acariciei seus cabelos até que soltou um suspiro longo. — Acho que nunca tinha pensado na possibilidade de não ser sua amiga. A gente já brigou tanto e por tanta bobagem que eu só tinha certeza que a gente ia se resolver… E cá estamos, né?
— Cá estamos. — Me apertou em seus braços e suspirou em cima de mim. — Eu não vou a lugar algum… E você? — perguntou depois que fiquei em silêncio por bastante tempo.
— Eu também não. A não ser que apareça um cruzeiro aí… — impliquei e ele me beliscou na cintura.
— Mas sério agora… — começou, mas silenciou, afundando o rosto no meu pescoço.
— O quê?
— Eu não quero te pressionar.
— Não está. Me diz — pedi, e confesso ter sentido o coração palpitar ansioso, por algo que eu nem sabia o que podia ser. Ele apoiou o corpo com o braço, deixando seu rosto acima do meu. Seus olhos me encararam por tanto tempo, que desconfiei que não fosse mais falar.
— Você se sente atraída por mim? — Rolei os olhos e soltei uma risada. — É sério. Me diz.
— Claro que sim. Você sabe que sim — murmurei, o olhando. Notei quando percebeu o rubor no meu rosto, porque o seu também foi tomado por um.
— E você tá disposta a fazer de tudo pra gente nunca perder o que temos?
— Tô — sussurrei, começando a sentir meu corpo inteiro formigar em antecipação.
— Eu também — disse, como se precisasse afirmar o óbvio. — Eu te juro que tô empenhado a te fazer a pessoa mais feliz do mundo.
— Você já faz.
— Então, uma pessoa mais feliz do que já faço — disse e roçou o rosto na minha mão, que o acariciava. Seu sorriso pequeno ficando cada vez maior no rosto enquanto seus olhos verdes encaravam os meus. — Eu te amo — murmurou, e antes que eu pudesse me manifestar, riu soltando o ar no meu rosto.
— O quê? — perguntei com um sorriso que me tomou o rosto inteiro.
— Eu já te falei isso tantas vezes, não é? É engraçado como agora parece ter um significado completamente diferente.
— Tem, é?
Roçou nossos narizes enquanto murmurava uma concordância. — Você devia experimentar.
— Edward Cullen você está cavando uma declaração de amor? — acusei com um ultraje ridiculamente falso. Ri quando ele gargalhou e soltou metade do corpo acima do meu. Seu rosto escondido no meu pescoço me chacoalhando com suas risadas.
— Bom trabalho em arruinar o clima. Eu estava no auge do meu romantismo aqui, Bella Swan — disse com os lábios ainda no meu pescoço. Arrepiei inteira.
Afastei meu rosto para poder olhá-lo. O sorriso era enorme e me encorajou a imitá-lo.
— Eu não consigo te prometer que não vou surtar, ok? Mas eu te prometo que vou te deixar de sobreaviso se rolar.
— Meu deus — exalou exageradamente. — Não sabia que existiam palavras mais bonitas do que um "eu te amo" até ouvir estas — suspirou com um sorriso descarado.
— Você é ridículo — falei rolando os olhos e o belisquei de volta. Parecia impossível conter o sorriso, então nem tentei.
Edward me encarou por um tempão até que balançou como se tivesse tomado uma decisão. Resoluto.
— Consigo ouvir as suas engrenagens daqui — impliquei, e ele sorriu.
— Te ajuda se formos devagar?
— Acho que sim.
— A gente vai no seu tempo então. Mas você me promete que tenta trabalhar nessas suas questões também?
— Como assim?
— Preciso que você decida viver isso consciente de que eu não sou seu passado.
— Mas você é meu passado — sorri, implicante, mas apertei sua mão em um acordo silencioso.
— Sai pra lá com essa história de passado porque sou o seu futuro, isso sim — disse cheio de presunção e sorri. Independente do que surgir disso aqui, eu sabia que ele estava certo. Edward seria meu futuro.
Passamos o resto da madrugada na praia falando sobre nada em especial. O peso da conversa que tivemos esquecida enquanto me perdia escutando meu melhor amigo contar sobre a possibilidade de conseguir um trabalho em uma escola, como professor de música. Sobre minhas percepções sobre o último livro que li, e como ele discordava da minha análise sobre o arco evolutivo do personagem — mesmo não tendo lido. Falamos sobre seu tempo no navio, que curiosamente foi poucas vezes pauta de nossas conversas, e sobre a visita a Forks.
Quando dei por mim, pouco a pouco a noite deu lugar ao dia. Estávamos deitados de conchinha, com ele me abraçando por trás enquanto víamos o sol despontar por trás do deque que ficava há vários metros de distância.
Cutucou meu pé e logo após um bocejo longo demais, perguntou se eu estava pronta para ir. A pergunta, simples e direta, parecia ter um significado muito maior do que as palavras indicavam.
Eu estava pronta?
Me virei em seus braços e alisei os cabelos acobreados. Nossos olhos e sorrisos se encontraram quando repousei minha mão no seu pescoço. O meu polegar acariciou seu maxilar enquanto aproximei nossos rostos. Notei que a respiração dele acelerou, acompanhando o olhar que pulava dos meus olhos à minha boca.
— Se eu tentar te beijar agora, você vai resistir porque matamos a garrafa de champanhe e eu posso estar meio bêbada? — impliquei em um sussurro.
Ele respondeu me puxando pela nuca e efetivamente colando nossas bocas. A dele, esticada em um sorriso gigantesco, a minha, aberta por uma gargalhada aliviada.
n.a.: falei pra vocês confiarem no processo, não falei?
Me conta o que vocês acharam desse capítulo? Foi um dos que mais me deixou ansiosa pra postar (mais até do que o da fatídica briga na cozinha!)
Me avisem nos comentários se querem a receita da tartelete (nunca fiz, mas na teoria é uma delícia!)
Beijos e até o próximo!
