Não, nada além da história me pertence...

Aqui está a segunda, e muito provavelmente última, parte da fic "O Presente". Espero que gostem.


O Presente

Parte II

Não sei porque, mas no momento em que Abby fechou a porta do seu apartamento e eu me virei para a saída do prédio, senti um friozinho na barriga. Uma sensação estranha, de nervosismo eu acho. Na verdade, eu sei o que está acontecendo. Estou preocupado em estragar a noite. Sei que prometi para Abby que ela se divertiria no jantar, mas não sei como esta batalha entre meu cérebro e meu coração vai acabar. Neste momento mesmo me vejo pensando nisso, aqui, afundado no sofá da sala de estar da minha casa.

Não sei quando me dei conta de que ainda tinha sentimentos por ela. Se foi há uma hora, um mês ou um ano... Simplesmente não entendo como uma única tarde me fez perceber que ela é o que está faltando na minha vida. Que é ela, ou talvez a ausência dela, a responsável por todo este sofrimento pelo qual estive passando ultimamente. Talvez não tenha sido a tarde com ela que me despertou esses sentimentos. Talvez, no momento em que a vi pela primeira vez depois de voltar da África, senti, de algum modo- talvez no subconciente- que tinha cometido o pior erro da minha vida ao deixá-la.

A minha mente me diz para esquecê-la, deixá-la viver como ela está vivendo agora: feliz. Ela está se saindo tão bem sem mim. Mas meu coração me faz pensar nela o tempo todo. A simples idéia de nunca mais acordar ao seu lado, de não poder andar com a minha mão na dela...Isso me faz enlouquecer. Quero estar ao seu lado o tempo todo. No começo essa necessidade era pouca, disfarçada. Para mim, era apenas uma vontade de receber seu consolo. Mas conforme os meses se passaram,esse sentimento foi se intensificando e, agora, sinto que meu coração vai explodir quando não estou junto a ela. E quando finalmente estou com ela e percebo que não posso dizer-lhe o que sinto, tenho a sensação de que meu coração está sendo arrancado do meu corpo.

Acho que é essa a causa deste nervosismo sobre o jantar de hoje. Só espero que eu não estrague tudo de novo...

OoOoO

Assim que saio do banho, procuro pelo meu relógio. Para variar encontro-o no meio da roupa suja jogada no chão do banheiro. Cinco para as oito... É, estou atrasada, como sempre. Pelo menos já escolhi a roupa que vou usar. Um vestido que comprei quando John e eu ainda namorávamos mas que nunca cheguei a usar. Na época, achei bonito e resolvi comprá-lo para fazer uma surpresa para ele. Quem diria que eu o vestiria para sair justamente com John...

Mal coloco o relógio sobre a pia, ouço a campainha tocar. Droga, Carter! Adiantado. Como sempre... Dou um jeito de me secar rapidamente e me enrolo na toalha. Ouvindo batidas na porta, me apressando na direção da entrada do apartamento.

"Abby? Você está aí?", a voz do outro lado diz.

Levo a mão à maçaneta da porta mas logo me dou conta do estado em que estou. "Carter, você está adiantado!"

"Não segundo o meu relógio", ele responde esperando que eu abra a porta.

"Bom, mas acontece que eu ainda preciso de alguns minutos"

"Você prefere que eu dê uma volta por aí e volte daqui a pouco?". Que tipo de pergunta é essa?

"Ora, Carter, não seja bobo. Você pode esperar aqui dentro"

Eu tento prender a toalha mais firmemente ao redor do meu corpo."Ahm, Abby? Se eu for esperar do lado de dentro, não seria uma boa idéia você abrir a porta para eu poder entrar?"

Eu sorrio. "Só um segundo, eu acabei de sair do banho"

Não recebo nenhuma resposta. "John?"

"Ah, eu estou aqui."

Assim que estou segura de que não há possibilidade de a toalha cair, eu abro aporta. John entra olhando para o chão e se dirige direto à cozinha, me dando um 'oi' e me entregando, no caminho, um pequeno buquê de flores secas . Eu rio e volto para o meu quarto. Esse é o John, típico cavalheiro. Quer dizer, não é como se ele nunca tivesse me visto usando apenas uma toalha... ou menos que isso...

Voltando minha atenção para o armário, eu me visto, seco o cabelo, passo um pouco de maquiagem. É incrível como nós mulheres sempre nos atrasamos ao nos arrumarmos, apesar de sermos capazes de fazer tudo tão rápido. Depois de dar mais uma olhada no espelho eu vou até a sala.

Percebo John sentado no sofá, e assim que sente a minha presença, ele se vira. Ele me olha como se pensasse em alguma coisa para dizer.

"Ahm...vo-você...eh...", ele pára ao notar que eu estou rindo levemente."Você está linda", ele diz sorrindo, e eu sorrio de volta.

"Então, vamos indo?", ele pergunta levantando.

Eu afirmo com a cabeça e nós nos dirigimos à porta.

OoOoO

A noite tem sido agradável até agora, apesar de a recepcionista do restaurante ter se dirigido nós como 'lindo casal' e a Abby como 'Sta Carter'. O jantar estava ótimo e nós conversamos com bastante descontração. Abby está simplesmente maravilhosa... Não pude tirar meus olhos dela a noite inteira.

"Eu reparei que havia flores vivas na sua casa", comento assim que acabamos a sobremesa. "O que aconteceu com o seu gosto pelas flores secas?"

Ela balança os ombros. "Não sei, acho que me enjoei delas. Prefiro as vivas agora"

Eu pensava que sabia tudo o que poderia saber sobre Abby, mas ela nunca deixa de me surpreender.

"Você mudou tanto nos últimos anos..."

Ela retribui o comentário com a expressão de quem não está entendendo.

"Por causa das flores?"

Eu balanço a cabeça. "Você sabe o que eu quero dizer, Abby. Você mudou. Entrou na faculdade de medicina, por exemplo."

"Bom, talvez eu tenha mudado um pouco.", é tudo o que ela diz.

Faz-se um silêncio mas logo ela continua.

"E você? Você acha que mudou?"

"Eu?". Penso por uns instantes."Bom, eu mudei, com certeza. Você sabe, depois de ir para a África"

Ela parece mais fechada depois da minha resposta. Mesmo assim, pergunta. "Você acha que mudou para melhor ou pior?"

"Ahm...para melhor...eu acho"

"Então...então você não se arrepende te ter ido para lá?". Posso sentir um pouco de ressentimento na sua voz.

Nego firmemente com a cabeça. "Não, Abby. Não pense assim. Olha, a única coisa de que me arrependi ao ir para a África foi de te ter deixado. De a ter feito sofrer...Talvez na hora eu não pensasse assim, mas é porque estava inconformado com o mundo, com a minha vida, e acabei descontando toda minha raiva em você"

Pauso por alguns instantes com a intenção de ver se ela percebeu para onde a conversa está indo, mas é impossível lê-la. Ela apenas me observa, séria. Eu não tenho idéia de o que está passando em sua mente no momento e isso me deixa mais nervoso e apreensivo do que já estou. Respiro fundo e continuo.

"Eu perdi muita coisa nesse último ano, com toda essa história de Congo. Perdi uma namorada que eu acreditava amar. Perdi o bebê que ela carregava...E perder um filho é algo terrível, é uma experiência que eu não desejo para ninguém". Pouco a pouco, meus olhos vão se enchendo de lágrimas. Ela, contudo, continua impassível.

"Mas, acima de tudo, eu perdi você. Você, Abby. Eu abri mão do que tinha de mais importante na minha vida. Não me conformava por tê-la machucado. Foi por isso que escrevi aquela carta. Para você me esquecer. Me riscar de sua vida. Eu merecia isso por a ter feito sofrer. E eu procurei te esquecer também, seguir vivendo. Me vi de volta em Chicago seis meses depois com uma família e achava que estava feliz. Mas tudo desmoronou mais uma vez e eu estava de volta no fundo do poço... E não pude deixar de pensar que a minha maior perda em toda essa história foi não poder mais ter você para me apoiar nos momentos mais difíceis.Então quando percebi que você não me odiava como pensei que iria odiar, quando percebi que você tinha me perdoado..."

A última sentença acabou saindo mais como uma pergunta do que uma afirmação e, para o meu desespero, ao ouvir essa última parte do meu monólogo, Abby desviou o olhar que mantivera fixo em mim durante todo o tempo que falei. Eu sinto meu sangue gelar. Enxugo as lágrimas do meu rosto com as costas da mão e luto ao máximo contra esse nó que parece ter se formado na minha garganta.

"Você...Você não me perdoou?", eu sinto um aperto no coração ao pronunciar essas palavras. E as lágrimas estão de volta.

Ela volta seu rosto para mim. "É claro que te perdoei. Bom, ao menos parcialmente", é a vez dela de dar seu discurso.

"Eu te perdoei o suficiente para sermos amigos. A nossa amizade sempre foi muito importante para mim, mas...mas acho que a nossa relação não irá mais além da amizade, John. Você está certo, eu me machuquei muito com o fim do nosso namoro. Eu não o culpo totalmente por isso, sei que também fui responsável..."

Não posso ouvi-la dizer isso por mais tempo. "Mas, Abby... Me dê outra chance, por favor" Cubro uma de suas mãos com a minha."Por favor. Não vou estragar as coisas desta vez. Eu não vou a lugar nenhum."

Ela, que agora deixa suas próprias lágrimas escorrerem livremente, retira sua mão debaixo da minha e se levanta da mesa. "Foi isso o que você falou da última vez, John", e, com isso, ela sai.

Por impulso, também me levanto e a sigo. Não posso perdê-la de novo.

"Abby, por favor! Eu imploro!", mas quando a alcanço a poucos metros do restaurante, ela já está entrando em um táxi.

"Boa noite, John"

OoOoO

Já se passaram duas horas desde que deixei o restaurante. Fiquei quase uma hora no táxi , simplesmente dando voltas pela cidade. O resto do tempo passei caminhando. Sei que não é um horário muito seguro para se estar sozinha na rua, e que a temperatura deve ser alguns graus negativos no momento, mas precisei desse tempo para digerir tudo o que John me dissera.

De algum modo me vejo andando às margens do rio que costumávamos a visitar e que visitamos hoje à tarde. Não sei porque não me surpreendo ao ver John encostado na grade, de frente para o rio, admirando a fraca correnteza.

Ma aproximo, mas ele não percebe a minha presença.

"Você não está pensando em se jogar, está?"

Com um movimento brusco, ele se vira para mim, assustado e surpreso.

"Abby? O que..", ele pausa procurando palavras. "Meu Deus, você deve estar congelando!", ele tira seu sobretudo no mesmo instante e coloca-o sobre meus ombros, iniciando novamente seu discurso.

"Olha, Abby, eu sinto muito. Não queria...", mas eu não o deixo continuar.

Deixo-o falando sozinho e me dirijo até um banco próximo. Depois de uns instantes ele faz o mesmo, se sentando a uma certa distância, provavelmente por achar que não quero que se sente próximo a mim.

"O que você falou no restaurante, é verdade?", eu pergunto.

Ele faz que sim com a cabeça sem ousar me olhar, como se se envergonhasse do fato.

Respiro fundo. "Você tem razão, John, eu mudei mesmo nos últimos anos. Eu não sou mais a Abby que se fechava do mundo com medo de se machucar. Não fico mais me torturando, machucando a mim mesma a troca de nada. Passei a aceitar que coisas boas podem realmente acontecer comigo... E é por isso", eu pauso para vê-lo olhar para mim com expectativa. "É por isso que eu vou dar mais uma chance, não a você, mas a nós".

Ele, aos poucos, sorri.. "Então somos um nós agora?". Seu sorriso é de pura felicidade.

Respondo com outro sorriso.

De repente ele parece querer mudar de assunto.

"Abby, será que você poderia pegar uma coisa que está no bolso interno do meu sobretudo?"

Levo a mão ao bolso e encontro uma caixinha, mais parecida com um pequeno estojo. Assim que a retiro ele continua.

"É o seu presente de natal. Eu comprei depois de deixá-la em sua casa hoje à tarde."

Eu abro a caixinha e me deparo com um pingente em uma correntinha prateada. Considerando que foi John que comprou o presente, chego à conclusão de que a pedra na forma de uma gota é de diamante. Mesmo assim, é discreta, simples, do jeito que eu gosto.

"John, é lindo..."

Ele sorri. "Posso?"

Eu lhe entrego o presente virando-me e ele cuidadosamente coloca a correntinha no meu pescoço. Quando me viro, tenho a sensação de que estamos mais próximos que antes. Posso senti-lo respirar a poucos centímetros de mim.

"Eu não comprei nenhum presente para você", eu digo, sentindo o coração bater rápido.

Ele aproxima seu rosto na direção do meu vagarosamente. Nossos lábios quase se tocando.

Sua resposta não passa de um sussurro. "Você já me deu o melhor presente que eu poderia pedir." Com isso, ele leva seus lábios aos meus e nos entregamos a um beijo leve no início, mas que logo se intensifica.

Nos separamos momentos depois quase sem ar. Ele leva uma das mãos ao meu rosto tocando-o levemente. "Você está com frio?"

Eu sorrio. "Não mais."


Notas da autora: Ok,a fic está completa! Não sei quando- ou se- vou escrever uma nova fic, mas espero que vocês tenham gostado desta. Me digam o que acharam. Review!