Harry Potter e a Maratona Incantatem
Capítulo Dois – O Adeus do Batedor

-Rony... Você o desculpou, se lembra?-disse Hermione.

-Vocês todos sabem que eu só fiz isso pra não ficar mal com ninguém.-retrucou Ron, com raiva na voz.-Ele é um Comensal juvenil. Pelo menos foi como Sirius os chamou na última reunião da Ordem da Fênix.

-Ele está bem?-perguntou Harry.

-Ahã.-respondeu Ron.- Lupin também. Dumbledore o convidou pra dar aula de Defesa esse ano outra vez, mas ele disse que estava convencendo muitos lobisomens e vampiros a ficarem do nosso lado ainda.

-Queria ter podido ir à última reunião.-disse Hermione, seguindo Morgan e seus pais com o olhar.

Harry também acompanhava Morgan com os olhos; o menino não parecia nada feliz. Estava com grandes olheiras e do modo como olhava para os lados, parecia esperar ver uma varinha apontando pra ele a qualquer momento.

Os Black trouxeram os lanches e sentaram-se em outra mesa. Catherina, que também estava de olho em Morgan (coisa que certamente não agradava Harry), sobressaltou-se de repente.

-Que foi?-perguntou Nádia.

Harry percebeu que o olhar da garota não estava mais em Morgan, e sim num homem alto usando um sobretudo negro, que estava logo atrás de Morgan na fila da bilheteria.

-Nada não...-disse ela.- Só um pressentimento estranho.

-Vindo de você não é estranho.-retrucou Nádia.

Eles começaram a comer; sem ter nada mais interessante ou suspeito para observar, Harry ficou olhando Morgan acompanhar seus pais enquanto eles compravam suas passagens para onde quer que fosse.

-Aposto como estão fugindo.-disse Ron, bebendo sua cerveja amanteigada; Harry olhou o tal x-choice na sua frente, apenas um pão com gergelim vazio. Logo, ele viu Rony ordenar para o seu prato: - Transtudo!

Imediatamente, o pão ganhou recheio; transformou-se num fabuloso x-tudo trouxa. Naquele momento, Morgan percebeu que eles estavam ali. Harry virou-se para trás, e viu antes que os olhos de Catherina vissem o mesmo homem de sobretudo, que já comprara sua passagem e andava silenciosamente atrás de Morgan, aparentemente não o seguindo. Harry já abria a boca pra dizer "oi", quando viu a ponta de uma varinha surgir por baixo das enormes roupas do homem. Ele sussurrou, num tom suficientemente alto para Harry o ouvisse:

-Traidor...

Catherina se levantou; com certeza vira o mesmo que Harry.

-Morgan, cuidado!

-Avada Kedavra.-o homem murmurou, ainda em voz baixa, e quando certificou-se de que Morgan fora tingido, retrocedeu e desapareceu no meio da multidão; Morgan, já morto, caiu no chão, seu rosto subitamente alegre se afrouxando, assim como todos os outros músculos sem vida dele.

Os cinco se levantaram; Harry e Rony se entreolharam e foram atrás do homem; as meninas, logo seguidas pelos Black e os pais do falecido, formaram um círculo em volta do corpo estirado em plena estação.

O rebuliço na estação foi crescendo; Harry e Rony fizeram o máximo para seguir aquele homem que agora andava tão depressa, se espremendo pela multidão que se acotovelava para ver o corpo de Morgan, mas logo o homem sumiu de vez das vistas deles: desaparatara.

-Mas que m...-xingou Rony.

-Devia ser um Comensal da Morte.-ponderou Harry.- Chamou Morgan de traidor... Acho que o Malfoy descobriu o que ele fez no fim do ano e...

-Dedurou o moleque pros Comensais adultos.-completou Rony, enquanto procuravam voltar para a mesa onde estavam.- Harry, será que ele tem a Marca Negra?

-Draco?-perguntou Harry, num tom cômico.- Se não tem é porque não quis sujar seu belo bracinho branco-fantasma com uma marca daquelas.

-Sabe Harry, talvez a gente não devesse fazer piadas agora...-disse Rony, indicando círculo de gente chorando à volta de Morgan, círculo esse que incluía Catherina, Nádia e Hermione. Os Black as tiraram dali.

-Vamos, vamos, nossa chave escalada sai em minutos...

-Ah, vô, não quero nem pensar em como eu estaria me sentido se não tivesse o perdoado!-exclamou Catherina, entre lágrimas.

-Vamos, Cathy, pegue o seu malão... Está na hora...

Harry ficou abalado quando viu Catherina chorar -nem se lembrava se já a vira fazer isso antes, talvez naquele dia do Baile de Natal, em que Malfoy a atacara. Mas naquela vez o efeito foi devastador. Ele não imaginou que ela pudesse ficar tão quebrantada com a morte de Morgan, embora ele quase a matou no quinto ano. Rony, parecendo ter sido assustado pela tristeza de Hermione assim como Harry, correu até a namorada e abraçou-a, enquanto os Black acalmavam Nádia, e Catherina mudou de atitude, desvencilhando-se de todos que poderiam lhe oferecer algum consolo, até mesmo Harry, que acabou se aproximando dela sem saber o que fazer. Então ela ergueu a cabeça, revelando suas lágrimas, mas respirava fundo e devagar, tentando se controlar e consolar ao mesmo tempo.

-Catherina...

-Que foi, Harry?-perguntou ela, a voz falha pelo choro.

-Você está bem?

-Agora não. Mas logo a gente vai estar.

Já estava na hora de pegarem a Chave de Portal Escalada; debaixo de uma placa que indicava "Nova York – São Paulo – Buenos Aires – Luanda – Madrid – Londres", uma banqueta com um bastão de madeira na horizontal. Hermione, Nádia e Catherina já estavam mais calmas quando se posicionaram em volta do bastão com outras pessoas, que iriam pegar a mesma chave que eles. Um homem fez a contagem regressiva e Harry tocou no bastão, junto com os outros; o familiar solavanco no umbigo foi sua primeira sensação, e logo pensou que deviam estar passando pelo meio do Oceano Atlântico naquele momento, e em instantes Harry Potter estaria na América...

E quando parou, ele abriu os olhos e viu-se num lugar não muito diferente, uma estação igual a que estivera em Londres, mas nesta ninguém estava chorando a morte de Morgan; Harry ouviu uma voz anunciar:

-Nova York! Destino Nova York! Cinco minutos para partida a São Paulo!

Algumas pessoas abandonaram o grupo reunido em volta do bastão. Outros saíram de perto para dar uma breve circulada, como o sr. e a sra. Black. Harry ouviu muita gente falar um inglês bastante diferente do que ele estava acostumado, mas ele ainda estava prestes a confrontar gente falando uma língua muito mais complicada do que aquela.

-Os Morgan estavam indo pra Argentina.-murmurou Nádia, olhando para o chão.-Ouvi a mãe dele berrar, parece que iam pegar a mesma chave que a gente.

-Coitados...-balbuciou Catherina.

-Pelo Alex?-perguntou Mione.

-Não é isso... É que os brasileiros e os argentinos não são os melhores amigos do mundo... Na verdade, a gente se odeia.

-Compreensível.-disse Hermione.-Em tudo o que leio sobre a América do Sul, vejo a rivalidade entre Brasil e Argentina.

-Ainda falando do Morgan -disse Ron.- Bem... Vamos ter que arrumar outro batedor.

Mione abria a boca pra xingar Ron quando os Black voltaram e todos tocaram a chave de novo, rumo ao Brasil.

Quando abriu os olhos, Harry teve a sensação de que alguém mexera no botão de cor; além da estação onde fora parar ter cores muito mais vivas e alegres do que as de Nova York e Londres, as pessoas pareciam muito mais alegres, muito mais à vontade, e usavam cores berrantes, riam e conversavam naquele idioma totalmente desconhecido para Harry, o português. Ele se sentiu imediatamente contagiado pela alegria reinante, a morte de Morgan foi varrida totalmente de seus pensamentos, e olhando para os lados, ele viu que Ron, Nádia e Hermione sentiam exatamente o mesmo.

-Bom... Bem vindos ao Brasil.-disse Catherina.

Os Black pegaram as malas, e Harry, Ron, Nádia e Mione continuavam estupefatos.

-Que lugar animado.-foi o elogio que Hermione conseguiu pronunciar, depois de olhar todo o lugar, realmente admirada.

-Pois é, gente.-disse Catherina, animada.- Vocês ainda não viram nada.

Eles atravessaram a estação até uma parede que atravessaram do mesmo jeito como faziam para pegar o Expresso de Hogwarts, e chegaram numa rodoviária trouxa. Lá era quase igual, pessoas se despedindo, algumas chorosas, outras alegres e esperançosas... Harry não sabia que pudesse existir um povo tão alegre e sorridente. Ele não entendia uma palavra do que era dito ali, mas o tom da voz denunciava as mensagem de "Vou sentir saudades", "Até a vista"...

Harry seguiu os Black até o estacionamento, onde foram até um gol azul. Um homem de bermuda jeans e camiseta, moreno, de olhos escuros e cabelos curtos e negros também. Havia uma mulher loira e jovem do banco da frente.

-Oi, pai.-disse ele ao sr. Black.- Olá, mãe... E aí, Cathy, você está legal?

-Oi, tio.-cumprimentou Catherina.- Esses aqui são Nádia Fletcher, Hermione Granger, Rony Weasley e...

-Harry Potter.-completou o tio de Catherina, mirando a cicatriz em forma de raio na testa de Harry.-Como vocês estão?

-Emílio, aconteceu algo lamentável em Londres.-disse o Sr. Black.- Eu explico no caminho.

-Muito bem.-disse a sra. Black.-Este aqui é o nosso filho caçula, Emílio Black.

-E aquela ali é minha mulher, Lisa.-acrescentou Emílio Black, indicando a mulher no banco da frente.-Meu inglês está enferrujado, mas acho que serve... Que tal, pai?

-Serve. Vamos entrar no carro, pessoal?

Harry notou que o Feitiço para Aumentar o Espaço era muito bom, quando sete pessoas couberam folgadamente no banco de trás com suas malas.

-Notícias de Sirius, pai?-perguntou Emílio, que dirigia.

-Ele vai estar em Hogwarts, pelo que Dumbledore disse.-respondeu o sr. Black.- Conversei com ele há pouco tempo, no teatro... Mas ele não quis me dizer como vai fazer para disfarçá-lo.

Harry, Cathy, Ná, Mione e Ron se entreolharam.

-Espero que ele esteja bem.-disse Lisa Black.

Harry desligou-se de tudo enquanto olhava a vida do outro lado do vidro; a vida naquela metrópole parecia irresistivelmente atraente. A desorganização de São Paulo chegava a ponto de que o defeito se torne uma qualidade, dava vontade de participar daquela bagunça de todos os dias. O improviso dos vendedores ambulantes, as pessoas apressadas e as que simplesmente iam ao Shopping Center dar uma volta.

Harry nunca vira a pobreza de perto até Emílio parar o carro num sinal, baixar o vidro e entregar um galeão a um menino de, no máximo, oito anos, sujo e maltrapilho, tão magro que o contorno de seus ossos era mais que visível. Harry ficou abalado com a imagem do rostinho iluminado daquele menino examinando com admiração a moedona de ouro em sua mão.

Catherina, que estava a seu lado, deu um tapinha na mão de Harry.

-O Brasil tem muitos problemas, Harry, e esse que você acabou de ver é um deles. Esse menino pode ser um bruxo se sobreviver até os onze anos, mas até lá ele precisa de comida, roupa e uma boa cama. E ele não tem nada disso.

Ele já não estranhava quando Catherina lia seus pensamentos; desviou-os daquele garoto e tentou captar o estilo descontraído dos brasileiros. Seu riso, seu ânimo inabalável... Uma terra dos sonhos, incomensuravelmente longe das forças de Voldemort e seus Comensais.

O sol se punha, e por isso tornou-se freqüente ver homens de terno afrouxado em seus carros; ali não era verão, mas tampouco podia-se chamar aquele clima morno e confortável de inverno. Harry ouvia com menos da metade da atenção o sr. Black contando as novidades para Emílio, dentre estas o fato de Catherina ser uma vidente.

-...Pois é, Emílio, a vidente dessa geração é ela, não é ótimo? Imagine como Laura iria ficar feliz em saber...

Harry percebeu que eles já estavam saindo do centro da cidade; os enormes e assustadores prédios comerciais foram diminuindo de número e tamanho, até que chegaram a um residencial. Lá, Emílio entrou com o carro na garagem subterrânea e parou.

Todos desceram do carro; Harry se perguntou de que modo iriam levar os malões até o apartamento sem chamar à atenção de algum trouxa.

-Pra disfarçar, vamos nos dividir em dois grupos.-disse o sr. Black.- Melinda, Emílio, Lisa e eu pegamos o elevador de serviço e vocês vão pelo normal, tudo bem?

Harry, Rony, Hermione, Nádia e Catherina passaram pela porta e foram dar na recepção do prédio residencial. Tentaram fazer a cara mais inocente do mundo com aqueles malões enormes, enquanto chamavam o elevador.

Deram muita sorte; ele estava vazio. Catherina apertou o número nove e eles começaram a subir.

-Eu morava aqui.-disse Catherina, de cabeça baixa.-Morava... Até o ano passado. Até eu ficar... órfã, vocês sabem.

Harry notou que ela estava fazendo um esforço enorme para não chorar Pior do que perder os pais quando nem podia se lembrar devia ser perdê-los quando já se podia entender o que estava acontecendo.

-O que vão fazer com o apartamento agora?-perguntou Nádia, com muita cautela.

-Meus tios e meus avós cuidaram dele o ano todo... Meu vô fez um trato com o dono do prédio, disse que agora eu era órfã, e como estudava num colégio interno fora do Brasil ele poderia cuidar de mim nas férias, até eu ser maior de idade. Mas eu não vou morar no Brasil... Acho que vou ficar na Inglaterra, logo que eu arranjar um emprego por lá.

-Sabem, eu estou adorando esse país.-disse Ron.- Que gente doida mora aqui, não? Sem falar que Voldemort está do outro lado do oceano...

O elevador chegou no nono andar. Eles viram os Black chegarem no elevador de serviço. Foram juntos até uma porta, e Emílio tirou as chaves do bolso, depois sacou a varinha e disse bem baixinho "alorromora", abrindo-a em seguida.

O apartamento era muito aconchegante; uma sala de estar e jantar ao mesmo tempo, limpa e bem arrumada, com quadros muito coloridos nas paredes que se mexiam loucamente, e volta e meia os braços das poltronas se erguiam e tiravam o próprio pó. A tv era como dos trouxas, mas possuía antenas verdes-brilhante, que indicavam que aquele aparelho pegava alguma rede de tv bruxa.

-Bom... É aqui que eu moro.-disse Catherina.

Eles entraram no lugar, os adultos extremamente silenciosos. Certamente todos estavam se lembrando com saudades de Pedro e Laura McFisher.

-Vamos parar com esse silêncio.-falou Catherina em voz alta, erguendo a cabeça e espantando o silêncio.- O quarto é por ali...

Desmentindo sua animação, Harry flagrou uma lágrima teimosa escorrendo pelo rosto dela. Mesmo assim não disse nada e seguiu-a até o quarto que ela indicou com Nádia, Rony e Mione.

Não era um quarto dos mais especiais; uma cama de solteiro encostada na parede, um criado mudo e uma cômoda que criou vida e cumprimentou Catherina...

-Olá, Tableman.-respondeu ela.- Essa é a minha cômoda, e um bom amigo também...

Olhando bem o quarto, podia-se perceber que ela levava uma vida em que misturava trouxas e bruxos, observando as fotos que se mexiam presos por alfinetes em cortiça na parede. Numa delas, Harry viu o casal que só podia ser Pedro e Laura McFisher: ele, loiro e alto e ela, morena de cabelos curtos e altura mediana, ambos com expressões muito felizes. No canto do quarto, uma escrivaninha com um objeto tipicamente trouxa: um computador. Parte das paredes estavam cheias de pinturas (assinadas pela mãe de Cathy) e fotos, coladas com fita crepe ou magia.

-O tio Emílio vai fazer um Feitiço para Aumentar o Espaço aqui, e depois uns Feitiços de Cópia na cama ou no colchão.-murmurou Catherina, se esforçando para não parecer que o que mais queria naquele momento era gritar e chorar até se sentir melhor.

-Sabe de uma coisa?-disse Hermione.-Eu amei o Brasil.

-Pois é... Por aqui os bruxos não são tão odiados, sabem. Alguns nem se escondem... Os trouxas daqui são legais. Vocês podem deixar as malas aqui.

-Escuta, Catherina, me desculpa a ignorância, mas... O que era aquela caixa que nos trouxe aqui pra cima?-perguntou Ron, sem graça.

Hermione sorriu e explicou.

-Por que você não nos mostra a cidade, Cathy?-sugeriu Nádia, mudando o assunto.

-OK...

Eles saíram do quarto. Agora já era noite lá fora. Avisaram os tios de Catherina, que estavam na sala (os avós dela tinham ido pra casa), e saíram.

As luzes noturnas e os letreiros de neón estavam acesos e agora Harry só via adolescentes na rua; da idade dele, com mais jovens ou mais velhas, as garotas sempre em grandes bandos, cheias de maquiagem e roupas extravagantes, enquanto os rapazes, no máximo em duplas, estavam mais tranqüilos, mais convencidos de si e despreocupados. Harry nunca notara o movimento noturno antes.

-Tem umas casas noturnas por aqui, a gente costuma ir pra dançar e ver o povo... E acho difícil que a Ná e a Mione sair de uma casa dessa sem levar uma cartilha inteira de cantadas de um marmanjo qualquer.

-Então talvez a gente devesse ir num lugar mais tranqüilo...-disse Harry.- Não tem um bar bruxo por aqui?

-Ah, claro que tem.-respondeu ela, se lembrando de algo.- Venham comigo.

Eles entraram numa lanchonete muito animada, e seguiram Catherina até os fundos do estabelecimento. Ela sacou a varinha e bateu-a em quatro tijolos, como fizera Hagrid há seis anos, quando abrira a passagem para o Beco Diagonal. O lugar estava tão cheio que nenhum dos trouxas ali deu atenção a eles, quando a parede se abriu e eles passaram.

-Pessoal, sejam bem vindos à Alameda Paulista.

O lugar era como um Beco Diagonal brasileiro, e esse era o termo que resumia a ruela cheia de pessoas (ou melhor, de adolescentes no momento) que andavam pra lá e pra cá, aparentemente divertindo-se à beça.

-A Poções Tropicais é a melhor lanchonete deste lugar.-contou Catherina.-Que acham de a gente ir lá?

-OK, mas antes disso, você podia ensinar alguma coisa de português pra gente.-pediu Hermione.- Pra mim tanto faz se estão me xingando ou qualquer outra coisa, parece língua de doido.

-Pensando bem, talvez o povo daqui seja mesmo doido.-riu Catherina, mostrando a eles logo em seguida algumas palavras da língua daquele país, e todos deram boas risadas apenas com a pronúncia cheia de "r" dos britânicos.

Chegando no Poções Tropicais, Harry, Rony, Mione e Nádia assistiram Catherina algaraviar naquela língua esquisita com o balconista; depois ela pagou copos de suco e eles pegaram uma mesa e ficaram assistindo o movimento. Harry provou a bebida, que tinha um gosto forte de vitamina c, bem gelada.

-Eu estava pensando...-murmurou Nádia.- Que Comensal da Morte será que matou o Morgan?

-O Lúcio Malfoy, é claro.-disse Rony.- O monstro do Draco descobriu de algum jeito as coisas que ele tinha dito pra gente e deu com a língua nos dentes pro pai dele, nem precisou passar pelo Voldemort.

Isso fez Harry lembrar de uma coisa.

-E aí, Mione, descobriu algum modo de como ele poderia ter escapado da Câmara?

-Em livros de Magia Branca não.-disse ela.-Com toda a certeza, ele usou alguma arte das trevas pra escapar.

-De repente ele se transfigurou numa pedra.-disse Rony.

-Teria sido ótimo.-retrucou Nádia.- Ele não conseguiria se mexer e nunca mais voltaria a ser humano. Ficaria lá, imóvel, até morrer.

Catherina, que olhava para as pessoas no lugar, de repente ergueu a mão, acenou e gritou algo lá naquela língua. Uma garota loira e meio gordinha acenou de volta:

-Oi!

Foi tudo o que Harry conseguiu entender. A menina chegou à mesa deles, e Catherina apresentou-a:

-Gente, essa aqui é a Diana. Era minha melhor amiga no Colégio São Paulo de Feitiçaria.-e se virando para amiga, Harry entendeu-a dizer algo parecido com:- Esses aqui não meus amigos de Hogwarts, da Inglaterra: a Nádia, a Hermione, o Rony e o Harry.

A luz estava baixa, mas conforme Catherina falava os nomes, Diana olhava os conhecidos de sua amiga. Quando ela ouviu "Harry", mesmo num país distante como o Brasil, qualquer pessoa reconheceria o famoso Harry Potter. Ela tomou um bom susto ao ver a cicatriz de Harry, e começou a falar acaloradamente. Até mesmo um surdo entenderia a surpresa da menina. Confirmando isso, Cathy disse:

-Bem, acho que dá pra ver que ela te reconheceu, Harry...

Diana apertou as mãos dos quatro, ainda muito impressionada por Harry Potter estar no Brasil, bem ali na sua frente, murmurou as poucas palavras de inglês que sabia e finalmente se afastou.

-Eu teria adorado ter entendido o que ela disse.-murmurou Hermione.

-Somos dois.-disse Rony, aproveitando a oportunidade para passar o braço pelos ombros da namorada.

-Ela contou que tem uma danceteria legal nos fundos dessa lanchonete.-traduziu Catherina.- Perguntou se a gente ia lá.

-Pode ser legal.-disse Nádia.-Mas se alguém vier conversar com a gente, vamos ficar boiando na maionese.

-Não temos nada a perder mesmo.-divagou Harry.-Vamos, ora.

Tomaram o resto de suas batidas bem depressinha e se dirigiram mais para os fundos da Poções Tropicais e encontraram uma pequena porta.

Depois de passarem por ela, Harry teve certeza que estava prestes a ficar surdo e cego. A música assombrosamente e as luzes que não paravam de piscar deram-lhe a sensação de que estava sonhando, a música parecia estar tocando dentro dele, e não à sua volta. Na pista de dança, inúmeras pessoas dançavam alucinadamente, com ou sem par.

-Meu Deus, acho que nunca mais vou escutar!-berrou Mione, tentando ao máximo se sobrepor ao barulho.

Catherina também não conhecia aquele lugar, e o resultado foi que demoraram um bom tempo para achar o balcão de bebidas, onde a música não estava tão alta. Os cinco pegaram banquinhos e se sentaram.

-Que lugar maluco!-gritou Rony, observando a pista de dança lotada.

-Não é a idéia que eu fazia de uma danceteria legal!-bradou Nádia. Por azar, um rapaz passou por ela, mas tropeçando, derrubou bebida na roupa dela.-Ah, não! Olha só pra isso!

O rapaz, que se detivera para ajudá-la, parou e olhou para Nádia, surpreendido.

-Ela é britânica!-berrou Catherina, explicando ao rapaz.

-Ah.-disse ele, ajudando Nádia com um guardanapo.-Fale pra ela que estou pedindo desculpas.

Depois de transmitir a mensagem e devolvê-la com "ela disse que está tudo bem", ele foi embora.

-Mesmo assim, -disse Nádia.- Vou ter que achar o banheiro desse lugar.

-Ei, Mione, por que a gente não dança um pouco?-convidou Rony.

Ele teve que repetir três vezes até que Hermione o entendesse, e foram dançar entre as outras pessoas. Depois, Nádia se levantou e Catherina fez menção de acompanhá-la, mas Harry foi mais rápido e segurou seu braço. Imediatamente, começou uma música mais calma, de modo que não precisaram mais berrar um com o outro.

-Ah, qual é, você vai me deixar aqui à mercê das brasileiras?

Sobre a baixa luz, Harry viu-a ficar vermelha e sentar-se de novo, enquanto Nádia procurava o banheiro praticamente às cegas.

-Harry, o que você insinuou?

Agora era ele quem estava começando a ficar vermelho.

-Ah, bem... Você sabe.

-Sei, é?

-Ah, por favor, não se faça de idiota. Aquilo... Aquilo que aconteceu no... No fim do ano.

Ela estava definitivamente ruborizada.

-Eu... Eu queria saber -continuou Harry, olhando para o chão e repentinamente muito nervoso.-Se... Se aquilo não foi...-ele estava começando a ficar com raiva de si mesmo com tanta gagueira.- Se não foi algo sem pensar ou sem sentimento, pronto, falei.

Harry e Catherina naquele momento disputavam um emocionante campeonato de rubor.

-Bem... Na segunda vez você não me deu muita chance de pensar, né? Mas acho que o primeiro...- ela baixou a cabeça o máximo que pôde, tentando fazer o cabelo esconder seu rosto.- O primeiro beijo não foi coisa de momento, Harry.

Ela se levantou repentinamente e deu as costas pra ele.

-Ah, eu... Vou ver se a Nádia achou o banheiro.

E desapareceu na multidão.

Harry não teve muito tempo pra pensar no que ele próprio acabara de fazer, porque logo ele viu um círculo de pessoas se formando em volta de uma briga. Correu para lá e viu que Rony estava rolado aos socos com um menino mais velho que ele, ruivo e sardento. Ambos eram muito altos e socavam-se com violência.

Harry chegou à frente do muro de pessoas e viu Hermione, ali, sem saber como separá-los.

-O que aconteceu?-perguntou Harry a ela, sobrepondo-se ao barulho dos torcedores da briga.

-O Rony!-gritou Mione em resposta.- Aquele ruivo veio... Conversar comigo e o Rony ficou enciumado...

Harry imaginou o tipo de conversa que o ruivo brasileiro queria com Hermione. Entrou no meio da briga e fez o possível para separar os dois que brigavam. Hermione foi ajudá-lo, e logo Nádia e Catherina surgiram, espantadas.

-Vamos embora!-exclamou Hermione, puxando Rony. Harry soltou o ruivo brasileiro e Nádia e Catherina os seguiram até a lanchonete de volta.

Ao sair da danceteria, os ouvidos de Harry se livraram da música alta, e ele chegou a respirar fundo de alívio; Hermione examinava Rony. A boca dele sangrava e ele tinha um corte no queixo.

-Como você o entendeu?-perguntou Harry, de volta à Alameda Paulista.

-Ele fala inglês!-disse Rony, exaltado.- Aquele filho da p...

-Rony!-interrompeu Nádia, seriamente.- Não precisa disso...

-Aquele cara já estava sacando a varinha!-exclamou Catherina, preocupada.- Ele poderia te enfeitiçar e você ainda não pode fazer mágica fora de Hogwarts!

-Talvez a gente devesse voltar para o apartamento.-sugeriu Hermione.

-É, vamos indo...

Eles foram parar outra vez no mundo dos trouxas, e de lá para o apartamento. Lisa deu um salto do sofá quando viu o estado de Rony.

-Ora, por Deus! O que aconteceu com ele?

-Cena de ciúmes.-murmurou Harry.

-Eu posso dar um jeito nisso.-disse ela, puxando Rony pelo braço.-Venha comigo.Quanto a vocês, voltem para o quarto, já arrumei as camas.

Nádia, Catherina e Mione não deixaram Harry entrar no quarto, e puseram os pijamas primeiro, para que depois ele também o fizesse.

O chão do quarto de Catherina estava agora coalhado de colchões; a cama dela estava transformada num beliche e três colchões com lençóis e cobertas estavam estirados ao lado. Harry foi até seu malão e trocou-se.

Quando voltou para a sala, viu que Lisa dera uma de Madame Pomfrey com Rony; ele já não demonstrava nenhum sinal de ter saído no tapa no meio de uma boate.

Dali a pouco, eles foram deitar, Nádia na beliche de cima e Catherina na de baixo, enquanto Harry, Ron e Hermione ocupavam os colchões. E foi só naquela hora que Harry se tocou do longuíssimo dia que acabara de ter. Há cerca de doze horas ou menos atrás, ele estava cortando a grama do jardim dos Dursley e agora estava num apartamento no Brasil, com seus quatro melhores amigos.

E agora... Agora Harry tinha certeza que Catherina também gostava dele... Ele ficou ali por um tempo, olhando para a escuridão e lembrando-se longamente das duas vezes em que chegou a beijá-la: a primeira, na Câmara Secreta, momentos antes de dar de cara com Voldemort outra vez, e a segunda. Depois da final do Campeonato de Quadribol Intercasas, na frente de toda Hogwarts. É claro que da segunda vez ela literalmente pegou-o pelo pescoço mais tarde, mas naquele dia Harry estava tão feliz que nem estava se importando. Mas agora, nas férias, era diferente...

É claro também que a idéia de criar coragem para pedi-la em namoro não saía de sua cabeça; mas Harry podia sentir passo-a-passo a pedra de gelo escorregando por seu esôfago até o estômago.

Pensando nisso, logo Harry adormeceu.