Capítulo 2 – Será possível?

Ikki não conseguia dizer nada, mas em compensação, Amber não se calava. Acabou por convence-lo a deixá-la ter a sua primeira aula no estúdio na manhã seguinte. Por coincidência, uma das suas alunas, uma milionária de Park Avenue, tinha caído quando passeava a cavalo em Central Park e partido duas costelas. Iria ficar imobilizada um ou dois meses, por isso havia uma vaga! As amigas de Amber estavam roídas de inveja da sua boa sorte. O cavaleiro foi trabalhar e tratou de se convencer de que tudo não passava de mera coincidência. Naquela noite sonhou com Esmeralda e acordou lavado em lágrimas.

-Será que o passado não vai deixar de assombrar-me?

Não falou no assunto a Shun. Ikki era muito sarcástico e descarado, mas quando se tratava de sentimentos, guardava tudo para si. Provavelmente devia seguir o exemplo dos seus clientes e fazer psicanálise. Tolices de americanos –pensou – aqui toda a gente é doida, e eu devia estar tão louco como eles quando me enfiei neste hospício!

Nova Iorque devia estar a dar-lhe volta ao miolo. Amber, aquela betinha insuportável, podia parecer-se fisicamente com Esmeralda, mas a semelhança terminava aí. A sua Esmeralda era doce, simples, inocente, um bichinho do mato que nunca saíra da Ilha da Morte. Toda bondade, sacrificava-se por aqueles que amava, sem pensar um minuto em si própria. Que comparação podia ter com aquela pirralha egoísta que devorava revistas de moda ao pequeno-almoço?

Mas demónios, como podia alguém ser tão parecido com o seu amor de juventude?

Acordou cedíssimo e foi tomar um grande pequeno-almoço. Quando ficava nervoso dava-lhe uma daquelas fomes!

Enquanto bebia o café, a sua vida passava-lhe diante dos olhos. Todas as mulheres por quem se apaixonava tinham um destino trágico. Desde que chegara à cidade, tinha tido alguns encontros casuais, mas nada sério. A experiência ensinara-o a ser cauteloso. Não precisava de mais Esmeraldas ou Pandoras na vida dele.

Apressou-se para chegar ao ginásio a tempo e lá estava ela, irresistível na sua roupa de treino.

-Bom dia, Mestre Ikki.

-Por favor, trate-me apenas por Ikki. Detesto formalidades. E aviso-a, isto vai ser duro.

A aula começou e Amber não se saiu mal. Aguentou todas as sequências sem soltar um ai. Ikki estava impressionado.

-Vejo que está em boa forma – comentou secamente no final.

-Obrigada – respondeu a loura, limpando-se a uma toalhinha caríssima. – Mestre Ikki…

- Agora não tenho tempo para falar, Amber. Só tenho cinco minutos antes da próxima aula.

- Tão rápido? Vejo que os seus treinos na Ilha da Morte o moldaram perfeitamente! Céus!

Um lampejo passou pelos olhos azuis-escuros do cavaleiro, e ele fez o impossível por não parecer ríspido, sem sucesso.

- Agradeço-lhe que não toque nesse assunto! Se quiser vir às minhas aulas, muito bem; mas isso não lhe dá o direito…

Ela ficou a olhar para ele, à beira das lágrimas.

-Você não passa de um… de um….sabe com quem está a falar? Seu… bronco!

-Sei perfeitamente com quem estou a falar! - Atalhou Ikki, completamente fora de si. – Estou a falar com uma pirralha patética, filhinha do papá, que julga que tem o mundo aos pés! Comigo essas coqueterias não funcionam!

A última coisa que o cavaleiro viu foi uma mãozinha delicada, em cheio na cara, e a cabeleira dourada de Amber, afastando-se furibunda. Apatetado, não saiu do sítio, e cobrindo a face avermelhada com a mão, dispensou as alunas para o resto do dia.