Observação: Os personagens de Cavaleiros do Zodíaco ( Saint Seya ) não me pertencem. Yong Li é material ficcional de minha autoria.


A Gênese

Capítulo 5

Sorte, Fortuna, Destino.

Três deuses, uma só força.

Li olhou para Aioria, cenhos cerrados, a ruga no centro da testa. Abraçou Ishiro com força, os cabelos do menino eram longos, rosados, sedosos. Ele era um pequeno príncipe. Um filho com Shiryu jamais se pareceria fisicamente com o mimoso Ishiro, mas talvez tivesse aquele raro lampejo de inteligência nos olhos, tão encantador. Sentiu a mão de Aioria descer por sua nuca e pescoço, pousar em seus ombros, e ouvir a voz dele alta, sonora, como a de um barítono: "Ishiro será um grande cavaleiro".

Era profeta. E não sabia.

A mão dele saiu de seus ombros com a rapidez de uma flecha. Marin, de longe, olhava-o com o profundo desdém que só a paixão produz nas mulheres, aquele desprezo cheio de desejo de quem vê um amado inclinado sobre outra. Balançou as madeixas vermelhas, bocejou em tédio fingido, olhou Aioria nos olhos, firme, deu as costas e saiu, no fundo de sua alma desejando que Li fosse para as Montanhas e nunca mais voltasse. Por conta própria, claro. Marin odiaria ter que forçá-la a fazê-lo, mas se fosse preciso... Aioria era seu tesouro, e ninguém ia roubá-lo. Ninguém.

Assim mesmo, enlouquecida de amor pelo cavaleiro de Leão, Marin fora uma das muitas que não perceberam nada de diferente em Aioria. Apesar da progressão do mal estar dele, ninguém parecia notar a febre, as dores de cabeça constantes, a insônia, a perda de peso, de apetite. Ele disfarçava os sintomas arrumando motivos para adoecer. Se fazia frio, saía com roupas finas. Com febre, dançava na chuva. Fraco, se punha lutar até a exaustão. Assim, os constantes avisos da doença se alimentando dentro dele eram escondidos. Ganhou a pecha de irresponsável. "Antes um moleque irresponsável do que um doente, fraco...", ele pensava. No entanto, ele tinha fé em Li, e na sabedoria das montanhas. Sentia-se seguro e protegido ao lado dela, mas o mal nele estava determinado a permanecer, e, chamado para a cerimônia pelos outros cavaleiros, vestiu, já suando frio e trêmulo, a armadura que parecia pesar toneladas sobre seu corpo enfraquecido.

Li, apreensiva, colocou-se perto do palanque. Acompanhou perturbada a cerimônia, os cavaleiros de ouro enfileirados e brilhantes. Via os olhos de Aioria e sentia como em si mesma a enorme agonia que ele sentia, cada vez que os olhos dele se fechavam, o coração de Li parecia parar, as estrelas deste e de todos os mundos se apagavam pelos milisegundos do fechar e abrir de pálpebras, cada vez mais dolorosos, mais demorados de Aioria. Li sentia a fibra da vida no peito de Aioria tremular perigosamente, pálida e muda. Shiryu percebeu rápido a desfiguração do semblante tão sereno e tão sábio de Li e os ciúmes envenenaram suas veias, como sangue, que corria de todos e para todos os lugares do seu corpo. Li não era impassível a isto também, sensitiva que aprendera a ser nos Templos, ela podia sentir a dor de Aioria, o ódio de Saori, os ciúmes de Shiryu todos como instrumentos de uma ópera demoníaca rebimbando em seus ouvidos, cada sentimento um instrumento desafinado e tocando alto demais, zunindo dentro dela em ecos espiralados que nunca tinham fim.

Sentiu ela mesma todas aquelas dores, ódios, medos, ciúmes, amores, até o máximo deles todos, até que eles se confundissem numa massa caótica destrutiva que arruinava sua força aos poucos, até suas pernas ficarem bambas e achar que ia cair, quando sentiu uma mãozinha quente e úmida na sua, a voz de uma criança, doce como o mel, calar todas as vozes dentro de si:

"Princesa, você quer ser a minha mãe?"

Ishiro.

- Eu, Ishiro? Você não tem mãe?

- Nem mãe, nem pai. Sou órfão. Mas agora eu tenho um treinador, um treinador é como se fosse um pai. Agora eu só preciso de mãe. Eu queria que a Shina fosse minha mãe, mas ela diz que sou pequeno e burro. Você quer ser a minha mãe?

- Quantos anos você tem, Ishiro?

- Eu tenho seis anos.

- É muito novo para ser um Cavaleiro.

- Você quer ou não quer ser a minha mãe?

- Não é uma boa idéia.

- Você também acha que eu sou pequeno e burro?

- Você já é órfão, Ishiro. Tudo que você não quer é uma mãe viva que te abandone uma segunda vez. Eu não posso tê-lo, eu volto para os Templos logo. – ela falou, sem acreditar muito no que dizia, porque vira a morte beijar os olhos de Aioria, e sabia, sabia sem sabê-lo de fato, que não o deixaria nunca entregue à morte. – Você ficará sem mim.

- Você não precisa estar comigo sempre. Só diga que me ama como mãe. Eu farei tudo para deixar minha mãe com orgulho.

- Eu já amo você, Ishiro.

- Eu serei o melhor cavaleiro desse santuário por você.

- Por mim?

- Eu só precisava de um motivo. Agora eu tenho um.

- Então faça algo por sua mamãe.

- Quer que eu segure sua mão?

- É... – ela murmurou surpresa. – Como você adivinhou?

- Eu estou sentindo a sua dor. Mas você não tem que sofrer antes do tempo, mãe.

- Se sabe o que sofro, sabe também o porquê.

- Você está aqui, nada de mal vai acontecer com Aioria.

Li permaneceu toda cerimônia velando por Aioria; de uma ou outra vez, vigiava os olhos de Shiryu, que não saíam de cima de si, como uma nuvem de prenúncio de tempestade. Como era possível que uma amor assim nunca tivesse sido mais do que brisa? Como era possível que o amor capaz de provocar o delírio daquele ciúme fosse estéril? Longas e preguiçosas tardes de amor nas Montanhas. As duas virgindades testadas ao limite do absurdo... mas eram só crianças então. As brincadeiras de amor, os jogos, tudo era lindo, tudo era inocente. Mas agora, tão pouco restava daquela inocência... tão pouco...

- Me tire daqui. – de repente, Li abriu os olhos no meio de sua longa meditação e viu Aioria em sua frente. Pálido, olhos fundos, suando mais do que o saudável. – Acho que vou desmaiar...

Li segurou Aioria e ajudou-o a sair da multidão. Ainda o abraçava, descendo as escadas com ajuda de Ishiro, quando Saori surgiu do meio de algumas pessoas, cercada de seus empregados e de muitos cavaleiros.

- Já vai embora, princesa?

- Não tenho tempo para você. Aioria não se sente bem.

- Aioria sabe que pode contar com a Fundação para o que quiser. Não precisa de uma bruxa curandeira.

Aioria nem pode responder.

- Estou perdendo a paciência de monges que eu tenho com você, Saori. Não vai querer que eu perca a minha paciência, já viu a cólera de um dragão....

Saori gargalhou, ante cavaleiros lívidos. Muitos deles conheciam a fama dos treinados nas montanhas e temiam, por mais que confiassem em Athena, num atrito entre as duas mulheres tão jovens, mas que já possuíam poderes e comandados tão fortes.

- Você é uma bruxa suja. Devia se ajoelhar como fazem meus cavaleiros.

- Você é que vai se ajoelhar para mim, Athena. – respondeu Li, já ligeiramente aborrecida; não pelo desafio de Saori, mas pela raiva que tinha da sua impotência diante da fraqueza de Aioria, que quase desfalecia em seus braços, sem que qualquer cavaleiro fizesse menção de ajudá-lo.

- Ahaha! Isso nunca!

Li levantou as mãos até a altura de seus olhos e balançou-as no ar como se espanasse pó. O simples gesto provocou um tremor convulso das entranhas da terra. O chão tremeu sob os pés de todos, e foi tão forte o impacto do terremoto que Saori perdeu o equilíbrio e caiu, joelhos e mãos no chão, de quatro, dedos quase que tocando os pés pequenos de Yong Li.

- Eu disse que você ia se ajoelhar para mim, Saori san...

Yong Li virou as costas e desceu o que faltavam das escadas. Já ia bem em embaixo, quando ouviu um grito de um dos cavaleiros. Era Shaka. Ele desceu como se deslizasse sobre a terra, com seu andar inalterado de monge budista, até estar ao lado de Li, e balançar-lhe no ar um molho de chaves.

- O que é isso?

- É a chave da casa onde eu e Mu moramos por uns tempos, em Pireu. É perto do mar, o ar é bom. A casa é muito velha, mas... é melhor do que a Acrópole. E muito melhor do que o apartamentinho claustrofóbico e barulhento onde mora Aioria, perto do metrô...

- Obrigado, Shaka...

- Ele vai ficar bem, não vai, Li?

- É o que eu espero...

- Vai levar o menino?

- Agora a senhorita princesa é a minha mãe, mestre Shaka. – o menino respondeu, tranqüilo e doce.

- Ah, é?

- É. E o senhor Aioria será meu mestre.

- Você vai aprender muito, Ishiro. – Shaka coçou a cabeça da criança, farta de cabelos rosa-mate, que se enroscavam pelos braços até o meio das costas.

- Vai tomar um táxi, Li?

- Shaka, francamente... estou procurando um lugar mais reservado. Um mestre dos Dragões que se preza não toma transporte que não seja a telecinese.

- Telecinese para três corpos?

- Faria até de mil, se preciso fosse. Mas eu precisava saber onde é o lugar.

- Eu posso explicar como chegar lá, é em Pasalimani, muito pequeno...

- Não, você sabe como funciona... eu preciso ver o lugar.

- Tudo bem, me dê sua mão. – ele tomou a mão de Li na sua.

Ambos, de olhos fechados, em concentração profunda, até que Shaka abriu sua mente para Li, que entrou facilmente pelos corredores das lembranças de Shaka, até surpreendê-lo nu, sentado na posição do Lótus sobre almofadas cobertas de sarongues hindus, paredes cobertas ainda de cal, seguiu em passos incertos até rasgos na parede que deviam ser janelas mal-acabadas, e ver um bairro pequeno, feioso, mas tipicamente grego, com casas descoloradas, e o mar, de uma beleza que era uma bofetada na cara, espelhando o sol em toda a sua grandeza, tomando a vista entre casinholas de dois andares que circundavam toda a baía.

- Shaka, você é impossível...

- Sabe onde é agora?

Ela balançou a cabeça.

- Até logo, amigo. Espero que boas notícias o encontrem vindas de mim logo...

- Se tiver algum problema, me chame. Me chame aqui. – ele fez sinal, apontando para o terceiro olho entre suas sobrancelhas.

- Eu vou chamar.

Shaka afastou-se um pouco. Li abraçou Aioria, fraco e desacordado. Ishiro fez a mesma coisa. Em breve, os três sumiram como fumaça de incenso largada à brisa da manhã.

Continua...


COMENTÁRIOS:

Eloarden Dragoon: Obrigada pelo apoio. Fico feliz que você tenha gostado da Li. Optei por um personagem original para ter mais liberdade de falar por ele, e também porque dá um ponto de vista bem interessante para os outros personagens. Espero que continue gostando e se divertindo com os próximos capítulos... afinal, para isso escrevo! )

Mikage-sama: Ah, fico orgulhosa quando elogiam minha escrita! Obrigada pelos comentários sempre atenciosos. Acompanhe sempre, porque no que depender de mim, Saori será constantemente esculhambada!

Nana: minha querida Nana, fique tranqüila. Enquanto uma Athena melhor não surge, cuidaremos para esculhambar essa daí. Equanto ao email, vou mesmo te mandar um, mas como sou lerda e ainda por cima, trabalho no sábado, fica difícil. Mas desse finde não passa, tá? Beijos... eu!

Amy: cuidado para falar com dona Amy, porque nas mãos dessa senhorita repousa a continuação da minha fic preferida, a "Ensina-me...". Dá pra notar a influência dela na Gênese, né? Se não deu, estou avisando para você notar!;0) Enfim, muito obrigado por tudo! Beijocas da Mme. Verlaine.