Capítulo 3 – E esta, hein?
Ikki entrou em casa, suado, furioso, aos pontapés a tudo. Shun, sentado no sofá, encolheu-se.
- Por Athena! Ikki! Vens cá com uma cara…
-Não tenho outra! Acabei de levar um estalo! Eu! Um bofetão!
-Espera lá, espera lá… -exclamou o irmão, divertido – tu, um estalo? Conta lá isso melhor!
Ikki respirou fundo, sentou-se, e acabou por desabafar.
- Em resumo – disse Shun – achas que foste atacado por um… fantasma?
- Não me faltava mais nada! Só tu! Fantasmas! O que ela é, é um monstro, um monstrengo com a cara da Esmeralda, o corpo da Esmeralda, e o mau génio daquele demónio incarnado do pai dela… -Ikki começou a tremer de raiva e de nervoso – é isso! É aquele desgraçado, aquele maldito, que veio dos Infernos para se vingar de mim, para me atormentar da forma mais requintada! – E começou a chorar descontroladamente.
-Ei, o chorão aqui sou eu, lembras-te? – Balbuciou Shun, desorientado.
-Esmeralda, Esmeralda… -Ikki continuava a soluçar. Andrómeda foi buscar um copo de água com açúcar, que o forçou a beber, e aos poucos o choro foi cessando.
- Acalma-te – afirmou o irmão com voz neutra –tenho a certeza de que há uma explicação mais lógica para toda esta confusão.
-Ó Shun – gemeu Ikki, limpando o nariz ranhoso com um klenex – desculpa lá se a nossa vida até aqui desafia aquilo que as pessoas normais consideram "lógico".
- Ah, agora estás a ser paranóico!
- Não sou paranóico! Não aceito ser chamado paranóico por alguém que foi escolhido para hospedar um Deus com tendências apocalípticas!!
- Agora estás a abusar! – gritou Shun – Não me faças perder a paciência!
-Desculpa, desculpa…é que estou nervoso.
-Isso é o prato do dia. Agora recompõe-te. Encomendei comida chinesa para o almoço, e tenho aqueles crepes de que gostas muito. Depois podíamos dar uma volta pela cidade, já que tens o dia livre, ok?
Ikki assentiu sem dizer nada. Nesse momento a campainha tocou. Shun mal teve tempo de abrir. Na sua frente estava uma rapariga loura com uma garrafa de champanhe na mão. Usava uma saia azul com uma roda enorme, ao estilo dos anos 50, um top justíssimo beige e sapatinhos de salto altíssimo. Os olhos de Shun voaram rapidamente da cara da visitante para o rótulo da garrafa. Não era um champanhe qualquer, era um Dom Perignon – champanhe de duzentos dólares!
-É para ti – disse o mais novo com indiferença, deixando a porta aberta.
- Amber, que raio fazes aqui? – exclamou Ikki, esfregando as têmporas. –Por hoje já chega!
Ela hesitou um momento.
-Eu vinha…pedir desculpas, Ikki. Fui uma tonta. Não devia ter-me exaltado, muito menos tocado num assunto sensível em primeiro lugar. Já deves ter reparado que tenho uma grande boca!
- Já deu para ver…- resmungou Ikki. – Aceito as tuas desculpas. Felizmente ninguém se apercebeu!
-Não acredito que aceites, até jantares comigo.
-Um convite para sair? Já devia esperar qualquer coisa assim…mas tu és mesmo uma criaturinha interesseira, não é verdade?
Amber sorriu cinicamente.
-Não fiques já todo feliz. O meu pai vai dar uma recepção hoje num dos hotéis dele. Achei que gostarias de vir, mas se não queres…
Shun assomou pelo parapeito da porta da cozinha.
-É claro que ele aceita! Hoje preciso de ensaiar e agradeço alguma paz e sossego.
Ikki sorriu e levantou as mãos.
- Tudo bem, tudo bem, eu vou…
A jovem fez uma careta.
- Não gostas mesmo da minha companhia! Mas enfim… posso vir aqui ter às sete horas. Jantamos qualquer coisa, e depois vamos à recepção, certo?
-Perfeitamente, madame. – troçou Ikki.
Amber deu meia volta, sorridente, despedindo-se com um aceno, e saiu.
Ikki sentou- se no sofá, sentindo-se confuso. Shun apareceu logo, pronto a troçar dele.
- Eheheh, tu gostas dela! Estás apaixonado!
- Naõ gozes com uma coisa dessas. Eu detesto-a! Ela enerva-me! E tu não me devias ter obrigado a ir!
-Eu não te obriguei, e ela é muito bonita, não admira que gostes dela.
-Viste a forma como ela comanda as coisas? Ela é que me vem buscar a casa, e eu nem tive tempo de dizer nada.
- E depois? – respondeu o irmão- é a mulher perfeita para um homem que não sabe agir como um cavalheiro.
Ikki ficou sério.
- Acho que terei de recusar…faz-me impressão…olhar para ela. – Enquanto dizia isto, dirigiu-se ao quarto, e voltou trazendo consigo o que parecia ser um livro bastante velho e gasto pelo uso, com uma feia capa de cartão florido.
-O que é isso?
-Enquanto estava na Ilha da Morte, raramente recebia correio. Poucos barcos se atreviam a aproximar-se daquele lugar horrível.
-Eu sei…saber notícias tuas era quase impossível. – respondeu Shun com um peso no olhar.
- Mas todos os Natais, como te deves lembrar, os aprendizes recebiam um pacote com guloseimas e algumas bugigangas. Eu não dava muita importância, mas houve um que significou o mundo para mim. Trazia uma pequena máquina fotográfica Polaroid, vários rolos, baterias e um álbum! Para registarmos os locais onde tínhamos estado. Foi uma festa. Escondi tudo muito bem, para que o meu mestre não saber. Se ele sonhasse, tinha-me tirado tudo só para me fazer sofrer ainda mais! Depois, eu e a Esmeralda passámos a fazer sessões fotográficas todos os dias. Não havia grande coisa para fotografar num lugar tão desagradável como aquele. Então, tirámos muitas fotos juntos, e um ao outro. Ainda bem que o fiz…ou ela não passaria agora de uma memória. Com tudo o que me aconteceu, talvez duvidasse agora se ela existiu, ou se fora uma invenção minha.
Ikki estendeu o álbum a Shun.
Ao abrir a primeira página, Shun ficou branco como a cal da parede.
- Meu Deus! Não pode ser! É a rapariga que acabou de sair!
