ATO 4:

Esther

Diante deles um salão esférico, um diâmetro de quase meio quilometro. Ao seu centro, uma grande massa de gelo, perfeitamente cilíndrica como um pilar unindo o topo da esfera a sua base. De seu interior, uma intensa luz azulada emanava, distorcida pela superfície de gelo.

"Interessante." Rosette analisava os dados de seu scan. "A esfera apresenta um desvio de somente 0,0000001 grau. É impossível ter sido criada por obra da natureza somente!"

"Isso já era esperado." Mohnblume tomou a iniciativa, descendo a até a base da esfera, seguida de perto por Rosette e os demais. Apontou para o pilar de gelo. "Mas isso não deveria estar aqui."

"E não estava!" Seerose tocou a superfície do pilar, seus olhos opacos pareciam duas chamas diante da luz que dali saia. "Como disse, ela sabe que estamos aqui." Um arrepio percorreu-lhe o corpo, tirou a mão do pilar. Estava dormente, levemente congelada. "Ela não quer que nos aproximemos..."

"Posso explodi-la, sir, mas vai custar algum tempo." Rosette tomou a frente, tentando calcular se à quantidade de explosivos que trouxera consigo seria o bastante para realizar o serviço de maneira eficaz.

"Não!" Seerose quase gritou, sua voz ecoando pelas paredes da caverna. "Ela NÃO nos teme. Sabe que pode nos matar a qualquer instante. Só não o fez isso até agora porque não está se sentindo em grave ameaça."

Mohnblume manteve-se em silencio, ignorando o fato que todos a fitavam, aguardando uma decisão. Após alguns instantes, suspirou e acionou seu comunicador.

"General."

"Sim." Danglar respondeu da base do NOAH.

"Foi detectada inteligência latente em Esther, senhor. Está seguindo um programa defensivo, mas temo que ela possa evoluir a qualquer momento."

"Entendo. Ordene contato de ICE com Esther."

"Recebido."

"E, Mohnblume..."

"Sim, senhor?"

"Caso ele apresente algum comportamento diferenciado do programa inicial, destrua-o imediatamente!"

Pausa.

"Sim, senhor!"

Tão logo fechou seu canal de comunicação, Mohnblume voltou-se para ICE. Como que por telepatia, este entendeu o que deveria ser feito e começou a se despir.

"Ora, ora, este serviço está ficando gratificante! " Biene sussurrou, antes de levar uma cotovelada de Rosette.

Uma vez nu, o jovem caminhou até o pilar. Mediu-o de cima a baixo. Fechou os olhos, então, e seus cabelos começaram a flutuar, como se uma corrente ascendente de ar subitamente o atingisse. De loiro albino, então, eles passaram ao azul gelo, ao passo que uma aura branca o envolvia.

Abriu os olhos e tocou sua superfície. Esta então vibrou como se fosse a superfície de um lago atingida por uma pedra. De fato, a mão de ICE havia a atravessado como se estivesse avançando contra uma superfície liquida, e não sólida. Logo em seguida enfiou o resto do braço e depois todo o corpo. Estava flutuando e precisava nadar como se estivesse realmente dentro de água líquida.

Sem olhar para trás, avançou em direção a luz cada vez mais forte, embora não sentisse em nenhum momento a necessidade de fechar os olhos. Após algum tempo estava a poucas braçadas do centro. No entanto, tão logo se moveu um centímetro adiante, teve um sobressalto ao ouvir um som ecoando pelo gelo.

Eram batidas. Batidas de coração.

Virou-se para o caminho que tomara, pronto para retaliar qualquer ameaça. Nada viu, só as cores distorcidas de suas companheiras de tropa, refratadas através do gelo. Mas as batidas continuavam, agora mais altas, ecoando cada vez mais violentas. ICE voltou-se ao centro da estrutura. Mais uma batida confirmou sua suspeita. O som vinha dali!

Ao chegar a esta conclusão, a luz que dali provinha cessou bruscamente. O jovem finalmente pode contemplar seu objetivo. Flutuando estática estava uma espada. Seu cabo era feito de algo que se assemelhava a um cristal azul, com uma gema de translúcida em seu meio, em torno dela, inscrições numa língua há muito esquecida. A lâmina era sarracena, com somente um gume, aparentemente feita do mesmo material que o cabo. Estava, contudo, partida em sua metade, o fio totalmente arruinado.

ICE precipitou-se em pegá-la. Ao chegar a alguns centímetros dela, percebeu que cometera um erro: viu sua mão ser esmagada como que por uma força invisível, cada um de seus se torcendo para uma direção diferente. Apesar da dor que sentia, não esboçou reação alguma, apenas fitando seu sangue endurecer ao perder contato com seu corpo.

"Minhas ordens são para recupera-la ou destruí-la, Esther." Disse, a mão sã erguida, prestes a deferir um golpe devastador. "Te dou a oportunidade da escolha."

Pausa. Os únicos sons que se ouviam eram as agora fracas batidas de coração de Esther e o barulho dos ossos da mão de ICE sendo esmigalhados.

"Como queira." ICE desferiu um golpe com a mão. Antes que completasse o movimento, porem, sentiu que sua mão não mais estava sendo esmagada, o único barulho que se ouvia agora era o dos ossos se reconstruindo e os músculos se refazendo, completando o processo de regeneração do jovem.

Poucos segundos depois a mão já estava totalmente curada e venceu os centímetros que restavam até Esther. Tomou a espada nas mãos e percebeu que ela parecia pesar pouco mais que uma pluma, embora era obvia a sua resistência. Ao fazer isso, imediatamente o pilar de gelo que o cercava começou a trincar e a rachar, desabando antes que tivesse tempo de tomar qualquer providencia.

Ao abrir os olhos, a primeira coisa que ICE notou foi o imenso céu azul bem diante de si. Era de um tom escuro e podia ver algumas estrelas despontando solitárias aqui e ali. Entendeu que não estava mais em Narche.

Ao levantar e olhar em volta, viu um cenário não tão belo quanto o céu. Até onde sua visão alcançava não havia sinal de vida de qualquer tipo, somente um mar de terra seca e rachada, de onde nem a poeira brotava. Não só a visão o perturbava, mas também o cheiro que pairava no ar, trazido por um vento seco e frágil. Um cheiro que ele conhecia bem. O cheiro de sangue.

Cerrou os olhos na direção do vento e notou a chegada de uma figura que se deslocava em alta velocidade ao seu encontro. Ato reflexo, buscou Esther em sua cintura, para só então entender que não havia o menor sinal dela.

Não parando para pensar nisso, colocou-se em postura de batalha, os cabelos já mudando de cor e uma lâmina de gelo em cada mão. Ficou surpreso, no entanto, ao ver que a figura parou abruptamente quando estava a pouco mais de quinze metros de distancia dele, dando-lhe a oportunidade de fitá-la. Era uma mulher, talvez com a mesma idade dele, possuía longos cabelos negros que lhe caiam sobre o corpo nu como um manto, tapando-lhe os órgãos sexuais. O corpo era belo, sem nenhuma imperfeição e possuía uma pele mais pálida que a dele, tão pálida que teve a impressão de se tratar de um fantasma. Mudou de idéia ao ver seus olhos, pois embora fossem de uma estranha cor vermelha, eram cheios de vida.

"O QUE é você?" ICE vociferou sem baixar a guarda. Algo nela o perturbava, mas não saberia descrever o que.

Não houve resposta. Após alguns instantes, ICE pode ouvir um estrondo vindo da direção oposta da estranha. Em seguida o estrondo se tornou tremor, e ele viu, ainda distante, uma imensa infantaria, tão numerosa que cobria todo o horizonte como uma nuvem de gafanhotos. Conforme avançavam – e avançavam tão rápido quanto a jovem -, cornetas de batalha soaram e rastros luminosos rasgaram o céu, aterrisando próximos a ele com o impacto de estrelas cadentes, abrindo grandes fendas no chão.

O instinto de sobrevivência gritou dentro de ICE à medida que ele se voltava para sua companhia. Nova surpresa teve ao ver que em suas mãos estava Esther, a lâmina intacta, tão perfeitamente afiada que o céu poderia ser rasgado com ela.

"Me dê a espada." ICE disse, um dos disparos de luz aterrisando perigosamente próximo a eles.

A portadora de Esther abriu a boca, mas ICE não conseguia ouvir o som de sua voz. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ela empunhou Esther na direção do solo e com um movimento cravou-a na terra. Imediatamente, uma erupção de luz brotou do âmago da terra, rumando para os confins do universo. Logo após desta veio outra, e outra, e outra... a menor delas grande o bastante para engolir toda a Narche. ICE ainda pôde ouvir os clamores de desespero do exercito ao ser engolido por uma das erupções antes dele próprio se ver incinerado pela maior delas.