E a Razão é Você

-Não posso acreditar que agora você é mesmo uma auror, Ginny!

Eu não agüentava mais ouvir aquilo. Será que eu sempre parecera tão tapada a ponto de pensarem que eu nunca atingiria notas suficientes pra me formar auror? A reação tinha sido a mesma, com todo o clã Weasley, e até mesmo com os que não tinham cabelos vermelhos. Hermione e Harry também ficaram chocados. Ou pelo menos o que sobrara de Harry desde que ele havia derrotado Voldemort.

-Mãe! – exclamei, incomodada. – Por que é tão inacreditável?

Minha mãe hesitou. Afinal, eu era sua filhinha caçula, a eterna bebê, aquela que sempre dependeria dela e que nunca teria uma vida própria. Essa parte eu até entendia, mas ainda assim...

-Não, Ginny querida... – Molly Weasley gaguejou na resposta. – Eu apenas me sinto orgulhosa... Seu pai e eu sempre achamos que você acabaria como uma curandeira ou uma repórter, com todos os seus potenciais de infância...

-Sei – resmunguei, sabendo do que ela falava. – Ou eu ficaria eternamente como ajudante da Madame Pomfrey ou usaria meu hábito de falar sem parar para espalhar fofocas entre todo o mundo bruxo, não é? Francamente, mamãe!

Eu estava decepcionada. Afinal de contas, eu tinha ajudado Harry, Rony e Hermione na guerra! E muito, aliás! Não conseguia entender por que todos estavam estranhando tanto que eu tivesse resolvido seguir carreira contra as Artes das Trevas!

-Você sabe que não é assim, querida – minha mãe insistiu, com carinha de oh-minha-filha-é-uma-adulta... – Nós temos orgulho de você e sabemos muito bem que é uma bruxa poderosa!

Revirei os olhos. Qualquer coisa, menos minha mãe mentindo. Isso era muito ruim de se agüentar porque ela mentia tão mal que era difícil não faltar com respeito com ela!

Felizmente eu fui salva de mais uma exclamação amargurada pelo meu pai, cujo ponteiro do relógio girava de "trabalho" para "em casa". Então, para minha tranqüilidade, ele tratou de mudar de assunto e contar sobre como estavam as coisas em seu departamento do Ministério.

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Era a minha primeira semana no quartel-general dos aurores. Eu havia entrado para aquela repartição juntamente de Luna, que surpreendera no fim do sétimo ano com sua decisão no mínimo estranha de ingressar na escola de aurores. Tão mal me acomodei no meu cubículo, vi a cabeça loira dela emergir da divisória.

-Você perdeu um espetáculo – Luna me confidenciou. – Muller acabou de passar por aqui, maluco por causa de um tal contrabandista de charutos. Ele invadiu o QG e começou que deveria ser serviço nosso, pois provavelmente algum bruxo está comprando grandes quantidades de charutos trouxas, os enfeitiçando com algo de Artes das Trevas e distribuindo no submundo...

Virei os olhos.

-Muller está mesmo enlouquecendo – resmunguei, revirando uma pilha de papéis. – Isso é coisa para o meu pai, não pra mim. Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas, você sabe.

-Sei sim. – replicou Luna, estreitando os olhos enormes. – Mas eu achei estranha aquela história ter Artes das Trevas no meio, sabe. Desde que a guerra acabou não houve mais nenhum grande movimento por aqui...

-Não seja boba, Luna... Isso é só história do Muller, para nos convencer a pegar um caso que nem mesmo é nosso.

-Deve ter algum motivo para que ele tenha pedido que os aurores entrassem no caso.

-Ele é só mais uma nova edição do Moody! – exclamei, exasperada. – Ah, eu tinha me esquecido como você adora uma história mal contada, Luna.

Tão mal eu disse isso, o referido Muller entrou mais uma vez no QG. Não era mais do que um homenzinho de meia idade, cabelos grisalhos, baixinho e de olhos ainda maiores que os de Luna. Como eu sempre fui uma das pessoas mais azaradas que andou sobre o mundo bruxo algum dia, ele veio diretamente na direção de nós duas, sacudindo no ar um pedaço de pergaminho enrolado.

-É isso! – ele exclamava, parecendo muito satisfeito. – Consegui um destacamento de dois aurores para investigar o caso dos charutos!

Lançou a mim e a Luna um olhar triunfante. Enquanto eu deixava que a minha cabeça afundasse entre os braços, tive a impressão que Luna adorava cada instante daquela cena.

-Lovegood e Weasley – ele continuou. – São vocês mesmas.

Meia hora depois, enquanto examinava as duas únicas pistas da história maluca de Muller, eu o amaldiçoava mentalmente. Não acredito que teria que fazer o trabalho do meu pai. As únicas pistas eram um charuto com inscrições que denunciavam sua fabricação africana e um pedacinho ínfimo de pergaminho, que pertencera a uma carta. Luna estava examinando tudo atentamente, enquanto eu bufava.

-Angola... – murmurava ela. – Eu não sabia que andavam fabricando charutos por lá.

-Provavelmente não fabricam. Essa pista deve ser falsa.

-Ginny, por favor, aja como uma profissional! – exclamou Luna, magoada com meu desinteresse. – Você conseguiu entender alguma coisa desse papel?

-Só tem algumas palavras soltas... – respondi, mordida pelo desafio ao meu profissionalismo. – Coisas como "carregamento", "Artes", "Beco Diagonal" e "Luanda".

-Luanda?? – Luna se animou mais ainda. – É a capital da Angola! Vamos dar um passeio pelo Beco e vamos procurar algum lugar que venda charutos como esses, Ginny. Depois mande uma coruja para os seus pais, porque nós vamos fazer um pequeno passeio...

Maldita a hora que eu fora designada para aquilo junto com a Luna! Ela não seguia nem mesmo UM procedimento padrão dos aurores. Ela estava certa em buscar algum lugar que vendesse o tal produto destorcido, mas como ela podia sequer cogitar ir para um país africano assim, do nada, apenas sabendo que a capital do país tinha algo a ver com...

-Luna! – exclamei, enquanto ela corria examinando as vitrines das lojas do Beco. – Onde o Muller conseguiu aquele pedaço de carta?

-Eu não sei, me esqueci de perguntar... – murmurou ela, distraída. – Aqui! Veja só, vamos entrando.

Luna falou muito alegremente com o dono da loja, perguntando sobre o fornecedor dos charutos, enquanto eu examinava o produto. Nenhuma novidade animadora ali.

Menos de uma hora depois, Luna já conseguira me convencer de que tinha pistas suficientes para que nós fôssemos até a Angola, só pra caçar um... Um malandro qualquer!

-Eu consegui o endereço dele, afinal! – exclamava ela, enquanto comprava bilhetes para a nossa Chave de Portal internacional. – Isso é trabalho nosso porque ele está envolvendo Artes das Trevas no meio! Talvez a venda dos charutos enfeitiçados seja uma fachada, algum modo de comunicação entre os velhos bruxos das trevas, para que se reúnam lá!

Suspirei, segurando com tristeza o meu bilhete.

-Isso não vai demorar, não é?

-Claro que não – Luna parecia disposta por nós duas. – Ande, venha aqui...

Foi um fisgada e tanto aquela que nos levou para a África...

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-Que mal lhe pergunte, Luna, como você convenceu o dono da loja a te dar esse envelope? – perguntei, dando uma olhada no céu cheio de nuvens, o que não me parecia mesmo um bom sinal.

-Você sabe que eu tenho os meus métodos de convencimento, Ginny... Além do mais, aquele dono de loja tinha uma porção de produtos meio suspeitos, entende. Coisas que nunca passaram e nunca vão passar pelo controle do Ministério... As pessoas fazem tudo hoje em dia pra baratear os produtos! E não havia nada de errado num cliente pedir para ver o nome do lugar de onde vinham os produtos que qualquer um pode comprar, não é?

Virei os olhos, mais uma vez. Alguns anos a mais tinham transformado Luna não só numa maluca, mas numa completa malandra. Ela poderia ter se dado muito bem com Fred e Jorge, se isso tivesse acontecido mais cedo.

-Quer saber de uma coisa? Você anda muito nervosa, Ginny. Ainda pensando no porquê da sua família ter ficado tão chocada por ter se tornado auror?

-Não, Luna, pare de viajar... – murmurei entredentes, dando uma boa olhada na rua cheia de gente passando, alguns sorrindo para nós e outros nos olhando com estranheza. – Como vamos encontrar esse lugar aqui? Eu nem desconfio qual é a língua desse país.

-Seja qual for, não é a nossa. – sibilou a loira com um sorrisinho irônico. – Mas não é possível que ninguém aqui fale inglês, temos que pedir uma informação...

Luna virou-se para um angolano qualquer que passava, levitando um monte de roupas e puxando um menino pela outra mão, e eu assisti, à beira do riso, enquanto ela mostrava o endereço e falava algumas palavrinhas bem claramente, como se a pronúncia fizesse alguma diferença para o pobre homem.

Quando Luna virou-se para mim dizendo que já tinha a resposta, eu até me senti aliviada. O que eu mais queria era fechar naquele dia mesmo o caso e voltar para a Inglaterra, para quem sabe pegar um jantar bem quentinho da minha mãe. Mas, como você deve desconfiar, as coisas não estavam seguindo um ritmo muito normal.

-É aqui – murmurou Luna, verificando o endereço outra vez.

Olhei bem para o estabelecimento à nossa frente.

-Luna, isso é uma confeitaria – resmunguei, olhando os sapos de chocolate com etiquetas de "Feito na Inglaterra". – Não estou vendo charutos enfeitiçados em lugar nenhum.

Mas ela estava convencida de que estávamos no lugar certo. Entrou a passos firmes e foi até o balconista, um homem alto, negro e de sorriso enorme. Mais uma vez ela começou a perguntar, mas ao menos aquele homem tinha noções básicas de inglês.

-Charutos? – ele repetiu, erguendo as sobrancelhas. – Charutos ter aqui sim... Lá embaixo – virou-se apontando uma escadinha atrás do balcão. – Vocês poder ir lá conversar com dono.

Um raio cortou o céu e imediatamente começou a cair uma chuva bem repentina. Luna e eu nos entreolhamos e o angolano abriu a porta do balcão, para que pudéssemos passar.

Conforme fomos descendo as escadas, começamos a ver caixas empilhadas no que parecia um velho depósito. Saquei a varinha logo depois de Luna e em seguida um barulho de pequenas batidas foi chegando aos nossos ouvidos.

-Que droga é essa? – sussurrou Luna, descendo em posição de guarda.

Mais pequenas pancadas. Foi quando chegamos ao fim dos degraus e vimos um homem alto curvado sobre uma mesa verde, com um pedaço enorme de madeira na mão, batendo em bolinhas maciças em cima da mesa. Ele tinha cabelos loiros jogados atrás da orelha, e usava uma capa de bruxo que eu juraria ser inglesa.

-Parado aí! – exclamou Luna, apontado a varinha para ele. – Vire-se devagar, somos aurores!

Ouvi um risinho sarcástico e o homem colocou o pedaço de madeira em cima da mesa, ergueu as mãos e virou-se, com a cara mais desdenhosa desse mundo. Cabelos platinados, olhos cinzentos... Eu conhecia aquele homem!E ele era responsável por muitas, erm... Coisas do meu passado...! Mas Luna foi mais rápida do que eu com o reconhecimento.

-Draco Malfoy – ela murmurou, não escondendo a surpresa.

-Eu sei bem qual é o meu nome, muito obrigado. – ele resmungou, baixando as mãos, exasperado. – Será que não se pode mais ir para a Angola e passar os dias jogando sinuca num depósito empoeirado?

-Sinuca? – eu não consegui deixar de repetir. – Por Merlin, o que é isso?

Mas ele estava ocupado demais para me responder, pois estava me reconhecendo.

-Cabelos vermelhos. O que você quer aqui, Weasley? Pensei que tinha dito que vocês são aurores. – ele riu maliciosamente. – Uma Weasley nunca chegaria a auror... Agora você pode comprar roupas decentes? Ou todo o seu salário está sustentando aquela família de coelhos?

Sim, tem coisas que nunca mudam.

-Comece a falar, Malfoy – Luna tentou impor autoridade na voz, mas eu me senti numa daquelas histórias de criminosos, com minha parceira dizendo falas prontas. Só faltava ela dizer que tudo que ele fizesse poderia ser usado contra ele no dia de seu julgamento. – Nós não viemos parar aqui à toa. Temos que saber o que você está fazendo com esses charutos que está contrabandeando para a Inglaterra. Sabemos que você continua envolvido com Artes das Trevas.

-Artes das Trevas? – Malfoy perdeu toda a compostura elegante e começou a rir sem parar. Tirou um sapo de chocolate de cima de uma das caixas e abriu-a. – Por que diabos eu colocaria Artes das Trevas em charutos? De que isso me serviria?

-Por um acaso, é o que viemos saber, Malfoy. – repliquei, ainda mordida pela provocação dele de antes.

Ele me lançou um olhar examinativo por um longo momento, e instintivamente eu me encolhi. Olhos cinzentos. Eu ainda me lembrava muito bem daqueles olhos nublados. Eu estou a serviço, será que não posso controlar meus hormônios??

-Por que não se servem de alguns sapos enquanto conversamos? – ele ergueu uma sobrancelha, jogando pacotinhos na direção de Luna e de mim.

-Você não está mesmo querendo que aceitemos alguma coisa de você, não é? – Luna disse, suspeitando. Apontou a varinha e murmurou aquele nosso feitiço para verificar encantamentos negros em comida. Eu fiz o mesmo, mas, por incrível que possa lhes parecer, não tinha nada de errado ali.

-Luna – eu disse, ainda meio surpresa. – Isso está limpo...

-Eu avisei. – Malfoy deu um sorrisinho superior. – É só uma cortesia.

Luna baixou a varinha e me olhou, não querendo acreditar.

-Continue falando – ela virou-se para Malfoy de repente, enquanto desembrulhava muito devagar o seu sapo e ele já mastigava o dele com tranqüilidade.

Eu devia ter imaginado que Poções do Sono não são nada de Artes das Trevas, mas que podem ser facilmente inseridos em comida. Tão logo Luna disse aquilo, deu uma dentada no sapo de chocolate e caiu dormindo... Malfoy desatou a rir e eu, furiosa, apontei a varinha diretamente para o coração dele, andei a passos largos até encará-lo de frente.

-Se você não tinha feito nada, fique seguro que terá uma linda multa a pagar para o Ministério da Magia! O que pensa que está fazendo, apagando um auror em serviço?

-Se eu ao menos fosse serviço seu – ele disse, desdenhosamente, pouco se importando com a minha varinha. – Eu estava mesmo me perguntando de onde poderiam ter tirado que Artes das Trevas e charutos poderiam ter qualquer coisa em comum. Mas, ainda assim, foi bom ver o resultado desses anos todos em você, Weasley...

Olhou-me no fundo dos olhos e eu me segurei com tudo para não reparar nele. Eu estou olhando para o nojento Draco Malfoy, eu estou olhando para o nojento, ridículo, convencido Draco Malfoy...

-Está certo, eu estou mesmo contrabandeando os charutos, já que querem tanto saber – ele disse, provavelmente sentindo-se superior. – Antes eu tinha um sócio, muito interessado em colocar algumas substâncias um pouco, digamos... proibidas... Mas iam custar muito dinheiro, para colocar no mercado e para aumentar a nossa segurança. O contrabando só deixa as coisas mais fáceis de serem interessantes... Aposto como você entende como o mau é sempre mais excitante...

Será que ele falava daquele jeito com qualquer outra mulher que entrava naquele maldito depósito? Muito bem, eu tinha terminado o caso.

-Que seja, Malfoy, sua confissão torna as coisas muito mais tranqüilas. – virei-me de costas, indo até Luna. – Agora vamos levar você até o Ministério. Não é minha repartição, mas contrabando bruxo não é a pior coisa que você poderia ter feito, então...

-Ah, você não vai acordar ninguém – eu ouvi a voz arrastada mais próxima, percebendo que ele estava vindo atrás de mim.

-Que seja – eu estava me esforçando pra ficar indiferente ao que ele dizia e fazia, mas estava ficando mais difícil a cada segundo. – Eu vou levitar a Luna até...

-Malfoy! – a voz ressoante do balconista da confeitaria soou no alto da escada. – Algo errado aí?

-Ao contrário, Antônio, ao contrário... – respondeu Malfoy muito lentamente, com olhares para mim. – Vamos fazer assim, Weasley... Eu vou pacificamente com vocês duas até o Ministério, mas em troca vou poder escolher qualquer favor seu...

-Olhe bem para a minha cara, Malfoy – repliquei, exasperada. – E veja se eu tenho cara de prostituta. Você vai para o Ministério de qualquer forma.

-Eu não diria isso com tanta certeza, sabe... – ele sorriu, fazendo menção de passar uma mão pela minha cintura. Eu odiei assumir pra mim mesma que a sensação era maravilhosa, mas eu ainda tinha que dar um jeito de fazer o efeito da poção em Luna passar e prender Malfoy definitivamente.

Tentei em Luna um Enervate, mas aquilo não serviu de nada, a não ser para fazê-la dar uma leve estremecida.

Tentei enfeitiçar Malfoy também, mas ele estava muito mais controlado e relaxado do que eu e facilmente me desarmou.

-Ninguém diria que você é uma auror te vendo assim, desarmada por um bruxo qualquer. – ele comentou, com desdém. – Ande, vem comigo... Acho que agora você não tem nenhuma outra opção.

Chamou o bruxo da loja chamado Antônio e pediu para que descesse.

-Tome conta dessa bruxa aqui – disse ele. – Eu vou lá na loja para você um pouquinho. Venha comigo, Weasley.

Eu não sabia nada sobre o que ele estava tentando fazer, mas também preferia não dar asas à minha imaGinnyção. Mas como era eu a desarmada ali, e a grande frustrada consigo mesma também, tive que subir as escadas empurrada com Malfoy. Uma vez de volta à loja, vi pela janela que aquele trovão que ouvira mais cedo tinha se transformado numa bela tempestade.

-Agora – ele disse, fechando as portas e olhando pra mim. – Por que toda essa conversa durona pra cima de mim?

-Do que está falando?

-Você sabia o tempo todo que eu estaria por trás dessa história.

-Claro que não! Ouça bem, eu nem queria estar aqui. Luna me arrastou, mesmo que isso não seja do seu interesse. O que vocês vão fazer com ela? Vou ter que contatar o Ministério angolano para darem conta desse seu amigo...

-Você sabia sim – ele acusou. – Você sabia que depois da guerra eu iria sair da Inglaterra. Nós já falamos sobre isso.

-Eu passei boa parte destes últimos anos tentando me esquecer que chegamos a nos falar algum dia, Malfoy, que chegamos a nos conhecer, que chegamos a... E eu não sabia mesmo! Fora da Inglaterra é uma coisa! Na Angola contrabandeando charutos é outra completamente diferente!

Malfoy caminhou lentamente até mim, com aquele olhar que prendia os meus pés no chão e que me fazia ficar ali parada e pagar para ver o que ele estava querendo.

-Nós não queremos nada com a sua amiguinha. Só quis que ela ficasse quietinha um bom tempo. E nos deixasse conversar.

Eu desviei dele quando senti que eu cometeria uma das piores besteiras da minha vida se ficasse ali. Corri até a porta e a abri.

-Bem, eu não acredito que tenhamos assuntos pendentes, Malfoy. Homens covardes não merecem nenhuma palavra minha. – virei-me de costas para ele.

-Eu não sou covarde – retorquiu ele, rispidamente, e eu notei seu tom levemente ofendido. – Você mesma disse uma vez que eu já faria muito não servindo Voldemort.

-Não seja ridículo! – eu me virei, trêmula de repente, com as lembranças da guerra à flor da pele. – Você fugiu, Malfoy, foi só pegarmos o seu precioso pai que você fugiu! Afinal, não tinha mais o papai pra te proteger! Eu nunca vou te perdoar por...

Engoli o que estava prestes a dizer; aquele descontrole não pertencia a mim. O tempo todo eu havia sido equilibrada e discreta, mas agora estava gritando para Draco Malfoy e cerca de uma dúzia de prateleiras lotadas de guloseimas bruxas... Dei-lhes as costas mais uma vez e saí na chuva. Bem no fundo da minha mente me perguntei o que seria de Luna fazendo aquilo, mas tudo o que eu queria era manter distância de Malfoy.

Foi quando eu ouvi passos correndo atrás de mim, conforme a chuva caía sem piedade e me encharcava toda. O meu cabelo foi grudando no meu pescoço e me dando aflição, eu tinha tanta coisa a fazer e simplesmente não conseguia...

-Ginny! – gritou Malfoy, numa voz diferente, me alcançando e me segurando pelos ombros. – Olhe pra mim, droga!

Quando ele me virou, eu estava chorando, mas a chuva estava misturada com as minhas lágrimas. Que maravilha! Pra coroar eu tinha começado a chorar, e ainda sem motivo aparente! Só porque ele me encheu de esperanças uma vez, só porque por quatro meses foi a pessoa mais maravilhosa que eu já...

Ele continuava me encarando e ergueu meu rosto, forçando-me a olhar pra ele.

-Eu fui levado por três Comensais. Eles quase me mataram. Disseram que se eu voltasse e tentasse avisar o Santo Potter ou Dumbledore de qualquer parte do plano deles, teriam como te encontrar e te matar. Iam me matar, mas eu consegui fugir, mas não tive mais como voltar para a Inglaterra. E estava quase reunindo motivos suficientes, quando você... Ginny! Você entende? Eu não tive escolha!

Era uma história muito criativa para ser verdade... Eu solucei em resposta. Não, ele tinha mesmo fugido, como um bebê covarde...

-Isso não te convence? – ele gritou, tentando se sobrepor à chuva, ao vento, aos trovões que explodiam à nossa volta. – Eu amo você, Ginny! Nada mais teria me mantido longe da guerra!

Meu rosto ficou lívido. Ele tinha mesmo acabado de dizer o que eu achava que tinha acabado de ouvir?

Ele notou a minha reação e sorriu de leve. Um sorriso sem malícia, sem desdém. Só um sorriso. Então ele ergueu uma mão e segurou o meu rosto... Com o pequeno detalhe de que tanto a mão quanto o meu rosto estavam encharcados. E no instante seguinte ele estava me beijando. E no instante seguinte eu acreditei em cada palavra dele.

Mas ele ainda tinha contas a acertar com o Ministério...