Capítulo 5 – O sonho acabou
Adolescentes são-o em toda a parte, mesmo no Domínio Sagrado. Enquanto a relação de Saga com Ishtar continuava sólida, Kanon revelava-se um pinga amores, coleccionando namoradas, amando todas e nenhuma afinal. Saga via-se obrigado a livra-lo de apuros muitas vezes, e houve uma certa jovem que quase «caçou» o meu irmão mais novo.
-Kanon esteve noivo? – Perguntou Ikki. – Quem diria!
- Não exactamente – respondeu Medeia torcendo o nariz.
Bes, o chefe das sentinelas do Santuário, era um homem alto, gordo, e banana que sabe-se lá como, tinha uma mulher muito bela e coquete chamada Flora. O desgraçado passava um mau bocado com ela, que não era propriamente um poço de virtudes e gostava de namoriscar, mas sobretudo, de derreter o dinheiro do marido, que, coitado, a adorava.
Como se isso não bastasse, só tinha filhas, e cada uma mais adorável do que a outra, ao todo cinco belezas indiscretas como a mãe. Pobre Bes! Passava o tempo a correr da sua porta cavaleiros atrevidos. Ora a irmã do meio, Magdalena, de arrependida não tinha nada. Ruiva, de olhos azuis, cheia de curvas e trejeitos mimados, cara de boneca, virava a cabeça aos jovens do Domínio Sagrado, e tinha uma reputação que Deus nos acuda! Já tinha sido apanhada em flagrante delito nos bosques com mais de meio santuário, e Kanon, não sei se por tolice, se por achar que era mais esperto do que os outros, pumba!
Foi tão imprudente que se encontrou com a rapariga no quarto dela em plena luz do dia. A mãe entrou porta dentro, deparou-se com o espectáculo, e não perdeu aquela oportunidade literalmente dourada, armando um escândalo que se ouviu em Star Hill, e exigindo que o malvado violador de virgens se casasse com sua inocente filhinha para livrá-la da vergonha.
Kanon tentou explicar que a violadora era Magdalena e não ele, o que lhe valeu uns sopapos com o rolo da massa. Saga acorreu, rodeado pelos amigos, e o desacato foi de tal ordem que Kanon só se livrou perante uma declaração escrita de todos os anteriores namorados da desaforada da sua conduta nada santa. O incidente não afectou a jovem por aí além; poucos dias depois, vivia com o cavaleiro de prata Asterion, que era loucamente apaixonado por ela.
Outra vez, ele e Miro introduziram-se secretamente durante a noite nos aposentos das criadas. Alcíone – que sofria de insónias – levantou-se para fazer uma chávena de chá calmante, e ouviu uns barulhos suspeitos. Julgou tratar-se de ratos e pensou de si para si que ia mandar chamar alguém de manhã para resolver esse problema tão incómodo. Mas o banzé aumentou, e ela, que não era mulher de se intimidar, armou-se de uma vassoura, abriu discretamente a porta, e até hoje ela não teve coragem de me contar o que viu, mas deve ter sido uma bonita balbúrdia!
Saga acordou estremunhado com a gritaria e só teve tempo de ver Miro perseguido por vassouradas, seminu e aos berros, várias raparigas em roupa interior que foram despedidas nessa mesma noite, e Kanon como veio ao mundo já à porta da Casa de Áries e ainda a correr.
Kanon não tinha juízo, e foi isso que o perdeu. Ishtar achava que ele andava estranho nos últimos tempos. Distanciava-se de todos, e ficava horas a olhar para o mar, perdido em pensamentos só dele. Ninguém, a não ser ela, tinha notado isso. Hulda tinha anunciado que Athena estava prestes a nascer, e o alvoroço tinha-se instalado. Não havia tempo para reparar em mais nada, mas a minha filha decidira segui-lo de perto. Foi dar com ele a atirar rosas – rosas que pedira a Afrodite de Peixes – para o mar lá em baixo, no Cabo Sounion, chorando amargamente.
Ishtar aproximou-se dele e abraçou-o, pedindo-lhe que não estivesse assim, pois não suportava vê-lo sofrer. Para sua grande surpresa, Kanon beijou-a nos lábios! Ela ficou estarrecida de vergonha e de terror; se Saga desconfiasse, era capaz de matá-los aos dois, pois era muito possessivo. Tentou libertar-se dele, e as palavras que ele lhe disse deixaram-na em perfeito estado de pânico.
-Ishtar, ouve-me; se amas Saga, não o sujeites a viver como um simples cavaleiro de ouro. Shion está velho, fraco; vamos mata-lo, matar Athena. Tomaremos o poder, o mundo será nosso! Só nós os três, como antes! Fala com Saga, convence-o. Tu és uma Deusa. Athena tentará separar-nos…nós, Gemini, temos demasiado poder, demasiada ambição…ela vai querer dividir-nos!
Ela manteve a calma e acariciou-lhe o rosto, sorrindo com carinho. Não estava zangada. Tinha medo. Aquelas simples palavras eram motivo para execução sumária. Era claro que Kanon perdera a razão.
-Kanon… eu vou ignorar o que se passou aqui. Não contarei a Saga o que fizeste hoje. Vou fingir que nada se passou. Agora, vem jantar, e esquece essas ideias excêntricas. Vamos!
Ishtar manteve o silêncio; mas dali a duas semanas, bateu-me à porta. Vinha mais pálida que a imagem da morte; no rosto, tinha uma feia equimose, e os seus lábios, tão perfeitos, estavam feridos. A única coisa que trazia consigo era a armadura. Era uma noite gélida de Inverno, e a chuva, tão típica em Londres, tinha-a encharcado até aos ossos. Desnorteada, tremendo, entrou aos gritos pela casa dentro, dizendo que não ficava nem mais um minuto naquele maldito lugar. Pensei que fosse perder os sentidos, mas em vez disso começou a chorar, e, entre gemidos, disse-me que Kanon estava morto.
Caí estarrecida no chão, tentando conter os gritos. Foi então que ela me explicou o que tinha acontecido. Kanon, vendo que ela tentava abafar a sua proposta, tinha ido contar os seus planos a Saga. Este ficou encolerizado e quase louco. Antes que Ishtar conseguisse chegar junto deles, Saga espancou selvaticamente o irmão, que não fez nada para se defender. Quando finalmente os alcançou, já Saga arrastava Kanon para aquela malfadada prisão.
-Eu tentei, mamã, implorei-lhe que esquecesse os desvarios de Kanon, mas ele não me ouviu; supliquei que falássemos com o Grande Mestre…
Desvairado, Saga tinha agredido Ishtar, deixando-a atordoada. Quando tudo estava consumado, pegou nela e trancou-a a sete chaves na Casa de Gémeos. Os dois discutiram incessantemente; Ishtar chamou-o assassino, e ele acusou-a de traição. Foi quando a pobre criança rebentou as portas e fugiu.
Por minha vez, eu estava desvairada. Regressei com Ishtar imediatamente ao Santuário, apenas para descobrir que Kanon tinha escapado da masmorra e partido para um lugar incerto. Esbofeteei Saga, que me respondeu simplesmente ter sido feita a vontade dos Deuses.
O seu olhar estava estranho. Dois dias depois de termos chegado, vimo-lo consumido de uma febre tão violenta, acometida de delírios, que Ishtar, temendo pela vida dele, não se atreveu a deixá-lo sozinho. Irritada com os dois, não falei com eles durante um longo período. E o que tinha de suceder sucedeu.
Saga matou o melhor amigo Aioros, e Shion, o Mestre que a minha filha adorava e que era como um pai para mim…eu não me atrevia a pisar o solo do Santuário. Toda a influência que eu tivera sobre o meu irmão era coisa do passado. A insanidade tinha tomado conta dele da forma mais cruel…nos seus momentos de lucidez, contemplava horrorizado o que tinha feito. Não há palavras que possam descrever o horror por que ele passou….e para que a família foi arrastada.
Os ataques de Ares deixavam Saga física e emocionalmente esgotado. Ishtar não o deixava nem um segundo…mesmo quando ele a maltratava, mesmo quando as decisões dele lhe cortavam o coração…por ele, mentiu, conspirou, sofreu em silêncio. O amor daqueles dois superava toda a compreensão humana. Mesmo quando Saga decidiu tirar a própria vida, a minha filha foi aos Infernos por ele. Que mulher faria isso, a não ser a própria Afrodite?
Mais tarde soube que Kanon estava vivo, que tinha manipulado o próprio Poseidon. Deveria eu ter dado crédito às premonições da minha mãe? Deveria tê-los arrancado dali? Não sei. Saga e Kanon pertencem ao Santuário, pertencem a Athena…Filhos de Zeus. Um dia cumprirão o seu destino glorioso.
Agora que lutam lado a lado, vejo nos olhos deles os meninos que foram. Duas crianças inocentes de mãos dadas. E ao olhar para vocês, jovens defensores de Athena, vejo que nada está perdido.
Fim
Perdoem o final um pouco abrupto, mas estou em época de exames, e além disso, achei que dar mais detalhes sobre as cenas que aparecem no anime seria repetir o que fiz na Maldição de Saga. Já devem ter reparado que eu não respeito a cronologia original – considero-a absurda .Saga e Kanon semideuses foi uma ideia que resultou de uma longa sessão de meditação… Espero que tenham gostado da fic.
