Observação1: Os personagens de Cavaleiros do Zodíaco ( Saint Seya ) não me pertencem. Yong Li é material ficcional de minha autoria.
Observação2: Yong Li e os nomes que utilizo para os personagens 'extras' são de minha autoria. Já ouvi alguns nomes usados para Máscara da Morte, mas este em particular é de minha autoria. Mais um nome e uma explicação para a galeria...
Observação3: Este capítulo tem cortes mais 'intensos'. Estilo Verlaine on!
A Gênese
Capítulo 6
Roda da Fortuna
( ou O Dia da Máscara )
- Estou morto?
- Acho que não.
- Esse lugar é feio demais para ser o paraíso...
- Mal agradecido.
- Nossa... olha esse pano horrível... me lembra até o Shaka.
- Além de não estar morto, Aioria, você está com uma excelente memória afetiva.
- Não que me diga que Shaka não vendeu essa paliçada horrorosa...
- A casa não tem luxos, mas é bonita.
- Só para você.
- É uma casa simples, Aioria, mas a vista é linda.
- Um bairro porteiro... deve estar cheio de marinheiros bêbados e putas.
- Provavelmente. Mas isso não muda nada.
- Você veio ficar comigo?
- Você não se sentiu bem durante a cerimônia, lembra?
- Você é que não parece bem.
- Estou cansada, mas é só.
- Ei, espera. – ele olhou para si mesmo, deitado sob almofadas e sarongues hindus. – Você tirou minha armadura?
- Tirei, você estava suando muito.
- Você me viu pelado?
- Não, Aioria. Eu vi você sem camisa, é só.
- Bom, mas você podia ter me visto nu, se eu estava desacordado...
- Eu não pretendia mesmo tirar suas calças, se é o que você quer saber.
- E por que não?
- Aioria...
- Você está séria.
- Não vou poder cuidar de você, não sei o que tem.
- Deficiência de potássio, não é isso?
- Não, deve ser algo mais. Você não estaria tão mal se fosse só isso...
- Estou mal?
- Você sabe.
- Li...
- Fala...
- Tenho medo de morrer.
Li tremeu diante dos olhos verdes, um mar de esmeraldas que eram os olhos de Aioria.
- Eu farei o impossível, se preciso for, entendeu?
- Eu tenho tido dores aqui. – ele apontou para o abdômen. – muito fortes. E tem dias que eu não consigo nem me mexer.
- Ninguém reparou nada, Aioria?
- Eu fingia. O que ia dizer? Que não treinava porque tinha dor de barriga?
- Aioria, você é louco! Você imagina o que pode ter acontecido nesse meio tempo? Você pode ter piorado muito!
- Você vai ficar comigo, não vai, Li? – ele agarrou as mãos dela sofregamente.
- Enquanto puder... – ela hesitou um pouco e evitou os olhos dele na pergunta. – Por que você não procurou Marin?
- Porque eu amo... eu... – ele deu um longo e pausado suspiro. – eu amo Marin, mas confio mais em você. – ele irritou-se com tom de sua própria resposta. Mentiras. Mentia mal, sempre. Mas Yong Li era tão arredia, tão desconfiada! Não podia assustá-la: era uma borboletinha ao vento.
Li deixou Ishiro cuidando de Aioria, desceu as escadas até o pátio interno, pôs uma vasilha de água à sua frente, junto de incensos de maçã e ópio.
"Mestre Wang, eu, Yong Li, humilde serva dos Dragões, peço encarecidamente pela sua presença. Mestre, permita que meus olhos indignos vislumbrem sua presença honrosa, em nome do espírito do Dragão que habita o espelho das águas..."
- Mestre Wang? É você?
- Ouvi seu chamado, criança.
- Mestre! Estou tão só e tão desamparada! O que devo fazer?
- Nem todos os fardos do mundo cabem nas costas de um dragão, jovem Li. Divida a responsabilidade por esta vida. Aceite a humilhação que for imposta pelos que cercam o cavaleiro de Leão. A humildade é dos dotes mais precisos aos olhos dos deuses.
- Não me importo de rastejar para Athena, Mestre Wang. Mas ela não pode curar Aioria...
- Deixe que ele procure pelos médicos da gente dele.
- Farão melhor por ele do que eu?
- Ninguém fará melhor à alma de um doente do que aquele a quem o doente ama, jovem Li. Sua fingida ingenuidade não tem razão de ser, como sabe.
- Prefiro não pensar nisso... não por agora... o medo é um terrível conselheiro.
- Sábias palavras.
- Mestre Wang, posso ficar com ele, ao menos por enquanto?
- Você sabe quando deve ir e vir, criança. Apenas não se esqueça nunca de que você é a Mestra dos Dragões. O templo cedo ou tarde precisará de você, há obrigações só suas esperando aqui nas Montanhas. Não poderá ignorar os chamados da sua posição, quando você for necessária nos Templos.
- Vou lembrar disso, Mestre.
- Ponha uma jarra com água na varanda mais alta desta casa. Eu e os monges passaremos este dia jejuando e fazendo preces por Aioria. Dê a água a ele amanhã. Ele se sentirá melhor.
- Obrigado, Mestre. Sua presença foi um bálsamo para o meu coração. Humildemente, eu agradeço sua generosidade em vir...
- Adeus, jovem mestra Li.
Aquela foi uma longa noite. Pesadelos assombraram a mente febril de Li, onde via o corpo de Aioria abraçado por Marin, e o pequeno Ishiro, grande, alto e forte, segurava uma cabeça cortada ao meio em suas mãos, enquanto ela, sentada com sua espada de titânio e bronze, tiritava de frio, com os olhos chorando sangue e os cabelos de Shiryu entre os dedos roxos. O ar do mundo não lhe fazia bem, acostumara-se com a paz imperturbável das montanhas. Nunca tinha visto fome, ou dor, ou morte nem mesmo doença. E agora, tinha Aioria para cuidar.
No dia seguinte, chamou o médico que o Mestre aconselhara. Como não sabia exatamente como fazê-lo, teve de recorrer a Shaka e à Fundação. Li ainda mantinha esse espírito prático herdado dos monges, para os quais não havia humilhação em pedir ajuda para um homem doente. Saori fez questão de acompanhar o médico e criticar cada palmo da casa de Shaka, que não estava presente fisicamente, mas tinha prometido à Li manter-se próximo espiritualmente. Apenas Máscara da Morte acompanhava Saori. Ele, que tinha assumido o modesto nome de Cérbero ( e Saori nunca se incomodara em perguntar porque ), em contraste com seu nome verdadeiro, egípcio, Horemheb. Saori o escolhera por questões práticas: nem ligado demais à Aioria, nem às tradições, nem a nada. Horemheb era um homem forte e frio como seu nome.
- Doutor, o que ele tem?
- É difícil dizer assim, precisamos coletar material para os exames, mas pelas constatações iniciais...
- É grave? – perguntou Aioria, já sentado sobre as almofadas de Shaka, abraçado com uma enorme manta hindu, Ishiro já colocado entre seus braços como um gato manhoso.
- O senhor tem parentes?
Ele engoliu o seco. Não, aquela não era a pergunta certa...
- Não, sou órfão. Meu irmão... meu irmão está morto. – ele pronunciou cada sílaba da resposta mais devagar do que de costume, olhando Athena nos olhos. Por causa desta menina empertigada e do seu destino, seu irmão fora assassinado. E diferente de tantos cavaleiros, ele não fora ressuscitado depois das batalhas.
- E a moça?
- Uma estrangeira. – Saori respondeu ríspida.
- Não sou estrangeira. Meu nome é Yong-Li.
- Ela é a princesa Yong-Li, minha mãe, senhor doutor. – interrompeu Ishiro.
- É seu filho? – o doutor perguntou a Aioria.
- É como se fosse. – ele suspirou, beijando as bochechas rosadas do garoto.
- A senhorita é a companheira dele?
- Não!
Aioria corou vivamente com a recusa quase raivosa de Yong-Li. Percebendo o seu lapso, ela imediatamente emendou, com o que julgou ser uma 'retratação':
- Somos como irmãos.
- Não somos como irmãos, doutor. Ela é uma estrangeira. – Aioria respondeu, ferido no mais fundo do seu orgulho.
- Bem, pelo que vejo, estão todos envolvidos com ele.
- Menos eu. – replicou Horemheb
- Fale comigo, doutor. – Ishiro puxou o jaleco do médico. – Não ouviu ele dizer que eu sou como se fosse filho?
- Levando em consideração as condições emocionais do paciente, eu me vejo na obrigação de dizer a verdade para todos vocês. O caso parece ser de porfiria.
- Porfiria? Aquela doença... aquela? – Li perguntou, pálida.
- Essa mesma senhorita. É genética ou adquirida, mas pelos sintomas, ela parece ser genética. É provável que os exames apontem porfiria aguda intermitente, é o tipo mais comum e a que provoca problemas neurológicos nervosos. Só um exame mais detalhado poderá dar mais detalhes, mas desde já, eu aviso que medicamentos e exercícios são perigosos para você. Não tome nada que não seja natural, evite o sol forte para o caso de você ter sintomas combinados com a porfiria cutânea, e evite exercícios físicos agressivos.
- Eu vou morrer, doutor?
- É um risco. A porfiria não tem cura. Entretanto, períodos de crise podem ser evitados e sintomas atenuados. Você terá uma vida normal.
- Doutor, meu pai vai ter convulsão?
- Boa pergunta, criança. É provável que em crises ele venha a ter convulsões. Você tem medo de ajudar? Sabe o que fazer?
- Eu sei! A gente deita, e segura a língua assim, para a pessoa não morrer sufocada!
- Você é muito esperto, menino! Vejo que seu pai vai ter um grande enfermeiro à disposição.
- Shina dizia que eu era pequeno e burro, mas eu não sou burro. E eu vou crescer!
- Claro que vai.
Saori permaneceu calada durante todo o diagnóstico. O que iria dizer? Nada do que sabia podia ajudar, seus poderes de deusa também não. E Aioros tinha morrido por ela. Agora, não podia ajudar Aioria e tinha medo, muito medo dele morrer. Senti-se em dívida com ele, amava-o ternamente até, como se ama um primo distante e querido.
- Vamos embora, Athena? – Horemheb perguntou, as chaves do carro já em suas mãos.
- Sim, sim, vamos embora. O doutor já sabe onde eles estão e já pode se comunicar diretamente com eles. Não precisam mais de nós, vamos...
Antes de sair, Horemheb piscou para Aioria.
- Devo mesmo estar morrendo. Horemheb nunca falou comigo antes.
Saori saiu da sala, e o doutor olhou para Li, encolhida na soleira, chorando com a delicadeza que só as orientais têm, numa suavidade cheia de paixão, quase de reverência.
- Não chore ainda, senhorita. Há muito o que fazer por ele.
- Eu... eu sei... é que eu... eu dei um diagnóstico errado para ele... estou me sentindo tão culpada...
- Quando foi isso?
- Ontem.
- Não foi tão grave. Não é médica, é?
- Eu sou uma espécie de monja dos Dragões, não sei se já ouviu falar...
- Claro. Sou chinês.
- Então...
- O que disse a ele?
- Que tinha deficiência de potássio.
- Não está de todo errado... as enzimas, sabe?
- Sei. Assim mesmo... sou uma bruxa curandeira como Saori disse... não posso cuidar dele...
- Ele vai precisar de você. A crise da doença é muito dura. Ele pode ter convulsões, vômitos fortes, entrar em coma. Talvez desenvolva paralisia muscular e precise de você até para ir ao banheiro. E, se a senhorita é mesmo uma monja dos Dragões, não é uma curandeira. – ele olhou para os lados, em busca de qualquer coisa que lembrasse, ainda que de longe, o que ele ainda imaginava ser um monge. – Já está ministrando a água das benções?
- Sim... – Li admitiu surpresa. – Conhece?
- Quem não conhece? Continue dando. Irá fortalecê-lo.
- Doutor... – ela suspirou o mais baixo que pode. – Ele vai mesmo se curar?
- Tudo é possível.
- É uma resposta muito vaga.
- É o melhor que poso fazer por agora.
Antes que o médico sumisse na curva da ruela barulhenta, Li avistou a figura de um homem, todo de preto, fumando um charuto, encostado no muro.
- Não foi embora ainda, Horemheb? – ela perguntou sorrindo.
- Não, chinesa. E meu nome é Cérbero.
- Cérbero?
- É. – ele continuava de cabeça baixa. – É bonito, não acha?
- Saori nunca perguntou o que queria dizer?
Ele levantou a cabeça pela primeira vez e riu, de canto de boca.
- Você sabe o que é?
- Cérbero? O cão raivoso que vigiava as entradas do Hades. Abanava o rabo para todos os que entravam, mas rasgava a dentadas quem se atrevia a sair.
- Nossa, a chinesinha sabe ler.
- Filho de Osíris, eu sei quantas vezes vendeu sua alma e quantas mais a roubou de volta...
- Então sabe que tipo de homem eu sou.
- Está me vigiando porque Athena pediu?
- Não é por causa dos seus olhos, chinesa.
- Entre.
Ele virou-se, surpreso, mas sustentando ainda seu ar de deboche e desconfiança sem fim.
- Por que eu deveria?
- Já que está me vigiando mesmo, entre. Faça companhia a Aioria e tome um chá.
- Não gosto de chá.
- Vai gostar do meu.
Horemheb atirou o charuto longe e entrou na casa.
- Esse homem é o mestre mau que ninguém queria ver, Aioria?
- Ishiro!
- Deixa o menino, Li. A sinceridade é uma virtude que deve ser incentivada, e não punida.
- Aioria está certo. – Máscara da Morte sentou-se no chão coberto apenas por sarongues. – E o menino também: eu sou o mestre mau que ninguém quer ver.
- Por que você é mau?
- Eu não sou mau.
- Ah... – Ishiro deu um muxoxo de decepção.
- Como o santuário tem estado sem mim, Cérbero?
- Ah, as 24 horas da sua ausência não foram muito sentidas... Shiryu pergunta por você o tempo todo, mas isso não tem nada a ver com sua saúde, é claro. – Máscara riu, olhando para Li.
- E Marin? – Li perguntou.
- Marin? Está um pouco magoada. Ela e Shina estão andando juntas. As mulheres desprezadas gostam de compartilhar suas amarguras.
Aioria olhou para Máscara furioso. O atento Ishiro percebeu.
- Papai, a honestidade é uma virtude para ser incentivada.
Horemheb gargalhou.
- Esse é o menino que Shina dizia ser a criança mais burra do Santuário?
- Sou eu mesmo, Mestre Horemheb.
- Você parece esperto.
- Eu sou. E também não sou pequeno. Tenho seis anos, vou crescer.
- Claro que vai. – Máscara deu um tapa nas pernas do menino. – Tem ossos fortes! Será musculoso.
- E você, o que tem feito, Horemheb?
- O de sempre. Devorando criancinhas e barbarizando virgens inocentes.
- Você não deu muitas opções para nossa imaginação.
- Nem você, traidor.
Aioria fez menção de levantar.
- Você me chamou de traidor?
- É a imaginação da gente do Santuário.
Li não gostou do ambiente e da progressão da conversa.
- Bom, acho que já que estamos aqui, podemos sair para comer alguma coisa. Não tem nada na geladeira. Aliás, ela estava desligada. Acabei de pôr na tomada outra vez.
- Boa idéia! Adoro peixe! Você gosta, Cérbero?
- Bom, sou um menino que cresceu às margens do Nilo.
- E você Ishiro?
- Eu gosto de comer. Já passei fome, e como qualquer coisa.
- Gostei desse menino.
- Gostei tanto que até fiquei com ele.
- Vai treinar o moleque?
- É meu aluno agora.
- Bom, bom. A armadura de Gêmeos ainda está vaga.
- É uma armadura de má sorte.
- Bobagem. Isso não existe.
- Então vamos.
- Você vai assim? – Máscara perguntou a Li, que alisava o casaco vermelho vivo de seda.
- Qual o problema? – ela replicou, admirada.
- Você parece saída de uma página de mangá. Não dava para você ser menos 'típica'?
- Horemheb!
- Não, não... ele tem razão... eu estou tão típica!
- Você é um grosso, sabia? – Aioria continuou.
- Olhe, Aioria, eu vim para Santuário os 17 anos, de saiotes, sem camisa e com olhos pintados com kajal preto e verde. Eu sei o que é ser esquisito.
- Mas eu não tenho nada para vestir!
- Porque a gente não finge que é turista da Índia? – sugeriu Ishiro – tem tanto pano colorido aqui! É só se enrolar e pronto!
- Cheguei atrasado então. Esse menino devia ser meu, Aioria!
- Chegou tarde mesmo. Ele é meu filho e Li, sabia?
- Feito da maneira tradicional?
- Adotado por amor.
- Que gracinha. – ele acendeu um charuto – Acho que Saori vai ficar feliz em saber que uma das crianças de seu santuário chama Yong Li de 'mamãe'.
- Ela vai ter que se acostumar com a Li.
- É o que parece.
Continua...
COMENTÁRIOS:
Mikage-sama: Felizmente, ou infelizmente, eu acho que a fic ainda terá muitos capítulos... mas não fique triste, sempre haverá finais de semana para você ler "Gênese". Qualquer coisa me fale que eu mando os capítulos por email. Não vai ser por causa da escola que você vai deixar de ler! Afinal, eu faço faculdade, trabalho, e nem por isso vou deixar de escrever ( embora eu precise admitir que vai ser mais difícil! )
Amy: Momento fã histérica do dia! AHHHHHHHHHHH!!!! Me segura que "Ensina-me a Viver" é tudo de bom nesse mundo!!! Ai, a Nana teve todos os motivos do mundo para confiar em você, as escritas de vocês casa muito bem! OBRIGADO por comentar e mais ainda pela minha fic favorita!
Nana: Nana do coração, obrigado por tudo. Você e a Amy são muito generosas, é um prazer poder escrever sabendo que vocês vão estar aí na torcida, comentando, batendo palmas, fazendo críticas onde elas cabem. Adoro você! Aliás, já te mandei um email GRANDÃO! Beijocas!
