Retrato de família
Capítulo 1 – A irmã mais velha
Medeia, a irmã mais velha de Saga e Kanon, conta a história dos nossos gémeos favoritos…desde o princípio.
(Saint Seiya pertence a Masami Kurumada…grande novidade!)
Arredores de Londres. Saori e os cavaleiros de bronze estavam placidamente sentados num delicioso e sombrio jardim inglês, rodeados por uma paisagem magnífica. Ao fundo, um enorme palácio campestre do século dezassete. A propriedade era tão extensa que os jovens não conseguiam deslindar os seus limites para além do gigantesco parque.
A proprietária deste lugar maravilhoso, lady Medeia Canavon, conversava amavelmente com os visitantes. Esta lindíssima mulher, nos seus quarenta e tantos anos, poderia passar por mais uma das amigas magnatas de Saori Kido, mas na verdade, era muito mais do que isso.
- Mais chá, Hyoga? – Ofereceu a elegante dama, jovialmente.
O cavaleiro de cisne recusou com um sorriso. Medeia era uma óptima companhia. Ikki não tirava os olhos dela, embora tentasse ser discreto. Não podia deixar de pensar que se Medeia era fabulosa agora, devia ter sido uma beleza estonteante na sua juventude.
Como se adivinhasse os pensamentos dele, a duquesa olhou para cima e exclamou:
- Por Afrodite! É melhor recolhermos. Vai cair um aguaceiro daqueles. Aproveito para vos mostrar uma coisa.
Uma das empregadas que circulavam por ali apressou-se a levantar a mesa.
Os convidados trataram de seguir a bela anfitriã pelo interior da casa. Atravessaram um dos muitos largos corredores ladeados de infinitas portas e enfeitados por antiguidades e obras de arte sem preço. Nas paredes, viam-se imensos quadros, retratos dos anteriores Duques que tinham habitado ali. Shun sentia-se tonto.
- Não sei como conseguem viver aqui – sussurrou a Shiryu – esta casa parece um labirinto.
-Ou um museu… – respondeu o Dragão.
Por fim, Medeia abriu uma pequena porta, e todos entraram para uma saleta redonda, o tipo de divisão antigamente usada como sala de jogos. Nas paredes, ricamente forradas a veludo rosa, havia inúmeras fotografias e retratos de autor.
- Este é o meu cantinho de recordações… -disse ela com ar sonhador. Esta – continuou, apontando para um grupo de fotografias emolduradas que cercavam um gigantesco quadro a óleo de corpo inteiro – era eu…há muitos anos atrás.
Todos soltaram um murmúrio de admiração, em parte porque Medeia tinha mudado pouco, mas principalmente porque o retrato era arrebatador.
Mostrava uma jovem alta e curvilínea, de formas delicadas e perfeitas, pele de cera, e longo cabelo escuro, forte, com ligeiras ondas, um castanho-gelo rico, sem quaisquer outros tons e de um brilho encantador. Tinha um perfil recto, de nariz pequeno, mas firme, denotando carácter. Os largos olhos escuros e rasgados, com longas pestanas, tinham uma expressão melancólica e extremamente doce, e a boca, carnuda e arredondada, parecia pedir um beijo. As mãos de princesa seguravam a divisa da Casa de Gemini. Seiya fitava o quadro e as restantes imagens demoradamente, indo dos olhos destas para os de Medeia, aqueles olhos, inconfundíveis, os olhos dos Gemini. Os olhos de Saga. O rapaz fez-se pálido; era como se encontrasse de novo o seu oponente.
- Sente-se bem, Seiya? – perguntou a senhora.
- Sim…perdão, é que…os seus olhos, são…
-Iguais aos do meu irmão Saga? Sim, sempre me disseram isso – completou Medeia.
-Bom, aos de Kanon também – acrescentou Saori.
-É verdade. Se bem que quem conhece bem Saga e Kanon, os distingue sempre pelo olhar: o de saga sempre foi profundo e triste, ao passo que o de Kanon tinha continuamente aquele brilho vivo e um pouco malicioso…enfim, sabem como ele é!
- Devem ter sido crianças muito especiais, esses dois. – Disse Hyoga, curioso.
- Especiais? Demasiado… -Medeia pediu que se sentassem – creio que nunca falei disto com ninguém, mas acho que gostariam de conhece-los um pouco melhor, não é?
- Bom, Medeia… de facto, eu vim aqui falar consigo por causa disso mesmo. Agora que Kanon e Saga ambos vivem no Santuário, gostaria de saber o que posso fazer para ajudá-los. A readaptação não está a ser muito fácil, há feridas que vão demorar a sarar. – Afirmou Saori.
Medeia acenou afirmativamente, ajeitando o seu colar de pérolas. Parecia-se extraordinariamente com os irmãos, mas vestida com uma saia rodada cor de malva Marc Jacobs, casaco justo Prada, em beije, e o cabelo apanhado elegantemente atrás, ninguém diria que aquela mulher nascera no Santuário.
- Eu sou filha do anterior Cavaleiro de Gemini, Eros – começou ela, baixinho. – A minha família tem precisamente esse sobrenome, pois a terceira casa é guardada por cavaleiros do nosso sangue desde a antiguidade.1 Cresci num ambiente rodeado de riqueza e privilégio. Dentro do santuário, éramos aristocratas; e fora dele, frequentávamos a melhor sociedade. A minha mãe, Thalia Bouvier, era uma herdeira de um império financeiro em França, filha de um poderoso barão. Tinha crescido em Paris, e conheceu o meu pai durante uma viagem de recreio à Grécia. Foi amor à primeira vista.
Eros era uma versão anterior de Kanon, belo e extremamente persuasivo, e tinha a elegância inata que Saga herdou. Thalia era uma beleza clássica. Morena, franzina, de olhos azuis, cabelo encaracolado à altura dos ombros e todo o perfil de uma menina de boas famílias, criada num colégio católico. Enfim, a presa perfeita para um conquistador como o meu pai. – Medeia expressou estas últimas palavras com um esgar de desprezo.
-Eros não demorou a cortejá-la, cobrindo-a de presentes caros e visitando-a frequentemente na luxuosa villa que o barão tinha arrendado para o Verão. Os meus avós não puseram objecções ao namoro; a família Gemini tinha um excelente nome na Grécia, era de antiquíssima linhagem e de imensa fortuna. O seu jovem representante pareceu-lhes um partido a não perder. Coitados! Se fizessem ideia do que ele era, tinham-no corrido a pontapés.
- E correram? – Perguntou Shun.
-Ah! Não havia nada a fazer. A minha mãe era uma inocente, e estava apaixonada. Nada a faria desistir de se casar com ele, nem mesmo o facto de ter de se mudar para um país estranho, e para um local tão singular como o Domínio Sagrado. Mas atrever-me-ia a dizer que a Baronesa até ajudou; afinal, era o casamento ideal!
Os meus pais casaram-se e eu nasci pouco depois. Eu e a minha mãe éramos muito unidas; quanto ao meu pai, passava pouco tempo em casa. Enquanto crescia, comecei a aperceber-me que a nossa família não era tão maravilhosa como aparentava. Os dois discutiam frequentemente, e por vezes brigavam de forma tão violenta que os servos se refugiavam na cozinha. O único que se atrevia a interferir era Baptiste, o nosso fiel mordomo, que o meu pai tinha em grande consideração. Eu chorava escondida no meu quarto. Felizmente, tinha Alcíone, a minha ama, para me consolar. O meu pai batia na esposa com frequência. Era de doidos…depois das cenas, ficava tudo bem, e os dois andavam aos beijos como se nada tivesse acontecido. Não sei quem começava as questões. O meu pai era um homem temperamental e namoradeiro, mas a minha mãe também não era nenhuma santa. Nervosa e de carácter exigente e caprichoso, fazia-nos perder a paciência. Com o passar dos anos, a sua mente começou a fragmentar-se, e tornou-se cada vez mais irritável, gritando comigo e com o marido sem razão aparente.
O meu pai era bastante protector e rígido em relação a mim; nunca me lembro de ter uma conversa mais pessoal com ele. Mas eu dava-me por satisfeita por ele não me ligar importância, pois assim ele não tinha motivos para me castigar. Tive a educação de uma grande dama do Santuário. Shion supervisionava pessoalmente a minha instrução, e eu não estava autorizada, por exemplo, a sair sem escolta, nem mesmo para um simples passeio.
Quando fiz doze anos, o Grande Mestre achou por bem mandar-me para Chipre, onde completaria a minha educação no Templo de Afrodite. Fiquei mais do que feliz por me afastar de casa – nos últimos tempos, a minha mãe bebia demais, para enganar a sua solidão e a frustração do seu casamento. A nossa vida tinha-se transformado num inferno. Se materialmente tinha tudo aquilo com que a maioria das pessoas nem sonha sequer, na minha própria família não tinha paz nem sossego.
Em Chipre, encontrei a tranquilidade de que necessitava. Estudei magia e mitologia, e tinha amigas com quem partilhar os meus pensamentos. Numa das vezes que regressei a Atenas para passar as férias, tinha eu acabado de fazer dezasseis anos, tive a notícia de que a minha mãe estava grávida. Fiquei contentíssima, até porque desde que soubera da notícia, o meu pai passava mais tempo em casa e os dois pareciam entender-se às mil maravilhas. Algum tempo depois, nasceram dois gémeos, lindos como a luz do sol. O meu pai escolheu pessoalmente os nomes, com a ajuda do Grande Mestre: ao primeiro, chamou Saga, que significa «duplo», um trocadilho entre o nome da nossa família e a Deusa nórdica da sabedoria – Saga - o que de certa forma o relacionava a Athena. Ao outro, deu o nome de Kanon, uma variação da palavra grega «inovar», pois os nativos de Gémeos, regidos pelo elemento Ar, estão sempre com o pensamento no futuro. Toda a gente achou que eram nomes muito bonitos e auspiciosos. Eu estava encantada. De imediato senti uma ligação especial com os meus dois maninhos. O meu pai adorava-os, e, embora dissesse aos quatro ventos que finalmente tinha homens na família para se tornarem cavaleiros, eu podia ver que estava muito orgulhoso de mim ao ver como eu era cuidadosa com eles.
Porém, a bonança não dura para sempre. Os bebés que tinham unido os meus pais tornaram-se um foco de discórdia. A minha mãe odiava o Santuário e tudo o que se relacionava com a guerra; declarou peremptoriamente que assim que tivessem idade suficiente, seriam enviados para um colégio interno na Suiça, onde teriam uma infância normal. Ela procurava apenas protege-los, porque conhecia de perto como o treino de um Santo de Athena pode ser horrível. Mas isto feriu muito o meu pai, e a partir daí, os desentendimentos recomeçaram. Parecia que a Deusa Éris tinha feito da casa de Gémeos morada permanente! Infeliz, regressei ao Templo mais uma vez.
Neste conto, tentei explorar um pouco mais a infância dos dois Gémeos, que tinha abordado superficialmente na minha primeira fanfic, «A maldição de Saga». Usei a ideia da instabilidade mental de Thalia como uma razão para a insanidade de Saga na vida adulta. Para descrever Medeia, pensei na belíssima actriz italiana Monica Belluci. Saga é mesmo o nome de uma deusa nórdica da sabedoria, e a palavra «cainon» significa inovar, em grego. Não sei se é por isso que Masami Kurumada escolheu os nomes, mas achei que fazia sentido. Escrevam reviews para eu saber o que acharam da fic, dos pais do Saga, e da Medeia…estou muito curiosa!
1 Ver «A Maldição de Saga» da mesma autora.
