ESTIO NEGRO

CAP. 02O CASTELO E O SOL

SILÊNCIO

Assim

pouco a pouco

escolhi

O presente silêncio

madredeus

Era dia, e o dia estava claro.

Havia poucas nuvens no céu. A umidade permeava pelo ar.

Logo, o tempo estava quente, a manhã molhada e morna.

O Verão estendia seus raios por toda a extensão da propriedade do velho castelo. O sol vingava suas antigas lamurias sobre seus inocentes e fieis servos, fossem eles coisas mortas ou coisas vivas. O calor tornava o ar irrespirável. As pessoas moviam-se como que entorpecidas por narcisos.

Sob as famintas capas negras os alunos encharcavam. Choravam pelos poros. Suas mãos permaneciam pegajosas o dia todo, seus pés molhavam as meias e escorregavam dentro dos sapatos. Muitos erguiam as saias ao sentar-se, ou abriam os botões das camisas e puxavam as golas. O Verão era todo água.

Especialmente ali, onde aquelas estranhas criaturas encontravam-se em abrupta transformação, numa fase onde as coisas são incertas, os meninos emanavam quilos de hormônios em estado liquido. Seus cabelos grudavam nas nucas e na cabeça, seus pelos nas pernas, barriga, peito, axila e virilha.

Cada recanto com seu cheiro secreto e único.

O castelo também tinha seus recantos. Havia espécies de lugares onde as paredes eram claras e a temperatura, por causa da água que constantemente escorria, mais amena. Um desses lugares era grande e exótico e ao contrário dos outros tinha extravagantes e brincalhonas portas vermelhas. Era o banheiro dos meninos da ala sul, e quase ninguém ia lá, porque era longe, muito longe de todo resto.

Um dos garotos, embora acostumado a arder sob o sol, encontrava-se neste distante banheiro. Vestia apenas a camisa enquanto mantinha o braço esquerdo erguido. A cabeça abaixada. Cheirava a própria axila de pé em frente ao espelho.

"Por que Hermione reclama? Meu sovaco não tem nada de mais."

Nada de mais, nada mesmo. Embora forte não era um cheiro de todo desagradável. Meio doce, talvez ácido. Ou talvez apenas azedamente doce. E fungava, o nariz se movendo como os das lebres.

"Ela sempre ralha com o Roni. Hoje deu para pegar no meu pé."

Talvez Hermione houvesse perdido, entre tantos cheiros pré-fabricados, a essência do cheiro de gente. O garoto apenas pensava nisso em sua ingênua adolescência. E voltava a fungar-se. Sugando seus próprios vapores. Um pensamento para lá de atrevido, que o fez rir, surgiu displicente: Algum dia seu cheiro seria agradável para outra pessoa?

"Que se matar Potter?"

O garoto arregalou os olhos, e encontrou no espelho um garoto loiro. Seus olhos encontraram-se neste mundo de ilusão inalcançável. O outro garoto escarnecia. Então se virou rápido para a sorridente criatura palpável, agora já na dimensão da realidade... e da maldade.

"Na lama esses olhos se manterão assim?"

Malfoy aproximou-se, e olhando para ele Harry teve a impressão que os Malfoy realmente deviam ser de uma outra raça, porque Draco continuava impecável, sem uma gota de suor escorrendo pela testa ou marcas de cheiros desagradáveis pelo corpo. Talvez o Sol reconhecesse os seus, atacando com fúria apenas a plebe.

Harry percebeu que Malfoy também o estava estudando. Sentiu-se envergonhado e raivoso por pensar que ele talvez soubesse de seus pensamentos.

Mas Draco apenas ergueu a sobrancelha e suave sussurrou impaciente como se para uma criança, num tom onde imperava domínio:

"Potter, você vai ter que se encontrar comigo hoje à tarde numa saleta à esquerda das escadas que dão para as Torres Proibidas. É uma ordem! Ah! E lembre-se,", tocou o distintivo de monitor, "faltas não serão perdoadas.."

Falando isso, riu, e seu sorriso num momento denunciou toda segurança e irritante incerteza corpórea. Então se virou rápido e dirigiu-se abusado e com passos firmes e apressados até um dos boxes.

Trick!

A porta foi fechada, selando uma conversa inexistente. O silêncio imposto estreitou as tão enormes paredes daquele Banheiro e engrandeceu as palavras de Malfoy, tornando tudo insuportável para o bruxo da Grinfindória.

"Não vou! Sua desagradável presença em si já é motivo mais que suficiente para eu não ir."

"Ah! Potter!", falava como se estivesse cansado de uma longa discussão, "Relaxe, o assunto não será desodorantes..."

Então Raiva, a sua velha parceira a se transmutar ao seu lado sempre que Malfoy abria aquela boca suja, apareceu.

"É apenas uma questão burocrática da escola..."

Surpreendido, Harry escutou Draco começar a fazer xixi.

"Como Draco podia ser tão cínico?"

"Sua atitudes não condizem com suas palavras, Malfoy", ouviu um som desgostoso do box. Draco devia estar realmente apertado. Aquilo era divertido. "Como já disse, tenho coisas mais importantes para fazer"

Harry ia falando enquanto juntava seus pertences. Então num baque, se sobrepondo ao misterioso som que emanava do box, as palavras de Malfoy o congelaram.

"tsc! Era sobre sua permissão para continuar no Quadribol Acho que Roniquinho vai ficar muito desapontado se você não estiver lá para ele lamber seu..."

Blan!

"O QUE VOCÊ DISSE, MALFOY!"

Harry já estava esmurrando com força a porta do box onde Draco fazia xixi.

Nervos a flor da pele.

Mas não ouviu respostas. Apenas o continuo burburinho líquido indicava que havia um menino do outro lado da porta, tão instável quanto o próprio Harry. E bastante apertado... E bastante envergonhado dessa fragilidade pulsante, embora isso ele e Potter percebessem apenas como um estranho mal-estar, que alimenta a raiva murmurante da atmosfera.

"Potter já leu o que há escrito nestas paredes? Você devia ver, ia se sentir engrandecido!"

Disritmia. Por que Malfoy sempre quebrava a linearidade quase musical de seus pensamentos. Harry desistiu de matá-lo apenas quando saísse. Então novo murro forte e violento.

Como se desejando piorar a situação, Draco recomeçou com essa:

"Seja feliz! Estou lendo aqui que um menino te ama, e quer chupar seu, cof!... bem você sabe..."

A pobre madeira morta não seria mais sua vitima. A pancada seguinte atingiria carne tenra e macia. Encheria de sangue faces pálidas e quebraria um ou, quem sabe, dois dentes. Mas, -Aí!-, coincidência cruel e desleal, neste instante entrou no banheiro, como numa magia teatralmente ensaiada, um menino. Grande demais, desengonçado demais.

Desconhecido demais.

O menino olhou Harry ali em pé, mãos na porta onde um garoto mijava. E como um espelho sua expressão refletiu pensamentos inesperados e que não lhe pertenciam:

"Xixi enquanto durmo, encharque meus sonhos, enquanto escuto essas algas escorrerem de seus rins para percorrerem águas frias e perdem-se esgotadas."

Harry afastou-se envergonhado. Muito, muito envergonhado.

O menino, simplesmente há tempos lavava o rosto. O box emudeceu. Parecia não haver mais ninguém ali, e, se Harry tomado de coragem, abrisse a porta, encontraria apenas a privada, com seu único, feio e convidativo olho a encará-lo. Mas o barulho alto da descarga puxou-o de seus enleios.

O bruxinho pegou suas coisas e saiu do banheiro apressado. Não pretendia encarar Malfoy agora.

Mas iria ter com ele. Conversariam sobre o que aquela doninha super-crescida tinha para falar. Sorriu com esse pensamento, até lembrar-se que quem o transformou no pequeno animal, foi o responsável pelo retorno do Lord das Trevas e morte de Cedrico, e o sorriso morreu...

Seus passos rápidos, pesados, ecoavam pelos corredores do castelo.

Embotado por essas idéias, esqueceu-se de seus suores. Seus cheiros a manter unidas, como linhas numa costura, suas várias partes numa só. Seu ser, sua fraqueza e força, marcando com duas manchas úmidas sua camisa de estudante.

continua...

------------------------------

Obrigada a Karla Malfoy pelas dicas!!!