Você sabe, nada disto é meu, a não ser a história.
Notas da autora no final!
O Presente
Parte I
Eu entro na sala dos médicos e a primeira coisa que me chama a atenção é o cheiro daquela bebida sagrada. Meus olhos, que por instinto se desviam para a máquina de café, encontram John se servindo de uma xícara.
"Ei, Abby, quer um pouco?", ele pergunta apontando para a xícara na sua mão.
Eu me dirijo até meu armário e me preparo para sair. "Claro. Café é sempre bem vindo"
"Você já está indo embora?", ele diz me entregando aquele líquido escuro tão apreciado pelos médicos e se sentando em seguida no sofá.
"Estou", eu pego a xícara e acrescento "Infelizmente"
John me olha como se não acreditasse na minha resposta. "Pensei que fosse o único que ficaria triste ao saber que não precisaria trabalhar no natal..."
Na realidade, eu pensei que fosse a única que pensava assim. Afinal, não há muito para se fazer no natal quando se está sozinha. E uma vez que no hospital me concentro apenas em salvar vidas alheias e praticamente esqueço minha própria vida, estive, nos últimos dias, rezando para que fosse escalada para trabalhar no dia 25. Mas aparentemente minhas preces não se concretizaram, ou pelo menos não por inteiro, já que são apenas 11 da manhã e meu plantão já acabou.
E como meu café também acabou, vou até a pia depositar a xícara vazia. "É, o trabalho me distrai. E você, qual é a sua história?", eu pergunto, me arrependendo quase instantaneamente.
Ele encara sua xícara por alguns segundos. "Mesmo motivo", ele responde com umsorriso melancólico e, em seguida ocupa-se em beber o café.
Agora me sinto mal. Mal por ter sido insensível o suficiente para fazê-lo aquela pergunta. Quem iria querer voltar para uma casa vazia, sem o filho nem a mulher que deveriam estara sua espera para comemorar o natal? Deve ser muito difícil para o John passar esta época do ano sozinho. Então de repente uma idéia me vem à cabeça.
"Ei, John, por que a gente não sai para fazer algo divertido por aí?"
A expressão em seu rosto é de total incompreensão. "Sair?"
"É. Já que não poderemos nos distrair com o trabalho hoje, poderíamos fazer alguma outra coisa"
Ele me encara por alguns instantes como se desconfiasse de algo. "Tem certeza de que você quer fazer isso? Quer dizer, é natal e você deve ter muita coisa para fazer..."
"Como o que? Ficar em casa assistindo aqueles filmes natalinos que reprisam todo ano?"
Ele sorri. "Bom, se é assim, acho que vou me poupar de uma tarde entediante desses filmes também"
É a minha vez de sorrir esta vez. Estou feliz por tê-lo convencido. "Legal, então vamos?"
OoOoO
Nós comemos silenciosamente nossos cachorros-quentes enquanto vemos as pessoas passarem por nosso banco no parque. Abby achou que deveríamos comer alguma coisa já que já era quase horário do almoço quando deixamos o hospital, então optamos pelo típico cachorro-quente americano.
O silêncio que dividimos no momento é bem confortável, e eu tenho certeza de que ela concordaria comigo. Sei o que Abby está fazendo. Está tentando fazer com que eu não pense nos meus problemas. Em Makemba, no bebê... É realmente muita consideração por parte dela, considerando que eu fui um completo idiota com ela meses atrás, quando a deixei e fui para a África.
Sou interrompido subitamente pela sua voz. "Em que está pensando?" Sua expressão é de preocupação.
Eu sorrio. "Estou pensando que se a gente não sair deste banco, vamos congelar"
"É verdade, está muito frio para ficarmos parados", ela se levanta e joga a embalagem de seu cachorro-quente no lixo ao seu lado, aparentemente aceitando a minha resposta, embora não parecendo acreditar nela.
Eu sugiro que a gente dê uma volta pelo parque e ela concorda. No caminho conversamos sobre pacientes, colegas, nossa família. Bem, não exatamente nossa família, mas a dela e a minha. Temos uma simples mas agradável conversa. Do tipo que costumávamos a ter nos nossos minutos de folga do hospital anos atrás, antes de... bom, antes de tudo acontecer.
Durante nosso passeio, nos deparamos com algumas pessoas patinando em uma pista de gelo, e eu simplesmente não consigo resistir.
"Olha, Abby! A pista de patinação do parque!", eu digo apontando para lá. "Por que nós não damos umas voltinhas no gelo?"
Ela olha para a pista um pouco apreensiva. "Não sei não, John. Minhas habilidades sobre patins são...nulas. Para falar a verdade, acho que nunca patinei no gelo antes..."
"Nunca?", pergunto surpreso. "Então esta é uma ótima oportunidade para você aprender a patinar!"
Ela coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha. Percebo que ainda tem suas dúvidas. "Vamos lá, Abby! Vai ser divertido!"
Ela olha para mim um pouco surpresa. Eu não a culpo. Afinal, devo parecer, no momento, um menino de cinco anos com um sorriso de orelha a orelha estampado no rosto.
"Bom, se você está tão animado assim, vamos lá"
OoOoO
"Vamos, Abby. Solte do corrimão." , John me diz segurando uma de minhas mãos.
"Não, obrigada. Estou bem aqui."
E eu realmente estou. Sei que ele quer que eu aprenda a patinar no gelo, mas estou mais preocupada mesmo em não cair. Espero que ele não ache que vou conseguir patinar como ele de uma hora para outra. John patina muito bem. Melhor do que muitos que estão aqui no parque. Mesmo assim, não acho que ele conseguirá me ensinar a patinar. Prefiro me concentrar em me manter em pé. Enquanto estiver grudada neste corrimão e dando estes passos minúsculos- mas seguros- que tenho dado desde que entramos na pista, sei que estarei bem. A não ser, é claro, que este ser extremamente entusiasmado de cabelos castanhos continue a me puxar pela mão. Ele ainda está segurando a minha mão?
"O que foi, Abby?", sua voz me tira de meus pensamentos.
"Ahm, nada. Eu só acho que você deveria desistir e continuar patinando porque eu não vou soltar o corrimão"
"Ora, é muito fácil, Abby.", ele diz soltando minha mão e dando meia volta, passando a patinar de costas. "Você só tem que começar. Vamos solte daí."
Com isso ele tira minha outra mão do corrimão delicadamente e me ajuda a patinar.
Ele sorri. "Viu? Você leva jeito."
É. Até que não é tão difícil. Principalmente porque eu continuo a dar os passinhos minúsculos.
"Agora você tenta patinar sozinha"
"O quê?", eu olho para ele aterrorizada. "Não me solte, John!", digo em um tom autoritário, mas é tarde demais. Ele já está fora de meu alcance.
"Carter, volte já aqui!"
Eu não tenho que esperar muito porque, em questão de segundos, ele dá uma volta na pista e passa por mim de novo.
"Carter, pare se se exibir patinando de costas! Eu vou cair!"
Mas não preciso pedir para que ele pare mais uma vez, já que assim que termino aquela frase, ele escorrega e cai de lado, sobre eu braço, deslizando assim por uns cinco metros.
Na minha super velocidade chego até ele, que a esta altura já está se levantando.
Tento ao máximo conter a risada. "Você está bem?"
Ele olha para mim sério e encabulado. "Estou. Eu sei que você está morrendo de vontade de rir, então vá em frente."
Isso é tudo o que preciso para cair na gargalhada. "Desculpe. Eu não." é difícil falar rindo deste jeito. "Eu não queria rir, mas- Mas foi muito engraçado", eu simplesmente não consigo dizer mais nem uma palavra. Meus olhos estão cheios de lágrimas de tanto eu rir.
Ele está corando de vergonha. "Não foi engraçado, Abby.", ele finge estar indignado, mas sua voz entrega tudo. "Eu poderia ter me machucado!"
"Não seja bobo." eu nego com a cabeça. "Mas que foi engraçado, foi."
Ele sorri. "Foi mesmo, não foi?" Logo, seu sorriso vira risos e leva um bom tempo para pararmos de rir.
"Então, você quer continuar?", pergunto.
"Depois dessa queda? Acho que não...", ele diz enquanto patinamos lado a lado. Bem devagar.
"A não ser, é claro, que você queira continuar", ele acrescenta rapidamente.
Faço que não com a cabeça. "Não, prefiro voltar para o chão firme, obrigada"
Com isso, nós nos dirigimos lentamente até a saída da pista.
OoOoO
Abby e eu continuamos nossa caminhada depois da patinação no gelo, saindo do parque e chegando, eventualmente, ao nosso lugar. É, acho que posso chamar este lugar de 'nosso'. Afinal de contas, quantas vezes não passamos pelas margens deste rio. Quantas vezes não sentamos no nosso banco. E é nele que estamos sentados agora. Creio que acabamos nos sentando aqui por puro costume. É como se este fosse realmente o 'nosso' lugar.
Sou tirado de meus pensamentos quando tenho a impressão de que ela falou comigo.
"O quê?"
"Eu perguntei o que foi". Não recebendo nenhuma resposta minha, ela continua. "Você estava todo absorto em pensamento de novo. Está tudo bem?"
Eu me viro para o rio esfregando minhas mãos numa tentativa de aquecê-las. "Está. Está tudo ótimo"
"Tem certeza? Você não se machucou com a queda, machucou?", ela parece preocupada.
"Não, eu já te disse que estou bem. Não se preocupe", digo sorrindo para assegurar-lhe que tudo está bem.
Um silêncio repousa sobre nós por uns momentos.
"Mas você não vai contar para o pessoal do hospital sobre aquilo, vai?"
Ela me olha com um sorriso malicioso. "Contar o quê, a cena hilária de você caindo?"
"Abby, não!"
"O que foi, Carter? Todo mundo vai gostar!"
"Eu não vou gostar". A esta altura, estamos discutindo e rindo ao mesmo tempo.
"Ora, não seja um estraga-prazeres"
"Abby, você não faria isso..."
"Não faria? Espere até o plantão de amanhã" e, dizendo isso, ela faz uma cara de má.
"O que eu posso fazer para você não contar?", estou praticamente implorando.
Ela me olha como se estivesse pensando seriamente no que pedir.
"Que tal se eu te levar para algum lugar mais quentinho? Assim você não congela até a morte aqui fora", eu sugiro.
Abby faz um olhar exasperado. "Ah, John. Isso eu posso fazer sozinha. Vamos, você é capaz de pensar em algo melhor"
Eu penso por uns instantes. "Já sei. Eu te levo para ver um filme. E pago tudo"
"Cinema?", ela diz cerrando levemente os olhos, como se considerasse a opção. "Eu estava pensando em alguma coisa como uma pulseira de ouro ou brincos de safiras..."
Ela pensa por mais uns segundos no dilema cinema-acessório caríssimo.
"Está bem", ela finalmente decide. "Vamos ver um filme."
OoOoO
Depois do cinema, John e eu decidimos tomar um chocolate quente. A escolha do filme foi fácil, já que tanto ele quanto eu queríamos qualquer coisa que não exigisse esforço mental. Optamos por uma comédia natalina. A pesar de termos realmente ido ao cinema, acho que nós dois sabemos que, de qualquer jeito, eu vou contar o que aconteceu na pista de gelo para todo mundo. Ele já me conhece o suficientemente bem.
Assim que pedimos os chocolates, continuamos a conversar à mesa do café em que estamos.
"Gostei muito desta tarde, Abby."
Eu concordo com a cabeça. "É, foi divertida, não foi?"
"Foi mais divertida do que eu pensei que seria"
As bebidas logo chegaram, e nós tomamos o chocolate em silêncio. Ambos bebemos bem devagar, como se quiséssemos adiar o fim da nossa tarde. Quando a última gota de chocolate se vai, eu viro meus olhos para ele, que parece estar, uma vez mais, perdido em seus pensamentos. Estou prestes a perguntar se há algo errado quando ele desvia sua atenção à mim como se acabasse de ter uma idéia.
"Ei, Abby, eu estava pensando...", ele começa.
"É, eu percebi"
Ele me olha por alguns instantes com um leve sorriso e resolve continuar. "Eu estava pensando se você gostaria de sair para jantar comigo hoje"
Eu sou pega desprevenida por essa pergunta. Sinto-me como se acabasse de ser convidada para um encontro.O único detalhe éque este seria um encontro com o meu ex-namorado. Não estou certa do tipo de jantar que ele tem em mente.
"Jantar? Ahm, que tipo de jantar?"
Ele sorri. "Eu estava pensando em um bom restaurante"
"John, o seu conceito de bom restaurante é totalmente diferente do meu conceito de bom restaurante. Será que você poderia ser um pouco mais específico?"
Ele me olha com aquele olhar característico dele. O olhar de cachorrinho perdido que ninguém consegue resistir. "Ah, Abby. É o jantar de natal. É a ceia de natal. E ela deve ser uma refeição...perfeita"
"Perfeita?", pergunto com um olhar incrédulo.
"É, perfeita! Em um bom restaurante."
"Olha, John, restaurantes bons são restaurantes caros e..."
"Abby, você não precisa se preocupar com isso. Eu estou te convidando e é claro que eu pretendo pagar a conta", ele não parece estar disposto a desistir.
"Mas é com isso que eu me preocupo, John. Eu não quero que você fique gastando seu dinheiro comigo. Ainda estou te devendo o dinheiro da faculdade"
Ele solta um suspiro profundo e passa a mão pelos cabelos castanhos. Seus olhosexpressam um sentimento que creio ser mágoa. "Abby, eu já te disse que você não precisa me pagar o dinheiro da faculdade." É, com certeza ele está um pouco magoado. "Por que você não me deixa simplesmente fazer isso por você?"
Eu coloco alguns fios de cabelos atrás da orelha e volto minha atenção para o tampo da mesa, o qual, inexplicavelmente, me desperta grande curiosidade no momento. Nenhum de nós fala qualquer coisa. Não estou certa de quanto tempo permanecemos assim, mergulhados em silêncio. Pessoalmente, diria que se passaram séculos até que John, esperançoso, voltasse a falar.
"Então, jantar hoje à noite?"
Não quero deixá-lo mais chateado, então decido aceitar o convite. "Certo. Mas é melhor que este não seja mais um dos jantares beneficentes da Carter Fundation"
O comentário parece ter diminuído a tensão no ambiente.
"Não, não é". Sorrindo, ele continua. "Você vai se divertir, Abby. Eu prometo."
"É bom mesmo. Caso contrário, se a noite for um fracasso, você terá que repetir a cena da pista de gelo: escorregar e cair no meio do restaurante"
"Ok. Eu faço qualquer coisa. Oito horas está bom para você?", ele pergunta.
"Oito está ótimo"
Eu ainda pergunto o que devo usar para o jantar antes de deixarmos o café. "Qualquer coisa. Mas lembre-se será um 'bom' restaurante" é a sua resposta. John me leva até meu apartamento e nos despedimos. Tenho a sensação de que este será um jantar interessante.
Acho que deu para perceber que estaé uma fic de natal, né. Ela écurtinha, de apenas dois capítulos. Carby, é claro. Bom, eu sei que o natal já passou faz muito tempo, mas é que eu demorei pra passá-la pro computador... De qualquer jeito, deixe uma review e me diga o que achou!
