Capítulo Três – Brasil versus Peru
A cada noite, Harry esperava um sonho (ou melhor, um pesadelo) com Voldemort, alguma pista, qualquer coisa, mas desde que saíra de Hogwarts, no fim do último trimestre, nada. Nem sequer um vulto.
Quando, no terceiro dia no Brasil, eles foram ficando sem assunto, Harry resolveu mostrar o "Guia da Animagia", que ganhara de Sirius. Rony ficou simplesmente fascinado.
-Animagos? Agora podemos ser animagos? Cara! Em que bicho será que vamos nos transformar?
-É, nós já passamos um pouco da idade de quando meu pai, Sirius e Rabicho se tornaram animagos.-disse Harry.
O primeiro capítulo falava da necessidade de sentir a "animalidade" que cada ser humano tem dentro de si, sobre meditar e sobre pressentir um possível animal em que se transformaria. É claro que não tiveram nenhuma evolução de cara.
-Mas sobre o Harry podemos até chegar perto.-disse Catherina.-O pai dele era um cervo, e os dois descendem de Godric Griffindor, é possível que Harry se torne algum animal que simbolize a coragem ou qualquer coisa do tipo.
-Isso me faz lembrar...-disse Nádia.- Aquele dia, na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, a profª Figg mostrou a previsão dela pra você, não foi, Cathy? O que dizia?
-Só uma frase: o leão vem de Griffindor. E como as previsões da Hufflepuff tratam o Harry por leão, ficou fácil sacar.
-Daí uma boa pergunta: -disse Hermione.- O que uma vidente sente quando tem uma previsão?
-Eu ainda não tive nenhuma... Mas a profª Melissa me disse que é como se um relâmpago cortasse os pensamentos dela, e a frase ou poema criptografado simplesmente surgem na cabeça dela... Deve ser muito legal ter uma previsão.
Aquilo foi o máximo que conseguiram deduzir sobre Animagia. Durante a semana que antecedia o amistoso de quadribol, deram muitas voltas na cidade, e em quatro dias Harry já sabia uma considerável lista de palavras em português, que acabaram por tornar aquele país mais atraente ainda.
Mas havia um problema: Harry não podia responder a carta de Sirius. Não, o garoto não duvidava da capacidade de sua coruja Edwiges, mas seria crueldade fazê-la atravessar meio mundo só pra entregar uma carta e ainda ter de voltar com a resposta.
Pela primeira vez, o tempo tornou-se amigo de Harry, que ao mesmo tempo queria aproveitar a semana com seus amigos, mas também queria ver logo o amistoso de quadribol.
Na véspera, Catherina ficou assistindo quieta os outros falarem de Bulgária x Irlanda, já que na época ela morava no Brasil com seus pais e Nádia fora também ver o jogo, embora não no camarote de honra. Eles estavam todos já de pijamas, sobre cobertas sem exagero e muito confortáveis naquele friozinho brasileiro.
-Mas ninguém vai duvidar que o Vítor foi corajoso.-defendeu-o Hermione.- Ele deve ter sofrido muito pra pôr fim no jogo.
-Pois é, Mione, o Vitinhodeve estar morrendo de saudades.-disse Ron.- Você não foi pra Bulgária?
-Eu já disse que não, Rony.-disse ela, meio aborrecida.- Não sei se você está lembrado de que não gosto do Vítor como ele quer. De vez em quando ele me manda uma coruja, me disse que arranjou um bom lugar num time qualquer da Bulgária, nem guardei o nome.
-Fico imaginando como o Lynch sobreviveu àquele jogo.-disse Harry, mudando de assunto.- Ele foi pro chão duas vezes, foram duas Fintas de Wronski...
-Falando em Finta de Wronski -lembrou Nádia, sonhando.- E aquela que o Malfoy tomou, hein? Deve ter desfigurado aquela cara metida.
Ela falou e imediatamente notou que todos olhavam pra ela.
-O que foi?
-Você acabou de me lembrar...-disse Catherina.- Na Câmara Secreta, você berrou que tinha vergonha e nojo do dia em que o Malfoy tinha te beijado. Explique-se, senhorita Fletcher.
Nádia teve um súbito ataque de gagueira.
-O M – M - Malfoy?
-É, Nádia.-disse Rony, pondo-a em cheque.- Quando foi isso?
Ela engoliu em seco.
-Acho que foi antes da reunião da Ordem... Antes da Cathy cumprir a detenção no Snape na sala de troféus.
-Hum...-disse Hermione, abafando um risinho.- E o que você achou?
-Ah, na época eu gostava dele... Fiquei toda problemática, porque eu era da Ordem da Fênix e ele um sonserino...
-Agora você vai contar tudinho!-disse Catherina, sentando-se depressa.
-Ih, Harry, melhor a gente sair daqui.-interrompeu Rony, se levantando.- Elas vão ter aquilo que chamam de conversa de garotas.
-Tem toda a razão.-concordou Harry, que não queria nem imaginar a narrativa de Nádia sobre seu beijo com Malfoy, e levantou-se também. Rony e ele saíram do quarto e debruçaram-se no parapeito do terraço, observando os carros pequenininhos lá embaixo, a vida das pessoas ditas normais transcorrendo sem mudanças.
-E aí, como vai o namoro?-perguntou Harry ao amigo, num tom de quem quer começar uma conversa.
-Vai indo, mas por enquanto, eu quase não consegui namorar a Mione do modo propriamente dito. A gente quase nunca fica sozinho...
-É, eu sei como é. -disse Harry.- Eu nem te contei do primeiro beijo que eu dei na Catherina, antes da final de quadribol.
Rony desviou o olhar dos carros lá embaixo e olhou pra Harry, surpreendido.
-Sério? Quando isso?
-Na Câmara Secreta, antes de vocês chegarem.-e contou.
-Que romântico.-murmurou Rony, no final da narrativa.- Se alguma garota daqui perguntar a ela como foi o primeiro beijo dela, ela vai responder: "Ah, nada demais, só foi com o famoso Harry Potter, na ante-sala da Câmara Secreta, minutos antes de darmos uns berros com o maior bruxo das trevas do mundo".
-É...-murmurou Harry.- Depois disso eu só voltei a tocar nela na frente de toda Hogwarts.
-Mas e depois disso? Vocês não conversaram?
-Na danceteria, quando chegamos aqui.-contou Harry, amargurado.- Mas ela só me disse que o beijo não tinha sido uma coisa de momento. Aí ela foi procurar a Nádia e você começou a brigar com aquele brasileiro.
-Puts, Harry, me desculpa, se eu soubesse...
-Tá tudo bem.-disse Harry depressa.- Você nem poderia imaginar...
-Sabe de uma coisa? Essa menina é muito difícil, você devia ir á luta, cara.
-Como assim, ir à luta?
-Sei lá Harry, se aproximar mais, ter bastante momentos a sós...
-Mas se nós ficamos a sós, a gente nunca consegue trocar duas frases sem abordar "o assunto" e ficarmos muito vermelhos.
-Comigo e a Mione foi igual. Ou a gente brigava, ou a gente se beijava. Coisas de casal, Harry, significa que você está no caminho certo.
-Ah, Rony, mas se a gente já se beijou duas vezes e ela ainda fica feito um tomate só de me olhar nos olhos, isso sem falar de mim...
-Eu vou dizer uma coisa a você, Harry: se você não andar logo com isso, vai aparecer um Morgan dois, e você viu que ela conversa com todo mundo, seja o famoso Harry Potter ou um Comensal da Morte arrependido.
-Vocês vão passar a noite aí?-disse a voz de uma garota, atrás deles.
É claro que só podia ser Catherina. Rony virou-se, deu um olhar significativo e Harry e voltou pra dentro. Ela já entrava também quando Harry, pensando um desesperado "Agora ou nunca", segurou seu braço.
-Que foi, Harry?-perguntou ela, estremecendo quando ele a tocou.
Por que é que ela sempre fazia com que ele falasse tudo, quando ela já sabia muito bem?
-Catherina, por que você finge que não... Que não saber o que eu quero falar?
Ela engoliu em seco, olhando a mão dele que a segurava ainda:
-Você não vai me entender, mas eu nunca sei se eu realmente sei.
-Está certa. Eu não entendi.
Ela riu.
-Bom, vou entrando.
Mas quando ela se virava outra vez, tomado de um impulso, Harry puxou-a com mais força e sem pensar no que estava fazendo, beijou Catherina uma terceira vez, antes que ela se debatesse e se soltasse.
-Harry, o que você está fazendo?-perguntou ela, furiosa, e só não gritava para não chamar a atenção de ninguém.
Harry já estava cansado daquele joguinho.
-Até parece que você não sabe o que é um beijo! Até um tempo atrás você disse...
-Minha palavra não volta atrás, mas eu não te dei o direito de sair fazendo esse tipo de coisa ainda.
-Você está tendo um piti por causa de um beijo? Ora, por favor, você já deixou nas entrelinhas várias vezes que também gosta de mim!
Ele não sabia o porquê de estar falando tanta coisa de uma vez; mas realmente já estava na hora de lavar a roupa suja.
-Eu não estou dizendo que não gosto de você, mas eu não me sinto à vontade assim...
-Assim como? Você tem medo de menino? Quando o Morgan te pediu um beijo, você quase o atendeu...
Catherina estava com tanta raiva que tinha muita vontade de gritar, mas então seus tios ouviriam tudo.
-Não sei se você está lembrado, mas embora não seja assim, eu tenho bons motivos para temer o sexo oposto!
Harry demorou a perceber do que ela estava falando.
-Você por acaso está me comparando com Lúcio Malfoy, com o filho dele e com o Morgan?
Depois de dizer isso, percebeu imediatamente que ela se arrependera do que havia dito. Baixou a cabeça e disse, num tom moderado:
-Me desculpe, Harry, não era isso que eu queria dizer. Você não me entendeu...
-Não mesmo, Catherina. Você é complicada demais pra minha compreensão.
Harry passou por ela e voltou para dentro do apartamento.
Ele realmente não entende, pensou Catherina, respirando fundo e debruçando-se no lugar onde estivera Rony. O grande Harry Potter... Tentando beijá-la... Que garota imaginaria isso? Mas Harry não gostava de ser visto daquele jeito, ele queria ser apenas mais um grifinório como todos os outros de sua Casa, não pedira pra ter aquela cicatriz.
Por que ela não podia lidar com aquele fato? Ele era um garoto como todos os outros, que importava se ele era tão famoso? Por que tinha medo de se deixar levar? As palavras que Arabella Figg lhe dissera no ano passado fervilhavam nela... Para nunca sair de perto dele, para protegê-lo, até que chegasse a hora da última batalha...
Que droga!, pensou ela. Por que tenho que ser tão complicada?
Harry passou pela sala disfarçando o nervoso que estava sentindo, sem sequer olhar para os lados. Decidiu ir ao banheiro se controlar antes de voltar para o quarto.
Quando abriu a porta, surpreendentemente, viu-se num quarto onde nunca se achara antes, mal iluminado, com poucas velas suspensas no ar, iluminando uma mulher jovem, com expressão meio assustada, encolhida numa poltrona grande e vermelho-carmim, embrulhada num xale amarelo. Do outro lado do quarto, um homem alto e bem vestido para um bruxo. Nenhum dos dois pareceu notar que ele estava ali, o que fez Harry imaginar que de algum modo viera parar em alguma lembrança. A mulher lhe era totalmente desconhecida, mas a silhueta do homem sob a baixa luz lhe pareceu remotamente familiar.
-Victoria -disse o homem, e Harry já estava quase percebendo quem ele era.- Já chegou a hora de escolher a sua direção. Ou virá comigo, ou...
-... Você me matará.-completou ela.-Mas Tom, ainda está em tempo de voltar atrás... Por favor, você acabará se destruindo nesse rumo... Eu não posso te acompanhar se você pretende conquistar o poder dessa maneira.
Era Tom Riddle, Voldemort. Harry nunca pensou que ele pudesse falar com alguém sem mostrar o assassino que era. Quando Riddle falou de novo, sua voz revelou uma coisa que Harry nunca percebera antes nela -sentimentos.
-Victoria -insistiu ele.-Você não pode fazer isso comigo. Você é a única pessoa no mundo que eu amo, a única pessoa que eu não conseguiria matar.
-Tom, não posso te apoiar nessa matança de nascidos trouxas que você está pretendendo... Eu mesma nasci trouxa, e isso me poria no topo de sua lista. Eu também te amo, Tom, mas não poderia fechar os olhos para o que você quer fazer.
-Serei o maior bruxo do mundo.-disse Tom Riddle.-Você voltará para o meu lado mais cedo ou mais tarde.
-Não, Tom.-disse ela, resoluta.- Aqui os nossos caminhos se separam. Se um dia você perceber o erro que está cometendo, vou estar te esperando.
-Victoria, você não entende os meus motivos...
-Não mesmo. Por que matar pessoas descendentes de trouxas e quem mais se opuser a você?
-Está no meu sangue, Vicky, você sabe disso. Sou um Slytherin. O poder é o meu destino.
Victoria, muito lentamente, se levantou, e Tom deu uma série de passos na direção dela.
-Eu já te disse -insistiu ele, outra vez.- Você estará segura comigo, você é a única pessoa que eu amo...
-Eu não sou uma bruxa das trevas, Tom. Se soubesse, eu nunca teria me envolvido com você.
-Tarde demais.-disse ele, numa aproximação final, beijando-a.
-Harry!
-Harry, acorda...
-Você está bem?
Muito lentamente, Harry abriu os olhos. Estava em seu colchão no quarto, rodeado pelos tios de Catherina, pela própria, por Ron, Mione e Nádia.
-O que aconteceu...?-perguntou ele, a voz embargada.
-Achamos você na porta do banheiro, desmaiado.-disse Hermione.-O que houve com você?
-Não faço a menor...
-Talvez ele tenha só tido uma queda de pressão.-sugeriu Lisa Black, tocando o rosto de Harry com as costas da mão.
-É, acho que é isso...-balbuciou Harry, se sentando.
O olhar dele encontrou o de Catherina, que estava extremamente envergonhada e desviou os olhos na mesma hora. Rony olhava para ele com aquela cara de quem está morrendo de medo por ele.
-Vou buscar a Poção Restabelecedora.-disse Emílio, saindo do quarto.
-Depois que ele vier, você toma tudo e depois vão dormir, que amanhã às dez é o jogo de quadribol.-recomendou Lisa, dando uma de Madame Pomfrey.
Quando a tia de Catherina também saiu também do quarto, os outros encheram Harry de perguntas.
-O que aconteceu mesmo?
-O que você sentiu?
-Teve algum pesadelo?
-É claro que teve.-disse Catherina.- Sua aura está preocupada, Harry, o que houve no sonho?
Harry começou a contar quando Emílio voltou com a poção. Harry tomou-a, agradeceu e ele foi de novo, para depois o garoto terminar de contar.
-Mas como Voldemort era capaz de amar uma filha de trouxas?-perguntou Nádia.- Como justamente o grande vilão Voldemort?
-E como ele era capaz de amar?-simplificou Rony.- Alguém como ele?
-É esquisito mesmo.-disse Harry.-Mas eu não acho que tenha sido um sonho à toa.
-Normalmente o Voldemort mataria qualquer que demonstrasse qualquer inclinação a ser contra ele.-comentou Hermione.- Ainda mais se essa pessoa fosse filha de trouxas.
-Quem iria adivinhar que ele era apaixonado?-questionou Catherina, desviando do olhar de Harry para bem longe outra vez.- Estou imaginando por onde andará essa Victoria.
-E eu estou imaginando como o Harry simplesmente desmaiou na porta do banheiro.-murmurou Nádia, pensativa.-Quero dizer, queda de pressão não foi mesmo. Você nunca teve isso antes, não é, Harry?
-Bom, gente, já são onze horas.-sentenciou Hermione.-Acho que devíamos dormir.
E foi o que fizeram.
Harry acordou, mas não abriu os olhos; ficou por uns momentos apenas ouvindo Lisa abrir a porta do quarto, chamá-los e começar a puxar as cortinas. A cruel luz daquele sol dos trópicos invadiu o cômodo pela janela, e com muita força de vontade, Harry abriu os olhos.
-Vamos levantar, moçada.-disse Lisa.-O jogo é daqui a uma hora e meia.
Harry já estava acostumado com as caras de sono de seus amigos, mas naquele dia ele mal pôde reconhecê-los, Rony era um caso à parte. Os cabelos dele conseguiram finalmente a proeza de fazer cada fio apontar para um lado, enquanto ele esfregava o rosto com as mãos, apenas piorando a obra de arte.
Mesmo assim, logo todos ali estavam animados, afinal dentro em breve assistiriam um jogo profissional de quadribol. Tomaram café ouvindo Emílio dar umas informações sobre a situação atual das duas seleções. Depois os meninos e as meninas se revezaram no quarto para vestir-se (eles primeiro, já que elas demorariam muito mais tempo, com certeza), mas todos usavam roupas normais por dois motivos: para não chamarem à atenção dos trouxas e para não torrarem naquele confuso inverno sul-americano.
-Os Estados Unidos exportam tanta coisa pra cá que até o clima está ficando igual o de lá.- comentou Lisa, que usava uma calça corsário folgada e uma blusinha, como uma adolescente.
-Como vamos ao jogo?-perguntou Harry, enquanto esperavam pelas três garotas.
-Bombas de fumaça aparativa.-respondeu Emílio.-Aqui não é comum usar o pó de flu porque quase ninguém tem uma lareira em casa, por isso criamos uma fumaça que, quando respirada nos transporta ao lugar que queremos.
-E como falamos o lugar?-indagou Ron.
-É parecido com o pó, mas ao invés de dizermos o nome do lugar, dizemos as iniciais. Por isso, no mundo dos bruxos aqui no sul, evitamos criar lugares com as mesmas iniciais.
-E o que acontece quando existem dois lugares?-quis saber Harry.
-A fumaça aparativa fica confusa e escolhe um dos dois por conta própria.-respondeu Emílio.- Mas, ah, vejam só, as garotas estão prontas.
Nádia, Catherina e Hermione saíram do quarto, vestidas convincentemente como trouxas. Pra variar um pouco, Harry deu o seu máximo para não ficar reparando em Cathy.
-Bem, aqui estão as bombas.-disse Emílio, tirando dos bolsos sete bolas leves e roxas, do tamanho de bolas de golfe, e entregou uma a cada pessoa.-Façam assim...
Ele pegou sua bomba de fumaça, ergueu-a e quando jogou-a no chão, gritou:
- JDQ!
Evidentemente, ele fora ao Jogo de Quadribol -depois Nádia, Catherina, ele. Harry jogou a bola no chão e gritou, e assim que respirou pela primeira vez ele percebeu seus sentidos se enfraquecendo e tudo à sua volta saindo de foco e escurecendo, mergulhando Harry na irrealidade de um sonho, até que um relâmpago verde-ácido lhe trouxe de volta à realidade e ele se viu na frente de um estádio idêntico ao da final da Copa Mundial de Quadribol, com a diferença de que era um pouco menor e nem tantas pessoas se acotovelavam para entrar mais rápido no estádio, além do português já familiar a Harry. Alguns falavam em espanhol, mas mesmo assim, as línguas são parecidas e isso não fez muita diferença. Logo depois de Harry, chegaram Rony, Mione e Lisa. Emílio tirou da carteira sete entradas.
-E seus avós?-perguntou Harry a Catherina.
-Vão aparatar.-respondeu ela.
-Ah, olá, Emílio.-Harry entendeu o bilheteiro dizer ao tio de Cathy em português.-Lá em cima, pouco antes do camarote de honra.
-Obrigado, Marcos.-agradeceu Emílio.
Eles começaram a subir, e cruzavam com todo tipo de gente, até alguns que não eram tão gente assim: elfos domésticos atrás de seus donos, elfos selvagens (como os domésticos, mas eram cheios de si e todos usavam roupas mais ajeitadas), anões e duendes, até que chegaram a seus lugares na arquibancada, bastante perto do camarote de honra, onde Lisa apontou o Ministro da Magia do Brasil, Ricardo Marcelus, e o do Peru, que ninguém sabia o nome. Harry apurou o olhar no camarote de honra e achou um perfil muito familiar, que não conseguiu distinguir com perfeição. Pegou seu onióculo guardado desde a Copa Mundial, e viu quem era: Vítor Krum iria assistir ao jogo no camarote de honra. Não precisou pensar muito para saber o que ele estava fazendo ali: logo iria começar um torneio de quadribol entre a América e a Europa, ele estava vendo como iriam jogar os dois times. Como Nádia, Catherina e os Black não possuíam onióculos, Emílio, que era especialista em Feitiços de Cópia, Memória e Confusão, copiou os aparelhos de Rony e Mione, que haviam trazido os deles também. Pelo que Harry soubera, Emílio trabalhava no Departamento do Sigilo Bruxo do Ministério Brasileiro.
-Vão ter mascotes das seleções?-perguntou Rony, ansioso.
-Parece que sim.-disse Lisa, lendo o programa do jogo.- Não estou lembrada dos mascotes peruanos... Quem serão?
-Veremos em instantes.-disse Emílio, olhando o relógio.
-Ah, Emílio -começou Harry, esquecendo-se de avisar Mione de que Krum estava ali.- A gente não sabe quase nada de português... Como vamos entender o que o narrador vai dizer?
-É verdade...-murmurou Emílio.- Bom, Lisa, você trouxe as Poções de Compreensão?
-Sim.-respondeu ela, sacando sua varinha.- Aparecium!
Uma jarra com uma poção azul apareceu.
-Eu havia a enfeitiçado pra não ter que ficar carreando uma sacola.-explicou-se ela.
Emílio conjurou copos e Harry, Rony, Hermione e Nádia tomaram a poção, que tinha um gosto forte e azedo.
-Vamos lá, um teste.-disse Emílio em português.-Vocês estão me entendendo?
Para surpresa de Harry, sua resposta foi sim. De uma hora pra outra, todas as conversar à sua volta tomaram sentido, e ele conseguia não só entender claramente, como também podia falar com fluência.
-A Poção de Compreensão tem um efeito médio de cinco horas.-disse Lisa.-Vamos esperar que o jogo não dure mais que isso.
Mas mesmo que não entendesse nada uma vez terminado o prazo, essa não era a vontade de Harry. Logo, ele ouviu um homem ampliar sua voz, como fazia Ludo Bagman, e começou a irradiar.
-Sejam muito bem-vindos a este amistoso de quadribol entre as seleções do Brasil e do Peru! Vamos começar com os mascotes visitantes...
O ar foi invadido por uma massa que Harry não identificou de imediato; logo ele notou que era um exército de dragões bem menores que os que Harry conhecera no quarto ano de Hogwarts: eram de uma couraça vermelho-vinho, escamosos, com asas mais claras e sem escamas, com caudas longas e cobertas não de espinhos, mas de alfinetes verdes, e Harry adivinhou que aquilo devia ser mais mortal do que espinhos, já que gotas de puro veneno eram visíveis na ponta de cada alfinete.
O mais impressionante naqueles bichos eram, sem dúvida, seus dentes, que eram pelo menos uns trinta centímetros maiores do que a boca, muito brancos e ameaçadores.
-O que é isso?-perguntou Rony, se sobrepondo aos aplausos vindos dos peruanos.
-Viper Tooth!-respondeu Emílio.- Dragões Dente de Víbora! Uma raça tradicionalmente peruana!
Harry observava os dente de víbora, que sobrevoavam o campo como aviões vivos, em perfeitas formações e impressionando todo o estádio com suas acrobacias para todos os lados. Para dragões, eles se mostraram muito doutrinados, e depois desceram e colocaram-se disciplinadamente no lugar reservado aos mascotes do Peru.
-Depois dessa bela apresentação dos Dragões Dente de Víbora, vamos conferir os mascotes brasileiros!
A maioria naquele estádio era brasileira, e por isso os mascotes do Brasil foram mais aplaudidos.
Logo, outro grupo de seres voadores invadiu o campo; olhando melhor, Harry notou que eram mulheres morenas, de cabelos negros esvoaçantes, muito fortes e com roupas ralas, o que não fazia a menor diferença naquele clima; elas montavam cavalos alados extremamente velozes, como flechas cortando o ar com suas asas grandes e infladas.
-Amazonas!-apresentou Lisa.-Costumam viver na Floresta Amazônica, são grandes guerreiras e um povo muito antigo!
As amazonas sobrevoaram o campo todo, até que uma delas convocou uma grande bandeira brasileira, do tamanho de meia quadra de vôlei, e todas elas se juntaram e ergueram a bandeira do Brasil, verde, amarela, branca e azul, no alto do céu até que ela ficou contra o sol, e no fundo verde o público viu vultos de jogadores em vassouras fazendo um belo gol. O público aplaudiu com mais força, e as amazonas fizeram a amazona sumir, sacaram espadas e as ergueram no ar, em um gesto de agradecimento.
Mais aplausos.
-E agora, os times estão prontos pra entrar em campo...-disse o narrador.- A seleção do Peru já está aí! Hoje eles jogam com Casillas, Hierro, Raúl, Mendieta, Valerón, Joaquín e... Ayala!
Sete jogadores entraram em campo com vestes vermelhas, sob muitos aplausos e tomaram seus lugares no campo.
-E... A seleção do Brasil! Eles vêm com Jorge, Fernando, Paulo, Rui, Hugo, Pedro e... Marcelo!
Borrões com vestes verde e amarelas entraram em campo, e os tímpanos de Harry quase explodiram com a balbúrdia feita no estádio pelos brasileiros. Com o onióculo, ele pode perceber que cada uma delas voava com uma Firebolt igualzinha à sua. Em seguida, o narrador apresentou o juiz e o jogo começou.
A velocidade do jogo era realmente incrível; peruanos e brasileiros troavam passes tão depressa que poderiam fazer aquilo até cegos, já que cada qual sabia onde seu companheiro estava. Não pôde deixar de comparar Brasil x Peru com Bulgária x Irlanda, e concluiu que a única diferença eram as cores dos uniformes. Os brasileiros gostavam de saltar das vassouras para as dos colegas, jogada muito feita entre os artilheiros para confundir a defesa peruana, enquanto eles constantemente usavam a Formação Cabeça de Falcão para seu ataque, um modo de jogar que intimidava a defesa adversária.
Meia hora depois, o placar marcava Peru – 210, Brasil – 190, mas os números do jogo não podiam indicar que o Peru estivesse melhor, pois a partida estava realmente equilibrada.
Quando a platéia começou a gritar mais alto do que o normal, Harry voltou-se para os apanhadores -Marcelo e Ayala -, que voavam com tudo para o chão, Ayala à frente e Marcelo tentando emparelhar completamente. Harry não precisou olhar muito pra perceber que Ayala estava apenas numa Finta de Wronski, e quando já visualizava Marcelo esborrachado no chão...
O apanhador brasileiro notou também que não estava disputando nenhum pomo de ouro; a três metros do chão, ele puxou o cabo da vassoura para recomeçar a subir de forma segura. Ayala virou-se pra trás, decepcionado por sua manobra ter dado errado, e acabou ficando meio segundo a mais parado - resultado: Ayala esborrachou-se no chão.
O estádio cresceu de repente, vibrando com o feitiço tornado contra o bruxo do peruano Ayala; Harry tirou os onióculos por um momento e viu muita gente comemorando como se o jogo tivesse acabado... Catherina abraçava a tia de pura alegria, e Harry sentiu-se extremamente idiota de ouvir o narrador gritar:
-Marcelo pega o pomo depois de inverter a Finta de Wronski de Ayala!!!
Absolutamenteaborrecido consigo mesmo, Harry pegou de novo o onióculo, girou o botão lance a lance e viu Marcelo se recuperar da descida e algo dourado chocar-se contra a sua cara. Levando a mão ao rosto, ele pegou o pomo de ouro.
-Eu nunca acreditaria num fim desses!-exclamou Nádia, enquanto saíam do estádio.-Não imaginava que alguém pudesse perceber a Finta de Wronski.
-É... E eu perdi o fim do jogo.-disse Harry, chateado.
-Bom, vamos desfazer essas cópias, não é?-disse Emílio, reunindo os onióculos copiados e sacando a varinha: - Deletrius!
-Vamos voltar pra casa agora.-disse Lisa, pegando mais bombas de fumaça aparativa com outro Aparecium. - CDEL!
Fora do estádio, todos eles voltaram para a casa de Emílio e Lisa.
-É, amanhã nós voltamos pra Inglaterra.-disse Ron, quando, mais tarde, arrumavam o quarto para o retorno do dia seguinte.
-Cathy, no quê seus pais trabalhavam?-perguntou Nádia.
-Minha mãe era pintora.-respondeu Catherina, pela primeira vez sorrindo ao lembrar-se de seus pais.-Esses quadros aqui em casa não são nem a metade de todos que ela fez. O meu pai era auror. Eu já contei a vocês, ele foi da Corvinal, mas sempre odiou Voldemort e tudo relacionado às trevas. Quando nos mudamos ano passado, ele tinha conseguido um emprego no Ministério Inglês. Ele sabia de todos os meus sonhos, e foi ele quem convenceu minha mãe a irmos pra Grã-Bretanha bem na hora em que o Lord das Trevas tinha ressurgido. Meu pai não teve muita dificuldade em conseguir o emprego, já que quando Voldemort voltou muitos deles se demitiram pra fugir... Ele sabia o tempo todo que eu iria ser da Grifinória, e quando tinha apenas um dia de vida pela frente, me confessou que era muito amigo de Lílian e Tiago, quase me confessou tudo...
-Então se Pedro McFisher ainda estivesse vivo -disse Harry -,não teríamos perdido tempo investigando o por quê de você ter ajudado a minha mãe. Que mais ela falou dos meus pais?
-Disse que, mesmo que fosse um corvinal, ele sempre teve amigos da Grifinória. "Pontas e Almofadinhas, principalmente", como ele falou. De fato, por pouco não entrei em Hogwarts no quarto ano, porque meus pais ficaram simplesmente doidos quando narrei o sonho do terceiro ano, com vocês na Casa dos Gritos. Quiseram vir pra cá e pegar o Rabicho. Por culpa dele meu pai não foi um dos Marotos. Pettigrew, um frangote sonserino.
Harry sentiu em cada palavra o ódio que Catherina tinha de Rabicho; se ele era um sonserino, como os Marotos puderam deixar que ele tomasse parte da fabricação do Mapa do Maroto?
-Mas... Se ele era um sonserino, como...?-perguntou Mione.
-Não sei bem, mas todos sabemos que Pettigrew vivia atrás de Sirius, Tiago e Lupin também. Meu pai era muito comportado, um corvinal, para que os Marotos o chamassem pra criar algo como o Mapa, embora ele fosse um amigo muito bom.
-Que mais seu pai te contou?-perguntou Harry, ansioso por saber mais de seus pais.
-Graças a Voldemort, mais nada. Se tem algo que eu quero é pegar o Rabicho, ele... Por causa dele seus pais estão mortos, Harry, por causa dele meu pai não foi um dos marotos e minha mãe a Fiel do Segredo dos Potter, por causa dele seu padrinho e meu tio passou doze anos em Azkaban, por causa dele meus pais morreram e é culpa de Pedro Pettigrew que Voldemort tenha renascido.
-Sabem...-disse Rony.-Isso me faz pensar... Um pai agora é Ministro da Magia, temos uma pá de testemunhas e... Acho que está na hora de limparmos o nome de Sirius.
-Precisamos de provas.-disse Hermione com veemência.-Temos que provar que Rabicho está vivo.
-Em todo caso temos mais chances de toparmos com Pettigrew do que com Voldemort em pessoa este ano.-disse Nádia.-Ele sumiu outra vez e está passando ordens aos Comensais de onde quer que esteja.
-O que te faz pensar que ele não vai voltar à ativa novamente?-perguntou Rony.
-Esse ano ele não vai aparecer em pessoa.-disse Nádia, tranqüilamente.- Não este ano. Vocês acham que ele ia dar-se por desaparecido à toa? Tudo isso é parte de uma estratégia...
-... Que nós temos que desestruturar antes que seja tarde demais.-completou Harry.
-Pois é. Estou cansado de tomar sustos no fim do ano.-disse Rony.-Primeiro, Quirrell; depois, Riddle; depois Sirius, Moody e no ano passado, Morgan e Malfoy.
-Eu sequer suspeitei dele.-disse Mione.-Ele sempre foi um inimigo inofensivo, pensei que o mesmo fosse este ano...
-Todos nós pensamos assim.-murmurou Harry, amargurado.-E o Morgan também, que a gente achou que era só mais um sextanista panaca.
-Harry, não fale dele assim...-pediu Catherina.
-Mas pelo menos é o que eu achava de verdade.-insistiu ele.
-Outra coisa pra pensarmos -disse Rony, rindo.-É se o professor de Defesa Contra as Artes das Trevas vai durar mais de um ano.
Emílio entrou cantarolando pelo quarto com a varinha, apagando as velas.
-Se eu fosse vocês, eu dormiria cedo esta noite. A Chave de Portal Escalada é às sete da manhã.- e saiu do quarto.
Com a cabeça cheia de lembranças, Harry dormiu.
