Capítulo 2 – Nas Garras da Traição.
A leste das Montanhas Sombrias, pelas Terras Ermas, buscando abrigo, sem o encontrar. Sua última pausa lhe rendera, um grave ferimento no corpo e uma chaga em sua alma; cortou com faca a erva, teria de preparar seu remédio. Não havia quem procurar, e sempre havia a traição.
Tratava-se de um homem de rosto austero e triste, pois o peso da sua responsabilidade dominava suas noites e seus dias. Não havia bálsamo para sua luta, lutara muito durante sua vida, e aqueles que caminhavam ao seu lado, apesar de não conhecerem seu verdadeiro nome o amavam, pois dele vinha uma luz que inspirava a honra, e recordava a liberdade da infância; falava pouco e suas palavras nunca eram vãs. Seu coração guardava uma esperança, que não revelava a homem algum. E muitas vezes, escondia essa esperança de si mesmo, o tesouro desejado não lhe pertencia e ele não o merecia, entretanto em suas noites de vigílias pelas diferentes cidades que estivera era essa vã esperança, que consolava sua alma e até mesmo alimentava seu amor pela Terra-Média.
Sentou-se, com calma, e aplicou o medicamento no ombro rasgado, com agilidade dominou a dor do contato, entretanto as lágrimas rolaram pelo seu rosto ao lembrar...
Obrigada, Passolargo, por favor, entre. – disse a mulher, com voz doce, a senhora residia em Bri, e sempre o recebia bem, apesar de sua vestimenta rústica, Cora, a senhora, via além dos outros habitantes, ou assim ele pensara.
Ele entrara em sua casa, silencioso, agradeceu com o olhar.
Cora lhe dera algum sinal? Não, mesmo agora ele não conseguia se lembrar, por mais que buscasse algo que a redimisse.
Lavara o seu rosto, sentindo o agradável contato da água. Lembrou de seu pensamento, talvez pudesse descansar, uma noite sem vigília. Sim, esse fora seu último pensamento até ouvir os sussurros. E lépido deixou o recinto.
Lembre-se do nosso acordo, leve-o para Inominável e deixe o meu negócio em paz. – era a voz de Cora, a doce senhora que sempre o tratara como filho, traía-o; o choque da descoberta: perpassou seu coração como uma lança.
Passolargo sentiu o cheiro de bebida naqueles que buscavam por ele. Fechou seus olhos e concentrou sua força, suas habilidades. E viu o primeiro se aproximar. Sua batalha começava.
O primeiro sulista não era um bom soldado notou seus golpes eram muito rápidos, mas faltava-lhe força no impacto. O misto de vazio e fúria ergueu sua espada e tirou-lhe a vida.
A sorte escapou-lhe no segundo enviado, a surpresa fora perdida, e o ambiente rústico oferecia todo o tipo de armas ao seu oponente; o primeiro golpe da espada cortou a carne do seu ombro fria e impiedosa, e seu grito continha tanto dor quanto fúria. E, esta fúria, o fez veloz e num misto de fúria e vazio, Passolargo golpeou sem hesitar.
O corpo de seu oponente caiu ao chão. Guardou silêncio, outro se aproximava, rápido moveu seu corpo com disciplina e encurralou seu algoz.
E com sua espada, tocou o seu pescoço.
Eu lhe imploro! – dessa vez, a voz era feminina.
"Cora".
Sentiu o ódio ferver seu sangue, a idosa senhora conquistara-lhe a amizade, e o fizera acreditar que alguém poderia ver além das aparências. Por que Gandalf orientava-o pela paciência e pelo conhecimento da Terra-Média e dos homens? A Sombra estava em toda parte. Mesmo entre os amigos. A conclusão desses pensamentos causava-lhe uma dor maior do que sua pele que sangrava. Um gosto amargo temperou sua boca, por que não partir para sempre, deixando-os à mercê do próprio destino. Afinal, eram livres em sua escolha. Por que não ele?
Por que teria de olhar com compaixão e tristeza, como um pai amoroso, quando o filho possuiu idade suficiente para discernir o bem do mal. Por quê?
"Eu também tenho direito a minha escolha."- os pensamentos cruzaram sua mente com velocidade e clareza. E Passolargo fez sua escolha.
Não. Não há perdão para os traidores. E aproximou sua espada do pescoço da mulher.
Mas a voz dela ganhou sua mente. Seu canto, seu sorriso sensual e meigo. Entre as bétulas como em um sonho ele a vira. Assim como a Sombra que usava as pessoas, minando suas defesas alimentando seus medos. A Luz também conquistava o coração dos homens. A luz trouxera as criaturas belas, e transformava a escolha mais difícil, na mais desejada, diferente da Sombra, a Luz mostrava suas conseqüências, e no final da jornada. Sempre valia a pena. Aragorn olhou para aquela idosa senhora, com outros olhos, sentia o fogo da fúria abandona-lo. Não havia glória na vingança ou mesmo em sua satisfação rápida. E deu-se conta que não poderia mat�-la, ou ele mesmo tornaria -se um traidor, traidor dos princípios aos quais defendia. Um traidor da lembrança intocável da senhora que amava.
Passolargo soltou-a.
V�, deixou-a com sua consciência. – sua voz revelava sua tristeza, e compaixão.
E Cora viu com clareza, pela primeira vez, além das aparências e dos interesses. Através de seus andrajos o rapaz tinha oferecido a ela a inestimável clemência, a fugaz e cobiçada liberdade. Poucos poderiam ofertal tal presente, pois qualquer homem tirava a vida. Apenas um rei a dava. Ela estava diante do Rei. O homem que buscara conquistar a confiança, pois era oferecido um preço por sua cabeça, era o rei. Ela era maldita pela sua manobra. Agradeceu o fato dos seus estarem mortos.A esperança que morrera com o marido e os filhos estava diante de seus olhos. E o desespero daquela certeza, fê-la chorar, e seu próximo movimento seria pedir perdão se não fosse pelos som dos passos do terceiro enviado de Mordor.
Rápido, o terceiro soldado se aproximou, e antes que Passolargo pudesse se mexer, a mulher colocou-se em sua frente, atacando o soldado, munida apenas com seu remorso. O soldado não hesitou em ferir a mulher. Entretanto o remorso e culpa agitaram dentro de Cora. Um dia melhor poderia existir, e talvez no fim ela pudesse fazer parte, uma ínfima parte. Ela estava longe de desistir da luta, e lutou como sabia: usando suas unhas, fazendo-o sangrar, cegando para seu oponente, as mãos de Cora correram até a espada, ela ignorou a dor e removeu a espada da sua pele, o soldado ainda brigava pela espada, mas Cora não daria uma segunda chance. Ligeira, inexperiente, mas não menos feroz. Ela girou a espada para o cão de Mordor e enterrou em seu coração. O grito do soldado ecoou pelo recinto e Cora sentiu as lágrimas rolarem, tinha tramado, conspirado e aceitado, mas nunca havia matado. Então era assim? Como se fosse morrer junto? Vendo nos olhos da vítima a pessoa que você deixava de ser, ouvir o coração do outro parar de bater, sentir seu hálito e o cheiro. Ah! Quanta dor, mais dor do que ela podia suportar. O soldado parecia ouvir seus pensamentos, pois ele tinha uma adaga escondida e foi sua vez de roubar Cora. A traidora de ambos os lados. Ambos caíram juntos, envoltos na traição dos homens e no remorso de uma mulher.
Passolargo correu até ela, e viu o soldado cair morto, e segurou o corpo de Cora, ao cair ao chão.
Perdoe-me, meu rei – foram as suas últimas palavras. Mas as palavras de perdão, mesmo que elas viessem, Cora não mais ouviria.
E Passolargo deixou a cidade depois do funeral, ignorou os comentários, sobre sua responsabilidade na morte de Cora. Afinal, a responsabilidade não era sua?
Eles viviam um passo adiante da escuridão. E a traição dominava-lhes o espírito, seria possível mudar? Desejou ter a sabedoria dos elfos.
E ali, nas Terras Ermas, encarando a solidão, sua grande amiga, Aragorn, filho de Arathorn, chorou. Chorou por Cora, pelos homens, e pelo seu destino. Conhecia sua missão, mas poderia ir até o fim? A traição também teria domínio sobre seu coração?
Secou as lágrimas, e olhou para o céu, ainda claro, e pode ver uma estrela brilhando, e a dor diminuiu, e lembrou-se de Arwen Undómiel, a estrela de sua vida, mesmo que nunca viesse à saber, ele a amaria, por todos os anos de sua vida, a vida dos Dunédain.
Com este pensamento, ergueu-se, precisava de descanso, e paz, durante alguns dias. E preferia caminhar e agir, a ficar sentado pensando, venceria a distância com seus passos firmes e largos e não estava muito longe da mais bela morada da Terra-Média.
E seu destino lhe deu forças. Caminharia até Lórien.
E tomou seu trajeto, sem saber que o destino o guiava.
