Capítulo 3 – A Ameaça de Æthelind
– Você não está se concentrando o suficiente, Alana!
– Estou tentando, mas está difícil.
– Tente não fechar os olhos quando executa a magia.
– Eu não fecho os olhos – disse ela.
– Fecha.
– Não é melhor dar um tempo e continuar mais tarde? – pediu ela.
– Você tem de aprender esse hoje, Alana. Foi o que combinamos.
– Acontece que eu já estou tentando fazer esse feitiço há horas!
– Só a persistência nos leva ao sucesso. Você acha que eu nasci sabendo fazer esse tipo de magia? – perguntou ele.
– Claro que não, só que...
– Última vez. Segure firme a varinha, respire fundo, concentre sua magia no objetivo do feitiço e diga as palavras com clareza e convicção – explicou ele. – Vamos, você consegue.
– Não vai dar certo.
– Nunca vai dar enquanto você estiver de má vontade.
– Não estou de má vontade, Tom. Só estou cansada.
– Foi você que me pediu para ensinar esse feitiço.
– Você disse que era fácil – disse Alana.
– Eu nunca disse que era fácil. Eu disse que você conseguiria, é diferente.
– É inútil, Tom. O Sorrel e o Ormand estudam com você há mais tempo que eu e ainda não conseguem fazer, como espera que eu aprenda em uma noite?
– Eu esperava que você pudesse ser um pouco mais inteligente que Ormand e Sorrel – sorriu Riddle, segurando a mão dela e fazendo-a encar�-lo. – Não vou mais insistir. Você conhece seus limites e deve explor�-los aos poucos. Fui duro com você porque achei que pudesse conseguir tão rápido quanto eu, mas a magia exige muita prática, acima de tudo – continuou ele, doce. – Depois de amanhã, quem sabe?
– Tudo bem, Tom – disse ela, agradecida pela voz terna com que ele dissera as últimas palavras.
– Nessa mesma sala. Quer que eu a leve até a Corvinal? – ofereceu-se ele. – Desde que o diretor Dippet contratou o tal de Argo Filch para cuidar do castelo, não tem sido seguro andar pelos corredores à noite. Ainda mais se você estiver sozinha.
– Eu sei me cuidar, Tom. Não vai ser um aborto como ele que vai me assustar.
– Vou confiar em suas palavras.
– Depois de manhã Ormand, Sorrel e Æthelind estarão conosco? – perguntou Alana.
– Talvez. Não tenho certeza se quero você estudando com eles – disse Riddle.
– Quando é que vocês começaram com essa história de estudar magia avançada durante a noite?
– Fazemos isso desde o ano passado.
– Por quê?
– Porque achamos as aulas insuficientes, Alana, só por isso – respondeu Riddle.
– Vocês deveriam difundir isso, sabia? Você, Tom, é muito bom em Feitiços, poderia ajudar seus colegas...
– Alana, entenda, não é o meu objetivo sair espalhando o que sei.
– Você é tímido, Tom, mas tem um dom... – falou Alana, encarando-o. – Um dom que pode torn�-lo ainda mais especial do que já é. Aposto como Ormand, Sorrel e Æthelind já aprenderam muita coisa com você.
– Eu já me ofereci para ensin�-la também, o que mais você quer?
– Não é isso, Tom. Não me interprete mal, por favor. O que quero dizer é que seria legal que todos soubessem o quanto você é inteligente.
– Minhas idéias não são iguais às suas, Alana – esclareceu ele. – Pouco me importa o que os outros alunos pensam de mim agora. Isso é importante para você, mas para mim não passa de uma tremenda perda de tempo. O que eu quero que conheçam de mim ainda está em construção...
– E o que é isso?
– É cedo para que saiba de alguma coisa.
– Você não confia em mim? – perguntou ela, aproximando-se e olhando-o interrogativamente.
Ele não respondeu de imediato. Devolveu o olhar dela como se também estivesse se fazendo essa pergunta, como se não tivesse pensado no assunto antes daquela oportunidade.
– Confiança é uma coisa que surge com o tempo, Alana.
– Aposto como você é mais uma daquelas pessoas que não consegue confiar em ninguém além de si mesmo – arriscou ela.
– O que você tem feito para merecer a minha confiança, Alana? Por acaso tem sido clara quanto aos seus objetivos?
– Tom, eu...
– Eu deixei que você soubesse sobre as nossas reuniões, eu lhe propus ensinar-lhe o que sei, eu me prontifiquei a guardar segredo. O que foi que você fez até agora, garota?
– Eu f-
– Não responda, por favor. Conheço as palavras que pretendia usar – interrompeu Riddle. – Já é tarde, volte para a Corvinal. Conversamos depois de amanhã.
– Tudo bem, boa noite, Tom.
– Boa noite.
Na tarde seguinte, Æthelind andava quase sem rumo pelas masmorras de Hogwarts. Tivera aula de Poções há menos de dez minutos e já estava atrasado para a de Adivinhação, mas não tinha a menor intenção de comparecer a esta. Desceu as escadas, tomando cuidado para não ser visto por nenhum professor ou monitor, caminhou na direção do salão comunal da Corvinal e parou em frente à entrada secreta, pensando se deveria ou não fazer aquilo.
Respirou fundo e entrou. Deu uma rápida olhada na direção da lareira, repassou as poltronas, olhou na direção dos dormitórios femininos e não viu nada. Caminhou até uma das janelas – que estava aberta – apoiou-se no parapeito e admirou por alguns instantes o terreno da escola onde passara a maior parte dos últimos seis anos. Tinha falhado, deveria tê-la encontrado ainda durante a tarde, mas a bruxa parecia ter sumido do castelo sem deixar vestígios.
Quando virou-se na direção da porta, decidido a não se atrasar para a segunda aula do dia, deu de cara exatamente com a pessoa que estava procurando. Ela passou pelo salão comunal como um risco, esquecendo de cumprimentar a todos – coisa que sempre fazia – mas ele ainda teve tempo de alcanç�-la e fazê-la parar.
– Alana! Alana, preciso trocar umas palavrinhas com você.
– Agora, Æthelind? Estou um pouco atrasada e...
– Agora, Alana – exigiu ele, com um olhar sério e quase amedrontador.
Ela olhou para os lados para ver se ninguém estava ouvindo a conversa dos dois, puxou o braço de Æthelind e levou-o até uma poltrona ligeiramente isolada – longe o suficiente para que tivessem privacidade. Fê-lo sentar-se, encarou-o e então disse:
– É algum recado do Tom?
– Não – disse Æthelind.
– Posso saber do que se trata, então? Temos mais algum assunto em comum? – ela estava sendo extremamente grossa com ele, mas nem notava esse tipo de coisa.
– Eu soube que... – ele fez uma pausa. – ele está ensinando alguns feitiços a você.
– E daí? O que é que tem isso, Æthelind? Ele não faz o mesmo com você e os outros garotos da Sonserina?
Æthelind encarou-a. Por estar sentado na poltrona, seus olhos ficaram a uns trinta ou quarenta centímetros abaixo dos dela, de modo que ele teve que inclinar a cabeça. Suas palavras saíram em tom sério e pausado, a voz era firme e o recado das entrelinhas era claro:
– Eu quero que você diga a ele que desistiu.
– E por que eu faria isso?
– Porque esse assunto é bem mais sério do que você pode imaginar – disse ele. – Não é só mais uma das suas brincadeiras, Alana.
– Eu não sei do que é que você está falando, Æthelind – disse ela.
– Estou dizendo que não queremos você participando disso.
– E o Tom sabe? Há algum motivo para essa idiotice?
– Você não entenderia se eu dissesse, Alana. As coisas saem do seu controle, você simplesmente grita pelo seu pai e tudo se resolve.
– Espera aí, eu não sou assim – protestou ela.
– O que estamos estudando não é um tipo feitiço bobo que você deixa de usar quando se cansa, nem uma magia rudimentar que pode ser desfeita com a ajuda de alguém se você tiver executado errado...
– Eu sei que são feitiços poderosos, Æthelind. Por que acha que estou interessada em aprendê-los? – perguntou Alana.
– Arte das Trevas não é diversão, senhorita Dumbledore!
– O que foi que você disse? – perguntou ela, chocada.
– Nada – desmentiu Æthelind, vendo que havia falado demais.
– Repita o que disse, garoto!
– Eu não disse nada, Alana. Com licença.
– Volte aqui e esclareça-me essa história! Æthelind! Æthelind! – chamou ela, mas ele saiu correndo e sumiu pelo resto do dia.
Um dia depois, Armando Dippet preenchia um pergaminho em sua sala, quando percebeu a entrada de alguém.
– Alvo, o que o trás a minha sala?
– Precisamos conversar, Armando.
– Pelas suas feições, temo que já conheça a natureza do assunto. O que tem a dizer hoje? – antecipou o diretor.
– Armando, ouça, eu não estava brincando quando disse que coisas erradas estavam acontecendo dentro de Hogwarts. Coisas muito erradas.
– Eu sei, Alvo. Eu acredito em você quando diz que algum aluno vem praticando Arte das Trevas, mas não podemos fazer nada enquanto não soubermos quem é, e não poderemos puni-lo enquanto não tivermos provas. Use o seu bom senso, Alvo, qualquer um deles pode ter aprendido algum tipo de Arte das Trevas com os pais...
– Nem todo bruxo conhece Artes das Trevas, Armando. E um número ainda mais restrito é capaz de ensin�-las aos filhos. Você é que não está usando o bom senso.
– Vou ter que pedir que se retire, Alvo. Você está exaltado demais e sem motivo. Ainda não tivemos problemas dentro de Hogwarts desde... bem, você sabe. Espero que as coisas continuem assim. Se me der licença, tenho trabalho a fazer, você conhece o caminho da porta.
– Tom Riddle – disse Dumbledore. – Tome cuidado com esse garoto.
– O Tom ajudou esta escola denunciando aquele garoto que você tenta proteger, Alvo. E vem se mostrando um aluno cada vez mais brilhante. Ninguém além de você tem qualquer queixa contra ele. Pelo contrário, ouço os demais professores elogiando-o freqüentemente. Agora me responda, Alvo, devo acreditar neles, nas minhas constatações, no passado e nas circunstâncias ou devo acreditar em você? Retire-se.
Os sétimos anos da Corvinal e da Sonserina dividiam a aula de Trato das Criaturas Mágicas nas tardes de quinta-feira. O professor Kattleburn estava falando sobre os Centauros, enquanto os alunos ouviam-no sentados na orla da Floresta Proibida. Com sua magia, ele produzia imagens de Centauros entre os estudantes, que assistiam fascinados, embora não escondessem o desejo de conhecer uma daquelas criaturas, nem que para isso tivessem de entrar na floresta.
– Sinto muito, mas este lugar não se chama Floresta Proibida por acaso. Nenhum aluno deve entrar ali. É perigoso... Além disso, os Centauros são avessos ao convívio com humanos. Ficam escondidos observando as estrelas.
– Professor!
– Sim, Sr. Black?
– É verdade que o pai da Alana conhece os Centauros daqui?
– O Professor Dumbledore os conhece, sim. Mas bruxos capazes de manter contato com essas criaturas são muito raros – respondeu Kattleburn.
– Então por que a gente não pede para ele nos acompanhar numa visita? Aposto como aprenderíamos várias coisas ao vê-los pessoalmente – insistiu Black.
– Mesmo com Dumbledore à frente, eles jamais receberiam um grupo tão grande. Esqueça essa idéia, William, e vamos voltar ao assunto da aula.
– Mas uma possível visita aos Centauros é assunto de aula – disse ele.
– Como Monitor-Chefe desta escola, Sr. Black, creio que deveria dar o exemplo e não alimentar esse tipo de idéia estapafúrdia. De uma vez por todas, vamos voltar a aula.
O professor encerrou a aula alguns minutos antes do previsto naquele dia, porque pingos de chuva começaram a cair com uma intensidade cada vez maior. Alana guardou suas anotações na mochila e começou a caminhar em direção ao castelo, onde ainda teria aula de Transfiguração antes do jantar.
– Alana, a gente pode conversar?
– William? O que foi? – surpreendeu-se ela.
– Eu preciso trocar uma ou duas palavras com você.
– Tudo bem, mas... está chovendo aqui. Não dá para a gente andar enquanto você fala?
– Se não se importa, eu prefiro que ninguém ouça o que vou lhe pedir.
– Certo. Fale, então – disse ela, parando de caminhar para encar�-lo, no meio do gramado de Hogwarts.
– É sobre o seu pai. Você ouviu o que o professor Kattleburn falou?
– Claro que eu ouvi, estava assistindo a aula quase do seu lado.
– Sim, mas... Alana, você acha que ele concordaria, se alguém pedisse?
– Para procurar os Centauros? De jeito nenhum! Acho bom você tirar essa idéia da cabeça, William.
– Por quê?
– Porque os Centauros não gostam de bruxos.
– Mas conversam com o seu pai – disse Black.
– Que tipo de conversa você acha que eles têm? Que meu pai senta com os Centauros para tomar ch�? – perguntou Alana, irônica. – Tire essa obsessão da cabeça.
– Se ele consegue, eu também posso conseguir. Só quero conhecer os Centauros, é uma coisa que desejo desde que tenho dez anos de idade.
– Olha, eu não sei o que foi que te deu, William, mas eu não vou participar disso. Você me perguntou se eu achava que o papai aceitaria, eu já disse que não. Mas se quiser ir adiante, por mim... Agora, fale com ele você, eu não vou me meter.
– Tudo bem, eu sei que vocês estão brigados – disse Black.
– Brigados? Quem disse isso? – perguntou Alana.
– É o que estão comentando pelos corredores. Por causa do Tom Riddle...
– Eu não... o que foi que você ouviu, exatamente? – quis saber ela.
– Não lembro Alana, por quê? Não é verdade?
– Não é da sua conta – disse ela, ríspida. – Quero saber o que foi que você ouviu.
– Também não é da sua conta – devolveu ele.
– Ei, quem me chamou para essa conversa foi você. Acho bom terminar o que começou – ameaçou Alana.
– Se quer mesmo saber o que é, vai ter que dar um jeito no meu problema.
– O que você sugere? Que eu leve você até os Centauros? Meu pai nunca vai aceitar levar um aluno.
– A sua idéia não é má – disse Black.
– Foi uma brincadeira e não uma idéia. Pare com essa maluquice, William, você está me assustando – disse Alana, vendo que todos os colegas já haviam entrado no castelo.
– Podemos aproveitar que ninguém está nos vendo e que já estamos mesmo perto da Floresta.
– É proibido entrar l�, você sabe disso. Largue o meu braço, William!
– O que deu em você, Alana? – perguntou ele, arrastando-a em direção a entrada da floresta. – Nunca teve medo de nada...
– Eu não estou com medo, só quero evitar que você faça uma loucura.
– Não vai ser nenhuma loucura. Você entra lá comigo e se os Centauros forem hostis, você diz que é filha de Dumbledore, aí estaremos salvos!
– Isso se conseguirmos achar algum Centauro, não é? Eles se escondem no centro da Floresta e até chegarmos l�, já termos servido de comida para umas dez criaturas diferentes. Já pensou nisso?
– Somos dois bruxos poderosos ou somos duas crianças, Alana? Podemos lidar com qualquer criatura! – disse Black.
– Você não pode desafiar sua sorte dessa maneira, William. Solte-me! – gritou ela, mas sua voz foi abafada por uma sonora trovoada. – Já disse para me soltar!
– Você já gostou mais da minha companhia, não é mesmo?
– Do que é que você está falando? – perguntou Alana, cogitando usar sua varinha para livrar-se dele. – William, eu não estou lhe reconhecendo! O que deu em você? Dá pra tirar a mão de cima de mim?
– Vamos, não temos o dia todo, Alana – continuou ele, puxando-a pelo braço esquerdo, enquanto a chuva caía cada vez mais intensa.
Black puxou-a devolta até a orla da floresta, mas não entrou. Ficou parado, ainda segurando Alana, e olhando para os lados. Quando os dois já estavam completamente encharcados pela chuva, uma voz conhecida quebrou o silêncio:
– Pode ir, Black. Volte ao castelo...
Alana viu William assentir e sair andando, como se nada tivesse acontecido. De trás de uma árvore, Æthelind surgiu, com a varinha apontada para ela. Quando olhou de novo para a direção do castelo, viu que Black já estava longe, e que a chuva continuava caindo.
– Dá para me explicar o que é que está acontecendo, Æthelind? – pediu ela, não sabendo exatamente que tipo de tom deveria usar.
– Eu pedi que você desistisse, não pedi? Creio que tenha sido bem claro.
– Não o suficiente para me convencer, Æthelind. O que deu em você?
– No entanto – continuou ele. , você pretende continuar essa noite, não pretende?
– Riddle me convidou.
– Há tempo de dizer que você não vai. Nem hoje e nem nas próximas vezes. Eu mesmo posso transmitir o recado, se quiser.
– Poupe seu tempo, Æthelind. Depois do que você tentou fazer, quero pelo menos descobrir o que realmente acontece naquela sala da Torre de Astronomia quando eu não estou.
– Não acontece nada! – gritou Æthelind, irritado.
– Então não há motivos para que eu fique de fora ou para que você queira que eu desista.
– Você não sabe no que está se metendo...
– Então me diga você, Æthelind – pediu ela. – O que de tão horrível pode acontecer comigo?
– Você só não é a pessoa mais indicada para estar entre nós – disse ele.
– Diga isso ao Tom, peça a opinião dele e depois me comunique. O que acha?
– Não me desafie, insolente – ameaçou Æthelind. – Só porque aprendeu dois ou três feitiços com... você sabe de quem estou falando... não significa que possa defender-se de mim...
– Æthelind, você... – ela não continuou a frase, ficou vendo o garoto a sua frente manusear a varinha a dar dois paços na sua direção.
– Continue me desobedecendo, Alana – ameaçou ele. – Seu pai não está aqui para protegê-la, não é mesmo? Onde ele está agora? Enchendo a paciência do Dippet para ficar de olho em...
– Tom Riddle?
– Exatamente. Tudo porque a filhinha dele está andando muito tempo com um Sonserino... quanta super-proteção. Qualquer um sente-se poderoso desse modo...
– Cale a boca, Æthelind! Eu vou-
– Vai o quê, Alana? Me atacar? Sabendo que eu posso acabar com você tão rápido que nem mesmo vai ter tempo de ouvir-me pronunciando o feitiço? Você quis brincar com fogo, garota. Desista antes que seja tarde, ou arda nas chamas que você mesma teima em alimentar...
– O que está acontecendo aqui? – perguntou uma terceira voz, também vinda da floresta.
– Quem está aí?
– Por que você está ameaçando a filha de Dumbledore? – perguntou a terceira voz.
– Apareça! – ordenou Æthelind, confuso e ligeiramente acuado.
Ele saiu de trás de um grande arbusto. Embora a voz fosse de garoto, seu corpo era o de um bruxo adulto e forte. Trazia uma raposa morta numa das mãos e um guarda-chuva na outra. Estava furioso.
– Eu lhe fiz uma pergunta. Se não vai responder, acho bom ir embora e deixar Alana em paz.
– Então é aqui que você se esconde, aberração? – disse Æthelind, reconhecendo-o.
– Mandei você ir embora – repetiu ele. – Ol�, Alana. Acho que você não se lembra de mim, sou Rúbeo Hagrid, estudei em Hogwarts até o ano passado...
– Eu lembro de você – confirmou ela, olhando-o clinicamente e vendo que crescera muito em poucos meses.
– Ele está ameaçando você?
– Estou bem, Rúbeo. Pode ir, Æthelind e eu já terminamos a nossa conversa.
– Tudo bem, eu vou alimentar os Hipogrifos. Mas estarei perto o suficiente para ouvir um grito, portanto, se precisar de ajuda...
– Obrigada, Rúbeo. Pode ir.
Æthelind virou as costas e foi embora, praguejando por ter sido interrompido. Ela ficou parada na chuva por cerca de quinze minutos antes de também caminhar até o castelo. Chegou ao salão comunal tremendo de frio, viu-o vazio e lembrou-se de que também deveria estar em aula, mas resolveu tomar um banho e descansar um pouco. Estava exausta e precisava desesperadamente pensar.
A princípio, nem desceria para o jantar, mas seu estômago estava roncando há duas horas. As companheiras de dormitório repararam nela deitada na cama, mas cada vez que uma delas entrava, Alana fingia estar dormindo, o que impediu-as de perguntar o que havia acontecido.
Ao encontrar Dauren na entrada do Salão Principal, Alana dirigiu-se com ela para a mesa da Lufa-Lufa, e só quando teve certeza de que ninguém estaria ouvindo a conversa, resolveu falar.
– O que foi que deu em você, garota? Alana, você bateu todos os recordes! Matou a aula do seu próprio pai!
– Não vem com essa conversa, Dauren, não estou precisando disso.
– Claro, desculpe. Não pude falar com você antes, mas as garotas me disseram que você estava na sua cama, lá na Corvinal.
– Sim, estava.
– Você está bem? Está sentindo alguma coisa? – perguntou Dauren, preocupada.
– Estou ótima, Dauren. Dá para parar de me bombardear com essa montanha de perguntas?
– Não – respondeu ela. – Você falta à aula de que mais gosta, passa horas sumida, depois aparece aqui com essa cara estranha, não me diz o que está acontecendo e ainda me pede para não fazer perguntas? Francamente, Alana, você não me conhece...
– Transfiguração não é mais minha matéria favorita, eu não estava sumida e sim na minha cama, não estou com cara estranha, estou tentando te dizer o que aconteceu e, definitivamente, só estou lhe pedindo para cessar as perguntas porque elas me atrapalham, ok?
– Tudo bem, mas não precisava ser grossa – disse Dauren, magoada. – Então, conte o que foi que aconteceu, porque eu ouvi as garotas da Corvinal dizendo que você ficou para trás depois da aula do Kattleburn... com o Black...
Alana revirou os olhos. Era mais uma insinuação de Dauren.
– Então, se eu lhe conheço bem, você só estava ansiosa para me encontrar porque queria detalhes sobre o meu suposto encontro com o Black, certo?
– Ah, também não é assim, Alana. Eu estava preocupada com você, mas já que tocou no assunto... quero todos os detalhes, sim!
– Não teve encontro nenhum – Dauren deixou escapar todo o ar que prendera nos pulmões, decepcionada. – William queria perguntar-me uma coisa e pediu para que não fosse na frente dos outros. Nós ficamos para trás, a chuva engrossou, eu me molhei e preferi tomar um banho quente e ir para baixo das cobertas do que aturar mais uma aula do meu pai. Satisfeita?
– Eu não acredito! E o que o Black queria te perguntar, que não poderia ser na frente dos outros? – perguntou Dauren, curiosa.
– Ele... – Alana disse a primeira coisa que lhe veio na cabeça. – me perguntou se eu já havia feito a redação de Poções.
– Alana, você já mentiu melhor, sabia?
– Se importa se eu não lhe contar o que foi que ele perguntou? – arriscou ela, mesmo sabendo que a amiga era muito curiosa.
– Foi alguma coisa que eu fiz? – perguntou Dauren. – Você perdeu a confiança em mim, não perdeu?
– Não é nada disso, Dauren, é que... existem coisas que eu prefiro guardar comigo.
– Sei.
– Você contou à Beth algo sobre os meus planos, não contou? – adivinhou Alana.
– Claro que não, eu só... eu...
– Dauren?
– Desculpe, eu achei que não haveria problemas, estava preocupada com você, com essa sua loucura de se meter com o Tom e aqueles garotos. Mas, como é que você sabe que eu falei com ela?
– Porque ela passou a informação adiante, Dauren! Você tem noção dos problemas que me causou?
– Droga! Então o Tom agora está sabendo?
– Não, só ouvi ela comentando com uma colega sua, no banheiro. Mas as notícias se espalham em Hogwarts, sabia?
– Sinto muito, eu não fiz por mal, queria apenas te ajudar.
– Eu sei, Dauren. Bem, eu tenho que ir agora, nos vemos amanhã.
– Onde você vai? – perguntou Dauren.
– O lugar de sempre, esqueceu? – disse Alana, partindo em direção à Torre de Astronomia.
Riddle andava de um lado para outro dentro da sala, com as mãos unidas atrás do corpo, os olhos mirando o chão e a mente trabalhando depressa. Olhava displicentemente para Ormand, Sorrel, Æthelind e Alana, um de cada vez, encarando-os. Precisava escolher as palavras certas para o que queria dizer.
– Ormand e Sorrel, vocês podem voltar ao salão comunal e me esperar lá. Tenho um assunto particular para tratar com Æthelind e Alana, falo com vocês depois.
– Sim, Mi-
– Em silêncio – pediu Riddle, evitando que algum deles o chamasse de Lord na frente de Alana.
Eles saíram e Riddle continuou andando em círculos, sob o olhar atento dos bruxos que ficaram na sala, sentados lado a lado no único sofá da sala.
"Pensei que algum de vocês teria algo para me dizer." Falou Riddle.
– E o que poderia ser?
– Pense, Æthelind. Pense... – continuou andando enquanto falava.
– Eu preciso voltar para a Corvinal, Tom. O que você quer? – perguntou Alana.
– Por que pediu a Ormand e Sorrel para deixar a sala, Mi- Riddle lançou-lhe um olhar assassino que impediu Æthelind de concluir a palavra.
– Porque alguém utilizou uma Maldição Imperdoável em Hogwarts esta tarde... Sabem de uma coisa? Poucas pessoas nessa escola são realmente capazes de lançar uma Imperdoável... Ormand e Sorrel não estão entre elas... – Riddle falava cada frase como se fosse uma coisa solta, sem qualquer conexão com as outras. – Eu diria até que nem todos os professores conseguem...
Alana sentiu o coração gelar, viu que ao seu lado, Æthelind começara a tremer involuntariamente. O tom que Riddle usava para falar era mais assustador do que se ele estivesse dizendo aquelas palavras com a varinha de condão apontada para eles.
"... no entanto, uma Imperius foi lançada essa tarde... e de todas as pessoas que eu julgo capazes de terem feito uma coisa dessas, as únicas que parecem ter algum envolvimento com o ocorrido são vocês dois..."
– Milorde-
– O QUE EU ENSINO A VOCÊS DEVE SER USADO PARA QUE AJUDEM A ERGUER O MEU IMPÉRIO, E NÃO PARA QUE AS USEM DIVERTINDO-SE COM SEUS COLEGAS!
– Milorde, peço que me perdoe...
– O perdão é para os fracos, Æthelind. Assim como eu descobri, outros bruxos podem ter descoberto! E não estou falando de nenhum idiota como o Black ou a sangue-ruim da Monitora-Chefe! Da próxima vez que for agir por conta própria, é bom ter em mente que pode comprometer tudo o que alcancei até aqui, e que esse tipo de desobediência tem um preço!
– Clemência, Milorde. Não voltará a acontecer... – implorou Æthelind.
– Eu sei, só vou me certificar disso. Levante-se.
– Sim, Milorde – disse ele, levantando-se.
– Crucio! – disse Riddle, perpetrando a maldição de tortura.
Alana assistiu àquilo calada, apenas perguntando-se se teria de passar pelo mesmo martírio, mesmo não tendo envolvido-se diretamente com o erro de Æthelind. De qualquer forma, Riddle descobrira sobre o que Æthelind tinha feito a Black para lev�-la até ele, o que significava que sabia das ações do servo. Vendo Æthelind contorcer-se e gritar de dor, Alana não conseguiu mais pensar. Virou o rosto e esperou tudo acabar.
Quando os gritos cessaram, olhou para Riddle e viu que ele estava sorrindo.
– Levante-se, Æthelind. Você entendeu agora?
– Sim, Milorde.
– Vai me desobedecer novamente?
– Não, claro que não, Milorde.
– Ótimo. Você recebeu o castigo de quem desafia Voldemort pela primeira vez. Mas nunca se esqueça de que a punição para a reincidência é a morte... quer fazer um teste, para ter certeza de que estou falando a verdade?
– Não, Milorde. Foi o suficiente, eu já entendi.
– Saia daqui, seu idiota inútil – ordenou Riddle.
Assim que Æthelind fechou a porta, a expressão no rosto de Riddle tornou-se branda. Ele virou-se para Alana e viu-a em estado de choque. Ela se levantou do sof�, encarou-o e alcançou a porta, abrindo-a novamente e saindo o mais rápido possível, sem olhar para trás. Enquanto corria em direção ao salão comunal da Corvinal, repassava em sua mente o que acabara de presenciar... ouvia as palavras de Æthelind, seus gritos e gemidos de dor causados pela maldição. Porém o que mais lhe torturava era a voz de Tom Riddle dizendo aquelas coisas que ela julgava absurdas, aquelas palavras ofensivas e cheias de ódio, aquele olhar vazio e inexpressivo, tudo tão diferente do garoto que ela conhecia.
Chocou-se com um quartanista da Grifinória e soltou uma exclamação de susto; estava apavorada. Não se preocupou em pedir desculpas ou em parar para descansar, já que seus músculos não agüentavam mais fazer esforço depois de terem sido atingidos por uma espécie de corrente elétrica, que foi exatamente o que aconteceu quando ela ouviu Riddle dizer "o que eu ensino a vocês deve ser usado para que ajudem a erguer o meu império...". Ou quando notou que ele não teve o menor receio em dizer "você recebeu o castigo de quem desafia Voldemort pela primeira vez. Mas nunca se esqueça de que a punição para a reincidência é a morte..."
"Voldemort". Alana não quis acreditar que ele tivesse se transformado naquilo, não quis acreditar que tivesse presenciado alguém sofrendo as conseqüências de uma Cruciatus, que até aquele dia era para ela uma coisa disforme e irreal, um nome estranho dentro de um livro, uma coisa que só acontecia bem longe dos seus olhos e, portanto, independente da sua existência.
Lembrou de William Black levando-a para a Floresta Proibida. Também recebera uma Imperdoável... também fora na sua presença. Não conseguiu entender como é que todas aquelas coisas tinham acontecido assim, tão rápido, sem que ela sequer percebesse no que estava se metendo. Num dia era uma aluna exemplar e uma filha dedicada, uma amiga leal; no outro estava há semanas sem trocar uma palavra com seu pai, perdendo diversas aulas e mentindo para sua melhor amiga. As coisas tinham escapado do seu controle de tal maneira que, ao deitar na cama aquela noite, não conseguiu pregar o olho.
