Capítulo 2 – A Não-Monitora-Chefe
– E então, Alana, como foram suas férias dessa vez?
– Nada muito diferente, Dauren. Papai teve os compromissos dele e eu fui parar na casa de um amigo da família.
– Puxa, isso é sempre chato... – comentou a amiga.
– Até que dessa vez eu não posso reclamar, foi uma das férias mais proveitosas da minha vida.
– Nossa. E que amigo da família era esse?
– Nicolau Flamel.
– Nicolau Flamel? Uau!
– Você nem imagina as histórias que ele e a esposa Perenelle têm para contar... algumas muito interessantes mesmo. Sem falar que eles são de longe os dois bruxos mais inteligentes do mundo!
– Por Merlim, Alana, isso é o que eu chamo de férias. Seu pai tem mesmo amigos muito interessantes.
– Você não conhece nem a metade deles, Dauren... – comentou Alana.
– Ele se dá bem com todo o tipo de criatura, não é? Ouvi o Professor Kettleburn comentando que ele conhece até os Centauros da Floresta Proibida. Nunca vi o seu pai implicando com ninguém...
– Aham.
– A não ser... bem, o Tom Riddle – disparou Dauren, observando a reação de Alana.
– O que tem ele?
– Ah, vai dizer que você nunca notou que o teu pai não vai com a cara dele?
– Você bebeu uísque de fogo, Dauren? Eu nunca notei nada, não.
– Então começa a prestar mais atenção no seu pai durante o jantar.
– Tá legal... – disse Alana, sem convicção. – Mas por que ele implicaria com o Tom?
– E eu é que vou saber? O pai é seu. Aliás, eu acho o Tom uma gracinha – disse Dauren, suspirando. – Ele é um doce!
– Doce? Não – disse Alana, com ar filosófico. – O Tom é misterioso demais para ser um doce.
– Misterioso? Ah, claro, aquela história da Câmara dos Segredos ainda... você não se cansa?
– Eu estava esperando para te contar o que foi que descobri na casa dos Flamel, mas se você disse que está cansada, eu-
– Tá bom, tá bom! – apressou-se Dauren. – O que foi que você descobriu?
– Nicolau me disse... na verdade ele deu a entender que o garoto expulso criava uma espécie de monstro dentro de Hogwarts.
– Ah – decepcionou-se Dauren. – previsível... algum motivo para a expulsão tinha de haver...
– Claro que sim, Dauren. Mas me diga, que espécie de garoto, por mais habilidoso que seja com criaturas mágicas, é capaz de controlar um monstro aos 13 anos de idade?
– Então você está achando que o garoto é mesmo o herdeiro?
– Não. Reafirmo que o herdeiro está na Sonserina, mas esse tal de Rúbeo...
– Estou começando a entender onde é que você quer chegar – disse Dauren.
– Eu sei que há um motivo comprometedor para o papai querer manter ele por perto. Talvez nem o garoto saiba, mas ele tem alguma coisa especial.
– E você vai investigar isso depois de terminar a investigação sobre a Câmara dos Segredos? Cai na real, Alana, você mais parece um daqueles personagens detetives dos livros trouxas de mistério.
– Você continua lendo aqueles livros, Dauren?
– Algum problema? – devolveu a amiga, ofendida.
– Alguma notícia dos ex-alunos, Alvo? – perguntou o professor O'Neil.
– Estão todos bem, até onde eu sei – respondeu Dumbledore. – Minerva acabou de começar seus estudos avançados em Transfiguração.
– Com recomendações suas, eu suponho – disse o professor Wallace, que cuidava da biblioteca.
– Na verdade eu ainda conservo alguns bons amigos nessa área – disse Dumbledore. – Não vi problema algum em recomendar a melhor aluna que já tive. Além disso, ela provou competência como Monitora-Chefe no ano passado.
– E o Fawcett? – perguntou O'Neil.
– Foi para o Ministério – disse Wallace. – A família inteira trabalha lá. Foi um dos melhores Monitores-Chefes que já tivemos, não?
– O neto do Finneus também vai se sair bem esse ano – disse Dumbledore.
– Alvo, por que foi que você pediu ao Dippet para preterir a Alana como Monitora-Chefe? Ela era a mais indicada para o cargo... – questionou O'Neil.
– Confesso que sugeri isso ao diretor, mas a decisão final foi dele. Se fiz o que fiz, foi muito mais na qualidade de professor do que de qualquer outra coisa. Alana não correspondeu às expectativas que depositamos nela. Há um ano eu não teria feito objeção, mas atualmente...
– Acho que você se equivocou, Alvo. Mas confiamos no seu julgamento – disse Wallace.
– Queria muito estar errado, mas sei que não estou. Infelizmente.
No Salão Principal de Hogwarts, Ormand e Sorrel terminavam o jantar antes de se dirigir à Torre de Astronomia, onde Æthelind e Riddle os aguardavam. Ao entrarem na sala onde sempre se encontravam, notaram imediatamente que alguma coisa havia mudado.
– Como foram suas férias, Riddle? – perguntou Sorrel.
– Péssimas, como sempre – comentou ele, impassível. – E imagino que nenhum de vocês tenha praticado o que eu pedi, não é?
– Seria loucura. O Ministério da Magia não leva mais que três segundos para descobrir se fazemos mágica fora da escola e manda uma advertência para os nossos pais... não quero nem pensar no que aconteceria se tentássemos praticar Arte das Trevas – disse Ormand.
– Incompetentes – disse Riddle, entre os dentes. – cercados pelo mundo da magia e incapazes de seguir as minhas ordens!
– O que aconteceu, Tom? – perguntou Æthelind.
– Tom? – refletiu ele, ouvindo o som de sua própria voz. – Sabem, vocês não devem mais me chamar pelo nome trouxa do meu pai.
– Como assim?
– Eu criei para mim um nome novo, um nome que eu sei que um dia os bruxos do mundo todo terão medo de pronunciar, quando eu me tornar o bruxo mais poderoso de todos os tempos... vocês terão a honra de presenciar a minha ascensão, porque de hoje em diante, Tom Servolo Riddle não existe mais. Eu sou Lord Voldemort!
Alana, apesar de todas as mudanças, ainda era muito interessada pela aula de Feitiços. Ela e o professor O'Neil – diretor da Corvinal – davam-se muito bem e freqüentemente conversavam após as aulas. Por causa disso ele não pôde deixar de notar que ela voltara das férias um tanto distante e apática.
– Podemos conversar, minha querida?
– Claro, professor – disse ela, sorrindo.
– Você foi muito bem nos exercícios hoje, Alana.
– Obrigada, professor.
– E vejo que tem se esforçado com as tarefas extras...
– Sim, professor – disse ela, perguntando-se aonde é que ele queria chegar.
– Mesmo assim, não vejo o mesmo entusiasmo do ano passado...
– Certamente o senhor não tem nada a ver com isso, professor – disse Alana.
– Fico feliz de ouvir isso, mas não são as suas palavras que me fazem acreditar, querida.
– Não creio que tenha mudado tanto assim – falou ela, com franqueza.
– Não quero que se atrase para o jantar. Só queria dizer que não foi por incompetência sua que Dauren tornou-se a Monitora-Chefe no seu lugar.
– Eu fiquei feliz com isso, Dauren é a minha melhor amiga – disse Alana, sem encarar os olhos do professor. – Se o senhor está achando que é por isso que eu ando diferente, me desculpe, mas errou feio.
– Alana, eu não estou aqui para discutir exatamente esse fato, mas você é a melhor aluna da Corvinal... você já deu sozinha mais orgulho para a nossa casa do que dúzias de colegas seus juntos. Essa monitoria era sua e você não lutou por ela.
– Não quero ser apenas um joguete em uma disputa de casas, professor. Acho isso... desculpe pela palavra, mas é babaca. Se fiz o que fiz nos seis primeiros anos de Hogwarts, foi por mim e não pela Taça.
– EIS A QUESTÃO! – manifestou-se o professor, levantando-se da cadeira onde estava sentado, de frente para Alana. – Era exatamente aí que eu queria chegar. Sua última frase deixa claro aquilo que eu já imaginava, e no entanto você está tentando fazer com que todos acreditemos justo no contrário: que você deixou de se importar com a disputa de casas, quando na verdade, deixou de se importar com outras coisas!
– Eu acho que não quero ter essa conversa, professor. Desculpe-me, mas...
– Vou entender. Pode ir, se quiser. Mas lembre-se de uma coisa: o que quer que tenha ocupado o lugar do que você deixou de acreditar, está fazendo de você uma pessoa que dentro de pouco tempo ninguém reconhecerá. Talvez nem você mesma. É isso que você quer? Se a resposta for sim, continue; se não, pare. Pense nisso, Alana.
– Eu...
– Era o seu pai que deveria estar dizendo essas coisas, mas eu não poderia ficar parado esperando que ele tomasse uma atitude. Eu gosto muito de você, Alana.
– Eu sei, professor. Também gosto do senhor. Vou jantar, com licença.
Alana pensou nas palavras dele durante horas, antes de pegar no sono. Teve alguns sonhos confusos, mas não lembrou-se de nenhum deles quando acordou na manhã seguinte. A conversa com o professor O'Neil também perdera grande parte da importância, e as palavras dele pareceram bem menos verdadeiras dois dias depois. Em uma semana, sequer se lembrava de ter conversado com ele após a aula...
O ano letivo começara há um mês. Alana subia as escadas de Hogwarts sem pressa, a mente absorta em pensamentos confusos e contraditórios, as pernas lutando para vencer os intermináveis degraus que levavam à Torre de Astronomia, os olhos fixos em algum ponto indefinido. Suas mãos estavam ligeiramente trêmulas, seu coração batia descompassado, quando uma mão tocou seu ombro esquerdo, fazendo-a parar imediatamente.
– Alana? – Tom Riddle, ao seu lado, murmurou suavemente.
– Estou atrasada? – ela perguntou, num tom que se confundia entre a satisfação por tê-lo encontrado e a apreensão por sua resposta.
– Claro que não – disse ele, simpático. – Vim avisar que aconteceu um pequeno imprevisto.
– Que tipo de imprevisto?
– Ormand e Sorrel ganharam detenções em...
– Na matéria do meu pai, eu suponho? – antecipou ela.
– Exatamente – confirmou Tom, correndo a mão pelos cabelos negros, desajeitando-os, ligeiramente constrangido.
– Tudo bem, eu também não consegui encontrar o Æthelind em lugar algum. Acho que ele não pôs os pés na Corvinal hoje. Desculpe, não consegui avis�-lo.
– Você não o viu hoje? Será que ele está bem? – Riddle fingiu preocupação.
– Deve estar, Tom – disse ela, sorrindo timidamente, sensibilizada com o olhar preocupado dele.
– Eu vou entender perfeitamente se você quiser aproveitar que eles não puderam vir para voltar à Corvinal e estudar um pouco, ou quem sabe conversar com seus amigos. Por mim, tudo bem. Deixamos o que tínhamos para fazer para uma ocasião mais oportuna.
– Nada disso, Tom. Como foram suas férias? – perguntou ela, começando uma conversa.
– O de sempre, nada muito emocionante. E as suas?
– Eu passei alguns dias com o meu pai, depois ele teve outras coisas com que se preocupar... então eu fui parar na casa dos Flamel, amigos dele
– Sei. Divertiu-se? – perguntou ele, conduzindo-a até a sala que costumava ocupar.
– Se sua idéia de diversão inclui passar os dias ouvindo amigos do seu pai contando histórias de 500 anos atrás... – comentou ela, sem emoção.
– Quinhentos? É impressão minha ou não foi só força de expressão?
– Você nunca ouviu falar da Pedra Filosofal? – perguntou Alana.
– Uma lenda – disse Riddle. – Conheço-a bem.
– Ótimo, me poupa horas de explicação – disse Alana, sorrindo novamente.
– Vejo que a parte da lenda não é como imaginava. A Pedra existe?
– E é muito bonita, por sinal. Isso sem mencionar o seu poder e tudo mais...
– É – disse Riddle, fazendo uma nota mental. – Bem, chegamos!
Alana acompanhou-o para dentro de uma das salas da Torre, que ficavam desocupadas durante a noite. Ela viu uma mesa, algumas prateleiras praticamente vazias e um sofá encostado em uma das paredes, à esquerda da porta.
– Não é muito ocupada, por isso está assim, desarrumada – explicou ele, entrando atrás dela e encostando a porta, sem tranc�-la.
– E você? Foi para casa nas férias?
– Minha casa é em Hogwarts, não com aqueles estranhos com quem passo as férias.
– Estranhos? Mas você não mora com a sua família?
– Não – admitiu ele, após um longo suspiro. – Moro com trouxas.
– Trouxas... – repetiu ela, como se fosse o eco da voz dele.
Riddle e Alana sentaram-se ao mesmo tempo no sof�, encarando a janela na parede oposta. Ele notou – pela respiração dela – que ela estava ligeiramente nervosa; muito diferente da monitora desenvolta que conversava sobre qualquer assunto, com qualquer aluno de Hogwarts.
– Eu sempre tive a falsa impressão de que todos os Sonserinos eram sangue-puros.
Ele não fez questão de esconder que aquele comentário o afetava profundamente. Ficou em silêncio por longos instantes antes de mudar de assunto.
– Você também é órfã, não é? – perguntou Riddle, deixando-se escorregar alguns centímetros, ficando numa posição mais confortável.
– Aham – ela o acompanhou.
– Conheceu sua mãe?
– Eu... me lembro de algumas coisas – disse ela, com dificuldade, tentando recordar. – Do cheiro dela, da voz. Faz muito tempo que já não lembro mais do rosto.
– Você não tem fotografias... ou quadros?
– Nunca é a mesma coisa, Tom – ela falou, respirando fundo. – E você, conheceu a sua?
– Não.
– E seu pai? – ela insistiu perigosamente em um assunto do qual ele fugira a vida inteira.
– Ele não era... um bruxo – respondeu Riddle, lembrando-se de que o visitara nas últimas férias.
– Entendo – murmurou ela, refletindo sobre a possível ascendência dele.
– Por que sua mãe morreu tão jovem? – perguntou Riddle.
– Você pode até rir do que eu vou dizer, mas... eu não sei. Na época era criança demais para entender e depois de tanto tempo, bem... eu nunca perguntei ao meu pai. Simplesmente não sei.
– Não faz a menor idéia?
– Nunca pensei sobre isso, Tom. E a sua?
– Morreu no dia em que nasci.
– Sinto muito. Deve ter sido difícil crescer no meio dos trouxas. Você vive em um orfanato?
– Seu pai lhe disse isso? – devolveu Riddle, crispando os olhos.
– Claro que não. Apenas imaginei. A minha melhor amiga é nascida trouxa e me explicou muitas coisas do mundo deles, por isso eu achei que...
– Desculpe-me, Alana – disse ele, encarando-a com os olhos marejados. – Desculpe a minha grosseria, é que...
– Não precisa se desculpar, Tom. Não foi a primeira e nem vai ser a última vez que isso acontece. Ser a filha de Alvo Dumbledore tem lá os seus percalços. Todo mundo acha que ele comenta assuntos da escola comigo.
– E não comenta?
– Não.
– De qualquer modo, só porque os outros também cometeram esse deslize, não me sinto menos culpado. Não quero ser igual a eles pra você.
– Igual e eles em que sentido, Tom?
– Não quero ser mais um daqueles idiotas que fica gabando-se pelos corredores só porque trocou uma ou duas palavras com a filha do Diretor da Grifinória. Eu não vejo você como a grande e inatingível Alana Dumbledore – disse Riddle, encarando profundamente os olhos claros dela.
– E como você me vê? – perguntou ela, devolvendo o olhar.
Riddle não disse uma palavra. Ficou admirando os olhos dela com uma expressão serena e indulgente. Calmamente, pegou sua varinha e conjurou um pequeno espelho. Tomando-o na mão, segurou-o em frente ao rosto dela por alguns segundos e finalmente respondeu.
– Eu a vejo assim, Alana. Esse espelho mostra seu rosto, sua figura. Na imagem que ele reflete não está escrito que você é filha de um grande e conhecido bruxo, que você é monitora em Hogwarts e que você tira boas notas. É apenas um reflexo que fala por si só. Um espelho nunca mente.
– Então é só isso que você vê? Uma imagem? – perguntou ela, confusa.
– Só vejo o que você me deixa ver, Alana.
– Só o meu rosto?
– O que eu vejo está dentro dos seus olhos, muito mais fácil de enxergar do que você imagina. É por isso que eu disse que não quero ser só mais um daqueles idiotas.
Ele continuou encarando-a, sem piscar. Seus olhos tinham um brilho negro e intenso que irradiava e parecia tocar os olhos dela, hipnotizando-a. O vento do lado de fora aumentou, a janela estava aberta e lentamente a porta – que estava encostada – começou a abrir, produzindo um rangido caracteristicamente agudo que tirou-os do transe. Alana voltou para a Corvinal e Riddle para a Sonserina. Ambos demoraram para pegar no sono.
No dia seguinte Alana e Dauren tinham aula de Herbologia juntas e aproveitaram que a tarefa proposta pelo professor Austin não exigia muita concentração, para conversar.
– Então, como foi a conversa ontem à noite? Encontrou os garotos da Sonserina? – perguntou Dauren, colocando terra dentro de um vaso.
– Não. Foi só o Riddle.
– O quê?
– Os outros dois estavam cumprindo detenção. Mas valeu a pena.
– E sobre o que vocês dois conversaram? – perguntou Dauren.
– Sobre as nossas famílias.
– Ah, você "pescou" ele sobre o tal herdeiro de Slyterin?
– Ainda não fui muito direta, Dauren. Não quero deixar que ele perceba que me aproximei só para descobrir se ele conhece a identidade do garoto que abriu a Câmara dos Segredos.
– Hum. Mas você acha que o Riddle sabe quem é?
– Ele é um garoto muito inteligente, disso eu não tenho dúvidas. De todos os Sonserinos a quem eu poderia recorrer, que não são muitos, acho que ele é o mais indicado. Apesar de ser tímido, ele sabe da vida de todo mundo, ao que parece.
– Observador, então?
– Isso, amiga. Muito observador... – filosofou Alana, lembrando-se do que Riddle lhe dissera na noite anterior.
A conversa continuou e ela contou tudo o que descobriu, com detalhes. Apenas tomou o cuidado de não revelar que Riddle era filho de um trouxa, porque sabia o quanto ele teve de ser forte para admitir aquilo, mesmo para ela, e quis retribuir a confiança que ele lhe depositou. Apesar disso, aquela foi a última conversa na qual Alana foi absolutamente sincera com a melhor amiga. Na qual ela foi absolutamente sincera com outra pessoa...
