Título: O julgamento das sete mortes
Ficwriter: Kaline Bogard
Beta: Akemi Hidaka
Classificação: yaoi, sobrenatural
Pares: YohjixKen
Resumo: O que parecia um inocente pedido de ajuda transforma a vida de Yohji numa corrida contra o tempo.
Records of 2004 a.C.
O julgamento das sete mortes
Kaline Bogard
Capitulo 10
Pistas em Endo
A cidade de Endo era relativamente grande. Apesar disso, o carro de Aya acabou chamando atenção, ainda mais por conter dois passageiros tão incomuns.
(Aya) Consta o endereço antigo dos Yasutaka na ficha da polícia?
(Omi) Claro.
(Aya) E onde é?
Omi estendeu um papel para Aya, ao mesmo tempo em que fazia uma carinha desanimada.
(Omi) Será que... não podemos parar pra comer alguma coisa? Eu to com fome... e... preciso ir ao banheiro...
Não haviam parado nem uma vez durante o percurso de Tokyo a Endo.
O Weiss mais velho sorriu, e concordou com a cabeça. Foi dirigindo pelo que parecia ser a rua principal, até visualizar uma lanchonete que tinha aparência bem razoável. Não tiveram dificuldades em estacionar, encontrando uma boa vaga, quase em frente à lanchonete.
Assim que entraram, o loirinho dirigiu-se ao banheiro, feliz por finalmente poder se aliviar, enquanto Aya se encaminhava ao balcão, pedir algo para comerem.
Logo Omi voltava, e eles escolheram para uma mesa vazia próxima a grande vidraça.
(Omi) Será que encontraremos alguma pista aqui?
(Aya) É nossa única opção.
Nesse instante um celular tocou, fazendo Aya erguer uma sobrancelha ao perceber que era o toque do cel do playboy, e não do chibi.
(Omi sorrindo) Achei melhor trazer o celular do Yohji, pro caso de Emiko ligar com mais alguma dica.
Atendeu o telefone.
(Omi) Não, aqui é Omi... mas eu dou recado, ah... sim, entendo. Pode ficar com ele mais um dia? Assim que for possível eu vou pegá-lo... ok.
(Aya) Quem era?
(Omi suspirando) De um estacionamento. Yohji deixou o carro lá, mas não foi buscar... já fazem dois dias...
(Aya)...
oOo
Karen caminhava pela rua, observando tudo com muita atenção. As vezes custava a crer que não estava mais viva... podia se enganar facilmente por aquela 'casca' que seu espírito usava... mas a verdade é que não conseguia sentir mais nada.
Não sentia nem mesmo aquele ventinho que fazia seus cachos ruivos balançarem... isso era de certo modo angustiante.
A garota seguiu até uma ponte, e debruçou-se sobre a pequena murada, pondo-se a observar as águas turbulentas do rio abaixo de si.
(Miguel) É uma vista deprimente, não é?
Karen não olhou para ele. Não era surpresa que Miguel estivesse por ali, nenhum deles nunca ficava sozinho de verdade.
(Karen) É...
O mexicano aproximou-se de Karen e também debruçou-se na muretinha. Só então Karen percebeu que Shou estava com ele.
(Shou) Cuidado pra vocês não caírem daí...
(Karen) Não faria muita diferença, não é?
(Miguel) Você está aborrecida com algo?
(Karen) Não.
(Shou sorrindo) Men-ti-ro-sa...
(Karen)...
(Miguel) Você sabe que Yohji não vai passar no julgamento, então pra que se preocupar?
(Karen suspirando) Você quer mesmo nascer outra vez?
(Shou) Oh...
(Miguel surpreso) Claro! Você não quer?
(Karen) Não sei... quem me garante que minha nova vida será melhor? Será que...
(Miguel irritado) Não acredito que você está com medo disso. Esses americanos são mesmo covardes.
(Karen) !!
(Miguel) Pois eu quero nascer de novo!! E dessa vez eu vou vencer! Serei um campeão, e não permitirei que ninguém me mate!! Mas se isso ocorrer de novo, então eu sei que vou renascer até acertar pelo menos uma vez.
(Karen surpresa) Não sei se tenho sua garra.
(Miguel) Tsc. Não tem mesmo. Mas você prefere isso... ficar nesse estado de... morto vivo, sem poder fazer nada?
A ruiva piscou, e olhou para Miguel. O belo mexicano parecia muito seguro de suas palavras. Ele estava mesmo decidido a ter uma nova chance.
(Margareth) Não permitam que as dúvidas tomem conta de suas mentes...
Os três garotos olharam para a jovem inglesa. Era uma surpresa que ela entrasse em contato com eles. Geralmente Margareth ficava próxima, mas sempre silenciosa, na dela.
(Karen desanimada) É que... Shouji está tentando nos favorecer... e eu nem sei se isso é o certo...
(Miguel) Não adiantou nada pegar pesado... ou tentar assustar aqueles Weiss...
(Margareth suspirando) Vocês são uns tolos! Agora que o julgamento teve início, nada pode mudá-lo. Yohji tem que seguir até o fim. Tudo o que podemos fazer é aceitar esse sacrifício que Shouji nos oferece. Tentaremos alertar os garotos, para que isso não se repita no futuro.
(Miguel suspirando) É. Essa a gente já ganhou.
(Shou) Será... que ele não tem nem uma chance de vencer?
(Margareth) Talvez... vi que Yohji não está sozinho, e isso pode fazer toda a diferença.
(Miguel) Shouji é um tolo. Apesar de ter séculos de experiência parece que não aprendeu nada, e continua muito inocente.
(Margareth) E é por isso que eu gosto tanto dele.
(Karen) Faltam cinco veredictos. Pelo que eu vi até agora, será um empate. O último jurado é que vai decidir isso.
(Margareth) Você sabe o que eu vou decidir?
(Karen) Talvez... você já começou a julgá-lo, não é?
A garota inglesa sorriu de modo misterioso, e desviou o assunto.
(Margareth) Vamos ao hospital.
Deu as costas aos outros, sabendo perfeitamente que seria seguida pelos companheiros.
oOo
Ken abriu os olhos e suspirou.
(Shouji) Acordou! Como se sente?
(Ken suspirando) Meio moído...
Ajeitou-se na cama, erguendo um pouco o corpo, e apoiando as costas na cabeceira do leito.
Depois vasculhou o quarto com os olhos cor de chocolate. Aliviou-se ao perceber que o amante estava próximo a ele. Aparentemente bem.
(Carlo) Yohji está se recuperando. O médico lhe passou alguns remédios, mas logo ele acordará. Não se preocupe.
(Ken) Não me preocupar? Como se isso fosse possível...
(Carlo) E você? Está bem?
(Enrico) Pelo menos não sente mais dor, não é?
(Ken) Verdade. Eu queria saber se aquela garotinha tem que se sentir assim sempre, ao carregar toda a desesperança que vai recolhendo.
(Shouji sério) Ken, Shou não é obrigada a passar por tal provação. Ela faz por que quer.
(Ken surpreso) Porque alguém iria querer passar por isso?
O garoto japonês deu de ombros.
(Shouji) É o que Shou deseja, e eu não posso fazer nada para mudar o jeito dela. Por mais sinistro que seja...
(Enrico) Aya e Omi estão empenhados na investigação.
(Carlo) Eles foram atrás de uma pista.
(Ken) Logo que eu sair daqui também vou me dedicar.
(Shouji sério) Ken, preste muita atenção no que eu lhe direi: não se meta mais no julgamento de Yohji. Eu tive muito trabalho em conseguir uma vantagem para ele: ao ser feito o desafio de Shou... mas você estragou tudo!
(Ken) Eu não vou abandoná-lo!
(Shouji) Não é questão de abandonar ninguém. É questão de deixá-lo enfrentar seus desafios sozinhos. Yohji não é de vidro, e não vai se quebrar por enfrentar alguns obstáculos.
(Ken) Eu sei disso muito bem. Talvez você não entenda, mas eu prometi a Yohji que estaria ao lado dele, passo a passo, e vou manter minha palavra. Ele não está sozinho nessa, e eu não me importo de quebrar as suas malditas regras, entendeu? Não aceitei nenhum trato com você e seus amigos, e nunca aceitarei ficar sentado, vendo quem eu amo passar por tanta coisa estranha, sem oferecer ao menos um apoio!!
(Shouji) !!
(Enrico) Acalmem-se!! Isso é um hospital! E Yohji precisa de descanso, esqueceram disso por um acaso?
(Ken)...
(Shouji) Sinto muito.
(Carlo preocupado) Não se exalte, Ken... precisa se recuperar mais.
(Enrico) Shouji... pare de criar atrito... você sabe que não é o momento para isso.
O garoto de longos cabelos negros aproximou-se de uma das janelas, e fixou a vista na paisagem. Sem surpresa alguma visualizou Karen e os outros parados na frente do hospital, apenas aguardando. Shouji decidiu ir falar com eles.
(Shouji) Carlo, Enrico, não saiam desse quarto, me entenderam?
(Enrico) Sim. O que vai fazer?
(Shouji) Saber como andam as coisas em Endo...
Saiu do quarto, deixando Ken e os gêmeos surpresos.
oOo
(Shou) Ei... Shouji vem lá...
Os garotos olharam na direção da saída do hospital, confirmando que realmente o garoto vinha até eles, caminhando em passos largos, mas sorrindo.
(Karen) Tudo bem com eles, Shouji?
(Shouji) Sim. Ken já acordou e está bem. Yohji ainda dorme, e vai ficar em observação por três dias.
(Miguel) Tsc. Os gêmeos vão esperar que o cara se recupere?
O garoto japonês nem se preocupou em dar resposta.
(Shou) Eu fiquei um pouco assustada, quando Ken entrou no meu julgamento. Não foi minha culpa, Shouji.
(Shouji) Sei disso. Agora tenho coisas mais importantes pra pensar. Aya e Omi estão em Endo. Quero que Karen e Shou vão até lá, descobrir como as coisas estão caminhando...
(Margareth) Você não acha que isso vai apenas atrapalhá-los?
(Shouji pensativo) Não creio nisso. Apenas façam companhia a eles. E as duas já fizeram seu julgamento, então não há mais nada que as prenda aqui, a não ser a curiosidade...
(Karen sorrindo) Claro! Quero ver no que vai dar isso...
(Shou) Nós vamos até lá, Shouji.
(Shouji sério) Ah, antes que eu me esqueça: Aya já sabe a verdade sobre vocês.
(Miguel) Como assim?
Os dois trocaram um olhar atravessado.
Por um segundo o garoto de olhos azuis pensou em ignorar aquele belo mexicano, mas acabou respondendo.
(Shouji) Ele sabe que vocês estão mortos.
(Margareth) Oh...
(Shouji) Aya já estava desconfiado, e não vi nenhum motivo pra negar. A verdade é que ele aceitou tudo melhor do que eu esperava. Com certeza a Weiss enfrenta desafios parecidos...
(Miguel) Disso eu duvido muito...
(Shouji) Hum...
(Margareth) E contou nossas histórias pra eles?
(Shouji) Não. Vocês podem fazer isso se quiserem, mas eu não vou obrigá-los a nada. Enrico e Carlo contaram a história deles.
(Karen decepcionada) Oh... eu queria ter ouvido isso!!
(Shou) Vamos embora logo, Karen. Quero ver se Aya e Omi já descobriram muita coisa.
(Karen sorrindo) Vamos lá, baixinha.
As duas desapareceram aos poucos.
(Margareth) Essas duas são muito joviais.
(Miguel) Ainda bem que você não contou sobre nossas histórias. Eu pretendo usar a minha, Shouji.
(Shouji)...
(Margareth) Miguel, você sempre usa o mesmo julgamento, não é? Todos sabem como pode ser cruel... não deveria fazer isso.
(Miguel) Minha prova não é mais difícil que a de Shou, nem mais cruel que a de Karen. Você que é muito mole, Magie.
(Margareth) Nós ingleses somos justos, apenas isso.
(Shouji) Não é hora de discutir métodos. Vocês têm o direito de agir como bem entenderem, visando alcançar a vitória. Vou voltar para o hospital.
(Miguel) Minha companhia é tão desagradável assim?
(Shouji) Não.
Afastou-se sem esperar resposta, pretendia rondar o quarto de Yohji, mas não entraria no mesmo, para não criar atrito com o jogador.
A jovem inglesa sorriu, e voltou os olhos negros na direção de Miguel.
(Margareth) Você gosta muito de Shouji, não é?
(Miguel)...
(Margareth) Pena que Shouji é um tolo, e ainda não percebeu que você o ama.
(Miguel) Não é nada disso!
(Margareth) Ah, pobre Miguel. Tenta disfarçar os sentimentos agindo de modo grosseiro, mas não consegue me enganar. Você tem esperança de renascer... só que gostaria de fazer isso ao lado de Shouji, não é?
O mexicano passou a mão pelo cabelo ondulado, e suspirou. Havia algo naquela garota inglesa que desarmava qualquer pessoa. Talvez fosse um dom, mas ela inspirava confiança por todos os poros da pele lisa de porcelana...
Miguel achou que podia mostrar seu lado menos grosseiro, principalmente por que estavam apenas os dois ali.
(Miguel) Diablo. Você é muito perspicaz, muchacha. Não sei se isso é bom, mas...
(Margareth) Eu também me preocupo muito com Shouji. Mas ele nasceu para ser um Domador, e gosta de ajudar almas como nós. Não sei se temos o direito de tirar isso dele. Eu sou justa, e sigo as regras. Admito que Shouji age de modo errado, só que... no fim...
(Miguel) Não é justo com o réu, nem com Shouji.
(Margareth) Ele está arriscando a vida de Yohji por nós.
(Miguel) Mas ele acredita tanto que aquele carinha vai vencer.
(Margareth) Shouji vem burlando as regras de modo inconsciente. Talvez seja mais forte do que ele. Sei lá. São tantos anos salvando almas.
(Miguel) Se eu tivesse a garantia...
(Margareth surpresa) Garantia?
(Miguel) De que um dia... talvez... Shouji e eu pudéssemos renascer ao lado, um do outro.
(Margareth triste) Oh, Miguel...
(Miguel) Eu o amo tanto... mas... é impossível, não é?
Ao invés de responder, a garota inglesa se aproximou do companheiro e o tomou nos braços, apertando-o num abraço preocupado, mas despido de calor.
O calor dos sentimentos era um privilégio apenas para os vivos...
oOo
(Omi) Que lugar desolado...
Ele e o amante estavam parados em frente a um terreno baldio, olhando os destroços do que um dia fora a residência dos Yasutaka.
O terreno ficava afastado das demais casas, numa localização bem isolada e distante do centro da cidade. Fora fácil chegar ali, depois de algumas indicações dos moradores locais.
Com surpresa, os dois Weiss descobriram que simplesmente não havia mais casa no local. A mesma havia ruído, restando apenas destroços: paredes quebradas e telhas se espalhavam pelo terreno.
(Aya) A casa desmoronou.
(Omi) Ou foi demolida, não é? Veja... tem uma placa de vende-se ali.
Aproximaram-se, anotando o telefone de contato da imobiliária responsável pela venda da destruída residência.
(Omi) Posso localizar o endereço através do telefone ou do nome da imobiliária, invadindo o sistema da prefeitura.
(Aya) Ótimo.
Enquanto o loirinho se concentrava em seu laptop, os olhos violetas do líder da Weiss percorreram todo o desolado local, comparando-o aos destroços de sua própria casa, depois da maldita explosão, que quase matara sua irmã e ele próprio.
Aquelas lembranças enchiam o coração de Aya de amargura. Mas não podia mudar o passado, nem o seu, nem dos Yasutaka.
(Aya pensativo) O que será que houve?
(Omi) Porque eles se mudariam daqui, depois de tentar invadir o laboratório duas vezes? Medo de represálias?
(Aya) Não. Os Yasutaka se mudaram a primeira vez, seguindo a pista do filho, e se atreveram a esse ato ousado de invasão. Não creio que eles temessem qualquer ameaça.
(Omi) Pra onde será que eles foram? Consegui!! Tenho o endereço da empresa responsável pela venda do terreno.
(Aya) Bom. E aqueles arquivos? Você ainda não conseguiu decifrá-los?
(Omi desanimado) Não. Eles usaram um programa semelhante ao YATRINA III, que convertia o código Morse dos nazistas, durante a guerra. É bem complicado.
(Aya) Você consegue.
O loirinho sorriu ao ouvir o elogio velado do Weiss mais velho. Era o melhor de todos os incentivos.
(Omi) De qualquer jeito, vamos investigar a imobiliária. Eles devem ter alguma informação.
(Aya) Você vai até lá. Eu vou ao laboratório, ver se descubro algo.
(Omi suspirando) Ok. Tome cuidado.
(Aya) Você também. Quer seguir no carro?
(Omi) Sim.
Aceitou surpreso pela confiança do líder da Weiss.
(Aya) Ok. Me deixa na entrada da cidade. Depois eu dou um jeito. Descubra tudo o que você puder na imobiliária. A gente se encontra em duas horas, naquela lanchonete.
(Omi) Entendi.
Logo voltavam para o carro, afastando-se dali. Era devagar e com dificuldades que conseguiam reunir as peças do quebra cabeças que lhes revelaria a verdade a respeito do passado de Shouji.
Depois de deixar o amante, Omi dirigiu-se a imobiliária, precisando parar apenas uma vez, para se informar melhor. Endo não era uma cidade muito pequena, mas também não era tão grande assim, sendo fácil de se localizar. Sem contar que todo o capital de giro do município parecia concentrado no centro da mesma.
(Omi) É aqui.
Olhou o prédio de dois andares, de aparência simples. Se eles se recusassem a dar qualquer informação, o loirinho seria obrigado a invadir o sistema da imobiliária. Mas Omi sabia que não havia motivo para que eles colocassem obstáculos em sua busca.
Estacionou o carro na frente do prédio, e depois de pegar o laptop, dirigiu-se ao saguão da imobiliária.
(Atendente) Bom dia, senhor. Em que posso ajudá-lo?
(Omi sorrindo) Eu queria informações sobre os donos de um dos terrenos que vocês estão vendendo.
(Atendente) Sobre quem seria?
(Omi) Um casal. Yasutaka era o sobrenome deles. Moravam neste endereço.
Estendeu o papel para a jovem, que pegou e leu rapidamente.
(Atendente) Vou ver em que posso ajudar.
Concentrou-se em digitar num micro computador muito antigo, que Omi achou mais digno de um museu, do que a recepção de uma empresa...
Sem ter o que fazer, o chibi sentou-se em uma das poltronas vagas, e ficou esperando, vigiando atentamente o programa que continuava rodando em seu micro, tentando desvendar os códigos do arquivo criptografado.
oOo
Aya desceu do táxi e pagou a corrida, dispensando o motorista. Se precisasse ele o chamava de novo pelo celular, ou chamava ao loirinho, não importava.
Observou a estrada de terra. A entrada que levava ao antigo laboratório do governo, estava abandonada a muito tempo. Deixada aos castigos do tempo.
O líder da Weiss pulou a cerca de arame semi destruída que rodeava a entrada, e foi avançando por entre o mato que tomava conta do local.
Depois de algum tempo, Aya saiu em um pátio amplo, cimentado, mas também em grande estado de abandono e desolada destruição.
No centro do mesmo, havia uma enorme construção de três andares, que tinha as portas lacradas com ripas de madeira. As poucas janelas visíveis daquele lado também estavam vedadas. O estado de destruição era tão avançado, que Aya não se atreveria a passar do primeiro andar, sabendo que se arriscava a causar um desmoronamento que poderia ser desastroso.
Primeiro ele rodeou a construção, notando que era um prédio bem grande, muito comprido. Não existiam portas laterais, nem mesmo janelas. Apenas paredes longas e lisas.
(Aya) Lugar horrível.
O estado de abandono era incrivelmente devastador. Sacando que não descobriria nada do lado de fora, Aya resolveu invadir, ver se encontrava algo lá dentro.
Deu a volta, retornando a frente do prédio, e aproximando-se da entrada. Estourou a porta com um forte pontapé, abrindo um vão mais que suficiente para a sua passagem.
Passou pelo buraco, sendo recebido por uma profunda escuridão. Apesar do local estar quase lacrado, o mato havia dado um jeito de entrar, se esparramando por todo o hall de recepção.
O mesmo tratava-se de uma ampla sala, junto com o amontoado do que devia ter sido o balcão de atendimento.
Um silêncio sinistro reinava por todos os cantos, enchendo o ruivo daquela sensação angustiante de suspense, quando se está assistindo um bom filme de terror.
A direita da entrada ficavam dois elevadores, e diretamente a frente da porta, quase atrás do balcão estava um lance de escadas, semi encoberto pelo mato.
(Aya) Isso é ruim.
Foi até os elevadores, mas ambos estavam destruídos, e não funcionavam mais. A corda de sustentação dos mesmos estava arrebentada, e a muito desaparecera no poço escuro.
Seus passos ecoavam alto naquele espaço vazio, marcando as passadas rítmicas e apressadas.
(Aya irritado) Maldição!!
Desistiu de sondar o elevador e dirigiu-se as escadas. Afastou um pouco do mato com as mãos, e fixou os olhos violetas nos degraus, torcendo os lábios diante do que viu.
(Aya) Tsc.
Aquela caricatura de escada com certeza não parecia forte o suficiente para sustentar o peso de seu corpo. Pelo que Omi explicara, aquele prédio havia sido construído no início da década de 70. E isso justificava as escadas de madeira, no que deveria ser um laboratório moderno do governo.
(Aya) Contenção de despesas?
Os elevadores com certeza deviam ter sido adicionados em alguma reforma posterior. Mas isso não interessava ao líder da Weiss. Ele precisava de pistas concretas que dissessem algo sobre os pais de Shouji e...
Mas o que poderia encontrar sobre os pais do garoto ali?
De acordo com Omi, haviam várias matérias na internet, relatando a insistência dos Yasutaka em acusar aquele laboratório de ser o responsável pelo rapto do filho, que na época era apenas uma criança.
(Aya) Mas onde as peças se encaixam? Pra onde diabos eles foram? E porque se mudaram daqui?
Tantas perguntas e nenhuma resposta. O silêncio absoluto era a única voz que fazia eco os pensamentos da líder do Weiss. E ele não gostava disso.
Cada descoberta, ao invés de ajudar, apenas aumentava as dúvidas e as indagações... isso era tão frustrante...
Por um segundo, Aya teve a impressão de que não estava sozinho no local. Olhou ao redor ressabiado, mas não viu ninguém. Seus músculos se contraíram de tensão, e uma gota de suor frio escorreu pela face pálida.
O silêncio era total, e por isso mesmo inquietante. Parecia que seria atacado a qualquer instante por um inimigo invisível, camuflado num suspense irritante e incontrolável...
Durante um longo minuto, Aya apenas observou, sentindo mais do que vendo. Respirando devagar, de leve, com certo receio do som da própria respiração.
Mais aliviado, se convenceu de que nada aconteceria. Apenas dera asas a imaginação, se perdendo no silêncio envolvente. Quase soltou uma maldição... no entanto pensou que seria quase um sortilégio, quebrar a quietude incomum daquelas ruínas.
Decidido, o ruivo apoiou o pé direito, forçando um pouco, querendo testar se poderia se arriscar a subir pro segundo andar e quem sabe encontrar algo que auxiliasse a Weiss na busca.
(Karen) Eu não faria isso se fosse você.
A voz melodiosa causou um susto memorável no líder da Weiss. Aya se arrepiou todo, sentindo o coração disparar. Os olhos violeta se arregalando, denunciando seu verdadeiro estado.
Lutou para não levar a mão ao peito, em um reflexo inconsciente ao susto que levara.
(Aya) !!
Voltou a bela face, que estava mais pálida ainda, em direção a voz, reconhecendo Karen e Shou, paradas no rombo que o espadachim havia feito nas ripas que lacravam a porta.
(Shou) Que cara é essa?
(Karen sorrindo) Parece que viu um fantasma!
Recuperando-se imediatamente ao ouvir as piadas. Assumiu para si a postura rígida de olhos frios, disparando seu olhar mais mortal sobre as duas. No entanto sua face se mantinha extremamente pálida, mostrando que não se recuperara do susto.
Ficou em silêncio. Apenas fuzilando-as com o olhar, porque não sabia se a voz sairia firme o bastante.
(Shou preocupada) Acho que o susto foi tão grande que Aya engoliu a língua...
(Karen rindo) Será, pequena Shou?
(Aya irritado) O que vocês querem?
A voz saiu fria e controlada, para alívio imensurável do líder da Weiss.
(Karen) Viemos ver como vocês estão se saindo...
(Aya desconfiado) Como sabiam que eu estava aqui?
As duas se entreolharam, depois sorriram.
(Shou) Também passamos por esse julgamento, Aya. Analisamos as mesmas pistas... acho que Omi não está com você, não é? Será que ele foi a imobiliária?
(Karen) Deve ter ido. Ficamos em dúvida sobre vir ao laboratório, ou a imobiliária.
(Aya) O que querem aqui?
(Shou) Nada, apenas olhar. E cuidar de você... quase se mata!!
(Aya) Lá tem alguma pista, e as duas querem me impedir de chegar a ela, é isso?
(Karen séria) Não, Aya. Essa escada não agüentaria o seu peso. Não faça isso, a menos que queira fazer companhia a nós...
(Aya) Hn.
O ruivo olhou para os degraus podres e acabou se convencendo de que era verdade.
(Shou) Você veio atrás de uma pista que parecia importante, mas Omi vai descobrir a peça que verdadeiramente se encaixa.
(Aya) Porque estão me ajudando?
(Shou) Ora, e porque não? Não queremos o seu mal, Aya.
O ruivo se afastou da escada, e dirigiu-se a saída. Os três foram pra fora, e pararam no meio do pátio.
(Karen) Lugarzinho feio, né?
(Aya) Eu sei tudo sobre vocês.
(Karen) Shouji nos contou a conversa que tiveram.
Shou e Karen começaram a caminhar em frente, saltando a cerca, e Aya as seguiu. Logo os três estavam regressando a cidade, a pé mesmo.
(Shou) Pelo menos a gente não se cansa.
(Aya) Pretendo interrogar Shouji mais a fundo.
(Karen) Sobre?
(Aya) A trapaça que ele está fazendo, para ajudar vocês.
A frase saiu direta e fria. As garotas se entreolharam.
(Karen)...
(Shou) Do que está falando?
(Aya cínico) Vocês não perceberam?
(Karen) Percebemos... e foi por isso que pegamos tão pesado com Yohji. Queríamos que Shouji percebesse o erro que está cometendo. Mas não adiantou. Eu mostrei o Livro Vermelho do Julgamento, e revelei as regras ao Yohji, mas... minha intenção foi nula...
(Shou) Miguel tentou passar a perna no julgamento, mas também não adiantou. Quer dizer, adiantou em parte, não é?
(Aya irritado) Mas se vocês ajudam o Shouji, vão prejudicar o Yohji...
(Shou)...
(Karen) Alguém tem que perder nessa história...
Aya bufou e caminhou em silêncio por um tempo.
As meninas respeitaram a quietude do espadachim. Já era coisa demais para um simples homem saber. Principalmente quando envolvia fatos, que ele queria mas não podia controlar.
(Aya suspirando) De qualquer jeito as coisas estão ruins. Porque vocês não deixam Yohji vencer de propósito, e dão a Shouji a vida que ele tanto quer?
(Shou) Porque estaríamos burlando as regras. Assim quem sofreria as conseqüências seriam as nossas almas... que se perderiam, e deixariam de existir tanto no plano vivo quanto no plano espiritual.
(Karen) Eu não quero isso. Nem pra mim, nem para meus companheiros.
(Aya) Esse jogo pega pesado.
(Shou) Nossa opção agora é vencer. E pedir para que Shouji seja mais cuidadoso da próxima vez. Que ele não faça mais sacrifícios... não é justo com ele, nem com os réus.
Mais uma vez ficaram em silêncio, apenas observando a paisagem deserta. O laboratório ficava perdido no meios de vastos campos, cercado a sudoeste por uma pequena mas densa floresta.
Ninguém transitava por ali, e mesmo depois de caminhar por quase meia hora, os três não avistaram viva alma.
(Karen suspirando) Você sabe a história dos gêmeos, não é?
(Shou pensativa) Eu também queria saber...
(Aya)...
(Shou) Eles são tão unidos...
(Karen) É difícil acreditar que alguém faria mal a dois garotos tão meigos... como esse mundo é podre...
Aya olhou para as duas. Também era duro de acreditar que aquelas duas haviam sido assassinadas. Mesmo Shou, que se mostrava rancorosa... em momentos a garotinha se distraia, e assim uma personalidade oculta surgia, tingindo os olhinhos negros de uma doçura muito suave...
Pensando nisso, o líder da Weiss se viu preso em uma súbita curiosidade.
(Aya) Karen... qual é a sua história? E a sua, Shou?
As duas garotas se entreolharam. Depois olharam para Aya. Seus olhos diziam que queriam falar sobre aquilo, e que talvez fosse a hora de revelar o passado de ambas.
(Karen) Shou escolheu carregar todos os sonhos perdidos, abandonados por pessoas sem fibra o suficiente para realizá-los... eu sei como ela se sente... porque quando eu morri, estava cheia de raiva e angústia... e também tinha arrependimento em meu coração.
Aya e Shou olharam para a ruiva. Nenhum dos dois conhecia o passado da garota americana, mas ambos estavam curiosos para saber.
(Karen) Ok... eu vou lhe contar minha história...
Continua...
