Observação 1: Os personagens de Cavaleiros do Zodíaco ( Saint Seya ) não me pertencem. Yong Li é material ficcional de minha autoria.
Observação 2: Feliz com os comentários. Qualidade importa mais que quantidade.
Observação 3: O subtítulo 'Black Dove' é de uma música de Tori Amos. É linda e eu recomendo. Não consigo parar de ouvir e de imaginar que nada descreve melhor o espírito de Yong Li: misteriosa, distante, solitária como uma flor de estufa ( ainda que cultivada com amor), uma pomba escura, mas ainda assim uma pomba.
Observação 4: Eu criei Yong Li com um propósito: sendo ela um personagem inventado por mim, ela era vazia de significação no mundo de CDZ. Ou seja, neutra. E como neutra, seus olhos podem explorar todo o mundo de Saint Seya com nossos olhos, ou seja, olhos de fora. Por ser tão 'vazia', nela cabe tudo. Divirtam-se!
A Gênese
Capítulo2
Black Dove
( Onde você esteve e em que margens bebeu? )
- Eu sabia que você atenderia ao meu chamado.
- Aioria, eu nunca ignoraria um pedido seu.
- Me diga que Mu pensou que você vinha por causa de Shiryu... – ele sorriu timidamente. Parecia nada além de uma menino pouco crescido, de cabelos úmidos, cheirando alfazema, jeans e camiseta.
- Mu não me preocupa. O que me assusta é que Shaka não tenha percebido nada.
- Talvez ele só não tenha dito.
- Eu sei quando ele mente.
- Alguma coisa que você não saiba, Li?
- Não sei como fazer o Shiryu me amar o bastante e não sei como esquecer. Está bom ou você quer mais?
Aioria riu outra vez. Estava pálido.
- Você está com os olhos fundos. Não dorme mais?
- Não.
- Você não me parece 'à beira da morte', como disse.
- Eu não ia chamar você aqui se não estivesse com problemas. Eu não confio em mais ninguém. Não vou ao médico. Sou um cavaleiro meio antigo. No meu tempo não íamos ao 'médico'. Eram nossos mestres que cuidavam de nós. Com compressas e ervas.
- Compressas e ervas? Você é hippie?
- Ah, pára, Li. Você sabe do que eu estou falando. Não quero remédios, não confio em médicos. Há mais sabedoria nos antigos e na natureza.
- Eu sei, meu querido.
- Quando eu fui pela primeira vez prestar minhas homenagens aos Dragões nos templos, fiz isso porque me diziam que devia ser feito. Era só mais uma das coisas que precisava para ser um bom cavaleiro, então eu fui sem reclamar. Mas saí de lá impressionado com você: tão mais nova que eu, mas tão mais forte. As crianças dos Dragões eram serenas e sábias como nossos mestres. Não era possível uma coisa assim. As crianças do Santuário eram tensas, competitivas, exibidas. Eu não deixei de visitar as montanhas todos os anos para beber da água sagrada das fontes de luz. E eu só confio em você.
- Você sempre foi honrado, Aioria. E seu irmão sempre foi o melhor dos cavaleiros.
Aioria sentou-se sobre uma das muretas internas da casa de Leão, que estava em restauração, como Saori havia ordenado. Ele tirou a camiseta com o sorriso moleque.
- Quer que eu fique nu para me examinar?
Yong Li gargalhou alto.
- Não será necessário. Apenas deite-se e me respeite, sou uma virgem das Montanhas...
- A virgindade é prerrogativa do seu cargo?
- Você sabe que é. Até os 20 anos, quando o treinamento básico é dado por completo, aí somos livres para dispor do corpo e da mente como quisermos.
- Falta pouco então!
- Não tenho pressa.
- Você sente vontade?
- Quanta curiosidade, Aioria. – ela corou levemente.
- É sério.
- Vontade... eu... sim, talvez. Mas eu tinha mais curiosidade quando Shiryu estava entre nós. Depois que ele... – ela ficou em silêncio, a mão pousada sob a coxa firme de Aioria.
- Ele é um bom garoto, Li. Ele é fiel, forte e justo.
- Não me palestre sobre as qualidades deste homem que eu conheço tão bem. Não é o que ele é, mas o que fez.
- Ele queria ser um cavaleiro.
- Eu sei. Mestre Roshi foi muito claro quando disse que ele mandaria Shiryu para o Torneio a qualquer preço e que o faria um cavaleiro de ouro. E que eu ficasse longe.
- Você nunca teve coragem de brigar com Roshi.
- E por que eu faria isso? Se Shiryu nunca demonstrou nenhum desejo de não seguir o destino que Dohko escolheu para ele.
- Dohko amou Shiryu como a um filho.
- Eu sei. E eu sei bem o que ele queria dizer. Não queria que Shiryu fosse inferior a mim, um defensor do Templo, acendendo incenso e tocando sinos de manhã à noite, lutando nunca, esperando e servindo. – ela deu um sorriso amargo, olhando o pôr do sol da acrópole, aquele arco dourado que parecia incendiar o mar grego, sem ondas, sem vento, imóvel como as rochas da Montanha. – Esse não era um destino nobre o bastante para Dohko, claro.
- Para mim parece um destino nobre servi-la e aos Dragões, Li. – Aioria segurou os dedos brancos e finos de Li, que tirou-os bruscamente.
- Deite-se.
- Nunca se acostumou que gostassem de você, não é, Li? Parece que não aceita nada do que não sejam os nãos de Shiryu.
- Aioria, por favor. Sabe que o amo muitíssimo. Eu não teria vindo se você não me tivesse chamado, porque eu não suportaria a humilhação de vir atrás de alguém que me abandonou e jamais olhou para trás.
- Me examine, por favor. – ele deitou-se sem olhá-la nos olhos.
Yong Li levantou as mãos e passou-a por cima do corpo dele, sem tocá-lo. Concentrada, ela mantinha os olhos fechados. 'Feche os olhos para enxergar o visível'. Aioria observava-a em silenciosa admiração. Amou-a por anos. E nunca teve mesmo certeza de como. Talvez como irmã. Preferia pensar assim.
Ela abriu os olhos rapidamente. Ele estava olhando para ela. Ela sorriu.
- Terminei.
- Vou morrer?
- Déficit de potássio.
- É grave?
- É, eu diria que sim.
- Vou morrer?
- Pára, Aioria. Você me assusta com essa idéia fixa de estar morrendo! A menos que eu esteja muito errada, não é um defeito orgânico seu, mas você realmente deve ter comido muito mal ultimamente.
- É, pode ser. – ele colocou a camiseta outra vez.
- Você tem câimbras, insônia, inchaços?
- Tudo isso.
- Então coma bananas, laranjas, tomates. Beba cerveja e água de coco. Descanse.
- Então estou curado?
- Saia daqui. Isso é uma ruína em reforma, não é para ninguém viver aqui, Aioria. As condições de higiene deste lugar são precárias. Por isso come mal e a água não é das melhores. Aposto que Saori só bebe Evian...
- Ela bebe Evian mesmo, sabia?
- Eu sei. Mas não me importo com ela. Me importo com você.
- E com Shiryu.
- Espero não precisar ensiná-lo a não beber água suja e a comer frutas.
- O que quer dizer? Que eu sou indisciplinado?
- Mais ou menos... eu trouxe um presente para você.
- O que é?
- Mel das montanhas. Precisa de algo que lhe adoce a boca. E, uma jarra da água de luz das fontes dos Dragões. Para ajudá-lo a se cuidar melhor.
- Você sempre tão cuidadosa. E eu não lhe dei nada.
- Além da oportunidade de vir ao Santuário?
- Pensei que não gostasse daqui.
- E não gosto. É pavoroso.
- Ah, não fale assim... A acrópole é linda.
- Não foi isso que eu quis dizer. Cavaleiros morreram aqui dentro. Eu sinto um peso em meu coração quando atravesso essas pedras que ainda cheiram a sangue. A agonia da morte, invisível como o ar, se propaga nessas colunas. Até as oliveiras cheiram morte.
- Você é muito sensível, Li. Ninguém sente isso aqui.
- Pobres crianças lá embaixo. Esse lugar não é sadio.
- O Santuário está em festa. Saori vai receber os membros eméritos da Fundação e mostrar para eles o santuário em pleno funcionamento. Todos os cavaleiros e amazonas foram convidados. Mostrarão o treinamento das crianças. Será dada uma armadura de bronze para a criança que mais se destacar no mini-torneio.
- Ah... um pau de sebo cavaleiresco? Que adorável! Você põe um prêmio bem alto no pau, coloca as crianças todas para tentar galgar o obstáculo, exibindo-se para um público que vai humilhá-las, amá-las, vaiá-las e aplaudi-las sem lógica, até que o vencedor agarre o prêmio! Adorável! É bem o que eu imaginaria que Saori teria em mente como 'treinamento' de cavaleiros...
- Não concorda com os métodos da Fundação, não é, Li?
- É claro que não! Um torneio! São crianças, Aioria! E a competição entre eles é infrutífera... a criança deve aprender a lutar apenas para a defesa de seus ideais e sua vida, nunca para exibição, nunca como medição de forças. Isso é barbaresco. E pôr armaduras como o topo de uma vitória é canalha! Ensina as crianças a amarem armas mais do que a si mesmas e a integridade física dos colegas...
- Mas é uma maneira de deixá-las fortes e determinadas...
- Mentira! Isso as enfraquece no fim.
- Como?
- Quanto mais forte é a sua 'arma' de defesa, mais fraco você é, porque será mais dependente dela. Se te dizem que a armadura dele é mais forte que a sua, você não teme o homem, mas teme sua arma. E sabe que sem a arma, aquele homem não será nada. E ilude-se achando que você será algo quando tomar dele a arma. Cria-se uma fraqueza. Forte é aquele que não depende de arma alguma além da força da sua mente.
Aioria sorriu, dessa vez mais calmo, dedos lambuzados de mel, que ele chupava malcriadamente enquanto ela falava.
- Por que não diz isso à Saori, aos eméritos da Fundação e aos aprendizes de cavaleiros? Estão todos aí hoje.
- É isso mesmo que farei.
continua...
