Capítulo 4 – Um anjo adormecido

Acordo com os raios de sol em meu rosto. É a primeira vez que consigo dormir de verdade, sem sonhos ou pesadelos.

Bom, não totalmente sem sonhos... Sonhei mais uma vez com Heero. Ele estava acorrentado e sangrando e um soldado se aproximava perigosamente dele. O soldado se virou na minha direção e deu um sorriso cheio de malícia e crueldade. Eu corri em direção ao Heero, mas eu não conseguia alcançá-lo. Eu gritava seu nome, mas ele não me ouvia. Tropecei e caí. Eu chorava. Foi então que eu me senti quente, olhei para cima e vi o Soldado Perfeito na minha frente, se ajoelhando. Ele toca me rosto com uma das mãos e sussurra no meu ouvido: "Calma... Eu estou aqui, Duo!". Depois ele me beija.

Não consigo impedir um sorriso meu diante da lembrança...

Olho para onde deveria estar o Heero, mas a cama estava vazia e feita!

- O quê? – Levanto num pulo... Onde ele se meteu?

O banheiro estava vazio, assim como o quarto.

Saio correndo em direção à cozinha... Talvez ele esteja lá...

Mas só encontro Quatre e Wufei conversando.

- Er... Bom dia... – Digo tentando me controlar. – Onde está o Heero?

Quatre me olha triste e Wufei vai até a geladeira, claramente indicando que Quatre tinha algo para me dizer.

- Onde está o Heero? – Dessa vez perguntei apenas para o Loirinho e ele soltou um suspiro triste antes de dizer:

- Ele pediu para o Tro colocá-lo de volta no quarto dele.

Abaixei meus olhos, eu estava visivelmente decepcionado. Então o Heero não me suporta, ele me detesta!

- Vou dar um passeio no jardim. – Disse com um sorriso falso antes que Quatre ou Wufei fizesse menção de me confortar.

Fui Direto para o jardim sem sequer olhá-los. Eu não queria ver a pena nos olhos de meus amigos, eu não suportava isso.

Fui até o centro do jardim, onde tinha uma fonte enorme cercada por um pequeno lago, com carpas. Plantas aquáticas davam cor ao espelho d'água e uma trepadeira adornava a forma da estrutura principal: Uma mulher nua que fugia de um homem semi nu, nas mãos da mulher havia um vaso por onde a água saía. 1 Era a primeira vez que eu realmente reparava naquela obra de arte.

Olhei para o lado e vi uma placa de ferro escurecido devido ao tempo com as letras em relevo.

"Apolo e Dafne.

Ele, filho de Zeus e de Leto, Apolo, o Deus do Sol, da música , da poesia, da juventude, dos esportes e da caça.

Ela, filha de Pneus, o Deus do Rio, Dafne, a ninfa dos bosques.

Apolo e Dafne.

O amor impossível do Deus pela ninfa livre de amor."

Fiquei ali, admirando o Deus tentando pegar sua ninfa enquanto ela escapava por entre seus dedos.

- Um amor impossível... – Murmurei.

Continuei ali, fitando a fonte, pensando sobre Apolo e Dafne, pensando em Heero.


Depois que Trowa me contou tudo o que eu precisava saber, pedi a ele que me ajudasse a voltar para o meu quarto.

Apesar de sentir uma necessidade irracional de ficar ao lado de Duo, eu não podia continuar no mesmo quarto que o americano. Eu precisava colocar a minha cabeça em ordem e descobrir que sentimentos eram esses que se apossavam de mim.

Olhei ao meu redor. Duo tinha razão, esse quarto é escuro demais. Esse foi meu último pensamento antes de cair no sono.

Um sono recheado de pesadelos.

Acordei suando frio. Porquê esses pesadelos não me deixavam? Nunca fui disso... Decididamente eu não sou mais o mesmo.

Dormi pouco (fiquei acordado até umas quatro da manhã) e acabei acordando tarde. Se bem que, para o americano, nove da manhã ainda é considerado madrugada.

Lá estava eu novamente pensando no Duo, isso tem se tornado uma constante ultimamente. Eu não consigo me controlar. Por qualquer linha de raciocínio que eu siga, eu sempre termino pensando no americano.

Uma idéia passou pela minha cabeça, na verdade isso sempre esteve lá, mas só agora eu percebo: Será que eu gosto do Duo?

Não... Não pode ser... Mesmo que fosse isso, o Duo merece alguém que demonstre que o ame como o... Wufei. A lembrança do chinês beijando o Duo faz meu sangue gelar. Por mais que eu ache que o Duo ficaria melhor com o Wufei, não consigo deixar de me sentir assim, é como se eu estivesse perdendo algo. Mas o Duo nunca foi meu... Pensando agora, acho que eu gostaria de ter o Duo...

Droga! O Que eu estou pensando? Duo é um homem... Hn! À quem estou tentando enganar, isso nunca fez diferença para mim, tanto é que não fiquei nada surpreso quando Trowa e Quatre anunciaram que estavam juntos.

Ai... A dor de cabeça está voltando de novo. Isso sempre acontece quando penso no que eu sinto por Duo.

Por hora não há nada que eu possa fazer até que eu me recupere. Vou ter que deixar o caminho livre para Wufei.

Mais uma vez cerro meus dentes quando lembro de Wufei e Duo.

- Droga! – Digo antes de tentar dormir.


Quase um mês se passou desde que resgatamos o Heero e faz quase um mês que eu não o vejo.

Depois que Heero voltou para o quarto dele eu recebi uma missão de infiltração. Fiquei duas semanas fora. Quando voltei, Wufei recebeu uma missão do gênero, Trowa era o encarregado de cuidar de Heero e Quatre era quem cuidava da minha saúde mental...

Eu queria ver o Heero, mas Quatre sempre me persuadia a não fazer isso. Ele dizia que Heero precisava de um tempo sozinho. Quando eu indaguei o porquê disso, Quatre simplesmente respondeu: "Foi o Próprio Heero quem disse isso pro Trowa. Nem eu vejo o Heero, só o Tro!"

Então, durante uma semana e meia, eu sempre ia para o jardim à tarde. Eu ficava até o anoitecer lá admirando a "Fonte do amor impossível".

Como hoje está caindo o maior pé d'água, não pude ir ao jardim. Heh, Quatre me proibiu terminantemente. Acho que ele tem medo de que eu fique na chuva até desmaiar de novo... Bem, não posso culpá-lo.

O Problema é que agora eu não tenho nada pra fazer e quando Duo Maxwell fica entediado alguém acaba se irritando...

A TV tá uma droga, Quatre está fora fazendo compras, Trowa está no quarto do Heero E EU ESTOU ENTEDIADO!!!!!!

Preciso arrumar alguma coisa pra fazer. Saio pela casa à procura de algo que me distraia. Vasculhei a casa inteira (menos o quarto do Heero) e não encontrei nada... Vou ao sótão, talvez eu ache algo lá.

Abro a porta que dá para uma escada escura, ligo o interruptor perto da porta e começo a subir as escadas. Imaginei como o sótão estaria empoeirado, com teias e tal. Mas não estamos falando de um sótão normal, de uma pessoa normal. É o sótão do Quatre e, como tal, estava impecável.

O loirinho devia ter um esquadrão de elfos faxineiros porque só assim para manter uma mansão impecável com apenas Rashid como empregado.

Mas, voltando à contradição entre "sótão" e "limpo"... O sótão tinha vários baús arrumados e etiquetados, móveis antigos, prateleiras com lembranças da família de Quatre tudo muito bem arrumado.

- Blé! Essa arrumação toda tira toda a graça de ir pro sótão. – Murmura para mim mesmo.

Algumas caixas no fundo chamaram a minha atenção. Elas não estavam de acordo com a arrumação geral do sótão, onde as coisas estavam arrumadas em certa ordem de conteúdo e forma. Essas caixas em particular eram de vários tamanhos e formatos. Será que... Não termino o meu pensamento e corro para uma das caixas.

- YES!!!!!!!! – Sem querer acabo gritando – Como pensei, são instrumentos musicais. Bateria, bumbos, violino, harpa, violoncelo, flauta, sax, piano, teclados, guitarras, baixos e violão. – Peguei o violão. – O loirinho tem uma verdadeira orquestra aqui. – Disse com um sorriso. Finalmente algo para passar o tempo.

Para a minha surpresa, o violão estava afinado e não duvido nada de que os outros instrumentos também estejam em ordem.

Fui para a enorme janela redonda (o sótão parece mais um terceiro andar com quatro janelas redondas enorme e uma bancada debaixo delas), sentei na bancada e fiquei admirando o céu alaranjar aos poucos.

Começo a tocar, como a muito não fazia...


- Bom... Parece que você não precisa mais ficar nesse quarto. A maioria dos ferimentos não irão mais abrir, é só você ter cuidado. – Trowa me olha sério na última frase. – Vai precisar de mim para mais alguma coisa?

- Não.

- Então eu vou nessa. Preciso dar uma saída. Acho que só o Duo está na mansão.

Olho para ele intrigado, mas ele se vira em direção à porta e não consigo ver o que se passa em seus olhos.

- Volto antes do jantar! – Ele diz fechando a porta do quarto.

Fico mais uma vez sozinho no quarto. Faz quase um mês que não vejo o Duo, pelo menos não acordado. Hn! Isso me lembra do porquê o Trowa insiste para que eu tenha cuidado. Parece que toda a noite meus ferimentos abriam, eu disse para o Trowa que era por causa dos pesadelos, não que não era verdade, era apenas parte da verdade. A outra parte é que depois que eu acordo desses pesadelos eu acabo indo para o quarto do Duo.

Eu não consigo evitar. Depois daqueles sonhos eu só penso em ver o Duo, estar com ele. Eu sempre vou ao quarto dele, sento na cadeira e o fico observando. Seja a luz da lua ou a luz dos trovões, Duo sempre parece um anjo adormecido. Por várias vezes eu o ouvi murmurar meu nome durante algum pesadelo. Quando isso acontecia eu seguia um pequeno ritual: eu afastava seu cabelo e murmurava no seu ouvido sempre as mesmas palavras, "Calma... Eu estou aqui, anjo!" e terminava por deixar um leve beijo em seus lábios. Eu era sempre presenteado com um leve sorriso e meu anjo travesso se acalmando, readquirindo toda aquela aura sobrenatural devido à luz do luar. Só consigo sair de perto dele quando começa a amanhecer, só depois que uma luz dourada se apossa dele eu me recolho.

O que eu estou fazendo? Eu levei quase um mês para poder sair do quarto quando, geralmente, eu levaria apenas uma semana. Sinto uma necessidade cada vez maior de ter o Duo ao meu lado. Eu não dormi quando ele estava em missão porque eu não queria ter aqueles pesadelos horríveis e sem ter o anjo para me acalmar.

Ouvi um som estranho vindo do teto. Parecia... um violão? Sim, alguém estava tocando um violão. Só pode ser o Duo...

Minhas suspeitas são confirmadas quando ouço a voz melodiosa, só que está mais bela. Como isso é possível? Ele não estava cantando para aparecer ou para cativar as pessoas ao seu redor, parecia que estava cantando para si, sendo apenas ele mesmo. Deus! Como aquela voz era linda.

Me levantei e fui em direção à ela. Ele devia estar no sótão...

Vou para a porta que dá para o sótão e como eu suspeitava, estava aberta. Subo as escadas e prendo a respiração com o que vejo. Duo sentado numa bancada com um dos pés nela e com o outros no chão, as costas apoiadas na parede, uma enorme janela redonda 2 emoldurando-o e jogando a luz alaranjada do pôr do sol sobre ele e sobre todo o ambiente à sua volta. Ele cantava olhando para a janela numa visão de tirar o fôlego.

3 I wanted you to know I love the way you laugh
I wanna hold you high and steal your pain away
I keep your photograph; I know it serves me well
I wanna hold you high and steal your pain

Seus olhos exibiam tristeza, mas também uma certa paz. Como isso é possível?

'Cause I'm broken when I'm open
And I don't feel like I am strong enough
'Cause I'm broken when I'm lonesome
And I don't feel light when you're gone away

A música fazia com que meu peito apertasse. Era assim que ele se sentia?

The worst is over now and we can breathe again
I wanna hold you high, you steal my pain away
There's so much left to learn, and no one left to fight
I wanna hold you high and steal your pain

Fui me aproximando dele silenciosamente. Eu não tinha a mínima idéia do que ia fazer.

'Cause I'm broken when I'm open
And I don't feel like I am strong enough
'Cause I'm broken when I'm lonesome
And I don't feel right when you're gone away

Continuei à uma certa distância dele. Não queria que ele parasse de cantar por minha causa.

'Cause I'm broken when I'm open
And I don't feel like I am strong enough
'Cause I'm broken when I'm lonesome
And I don't feel light when you're gone away

Ele termina a música e uma lágrima corta seu rosto. A luz do sol faz com que a lágrima brilhe. Me aproximo decidido, embora eu mesmo não saiba o que vou fazer.

Ele se vira e vejo a surpresa em seus olhos.

- Heero... - Apesar da surpresa, ele continua no mesmo lugar.

Paro perto dele e retiro a lágrima que insistia em brilhar como uma pequena estrela. Seus olhos adquirem mais surpresa. Afasto a franja no movimento que tanto repeti durante as noites de pesadelos. Seu corpo fica tenso e seus olhos se tornaram vivos, como duas ametistas, enquanto seus lábios se entreabrem. Inclino até seu ouvido ainda com a mão em seu rosto.

- Calma... Eu estou aqui, anjo! – Sussurro em seu ouvido.

Procuro por seus lábios e dou um beijo leve, como dei tantas vezes sem que ele soubesse. Sinto o calor que sua boca transmite e me delicio quando ele corresponde meu beijo.

Me afasto com dificuldade. Encontro com as duas ametistas, mais vivas do que antes, absolutamente lindas. Me ajoelho ao seu lado.

- Me perdoe... – Minha voz é baixa, não estou acostumado a deixar meus sentimentos tomarem conta de mim, mas algo mudou dentro de mim e faz tempo que não sou mais o mesmo. – Você sofreu por minha causa e eu só te tratav...

Rapidamente ele se livra do violão que estava em seu colo e me abraça.

- Eu o perdoei faz tempo. – Fico perdido em seu abraço e inconscientemente acabo retribuindo.

Senti algo úmido em meu ombro. Seguro o seu queixo delicadamente, eu estava confuso.

- Por quê está chorando? – Ele sorriu para mim, um sorriso que raramente via, era um sorriso verdadeiro, de pura felicidade.

- Felicidade... – Foi só o que disse.

Não pude reter o pequeno sorriso que se formava em meus próprios lábios.

Depois da chuva, o sol voltava a brilhar mais lindo do que antes...


1 É a escultura "Apolo e Dafne" que eu adaptei colocando um vaso nas mãos da Dafne para que virasse uma fonte. A escultura é realmente linda!!!!! A história deles (resumidíssima): O cupido (filho de Afrodite) estava fazendo traquinagens e acaba levando uma bronca de Apolo, para se vingar ele acerta uma flecha de ouro em Apolo, fazendo o Deus se apaixonar por Dafne, e acerta uma flecha de chumbo em Dafne, fazendo com que ela repudie o amor do Deus.

2 Alguém já viu "O Corvo"? No apartamento dele tem essa janela enorme e redonda que ele fica olhando para fora enquanto toca a sua guitarra. Eu acho essa cena phodah!!!! Ah! Eu não vi o filme, mas vi o seriado que passou no canal USA. Foi daí que eu tirei essa janela.

3 "Broken", com Seether e Amy Lee. Soundtrack do filme "O Justiceiro".

Nháaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Eles saum fofooooooooooooooooooooooooos!!!!!!!!!!!!!!!!!!! .

Mas ainda tem coisa para se resolver nessa história. Acho que o próximo capítulo será o último... Vou tentar fazer um lemon descente apesar de ser uma marinheira de 1° viagem nisso (nossa! Q expressão velha!!!!). Anyway, me desejem sorte...