Quando Severus Snape Amou uma Aluna de Hogwarts


Capítulo 8


"Hoje eu sei que Amor e Insanidade Andam de Mãos Dadas, Caminham Lado a Lado e se Completam!"

"Quem Dera eu Pudesse ser a Loucura... e Assim Sentir Você Segurando a Minha Mão..."

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Já fazia quatro horas que Snape deixara a sala de Dumbledore.

A sala dos arquivos de Hogwarts ficava emparelhada com a Biblioteca, mas eram muito poucos os que tinham acesso àquele lugar, pois havia um feitiço de proteção ao local. Afinal não seria prudente que qualquer pessoa pudesse a qualquer hora pesquisar em documentos como aqueles, documentos de todos os graus de importância, documentos que literalmente compunham toda a história de Hogwarts.

Dumbledore acabava de acessar a sala para encontrar Snape sozinho envolto a mil pergaminhos. Percebeu, porém, que o professor de poções estava quieto demais. Aparentemente já não procurava nada. Nas mãos dele, Dumbledore percebeu um papel... um papel já um tanto envelhecido, percebeu também que os olhos de Snape estavam presos a este papel. Ele parecia ler e reler aquela folha várias vezes e lentamente. Ia com os olhos de cima abaixo, depois voltava para cima e ia até embaixo e repetiu isso tantas vezes que Dumbledore já não saberia dizer quantas.

Entendendo que aquele papel era o que Snape procurava, o diretor se aproximou e colocou uma mão sobre seu ombro.

— Encontrou o que estava procurando, Severus?

Mas o bruxo não obteve qualquer resposta. Snape fitava a carta... só fitava a carta. E foi nesse momento que Dumbledore notou que ele não poderia responder nada agora, pois seu orgulho não permitiria que percebessem o provável tom de sua voz... muito menos deixar que vissem a situação de seus olhos.

Mas mesmo que Dumbledore já não soubesse o que estava acontecendo, o professor de poções não conseguiria mais encobrir, não depois de deixar que duas lágrimas caíssem quase que ao mesmo tempo e marcassem nitidamente a carta em suas mãos.

Ainda sem conseguir encarar o bruxo atrás de si, Snape levantou a mão onde estava a carta por cima do ombro na intenção de mostrá-la a Dumbledore. Ele a pegou.

— Eu já sei o que está escrito aqui, Severus. — Dumbledore pronunciou sem sequer passar os olhos pela carta.

— Era eu! — Snape enfim conseguia pronunciar algo, ainda que num tom abafado e doloroso — Foi por minha causa!

— Eu sei. — foi só o que o diretor de Hogwarts pôde responder.

— Então... — ele se virou imediatamente na direção de Dumbledore e este pôde ver diretamente aqueles olhos negros, profundos e inquisitivos já tão vermelhos e ainda molhados; tinha que admitir que apesar de saber que Snape estava chorando, fora uma cena ímpar e bastante impactante — por que não me falou nada na época?! Diga!

— Não seria justo! Assim como não está sendo agora. Você acha que sim, mas acredite, Severus! Você não teve nenhuma culpa com relação ao que houve com Gillian Ridley.

— Leia a carta... em voz alta. — Snape pediu voltando a desviar os olhos dos de Dumbledore.

— Mas eu já disse que sei o que está escrito aqui.

— Eu também já sei — disse de forma compassada —, mas ainda assim, leia-a em voz alta.

Dumbledore suspirou. Houve um curto silêncio e enfim, claramente contrariado, o diretor começou...

"Haverá quem me condene pela minha fraqueza negligentemente nefasta. Haverá quem me julgue por tal ato irresolúvel, insano, decadente... Haverá quem me cite como exemplo negativo, como um ser desprezível que nada teve a oferecer em sua breve jornada. Haverá ainda quem me relembre com certa pena condoída ou alguma tristeza vaga, mas passageira... Porém, definitivamente não haverá ninguém que compreenderá a dor pungente de ama-lo mais que à minha própria vida e a sufocante agonia de já não poder suportar a indiferença gritante que o afasta de mim mais e mais, me matando bem devagar a cada palavra não pronunciada, a cada olhar desperdiçado, a cada sorriso não dado, a cada lembrança não guardada. E mesmo depois de tudo eu sei que ainda não serei digna de um pensamento dele...".

"E mesmo depois de tudo eu sei que ainda não serei digna de um pensamento dele...", Snape recitara esse trecho juntamente com Dumbledore, deixando o bruxo mais velho perplexo ao perceber que o professor de poções demonstrava, num verso, já ter até decorado aquele texto sombrio.

Dumbledore terminou de ler a carta e estava agora em silêncio assim como o próprio Snape. Era como se ambos refletissem sobre aquelas letras que formavam palavras que formavam frases... frases que mais pareciam lanças acerbas sendo cravadas fortemente no peito fechado de Snape. Aquelas palavras eram destruidoras! Completamente destruidoras!

— Se eu tivesse sabido na época! — Snape começou a dizer limpando o que restava das lágrimas com uma das mãos.

— O que você acha que teria feito, Severus? — Dumbledore o questionou — Acha que a teria amado e realizado todos os seus sonhos?

Snape sabia que não. O mais provável é que não tivesse dado qualquer importância ao fato ou talvez até pior, talvez a tivesse ignorado ainda mais, talvez a tivesse magoado ainda mais com ações que, ele sabia, eram típicas dele. E agora nesse momento, talvez estivesse se sentindo muito mais culpado do que já sentia-se, se é que isso pudesse ser possível. Dumbledore estava certo em suas palavras, nada teria evitado aquela tragédia, definitivamente nada, quer ele soubesse ou não do amor de Gillian. "Amor....", a palavra ecoou em sua mente. Nunca conhecera de fato o sentido, muito menos a necessidade de tal sentimento. Sempre bastara-lhe o respeito, a honra, a dignidade, a força, o talento, o dom! Mas amor? Então amor... era isso? Já tinha ouvido e lido tantas vezes de que o amor seria o verdadeiro sentido da vida... Se realmente era, seria também o da morte? Seria? E por que alguém o amaria a tal ponto? Por que alguém simplesmente o amaria? Snape pensava em tudo ao mesmo tempo e só pôde chegar a uma conclusão, teria que fazer algo, tomaria uma atitude, não a mais certa, não a mais adequada, apenas a atitude que propôs seu coração. E que descoberta fantástica ele acabara de fazer ao perceber que seu coração também tinha capacidade de tomar decisões!

— Eu vou até lá! Eu irei até lá e impedirei a morte dela! — Snape falou em tom decidido após vários minutos de reflexão — Eu devo evitar que ela tome o incuratus! — concluiu com palavras seguras.

— Está me dizendo que viajará no tempo para salvar a vida dessa jovem? — Dumbledore franziu a testa em desacordo.

— É isso que estou dizendo! E é isso que farei!

— Não está pensando de forma ordenada, muito menos interpretando os fatos com a razão como eu pedi. Pare, Severus. Simplesmente pare! Agora, apenas acompanhe. Eu pensarei por você nos próximos instantes da sua vida. Isso não é um pedido, é uma ordem!

Snape tremeu com as palavras de Dumbledore. Poucas vezes o vira tão resoluto.

— Você quer voltar sete anos no tempo para impedir um suicídio. Vejamos, já pensou no que fará ao chegar até lá, lembrando-se que não poderá ser visto de forma alguma por você mesmo ou por pessoas que por ventura possam cair na crítica situação de ter você e você do passado num mesmo ângulo de visão? — Snape já ia abrir a boca para dizer algo, provavelmente a resposta para a pergunta de Dumbledore, mas este se antecipou respondendo ele mesmo a sua própria pergunta como se soubesse o que Snape iria falar — Ah, claro! Você pode evitar facilmente de se encontrar com você mesmo já que você naquele dia estava enclausurado em sua sala de poções. Você, contando com a segurança de que não se deparará consigo próprio tão cedo, procurará por Gillian Ridley. Provavelmente a encontrará já com todas as idéias fixadas na mente. O que fará? Talvez mande-lhe uma carta. E que palavras e/ou afirmações provavelmente poderia conter tal carta? Poderia ser algo como... "Não se mate, pois daqui a sete anos eu, Severus Snape, a amarei profundamente!"? Ou talvez decida pronuncia-las diretamente, olhando nos olhos dela e pedindo que, pelo amor que ela sente por você, não se mate, pois tudo será recíproco em breves sete anos.

Snape apenas ouvia. Dumbledore acabara de acusa-lo de amar Gillian Ridley em suas últimas frases? Sim, Snape estava certo que ele fizera isso! E como ele poderia acusa-lo de tal fato daquela forma tão segura? Não fora uma afirmação a toa, sem comprometimento... Não! Claramente não fora! Ele falara de um amor profundo. No que o diretor de Hogwarts poderia estar se baseando para dizer aquilo? Quais eram os argumentos dele? Será que não seria justificativa suficiente para seu desespero, o seu coração estar cheio de remorso pela morte de uma jovem inocente? Será que isso não bastava para Dumbledore? Dor e remorso... simplesmente dor e remorso...

Dumbledore, como se lesse os pensamentos de Snape, parou o raciocínio e o olhou.

— Considerando, é claro, que você realmente a ame. Você a ama, Severus?

Snape abriu a boca no mesmo instante para negar e de repente até sentir-se ofendido por tais "acusações", mas... por que era tão impossível não falar a verdade para Albus Dumbledore? Havia uma necessidade misteriosa dentro de si... Algo que o impedia terminantemente de mentir para aquele senhor à sua frente... Mesmo agora que ele queria tanto! Mesmo agora ele sentia isso, essa força impedindo-o!

— Amo. — respondeu transtornado com a própria afirmação.

— Profundamente? — insistiu Dumbledore.

— Sim. — Snape fechou os olhos angustiado ao murmurar sua resposta.

— Sim o que? — Dumbledore ainda não tinha ouvido o que queria.

— Sim, eu a amo... profundamente... — e abriu os olhos de onde outra vez as lágrimas fluíram.

Se o que Dumbledore queria era provar a Snape que era ele quem estava certo em suas palavras e não Snape em seus pensamentos, conseguira. Ah sim, com toda certeza conseguira! Snape tentava conter as lágrimas a todo o custo agora. Sentia-se frágil, pequeno, insignificante naquele momento. Queria fugir dali e de qualquer outro lugar onde sua consciência predominasse naquele latejo constante, lembrando-o a todo centésimo de segundo que ele a amava.... Ele a amava...

"Por quem choro? Por quem, afinal?! Será por ela ou por mim mesmo?".

— Só para concluir, Severus, você se acharia no direito de dizer tal coisa a jovem Ridley do passado mesmo sem poder garantir que a estaria amando sete anos depois daquele dia caso ela não viesse realmente a se matar? Por que você sabe que não pode, não é verdade, Severus? Não pode por que ninguém pode. Já parou para pensar que se Gillian Ridley não tivesse morrido aquele dia, muitas coisas influenciadas pelas suas ações de pessoa viva teriam sido diferentes por todo esse período de sete anos? Não, você não parou. Eu parei por você.

— Não posso acreditar que esteja querendo dizer que está tudo bem ela ter se matado por mim... — Snape murmurou sem conseguir olhar para outro ponto que não fosse o chão.

— Não estou dizendo que está tudo bem ela ter feito isso. Como eu poderia dizer isso de uma tragédia tão dolorosa tanto para você neste momento quanto para as pessoas que a amavam na época do ocorrido? Mas quem somos nós, Severus, para alterarmos o destino das pessoas de acordo com nossa vontade, só para que nos sintamos um pouco melhores e um pouco mais felizes? — Dumbledore na verdade só estava relembrando coisas das quais Snape já sabia tão bem — Sabe muito bem do caos que seria a linha temporal se para cada tristeza ou perda, existisse uma pessoa ferida o suficiente para voltar no tempo e arrumar tudo conforme sua vontade! Não! Definitivamente você não pode interferir. Desta vez o que aconteceu não pode ser mudado. Se eu fosse você me concentraria mais em perdoa-la que é o que ela precisa de verdade. Veio até aqui apenas para pedir perdão a você. É bem verdade que ela acabou se envolvendo outra vez em seus sentimentos, quem pode julgar o amor, afinal? Mas a idéia inicial era apenas que você a perdoasse.

"Perdão!", a palavra se repetiu na mente de Snape. Ela pedira incessantemente o seu perdão e ele negara. Ele negara!

Mas por que ela precisava de seu perdão? Não deveria ser ao contrário? Não seria ele o grande culpado por tudo o que acontecera?

— Eu não entendo. Por que... por que ela necessita do meu perdão se fui eu quem a levou a morte?

— Por que algumas coisas ficam muito mais claras quando vistas por uma perspectiva diferente. Como eu disse antes, você não teve culpa de nada do que aconteceu e Gillian agora sabe disso. Precisa do seu perdão por ter tirado a própria vida alegando ter sido por sua causa. Não percebe que ela o culpou pelas próprias ações? Ela precisa ser perdoada por você, Severus, por agora ter o entendimento de que você não poderia assumir tal culpa, simplesmente pelo fato de essa culpa não pertencer ao seu espírito. Acredite-me, Gillian Ridley está em pleno julgamento por ter tirado a própria vida e terá grandes chances de ser absolvida se você a perdoar sinceramente.

— Isso não faz sentido. Minha posição não é a de perdoar. Eu preciso de tanto perdão quanto ela, talvez... talvez muito mais.

— Ainda há pouco você disse que a amava. Que tipo de amor é esse que se nega a ajudar a quem se ama no momento em que essa pessoa mais precisa? Pensando dessa forma você só a atrapalha, não percebe? Não deixe que ela seja condenada. A condenação por suicídio é muito triste e penosa, Severus!


continua...