IV

Segredos no Primeiro Dia de Aulas

No dia seguinte, Ron e Harry acordaram cedo e bem dispostos, descendo para tomar o pequeno-almoço com os restantes alunos de Hogwarts. Estavam a tirar o bacon quando Hermione se juntou a eles.

- Bom dia. – disse ela sentando-se. – A professora MacGonagall ainda não entregou os horários, pois não?

- Ainda não. – Ron respondeu com aboca cheia de torrada com doce de laranja. Hermione torceu o nariz e achou-o nojento, por estar a falar com a boca cheia.

Os restantes alunos começaram a descer para o Salão e as mesas começaram a encher-se com ruidosas conversas. Quando já quase que estavam a acabar o pequeno-almoço, a professora MacGonagall surgiu na mesa dos Gryffindor com um molho de papeis nas mãos.

A professora Minerva MacGonagall era a chefe dos Gryffindor e dava aulas de Transfiguração. Com o cabelo sempre preso num carrapito atrás da cabeça e com uns óculos quadrados, era alta, magra e raramente sorria. Era uma pessoa de quem ninguém gosta de estar perto quando ela se zangava. Circulou pela mesa distribuindo os horários.

- Miss Granger – disse ela para Hermione – ainda bem que desistiu de algumas disciplinas.

Hermione pegou no seu horário com um sorriso, relembrando que no ano anterior tinha duas disciplinas ao mesmo tempo, às quais apenas podia ir com a ajuda de um dispositivo mágico, um Vira-Tempo, que permitia que ela voltasse atrás no tempo. A professora continuou a distribuir os horários.

- Potter, o Oliver Wood quer falar contigo. – disse ela entregando-lhe o horário.

- Já?! – Harry exclamou perplexo pousando o papel. – Mas os torneios de Quidditch só começam em Outubro!

- Mas é melhor começar a treinar já. – disse ela severamente. – Para o nosso nome constar na Taça de Quidditch deste ano, vamos ter mais do que algumas dores de cabeça. Vai ser um ano difícil, muito difícil. – e dizendo aquilo, a professora MacGonagall afastou-se.

Harry ficou meio aparvalhado a olhar para ela. Por que é que haviam tantos segredos? Só acordou para a realidade quando ouviu a voz de Ron ao seu lado.

- Oh não! – ele exclamou olhando para o horário que tinha nas mãos. – Adivinhação logo às oito da manhã! Como é possível? É quase tão mau como o que temos a seguir: duas horas de Poções com os Slytherin.

- Outra vez? – resmungou Harry aborrecido. – Será que nunca vamos ter Poções com os Ravenclaw ou com os Hufflepuff? O Snape dá sempre cabo de nós!

- Bem, agora eu vou ter Aritmancia. – disse Hermione olhando para o relógio e pegando na sua pesada mochila. – Vemo-nos daqui a uma hora nos calabouços.

- Bem, vamos lá. – Harry levantou-se com Ron em direcção à Torre Norte onde ficava a sala de aulas de Adivinhação. Riu piscando o olho a Ron. – Vamos lá ver quem é que vai morrer este ano!

Ron entendeu a piada e riu também. Desde que tinham Adivinhação que a professora Trelawney dizia que Harry iria morrer. Até agora ela tinha falhado redondamente. Seguiram com os outros pelo árduo caminho.

Ainda iam a meio das escadas e já todos os alunos estavam a deitar o bofes pela boca. Harry não se lembrava de ter de andar tanto para chegar a uma sala de aulas. Apoiou-se na parede para respirar e Ron estava uma lanço de escadas atrás dele.

- Lembra-me... – disse ele meio sufocado aproximando-se de Harry – ... Lembra-me para a próxima vez que tivermos Adivinhação, de comer um pequeno-almoço reforçado...

- Boa ideia. – Harry concordou, olhando para as escadas que lhe faltavam ainda subir.

- Ei Harry, Ron! – ambos olharam para cima e viram Lavander Brown no cimo das escadas. – Despachem-se! Só faltam vocês os dois! Ah, já agora, Ron? A professora Trelawney disse para tu teres cuidado a subir as escadas.

Ron arfou e ambos continuaram a subir as escadas aspiraladas, passaram pelo quadro de Sir Cadogan até chegarem a um patamar. Harry curvou-se, apoiando-se nos joelhos apara respirar. Uma escada prateada desceu do tecto e os dois começaram a subir. Quando Harry se preparava para abrir o alçapão do tecto, ouviu-se um grito abafado e a escada tremeu. Harry olhou para trás preocupado. Ron tinha escorregado e tinha as calças rasgadas no joelho direito que estava ferido.

- Eu estou bem. – Ron garantiu. – Abre lá isso.

Harry empurrou o alçapão com força e entrou na sala. Harry não gostava daquela sala. Muitas coisas esquisitas tinham acontecido ali. Ron entrou e Harry fechou o alçapão.

Aquela sala estava tal e qual como estivera no ano anterior. Era uma sala com aspecto de sótão, curva e fechada, com as cortinas das janelas corridas. Continuava cheia de pequenas mesas redondas, cerca de vinte, com poufs fofos a toda a volta. Os pavorosos caldeirões forrados a chita também ainda continuavam lá. A luz difusa de cor carmesim, fez com que Harry tivesse de piscar os olhos várias vezes enquanto se encaminhava para uma dessas mesas com Ron.

Os candeeiros com quebra-luzes vermelhos-escuros davam um ar abafado e àquela sala, ajudado pelo calor que vinha da lareira acesa. Perfumes doces e enjoativos flutuavam no ar e eram tão densos que dava a ideia que formavam uma neblina que os envolvia. Harry olhou para um grande cadeirão que estava atrás de uma mesa. A professora Sibyll Trelawney olhava para ele com um sorriso.

A professora Trelawney era uma mulher extremamente estranha. Era muito magra e usavam uns óculos que lhe aumentava os olhos de forma medonha. Usava sempre um xaile de lantejoulas e o seu pescoço frágil estava rodeado de colares de contas. Os pulsos e os dedos tinham anéis e pulseiras de ouro. Apresentava sempre um ar calmo, quase dormente.

- Bem-vindos meus queridos alunos. – disse ela com voz calma. – Bem-vindos a mais um ano de Adivinhação. Mais uma vez vamos tentar expandir os olhos da mente e ver para além do que nos rodeia... Este ano a escola está envolvida numa aura de mistério... Mr. Weasley, não precisa de ir à ala hospitalar, pois não? Devia ter tido mais atenção ao subir a escada.

- Estou bem professora. – disse ele. – É só um arranhão.

- Está bem. Uma das matérias que vamos dar vai ser como prever o imprevisível, tal como pequenos acidentes. – olhar de Neville iluminou-se, pois meter-se em acidentes era o que ele mais fazia. – Também vamos voltar às bolas de cristal. Passaremos também pela simbologia dos signos, pela leitura das mãos e pelo significado dos sonhos, mas este ano vamos começar pela leitura das cartas de Tarot...

Trelawney voltou o olhar para uma mesa em especial.

- Ah, Miss Patil, se eu fosse a menina, teria cuidado na aula de Herbologia. Exploraremos mais vertentes da Adivinhação, mas durante este primeiro período é só o que vamos fazer. Façam o favor de abrir o livro na página cinco e leiam o significado das cartas e...

A professora Trelawney fez um olhar preocupado na direcção de Neville.

- E, Neville, querido, após me incendiares as cartas, por favor, senta-te longe do molho de morango durante o almoço. Esses tipos de nódoas são difíceis de tirar.

Todos os alunos abriram os seus livros e começaram a ler. Harry já estava a ficar enjoado com aqueles perfumes que flutuavam no ar, além de que estava a ficar com dores de cabeça. Após terem lido, a professora Trelawney mandou-os pegar nos baralhos de cartas que estavam na sua secretária. Harry pegou num deles e voltou a sentar-se com Ron, baralhando-as.

- Na página sete diz como devem baralhar as cartas e como as colocar sobre a mesa. Se precisarem da minha ajuda sobre algum significado que não entendam, chamem-me. Treinem com o vosso colega do lado.

Ron pegou nas cartas e baralhou-as, colocando-as na mesa, voltadas para baixo, tal como demostrava o livro. Atrapalhou-se um pouco, mas lá acertou na disposição certa e começou a voltá-las.

- Humm... – disse ele com um olhar compenetrado e pensativo que só fez com que Harry risse. – Na tua situação presente tens a carta da Roda da Fortuna, o que quer dizer sorte ou dinheiro. – voltou outra carta. – O Mago, quer dizer sabedoria... talvez te safes hoje na aula de Poções... Os Enamorados, ena Harry! Segundo o livro quer dizer que vais conhecer alguém de que vais gostar e ou alguém de quem gostas vai começar a gostar de ti.

- Muito bem Mr. Weasley. – a professora Trelawney apareceu por detrás deles olhando para a disposição das cartas – Eu já tinha previsto isso. Em breve, no fim desta semana, no Domingo à noite, o Harry vai conhecer alguém, uma rapariga de cabelos castanhos. Volte a última carta querido, que é relativa ao futuro.

Ron voltou a carta que estava no centro da mesa.

- A Morte. – murmurou Harry e olhou instintivamente para a professora que tapou a boca num gesto horrorizado. – Vou morrer?... – perguntou aborrecido e acrescentou entre dentes – ... outra vez?

- Não, meu querido – disse ela – a carta da Morte está ao contrário para ti, o que quer dizer vida, mas é relativa à morte de alguém que está próximo de ti.

- Agora sou eu que vou morrer? – Ron exclamou. – Eu estou a ver o futuro dele, não o meu!

Toda a turma voltou a sua atenção para a mesa de Harry. Já o ano passado a professora tinha dito que ele iria morrer e agora estavam curiosos em saber que seria a vítima deste ano.

- Não, não és tu que vais morrer. – disse ela colocando-se atrás de Ron e o seu xaile caiu sobre a cabeça de Ron, que se apressou a tirá-lo para o lado. – Quem vai morrer, é a rapariga que Harry vai conhecer em breve. Vai ter uma morte dolorosa... muito dolorosa às mãos de alguém muito poderoso... a Carta do Mago, vai morrer às mãos de um feiticeiro das trevas... Oh, céus... Tanto sofrimento no teu caminho, meu querido... e no dela...

Parecendo perturbada, a professora Trelawney afastou-se deles e sentou-se no seu cadeirão com uma mão sobre os olhos. Ron e Harry ficaram aparvalhadamente a olhar um para o outro. Encolheram os ombros e Harry começou a fazer a previsão de Ron.

Antes de a aula acabar, Neville deitou fogo às cartas, tal como a professora previra, enquanto Dean Thomas fazia a sua previsão. Parvati Patil gritou quando viu que a sua amiga, Lavander Brown, ia cair nas escadas e Seamus Finnigan ficou quase de cabelos em pé quando lhe disseram que, na sua previsão, lhe ia acontecer algo realmente mau com cordas.

Quando a aula acabou, Harry ficou feliz por poder deixar aquele ambiente pesado, respirando fundo enquanto descia as escadas. Os outros Gryffindor olhavam para ele de esguelha, curiosos sobre quem seria a pessoa que ele iria conhecer em breve.

- Quem será a rapariga que tu vais conhecer? – perguntou Ron.

- Sei lá! Acho que já conheço toda a gente desta escola. Só se for alguma aluna nova. – Harry encolheu os ombros. – Também, o que ela diz não é de fiar. Ela passou o ano passado inteiro a dizer que eu ia morrer.

- Acho que tens razão. – disse Seamus intervindo. – Só porque me saiu a carta do Enforcado, ela disse que eu ia ter um acidente com cordas!

Ron e Harry riram com vontade. Aquelas aulas eram mesmo esquisitas. No entanto...

Harry ainda se lembrava do seu exame de Adivinhação, no ano passado, no qual a professora Trelawney tinha entrado em transe e tinha feito uma previsão que ao princípio o tinha assustado:

"... O senhor das trevas erguer-se-á de novo, maior e mais terrível do que nunca. Esta noite, antes da meia-noite, o servo partirá e irá ao encontro do seu amo."

Harry tinha passado as férias a pensar naquilo, mas como as previsões da professora Trelawney eram, geralmente, de pouca confiança e Harry, também por sugestão de Dumbledore, resolvera não atribuir muito valor ao assunto, mas...

Seguiu com Ron para o Salão, em busca de Hermione. A seguir teriam Poções.

- Então? – perguntou Hermione animada. – Quem é que vai morrer este ano?

- Uma rapariga que o Harry vai conhecer no Domingo. – explicou Ron enquanto desciam para os calabouços, para a aula de Poções. – Olha a nossa sorte por já o conhecermos à quatro anos!

Hermione não fez comentários e os três desceram as escadas geladas dos calabouços, onde ficava a sala de aulas de Snape, o professor de Poções.

- Não sabem como eu detesto estas aulas! Não sabem como eu detesto estas aulas! – repetiu Neville vezes sem conta, olhando para os lados, como se Snape pudesse surgir de um canto escuro e lhe saltar para cima.

O professor Snape era o medo de quase todos os alunos, menos dos Slytherin, a equipa da qual ele era chefe. Mas no caso de Neville, o professor causava-lhe um pavor de morte.

- Cuidado! – Harry voltou a cabeça para um canto onde os Slytherin estavam reunidos. – Não deixem as nossas alunas do primeiro ano chegarem perto do Potter! A primeira rapariga que ele conhecer vai morrer dolorosamente!!

Não era surpresa em saber que quem estava a falar era Draco Malfoy. Pelos vistos a história que se tinha passado na aula de Adivinhação já se tinha espalhado pela escola e Malfoy não ia deixar passar uma ocasião como aquela, para tornar a vida de Harry num inferno.

- Não ligues. – rosnou Hermione para Harry, voltando as costas a Malfoy. – Ele precisa de alguma coisa para se entreter, deixa-o fazer-se de palhaço à vontade.

- Não contava em ligar ao que ele está a dizer. – disse Harry seguindo com os outros para dento da sala gelada. – Mas que ele me enerva, lá isso enerva.

Os alunos foram entrando e acomodaram-se juntos aos caldeirões. Harry, Hermione e Ron, como sempre, sentaram-se juntos. Enquanto eles tiravam os livros e os pergaminhos, uma capa negra e ondulante passou por ele e um homem magro, com nariz adunco e com uns pavorosos e oleosos cabelos negros, sentou-se por detrás de uma secretária. Olhou para todos os alunos com os seus pequenos olhos negros e frios. Neville começou a tremer. Era Severus Snape.

Ele pousou a sua mala em cima da secretária e perscrutou os alunos, retendo o seu olhar em Harry, que não gostou da forma como ele o olhava. Harry sabia que Snape, pura e simplesmente, o odiava desde o primeiro dia em que o vira, e não sabia porquê. Toda essa história tinha sido explicada no ano anterior na presença de Remus Lupin, o antigo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas e Sirius Black, o seu padrinho. O ódio de Snape por Harry, já vinha desde o seu pai, James Potter, devido a uma pequena partida.

Snape continuou a olhar para ele de forma deliciada e mesquinha, algo que automaticamente disse a Harry que em breve estaria metido em problemas. O sorriso retorcido do professor não lhe agradou.

Snape tirou o seu livro e colocou-o em cima da mesa, mas não o abriu. Continuou a olhar para Harry. Até Ron estava um pouco retraído quando à natureza daquele sorriso. Fez a chamada até chegar ao nome de...

- Harry Potter... Como foram as tuas férias? – perguntou ele com ironia.

- Foram boas. – disse Harry com voz meia sumida, aguentando o olhar frio de Snape durante o tempo que lhe foi possível.

- Bem, turma – disse ele dirigindo-se mais aos Slytherin que aos Gryffindor – o nosso ilustre Harry Potter teve umas férias muito atribuladas.

Hermione olhou de esguelha para Harry.

- É que o nosso herói, teve problemas com polícias Muggles. – Snape encostou-se à mesa de Malfoy, que não perdia nada e ouvia tudo com uma exagerada atenção. Snape parecia satisfeito por ver Harry a olhar para a mesa de cabeça baixa. – Sabiam que ele foi preso? Por entrar numa propriedade privada para roubar?

Logo de imediato a sala se encheu de murmúrios. Malfoy parecia estar tão entusiasmado, que Harry achava que até poderia dançar se o deixassem.

- A tia dele deve ter-lhe contado tudo. – murmurou Harry para Ron e Hermione. – Ele deve estar realmente satisfeito.

A sala continuou num pequeno alvoroço.

- A roubar Harry? Se o Dumbledore soubesse o que o seu menino de ouro andou a fazer... – gozou Snape.

- Eu não sou o menino de ouro do professor Dumbledore! – Harry retorquiu fazendo frente a Snape, corado como um tomate. Os olhos verdes faiscavam – E depois o meu primo obrigou-me a ir com ele, mas eu não fiz nada!

- Vinte pontos a menos para os Gryffindor. – rosou Snape furioso. – Queres continuar a contradizer-me, Potter? Não é bom para a tua equipa, se começares a perder muitos pontos logo no primeiro dia de aulas.

Harry sentiu a ameaça bem presente na voz de Snape, mas não disse mais nada. Hermione tinha-lhe agarrado o braço, abanando negativamente a cabeça. Só Malfoy parecia estar mais feliz do que Snape.

- Agora, vamos lá ver esses trabalhos de casa... – disse Snape com um ar maldoso, olhando especificamente para Neville Longbottom que quase desfaleceu.

Um pequeno monte de pergaminhos aterrou na secretária de Snape e enquanto ele os lia, mandou-os fazer uma poção que servisse de antídoto à Poção de Asfólio e Absinto, uma poderosa poção soporífera mais conhecida como "O Gole dos Mortos-Vivos".

O resto da aula não foi melhor. Enquanto Ron, Harry e Hermione (que parecia ser a única que sabia o que estava a fazer) estavam a cortar as cabeças às formigas-de-fogo, ouviu-se uma explosão e um fumo azul encheu a sala. Neville, para variar, tinha acabado de fazer o seu caldeirão explodir e tinha agora a cara azul e cheia de pelos finos, por ter sido atingido pelo quer que fosse que estava dentro daquele caldeirão. Teve que ir para a ala hospitalar. Os Slytherin riam como loucos, principalmente o Malfoy. Harry quase que apostava que Malfoy tinha feito das dele e que o acidente de Neville tinha tido uma pequena ajudinha.

Harry ouviu de Snape porque a sua poção tinha ficado azul céu em vez de azul marinho, perdendo mais cinco pontos por razão nenhuma. Antes de saírem para o intervalo, Snape devolveu os pergaminhos.

- Tens que trabalhar mais Potter. – disse ele atirando o pergaminho para as mãos de Harry. – Lembra-te: a fama não é tudo.

Arrumando as suas coisas em responder, Harry saiu da sala e só então olhou para o sua nota. Ele não sabia se aquilo era um oito realmente mal feito ou um zero por cima de outro.

- Quanto tiveste, Harry? – Ron perguntou com tristeza. – Só tive oito valores em vinte.

- Eu não sei. – disse Harry semicerrando os olhos tentando perceber o que lá dizia. – Eu são sei se tive um duplo zero ou um oito. – olhou para o lado. – E tu Hermione?

Ela não respondeu.

- Hermione?

Nada.

- HERMIONE GRANGER!!!

Finalmente ela olhou para os dois amigos, segurando o pergaminho com a mão tremula. Tinha os olhos húmidos.

- O que foi? – perguntou Ron preocupado.

- Ele... ele... ele.... – dizia Hermione retendo as lágrimas.

- Ele? Ele o quê? – perguntou Harry a ficar também preocupado. – Vá, diz-nos o que se passa!

- Ele... ele só me deu um quinze! – disse ela num lamento doloroso.

- Ele s te deu quinze e tu ficas assim? – Ron gozou. – Imagina se ele te desse um oito, como me deu a mim!

- Não percebes? – disse ela a ficar irritada. – É uma nota horrível para começar o ano! E sabes por que é que ele me deu esta nota? Porque o meu trabalho estava demasiado longo!

Hermione desenrolou o seu pergaminho que tinha quase um metro e meio. Os de Ron e Harry mal chegavam ao meio metro.

- Não te preocupes. – disse Harry para a consolar. – Com os trabalhos de casa que temos de fazer hoje para entregar, com certeza que vais tirar melhor nota.

- Espero que sim... – disse ela realmente triste, fungando.

Os três dirigiram-se para a aula seguinte, a de Transfiguração.

Essa aula correu francamente melhor, embora quase ninguém se lembrasse do que tinham que fazer, quando a professora MacGonagall lhes pediu para transformarem uma toupeira numa gaita-de-foles. Hermione já estava mais animada, pois com as suas transfigurações, tinha ganho imensos pontos para os Gryffindor.

As aulas de transfiguração eram boas, mas eram muito difíceis e os montes de trabalhos de casa que a professora MacGonagall lhes passava, não ajudava nada. Ron passara o tempo que lhes restava até à aula seguinte, que era a mais chata de todas, a História da Magia, a resmungar que aquilo não podia ser, que não lhes podiam passar tantos trabalhos de casa no primeiro dia.

A aula de História da Magia era a última antes do almoço e era dada pelo único professor fantasma, o professor Binns. Dizia-se que um dia se tinha levantado, após ter adormecido numa cadeira, e que tinha ido dar a sua aula sem se aperceber que tinha deixado o corpo para trás.

Eram aulas aborrecidas, só com acontecimentos históricos e datas. Quase toda a gente adormecia naquela aula e a coisa mais excitante que podia acontecer, era algum aluno adormecer de facto e começar a ressonar a alto e bom som. Aquela aula não foi excepção.

Após terem passado a hora a tirar apontamentos e datas sobre a insurreição das Bruxas Carpideiras em 1756, e da Guerra dos Gnomos com os Duendes na Idade Média, todos estavam mais do que ansiosos por sair dali e mal tocou, dirigiram-se apressadamente para o Salão, para almoçarem com os outros alunos. Harry sentou-se à mesa com Ron e Hermione, que tinha o nariz metido dentro do livro de Runas Antigas.

- Vais ler e comer ao mesmo tempo? – perguntou Ron enquanto a sua irmãzinha, Ginny, se sentava junto a eles lançando um tímido "olá" a Harry.

- Só estava a ver umas coisas. – disse ela fechando o livro aborrecida. Olhou para a mesa dos professores enquanto punha um bife suculento e batatas fritas com ketchup no seu prato. – Ainda não veio o professor de Defesa contra as Artes das Trevas. Não há ninguém novo.

- Sim, – concordou Harry pondo os brócolos de lado – E no nosso horário temos alguns espaços vazios que devem ser para essa aula. Será que não vamos ter este ano?

- Não sei. – disse Ron com o seu nariz quase mergulhado nas batatas fritas. Olhou depois para os professores que cochichavam, meios amontoados, junto à cadeira de Dumbledore.

- E se fossemos ter com o Hagrid depois do almoço? – Harry sugeriu. – Ainda não falamos com ele e não temos aulas à tarde.

- Não está nada mal pensado. – disse Ron.

- Então e os trabalhos de casa? – perguntou Hermione de forma autoritária, que muito fazia lembrar a professora MacGonagall. – Temos uma verdadeira montanha de trabalhos de casa, a Poções, a Transfiguração, a História da Magia e eu ainda tenho a Aritmancia! Não podemos andar por aí a passear!

- Hermione, caso não te lembres, – Ron chamou delicadamente, depois gritou – ESTE AINDA É O PRIMEIRO DIA DE AULAS!!!

- Vá lá – disse Harry – só lá vamos fazer uma visita! Não vamos ficar lá eternamente. Nós vimos a tempo de fazer os trabalhos de casa. – sorriu para Hermione. – Então? Vens?

- Está bem, eu vou mas só porque quero saber se vamos ou não ter Defesa Contra as Artes das Trevas. – disse ela num meio resmungo.

- E tu Ginny? Queres vir? – disse Ron dando uma dentada nas batatas fritas que lhe fizeram um bigode de ketchup.

- Não. Tenho aulas de tarde.

Todos voltaram de novo às suas refeições, que agora tinham sido substituídas pelas sobremesas. Ron olhou para o tecto e depois para o relógio. Parecia preocupado.

- O que se passa? – Harry perguntou, a meio de uma colherada da sua tarte de abóbora.

- O correio. – disse Hermione. – Está atrasado.

Quase como se a frase de Hermione fosse um aviso, uma centena de corujas entraram pelas janelas junto ao tecto, transportando pacotes de todas as formas e cores, voando em círculos por cima das mesas, em busca dos seus donos.

Sem dizer nada, Ron pôs-se de pé em cima do seu banco, com os braços abertos à frente do corpo e com o corpo ligeiramente flectido, como se estivesse à espera de apanhar algo. Todos olhavam para ele perplexos.

- Ron, o que estás a fazer? – Hermione perguntou.

- Estou à espera da Errol. – disse ele parecendo aborrecido. – Quero ver se a agarro antes de ela aterrar e provocar estragos.

Ron permaneceu em cima do banco, olhando para o tecto, à espera de ver a velha Errol. Vários embrulhos começaram a cair numa uma chuva colorida. Uma coruja amarela deixou a Hermione um jornal e Harry não se espantou por não ver a Hedwig. Ele raramente recebia correio.

Uma coruja cinzenta atravessou o ar junto ao rosto de Ron, que praguejou por quase ter caído abaixo do banco, e deixou algo verde cair junto a Neville. Aquela mancha verde aterrou mesmo em cima de uma taça de molho de morango, fazendo aquele creme espirrar para os mantos de todos que estavam junto de Neville. Ele mergulhou as mãos na taça e retirou um sapo de lá de dentro.

- Trevor! – disse ele com um sorriso nas suas bochechas gordas cobertas de creme de morango. Ele tinha-se esquecido do seu animal de estimação, o sapo Trevor, e a avó tinha-lho mandado pelo correio das corujas. Ele começou a limpar o sapo carinhosamente, com uma das pontas do seu manto.

Ron continuava em cima do banco, olhando em volta, mas não havia nenhum sinal da Errol.

- É melhor sentares-te. – disse Ginny preocupada. – A Errol não veio. Se calhar caiu pelo caminho – sentiu um arrepio e começou a tremer – e está inconsciente... ainda pode ser comida por um gato dos Muggles!

- Quem me dera! – disse Ron de lado. – Pode ser que assim a mãe compre uma nova! A Errol está muito velha para ser a coruja da família. Já devia estar na reforma! Por que é que a mãe não usou a minha Pigwidgeon?

Ron voltou à sua sobremesa quando ouviu uma voz.

- Ei, Ron Weasley!

Ele olhou em volta para ver quem o chamava. Um rapaz de cabelos encaracolados dirigia-se para ele, vindo da mesa dos Hufflepuff e trazia algo pendurado na mão. Quando se aproximou, viram que era Justin Finch-Fletchley.

- Olá Justin! – disse Harry, que achou esquisito que o amigo estivesse com o cabelo, a cara e os ombros cobertos de gelatina roxa.

- Olá. – disse ele com um sorriso. Depois voltou-se para Ron, erguendo na mão de cabeça para baixo, algo que parecia um espanador de penas cinzento com patas. – Olha lá Ron, esta coruja não é tua?

- Errol! – exclamou Ron profundamente aborrecido, pegando na coruja inconsciente, pousando-a em cima da mesa.

- Ela aterrou mesmo em cima da gelatina de amora que estava à minha frente. – disse Justin. – Enganou-se na mesa, coitada. Bem, está entregue. Até logo!

Justin afastou-se enquanto Ron e Ginny tentavam tirar o bilhete que a coruja inconsciente tinha nas patas. Enquanto o faziam, chegou Pigwidgeon, a minúscula coruja de Ron. Ela parecia vir cansadita, pois transportava um embrulho mais pesado do que ela. Pousou ao lado de Ron e depois de lhe tirarem o embrulho, ela ficou a voar em círculos em volta da cabeça de Ron, largando pios estridentes.

- Tem calma! – Ron ralhou. – Já te dou atenção! Deixa-me tratar da Errol.

Ron tirou a mensagem que Errol trazia.

Queridos Ron, Ginny, Fred e George,

Desculpem ter de vos mandar a Errol, mas só depois de a mandar é que a Pigwidgeon apareceu aqui. Ela leva algumas coisas de que vocês se esqueceram. Espero que o vosso primeiro dia vos tenha corrido bem e que não se tenham metido em sarilhos. Já agora, Ron? Dá uma vista de olhos no Profeta Diário. Não te posso dizer mais nada. O Charlie vem a casa neste fim de semana, ele depois manda-vos uma coruja.

Portem-se bem!

Mãe

- Há alguma coisa para nós? Alguma novidade? – perguntou Fred, aproximando-se com George atrás dele.

- Se houver está nesse embrulho. – Ron apontou para a caixa que Pigwidgeon tinha trazido. – O Charlie vai vir a casa neste fim de semana.

- Que pena não estarmos lá... – suspirou Ginny tristonha – Já tenho saudades do Charlie...

Fred e George abriram a caixa para ver o que a mãe lhes tinha mandado.

- Nós vamos ver se o Percy também tem algo para nós. – disse George olhando para a sua irmã. – A Hermes acabou de chegar. Queres vir?

Ginny acenou afirmativamente e deixou Ron sozinho que começou a cochichar logo para Hermione e Harry.

- Neste bilhete a mãe diz para eu dar uma vista de olhos no Profeta Diário. – disse ele baixinho. – Porquê?

- Não sei. – Hermione abriu o jornal que a coruja lhe tinha deixado. – Vamos ver.

Ela abriu o jornal de feiticeiros, o Profeta Diário, e Harry e Ron espreitaram enquanto ela passava as folhas lentamente, procurando por algo que não sabia o era.

- Não vejo nada de especial... – Harry comentou parecendo desapontado.

- Bem – disse Hermione para Ron – vêm aqui uma notícia sobre o teu pai.

- Lê-a.

"ESPECIALISTAS ESTRANGEIROS CONSULTAM MINISTÉRIO DA MAGIA BRITÂNICO

Ontem, várias corujas e, ainda mais invulgar, alguns mochos estrangeiros chegaram ao Ministério da Magia com um pedido especial de assistência, devido a vários casos de ataques a Muggles que já se arrastam há semanas, num país estrangeiro. Arthur Weasley juntou uma comissão especial para analisar os dados trazidos pela corujas. O Ministro, Cornelius Fudge, diz: "Não é razão para nos preocupamos. É apenas um intercâmbio, uma troca de conhecimento. Esses ataques a Muggles não são nada de preocupante ou de sério." De sério ou não, o certo é que ninguém sabe de onde essas corujas vieram, mas deverão ser de um país onde também há mochos. "

- Que país será esse? – perguntou Harry pensativo. – Há vários países que tem mochos.

- Aqui não diz. – Hermione leu rapidamente o resto da notícia.

- Eu podia perguntar ao meu pai, mas com certeza que não me dizia nada. – sugeriu Ron com as mãos a apoiar a cara. – Será por isso que o Charlie vem a casa?

Harry encolheu os ombros, acenando que não sabia.

- Há mais alguma coisa no jornal?

Hermione passou mais algumas páginas, mas não encontrou mais nada.

- Bem, vamos então ao Hagrid. – disse Harry levantando-se.

Foram à Torre dos Gryffindor para mudarem de roupa e desceram as escadas, passando pelo hall de pedra e saíram para o exterior.

Estava uma tarde quente e o sol brilhava com o que restava do calor do verão. Atravessaram os campos verdejantes até à cabana circular de Hagrid, que ficava junto à Floresta Proibida. Fang, o grande cão caçador de javalis de Hagrid, estava a dormitar à porta da cabana. Ergueu as orelhas quando os viu chegar e correu na direcção deles, lambendo a cara de Harry e as orelhas de Ron. Hermione afastou-se antes que ele a enchesse de baba.

- Olá Fang! – Harry coçou-lhe as orelhas. – Onde está o Hagrid? – os quatro seguiram para a porta e Harry bateu e chamou – Hagrid? Somos nós!

Ninguém lhe respondeu.

- Hagrid! – chamou mais alto.

Nada. Silêncio.

- Será que ele não está em casa? – Ron perguntou

- Quando saímos do Salão, ele já não estava lá. – Hermione abriu a porta e ela rangeu. O interior da cabana era grande. Só tinha uma mesa com cadeiras, uma cama a um canto e uma lareira. Estava escuro lá dentro.

Escuro e vazio.

- Não está aqui. – acabou ela por dizer, fechando a porta.

- Onde é que ele se terá metido? – Harry estava curioso. – Será que...

- Olá!

Todos olharam para trás. Hagrid, em mangas de camisa e com as mãos cheias de lama, apareceu, vindo da Floresta Proibida. Sorriu para eles.

- Que bom vê-los! 'Tive no banquete mas nã' pude falar com vocês.

- Onde estavas, Hagrid? – Ron perguntou.

- Nã' posso dizer! – Hagrid sorriu e piscou-lhes o olho. – É segredo! Mas têm haver com a aula de Cuidados com Criaturas Mágicas de amanhã!

- Que óptimo! – exclamou Hermione secamente. Ela nem queria pensar no bicho ou monstro que Hagrid tinha arranjado para a sua aula. Toda a gente sabia que ele tinha uma perigosa predilecção por tudo o que era animal perigoso desde de dragões a cães de três cabeças e hipogrifos.

- Então? – perguntou ele. – Como foi o vosso primeiro dia de aulas?

- Foi bom. – Harry respondeu. – Tive vemos Transfiguração, História da Magia e... Ah! E Adivinhação. A professora Trelawney fez algumas previsões. Ela disse que o Ron de ia magoar nas escadas...

- Isso foi só porque eu escorreguei! – Ron retorquiu.

- Também previu que o Neville ia ter um acidente com molho de morango. – Harry sorriu. – O sapo dele aterrou na taça e sujou-o todo. O normal. – o olhar dele escureceu. – Mas ela disse que uma rapariga que eu ia conhecer no Domingo, ia morrer às mãos de um feiticeiro das trevas.

Hagrid olhou para ele, com os olhos semicerrados. Parecia estar surpreendido e nervoso ao mesmo tempo. Hermione e Ron estranharam isso.

- Nã'... nã' ligues Harry. – disse Hagrid tentando fazer uma voz bem disposta, mas algo na sua voz dizia que ele estava a fingir. – S'ela nã' prevê que alguém vai morrer, ela nã' fica bem. É mania! Nã' ligues.

Os três seguiram Hagrid para a traseira da cabana e viram-no a lavar as mãos num barril de água. Admiraram-se de ver que ele em vez de ir para a sua cabana, seguiu para os castelo. Sem fazer perguntas seguiram-no pelos campos.

- Hagrid, podemos fazer-te uma pergunta? – perguntou Hermione que tinha de andar depressa para acompanhar as passadas largas de Hagrid.

- S'eu puder responder.

- Não vamos ter aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas? – Harry perguntou antes de Hermione.

- É claro que vão.

- Quando?

- Muito em breve.

- E quem é o professor? Ou professora? – Ron insistiu.

- Nã' posso dizer. – disse Hagrid aborrecido. Os olhos negros e pequenos mal se viam no meio da barba.

- Porquê?

- Vá Harry nã' puxes por mim! Nã' posso dizer. – resmungou Hagrid enquanto percorriam as campos em direcção ao castelo. Ao chegarem à porta do castelo, Hagrid parou.

- Espero qu' apareças lá a casa noutro dia, Harry. – disse ele dando-lhe uma palmada no ombro. Harry quase levantou voo. – Mas tenho qu'ir ajudar os professores. Temos de acelerar os preparativos! O tempo é pouco. Eles...

- Preparativos? Eles? – perguntou Hermione. – Eles quem?

- C'os diabos miúdos! – Hagrid resmungou. – Tantas perguntas! Nã' posso responder! – mas sorriu curvando-se na direcção deles. – Mas vão gostar!

Deixou-os no hall de entrada e subiu as escadas em direcção à sala de professores. Harry arfou de impaciência e frustração.

- Caramba! Este ano toda a gente anda com segredinhos!

- Eles lá têm as suas razões. – cortou Hermione.

- Mas é esquisito não é? – comentou Ron enquanto subiam para a sua sala comum. – Tantos segredos... coisas que vamos gostar, ter atenção aos acontecimentos... Eu tenho a certeza que o Percy sabe de alguma coisa! E se o fossemos torturar? – Ron sugeriu com um sorriso brincalhão, esfregando as mãos. – Podíamos chamar o Fred e o George! Eles ajudavam-nos!

Harry desatou a rir com Ron, mas Hermione fez um olhar horrorizado e deixou-os para trás, passando pelo buraco por detrás do quadro da Dama Gorda. Passaram o resto da tarde a fazer os trabalhos de casa. Podiam ter acabado mais cedo se Hermione os deixasse copiar, coisa que ela não fez. Pela noite, sentaram-se a conversar com Fred e o George sobre o jornal e a atitude de Hagrid. Por volta das onze na noite separaram-se e dirigiram-se aos seus quartos.