Ciúmes – Parte IV

Descobertas, decisões e encantamentos

Por: Ayummi Hinotto

A lua havia nascido mas seus raios não tiveram a oportunidade de se manifestarem, pois as pesadas nuvens do temporal que houvera continuavam a teimar em ficar no céu.

Hiei havia passado toda a noite no jardim, no mesmo lugar, exatamente do mesmo modo, as mãos infincadas no chão, a cabeça baixa, a respiração descompassada, os movimentos bloqueados , ainda não querendo aceitar a realidade e os comandos de seu cérebro, mas uma única coisa estava diferente em toda aquela cena, o seu olhar. Ele não mais tinha tristeza e incertezas refletidas naquelas íris vermelhas, ali agora estavam estampados o mais puro ódio, ódio por aqueles que tiveram a audácia de lhe roubar o bem mais precioso de sua vida, Kurama.

Decidido o que tinha que fazer, agora só lhe restava preparar um plano de busca e é claro, de ataque e fuga, afinal os acontecimentos daquele dia já haviam demonstrado bastante o quanto perigoso seria esse resgate. Mas fora tudo isso ainda existia algo que teimava em tirar mais ainda a paciência de Hiei, aquele maldito pente preso em seus cabelos, esse era outro problema que deveria resolver com urgência, afinal, tinha se olhado no espelho quando saíra do banho e, pela primeira vez em toda sua vida, se achara com cara de bobo!

As pálpebras se mexem dificilmente, ao expor suas íris verdes, percebe a visão embaçada, seus sentidos ainda vacilantes, sua voz presa na garganta, sua respiração, agora, um pouco mais controlada, porém as batidas de seu coração muito fracas. Olhou ao redor e verificou que se encontrava em uma sala, fria e escura cheirando a mofo, onde apenas uma rachadura no teto possibilitava a passagem de filetes de luz.

Agora que recobrara um pouco a consciência, tentava relembrar os últimos acontecimentos, mas uma dor de cabeça lascinante o impedia.

A sala estava em profundo silêncio, a dor que o acometia aumentava a cada segundo, mentalmente se recriminava por ter recobrado a consciência, pois se não o tivesse, estaria ainda em estado anestésico e não sentiria nenhuma dor. Um sorriso no canto do lábio se manifestou, como poderia desejar isso? E desde quando tinha se tornado tão medroso a ponto de não suportar uma dor de cabeça?! Só poderia estar ficando louco pensou ele, foi nesse momento que uma gota caiu em seu rosto, levantou os olhos e viu que o teto da sala gotejava, mas no mesmo instante se deu conta de um fato mais importante, ao sentir a gota em seu roto, instintivamente quis levar a mão ao rosto mas, para sua infelicidade, descobriu que estava amarrado por correntes a parede. Tentou forçar os braços para frente para testar as correntes mas foi atingido por uma corrente elétrica fortíssima que o paralisou. Quem quer que seja que o tenha capturado tomou todas as precauções para dificultar ao máximo sua fulga.

- Já acordado?

Uma voz que parecia ter vindo do nada, o fez voltar a realidade, estava tão atordoado pensando num modo de escapar, que nem notou a criatura que se aproximava. Levantou a cabeça para tentar identificar quem estava parado diante da porta, mas como o ambiente era escuro não o permitiu ver, além do que, havia um contraste inigualável de luz e sombra, a escuridão da sala, confrontava a forte luz que emanava do lado externo, deixando a penas à vista de Kurama o contorno de seu carcereiro.

Quem é você? – perguntou Kurama

Oras por que você quer saber? Vai se esquecer mesmo!!

Como assim esquecer? O que quer dizer com isso?

Hnf....Você fala demais para quem esta condenado, venha, vamos agora que meu mestre o espera.

Condenado?! .... Espere!! Antes de irmos diga-me pelo menos onde estou.

Gargalhadas foram dadas pela criatura que ainda se mantinha imóvel em frente a porta.

Você logo irá descobrir.

Kurama não teve tempo de pedir maiores detalhes, mesmo que não tivesse recebido respostas as suas perguntas, pois aquela pessoa logo o desprendeu das correntes mas ao mesmo tempo, para impedir que assim fugisse, disferiu-lhe um golpe na nuca que mais uma vez o deixou desacordado. Mas logo recobrou a consciência, em apenas cinco minutos já havia retomado seus sentidos por completo, porém, não mais se encontrava em um ambiente frio e escuro, mas sim em uma sala muita iluminada e bem organizada. Olhou pela janela e constatou que era noite, e que estava em um quarto que se situava em uma altura bastante alta. Poderia fugir se quisesse, pois nesse quarto, ao contrário de onde estava, não oferecia resistência, porém, Kurama havia decidido esperar, queria saber quem era seu 'seqüestrador' , e tirar a limpo o porquê de ter sido capturado tão brutalmente como acontecera.

Contemplava a bela vista do alto ao mesmo tempo em que analisava o terreno para sua posterior fuga quando derrepente, foi pego de surpresa pela porta que se abriu, e nela encontrava-se uma figura exótica , vestia mantas idênticas aos dos monges sagrados, dos templos do nigenkai, porém escritas que se assemelhavam a um mântra se estendiam por todo o tecido, não usava nenhum tipo de calçado, e seus pés tinham o aspecto de terra seca e rachada. Essa excêntrica figura segurava uma bandeja com alimentos sortidos.

-Está de pé. Isso facilita minha tarefa.

-Você?!?! – disse Kurama com extrema surpresa, ao ouvir a voz daquela pessoa, veio-lhe como um flash à visão da pessoa que guardava sua cela.

-Vejo que me reconheceu. Isso é bom, é sinal de que tem uma boa memória, e isso lhe será muito útil e necessário aqui.

-O que?! Mas afinal o que está acontecendo aqui? Quem é o senhor? Por que estou aqui? e por que me disse que eu esqueceria tudo?

-Calma, todas as suas duvidas serão esclarecidas no devido tempo e hora. Agora limite-se em comer estes alimentos que eu lhe trouxe, e a descansar bastante, pois amanhã o dia será muito corrido, principalmente para você.

O homem lhe disse isso e já se encaminhava para fora do quarto quando foi impedido pelo chamado de Kurama:

-Espere!!! E o seu mestre? Eu não vou vê-lo agora?

-Felizmente não, ele necessitou sair para resolver algo.

-Infelizmente?? – Kurama tentava encaixar mais essa peça no quebra-cabeça mas era inútil...enquanto pensava não notou que já se encontrava sozinho no quarto, e impulsivamente ergue a cabeça novamente para atacar mais uma vez o homem com perguntas mas, percebeu que novamente estava só.

Passou muito tempo olhando para a porta e para a bandeja que ali próximo estava depositada, tentava encontrar uma explicação lógica mas...tudo em vão...havia peças demais nesse jogo, mas infelizmente até agora, nenhuma delas encaixava.

No momento tudo que poderia fazer era seguir o conselho que lhe fora dado, e esperar que no dia seguinte conseguisse as respostas para suas muitas perguntas.

Entrou novamente na casa, ainda se encontrava somente de toalhas e deveria com urgência resolver tudo. Subiu as escadas e dirigiu-se rapidamente ao guarda-roupa, pegou suas vestes habituais, vestiu-se e desceu para a cozinha, ia fazer um lanche antes de tudo, por incrível que pareça, depois de tanto tempo de convivência com Kurama, Hiei havia pegado o péssimo habito, segundo ele, de fazer tudo com cautela e racionalidade, e isso o irritava, pois por mais que quisesse sair correndo no meio da noite para resgatar sua raposa, seu corpo já demonstrava suas necessidades, precisava de energia, e isso só encontraria nos alimentos, além de energia também necessitava de descanso, afinal desgastara-se muito 'brincando' com Kurama e isso ele também não tinha reposto.

-Hnf...Droga de cozinha!! – resmungava Hiei enquanto procurava algo para comer ao mesmo tempo que puxava o "pente" do cabelo. – Não tem nada para se comer aqui... se pelo menos o Kurama estivesse aqui... – Ao dizer isso, toda a fúria que ele guardara se libertou por um momento e sua força era tanta que o pente, que antes não saía de forma alguma, de uma vez só, foi retirado dos cabelos de Hiei.

-Kurama...

Não importava o que fosse fazer, de uma maneira ou de outra acabava sempre lembrando de sua raposa... sua querida e amada raposa.

Seu estomago reclamava, já estava impaciente. Resolveu descer para a dispensa onde Kurama costumava buscar comida quando esta estava em falta na cozinha, andou até o fim do corredor e parou em frente a grande e pesada porta de madeira, puxou o trinco mas não se moveu. Estava emperrada e se queria comer deveria abri-la, colocou um pouco mais de força e de uma vez abriu-a, mas assustou-se pois junto com os pacotes de macarrão e biscoitos três corpos caíram sobre ele.

Levantou-se de um salto, e ficou fitando os corpos que agora estavam estendidos a sua frente, mas ao observa-los melhor, percebeu que era a mãe, o padrasto e o irmão de Kurama. Assustou-se muito ao constatar tal fato. Chegou mais perto e verificou se ainda estavam vivos, sim, ainda respiravam mas necessitavam de cuidados para se restabelecerem.

Rapidamente um a um levou-os para seus quartos e depositou-os nas camas, deixando ao lado comida e água fresca, não poderia ficar ali até eles acordarem pois iam estranhar vê-lo ali, afinal, ninguém sabia que ele estava morando com Kurama. Voltou para seu refugio, o quarto de sua raposa e ali resolveu passar a noite, já havia resolvido seu plano de busca, pela manha bem cedo, sairia a procura dele e atacaria o inimigo o mais sorrateiramente e rápido possível, para não dar tempo de seu oponente nem pensar. Ao contrário de Kurama, Hiei não se interessava em como, quem ou por que estavam acontecendo aquelas coisas, seu maior e único interesse era resgatar o dono daqueles magníficos olhos verdes a todo custo e o mais rápido possível. Adormeceu lembrando das gostosas carícias de Kurama.

Amanheceu. Kurama foi acordado pelo mesmo homem da noite anterior mas desta fez ele veio acompanhado por mais dois outros e a recepção não foi das melhores, carregado sem o menor cuidado foi sendo encaminhado corredor em diante, para onde os homens diziam que iria ocorrer seu encontro com seu mestre.

-Mas para onde estão me levando? Quem é esse mestre? – perguntava Kurama ao homem, mas só recebia como resposta o silêncio.

Chegaram em frente a uma porta, e de encontra ela foi jogado para que esta por sua vez abrisse. Caído ao chão e sentindo uma forte dor no braço devido ao impacto, Kurama levantou a cabeça e só uma frase foi dita:

Não, não pode ser você!

Continua...

Por AyummiHinotto

Janeiro/2003