ATO 3:
NARCHE (PARTE 2)Entre a área urbana de Narche e as minas enfileirava-se toda a defesa da cidade. Uma centena e meia de soldados compunha a infantaria, auxiliados por pouco mais de uma dezena de AMSs. As AMS, Armored Mobile Suit, eram maquinas grandes e pesadas, que se apooiavam sobre duas pernas e tinham braços armados com pesadas gatling-guns, seu piloto ficava no tronco, protegido por uma espessa blindagem. Todos aguardavam com uma certa ansiedade a chegada do invasor, olhando preocupados a densa nevoa que se impunha diante deles, mas ninguém ali ousava avançar. Suas ordens foram bem claras: proteger a mina todo custo, não importando os danos que a cidade sofresse.
Súbito, ouviu-se o som de disparos e um clarão iluminou o interior da nevoa, como se ali fosse uma nuvem de tormenta. Logo em seguida, um grito ecoou no vazio.
"Atenção!" Vociferou o comandante das tropas ao radio. "Preparar!"
A esta ordem, um uníssono de "cliks" e "claks" percorreu a tropa, suas armas engatilhadas e apontadas para a nevoa. O que viesse dali, não importasse a quantidade, receberia uma saudação de ferro e fogo.
Todos se surpreenderam, contudo, ao ver uma única silhueta calmamente saindo da nevoa. Era um rapaz. Pele pálida, tingida de sangue, os cabelos eriçados num tom azulado semelhante ao do gelo. Em torno de si, uma tênue aura opaca.
Era ICE.
Por um instante houve silencio. Todos ali estavam confusos. Seria uma armadilha.
Esta hesitação custou à vida de muitos. ICE moveu o braço como se quisesse espantar uma incomoda mosca, e grandes pedaços de gelo começaram a brotar do chão de neve, se arremessando contra seus adversários como uma furiosa onda de icebergs. A onda se chocou contra as tropas, vários soldados eram esmagados em sua trajetória, bem como algumas AMS.
"Atirem!"
As metralhadoras começaram a toar sua balada feroz e agitada. As balas indo em direção a ICE, numa velocidade assustadora. Com um gesto, ele estendeu a mão contra elas, como se ordenasse que parassem.
"Eis-Schild!" imediatamente uma espessa parede de cristal projetou-se de sua mão, as balas nada mais que tirando lascas dela.
Tão súbito quanto a aparição de ICE, uma alabarda voou de dentro da nevoa, cravando-se na perna de uma AMS, e tombando-a. Em seguida, uma chuva de tiros a seguiram. O resto do esquadrão de ICE entrara no combate.
"Bola de fogo!" Seerose, arremessou contra a AMS caída uma grande esfera de chamas, explodindo-a. O impacto da explosao foi o bastante para remover seu capuz e revelar um lindo rosto branco, e longos cabelos loiros encaracolados.
Outra AMS apontou suas gatlings contra ela, mas ICE saltou sobre o veiculo e com um soco, atravessou sua blindagem como se fosse papel, alcançando as vísceras do piloto e puxando-as num solavanco. Fez um gesto com a outra mão e um enxame de pequenas farpas de gelo trespassaram alguns soldados.
Em meio a confusão que se formara, Rosette movia-se como uma sombra retalhando seus adversários com golpes rápidos e precisos de katana. Uma AMS tentava acompanha-la com uma rajada de metralhadoras, mas o máximo que conseguira fora atingir as pernas de outra unidade aliada. O piloto mal teve tempo de se arrepender do engano: uma mão feminina brotou do assoalho da maquina como se fosse um fantasma e tocou-lhe o rosto delicadamente. Instantaneamente tombou sobre os controles, morto.
"Isso é tão emocionante !" Biene flutuava embaixo do agora desgovernado AMS, lambendo lascivamente os dedos como alguem que acabara de saborear uma gostosa sobremesa. "Nham, nham! Eu quero mais!" Com um rasante se arremessou contra um grupo de soldados entrincheirados atrás de uma casa. Nem a estrutura, nem os coletes deles serviram de proteção contra ela, que tudo atravessou como se nada ali houvesse. Os homens caíram mortos imediatamente.
O comandante das tropas, de dentro de sua AMS, observava atônito seu batalhão ser dizimado em questão de minutos. Engoliu o pânico e tomou o radio.
"Reagrupar! Recuar! Formar uma linha de defesa na entrada d..."
Não conseguiu terminar a sentença. Mohnblume recuperara sua alabarda e com um movimento separara o comandante e o AMS em dois hemisférios, ambos caindo um pra cada lado.
"Biene." Ofegante, a capitâ acionou o radio. "Situação das tropas inimigas."
"Tudo OK, capitã. Só restam mais alguns soldados dispersos, mas eu já estou me encarregando pessoalmente disso." Biene sorriu, enquanto voava atrás de alguns soldados que fugiam desesperadamente dela. "Venham cá, num fujam de mim! Num vai doer nadinha!"
Mohnblume suspirou, irritada. "Seerose. Situação do nosso esquadrão."
"Nove mortos e onze feridos gravemente, sir."
"E você?" Por um instante, perdera o tom ríspido.
"Só um arranhão. Não se preocupe!" a face de Seerose ruborizou por um instante.
"Recebido. Ordene a instalação dos explosivos nos pontos programados e nos encontre na entrada da mina. Traga Biene e Rosette com você."
"Sim, sir."
"ICE, vamos."
ICE não respondeu. Contemplava a pilha de cadáveres congelados e mutilados diante de si. Parecia hipnotizado por ela, o olhar fixado em cada uma das faces apavoradas de suas vitimas. Seu cabelo voltara a coloração normal e seu corpo ainda arfava e gotejava o sangue de seus adversários. Talvez fosse por esta visão tão medonha que a capitã Mohnblume julgara ter visto um olhar de satisfação na face do jovem, mesmo que por um instante...
"ICE!"
"Sim." Voltou-se para ela. Mohnblume julgou ter se confundido, o jovem a fitava com os mesmo olhos azuis inexpressivos de sempre.
"Vamos!"
"Sim."
Ao menos no tocante a entrada, as minas de Narche nada de diferente tinham em relação as demais minas do mundo: uma grande abertura sustentada por uma estrutura de madeira por onde passava um trilho de trem e onde alguns carrinhos de carregar minério estavam estacionados.
Diante da entrada estavam Mohnblume, Rosette, Seerose, Biene e ICE.
"Nenhuma presença humana ou animal no perímetro, sir." Rosette usava um sensor acoplado em sua face esquerda. "No entanto, há uma variação de ondas eletromagnéticas no interior da mina, cerca de 500 metros daqui. Também estou detectando partículas elementares estranhas. O sensor não consegue defini-las."
"É ela, capitã. Eu posso senti-la." Seerose adiantou-se, seus olhos fixos na entrada, quase em transe. "E ela SABE que estamos aqui."
"Sinal de radiação, Rosette?" capitã disse.
"Não. Uma analise geral do ambiente não demonstra qualquer perigo passivo contra a vida humana."
"Prossigamos então."
Avançaram dentro das minas a passos rápidos. A sensibilidade mágica de Seerose e o mecanismo de Rosette impediam que se perdessem no labirinto de corredores escavados na rocha ao longo dos anos.
"Que chato! Estes corredores são todos iguais!" Biene foi a primeira a quebrar o silencio. "Além disso, eu tenho medo de lugares apertados!" Agarrou-se ao braço de ICE, que engoliu em seco ao sentir seios dela se comprimindo contra seus corpo. Biene percebera a reação dele e se aproximou de seu ouvido. "Gostou? Pode brincar com eles se quiser..."
"Biene!" a voz de Rosette, sussurrada e monótona, fez um arrepio percorrer a espinha da companheira. "Isso não é hora nem lugar pra isso!"
"O que posso fazer?" para o alivio de ICE, Biene soltou-lhe o braço e revirou os olhos entediada. "Ele é homem, e eu, mulher. Nada mais natural. Alias, quem foi o Einstein que resolveu cercar um cara com quatro maravilhosas mulheres?"
"Fanservice..." Rosette encolheu os ombros, suspirando. OO'
"Silencio." Mohnblume ordenou, seus olhos fixos em seerose, que agora flutuava a alguns centímetros do chão, suas madeixas amarelas esvoaçando por efeito de um vento inexistente.
"Ela está aqui." A jovem bruxa apontou para o corredor, oculto por uma curva.
Avançaram.
Tiveram um sobressalto.
NOTA: "Gatling" é como são conhecidos certos modelos de metralhadoras giratórias e de tambor.
NOTA2: "Eis-Schild" é "Escudo de Gelo" em alemão.
