Capítulo4- Sob as névoas da guerra
- Santos hipogrifos! O que vamos fazer? O que vamos fazer?
-Pare com isso Tiago, eu já estou uma pilha de nervos aqui sem os seus chiliques!
-Oh, mas ela vai me matar!
-Vai matar, matar, matar!- concordava Pedro entre guinchos.
-Parem, ela vai ouvir!
-Está chegando cada vez mais perto! Ohh...vou morrer, estou morrendo...estou morto!
-Sirius, controla ele!
E Sirius controlou, metendo-lhe uma panelada tão forte que Tiago acabou caindo desacordado no chão. Rabicho começou a protestar, mas o rapaz estava decidido a se safar daquela:
-Remo, faz o Rabicho fechar a matraca enquanto eu arrasto o Tiago pra dentro da despensa!
-O que?
-Vem comigo, depressa!
Sirius enroscou as mãos nos braços de um agora inerte Pontas, que acabara desabando sem forças, enquanto Remo tapou a boca de Rabicho, que também não parava de choramingar angustiado. O grupo se arrastou até o armário de panos, baldes, panelas, tigelas, potes e de outras bugigangas domésticas, trancando-se no interior e se encolhendo desconfortavelmente.
Passos de início descontraídos, depois cada vez mais lentos, soavam do lado de fora. Uma luz se acendeu, seguida por um espasmo de horror. Uma varinha despencou no chão, provavelmente deslizando dos dedos inertes da incrivelmente estupefata senhora Potter.
-Mmmmfff!-protestava Pedro, ainda impedido de falar pela mão firme de Remo em sua boca.
-Quieto!-chiou Sirius, chutando a canela do gordinho.
-M-mas não consigo respirar!
Os rapazes mal se enxergavam naquela penumbra; visualizavam apenas silhuetas de objetos e de si mesmos graças à faixa de luz que se projetava da abertura das portas do armário, que continuava levemente encostado.
-Ohhh...-Tiago mostrava sinais de consciência, o que chamou a atenção de Sirius: antes que ele se soerguesse massageando a cabeça, ajeitando os óculos no nariz e piscando os olhos embaçados, o canino levou a mão aos lábios:
-Shhhh!
-Estou cego!-balbuciou Tiago, agora com as pálpebras arregaladas- Eu acordei e ainda estou no escuro! Estou cego! Sou um infeliz!-ele tateou desesperadamente à sua volta em busca do braço de Sirius, que lhe murmurou um pouco impaciente:
-Você não está cego, cabeçudo! Nós é que estamos no escuro!
-E por quê?
-Porque sua mãe está...
- MINHA COZINHA!- um urro monstruoso ecoou do ambiente iluminado do lado de fora, o que fez os marotos se sobressaltarem dentro do armário - AQUELES MISERÁVEIS!
Judy Potter parecia ter despertado de um transe, pois apesar do timbre dantesco sua reação havia demorado a sair. A mulher começou a marchar de um canto para o outro, analisando o tamanho do estrago, mastigando seu ódio, aspirando vingança.
-Vou matá-los... todos eles; matá-los! Irei enforcar um, afogar outro, queimar e esquartejar os restantes... Vou virar aquele meu filho pelo avesso!
Ela ia arquitetando friamente suas punições, andando desnorteada mesmo sabendo que um simples movimento de sua varinha colocaria tudo em ordem num piscar de olhos. Mas eles deviam ser punidos, deviam pagar pelo menos uma vez por aquela afronta, aquele vandalismo, aquela desobediência!
-TIAGO POTTER!- trovejou, enchendo os pulmões mais alguns milímetros.- APAREÇA NESSE EXATO MOMENTO, SEU DIABINHO ENCARNADO!
-Nem fudendo!- murmurou o rapaz, sentando-se sobre um saco de farinha. Ele podia sentir a respiração quente de Sirius ao seu lado, a compassada de Remo à sua frente e a engasgada, afobada e descontrolada de Rabicho, que estava entre os braços de Lupin.
-SIRIUS!-continuava a mãe adotiva do rapaz, mirando cada ponto de sua cozinha com olhos que cintilavam ferozmente por detrás dos óculos de aros retangulares- SAIA DE ONDE ESTIVER E TRAGA O CRETINO DO MEU FILHO COM VOCÊ! DIGA A ELE QUE SE NÃO APARECER AGORA EU VOU ESCREVER UMA CARTA PRAQUELA LILY EVANS CONTANDO TUDO SOBRE O URSINHO TED!
Tiago trocou um olhar de pânico com Sirius ao ouvir a cruel ameaça:
-Ela não faria isso!
Ted, mais comumente chamado de Ursinho Ted, era um bichinho de pelúcia mais surrado do que o tempo. Tiago ganhara o brinquedo fofo e peludo aos quatro anos de idade de sua avó paterna, e rapidamente se afeiçoou ao bonequinho. Mesmo adolescente, mesmo orgulhoso e esnobe, Tiago não abrira mão do ursinho. Sorrateiramente, todas as noites, ele o puxava para fora do malão e adormecia com o bicho nos braços fortes, sorrindo ligeiramente. Uma tia de Tiago, comovida com aquela apegação, tricotou para o pelúcia uma mini camiseta com o time de Quadribol preferido do rapaz: o Pudlemere United, o que só fez aumentar aquela estranha afeição que o maroto mantinha com o inconveniente brinquedo.
-Estou falando sério!- a mãe de Tiago soou quase maligna agora, pois apesar de não ver o filho podia e conseguia sentir a angústia que pairava no ar da cozinha, emanando do peito de Tiago.-Vou pegar o Ted agora mesmo, mocinho!
-Calma Pontas!-Sirius prendeu o braço de Tiago, que se mexia desconfortavelmente- Ela está blefando!
Mas a mulher, com um aceno de varinha, trouxe Ted do quarto dos rapazes até as suas mãos, fazendo Tiago conter um rosnado e Remo um sorriso:
- Ele é meu prisioneiro agora!- anunciou ela, puxando a costura de um dos bracinhos fofos do ursinho- Vou desmembrá-lo aqui mesmo! Dou-lhe uma...- ela apertou entre as unhas longas o bicho de pelúcia, que parecia suplicar que o salvassem pelo olhar daqueles olhinhos pretos de bolinha de gude- Dou-lhe duas...- Judy começou a insinuar um puxão no bracinho de Ted.- Dou-lhe três!
-NÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO!
Para total revolta dos amigos, Tiago irrompeu do armário tomado de um descontrolado pânico: em questão de segundos agarrou o refém e o acalentou de modo paternal no avental, usado como um cobertorzinho de bebê. Sua mãe fitou-o triunfantemente:
-Te peguei!- e laçou-o antes que ele pudesse escapar, friccionando sua orelha entre os dedos que antes ameaçavam Ted- Mobiliarmos! –ela apontou com a outra mão.
Antes que Sirius pudesse sair correndo, a mágica que emanou da varinha da senhora Potter o trouxe para perto de modo forçado: ele tentou resistir, mas o feitiço aplicava uma força invencível sobre ele.
Pedro foi tomado por horror. Livrou-se de Remo com uma mordida em sua mão, transfigurou-se em Rabicho num piscar de olhos e saiu desabalado pelo chão da cozinha, zunindo na direção da porta e tendo de passar por debaixo das pernas da mulher em seu caminho:
-Ohh!- aquele momento de horror custou caro para Judy: mal ela soltou a orelha de Tiago e a varinha que enfeitiçava Sirius (para que pudesse levar as mãos à boca) e os rapazes se viram livres para se unir a Pedro naquela fuga.
Remo abandonou o armário extasiado: fitava uma bruxa que urrava "RATO! RATO!", um Rabicho que arranhava a porta fechada da cozinha, um Sirius que na correria acabou escorregando nas batatas e um Tiago que terminou tropeçando sobre ele.
-Mate-o, Lupin!- Judy agarrou sua vassoura de corrida para lançá-la nas mãos de Remo, como alguém que entrega uma espingarda a um caçador.-Acerte ele! Oh, esses moleques emporcalharam tanto a minha cozinha que já tenho até ratos!RATOS!AHHHHHHHHHHHH!
Não muito longe dali, na sala de estar mais luxuosa e confortável dentre todas as casas da vizinhança, o fogo se atiçava na lareira. Suas chamas lambiam o mármore escuro e as paredes empestadas por fuligem, de onde surgiu Henry Potter. O homem livrou-se de seu meio de transporte o mais rápido que pôde, praguejando para si mesmo, limpando os cabelos negros de todo aquele carvão indesejado, pousando sua maleta de trabalho, quando alguns sons inusitados ecoaram da cozinha:
Crashhh!
Squiiick!
Ahhhh!
Plof!
CABLAM!
O bruxo sacou a varinha do bolso imediatamente: "Ladrões!" quando um segundo pensamento (desta vez mais preocupado) emergiu em sua mente:
-Essa não! Os meninos!
O senhor Potter percorreu seu caminho em passos largos, tentando alcançar a cozinha com a mesma pressa que teria se tivesse esquecido o gás aceso: estancou na porta, estupefato.
Na cozinha, que estava um caos dos infernos, sua mulher gritava histericamente para que os adolescentes dessem conta de um rato cinza e gordo, que arfava em meio a uma carreira angustiada. Mais algumas louças foram sacrificadas naquela desordem, tornando o ambiente- se possível- ainda mais forrado por cacos e destruição...um vendaval não teria feito maior estrago.
Sirius voou para agarrar Rabicho antes que a vassoura de sua quase mãe o acertasse com um golpe fatal; a mulher acabou rodopiando e esmurrando o estômago do próprio marido, que mal entrara e já se punha de joelhos no chão, bufando. Remo correu para socorrer o homem, enquanto Tiago resgatava Pedro das mãos de Sirius (pois lá ele se debatia, guinchava feito um porquinho, arranhava e mordia) para enfiá-lo no bolso:
-Matamos o rato, mãe. -mentiu o rapaz em tom apaziguador. -Está contente?
Os Potter se entreolharam (um apoiado em Remo, a outra aproando os óculos que escorregavam no nariz). Fez-se silêncio por alguns segundos.
-Contente?- por fim repetiu a mulher. Sua voz soava desafiadora além de desdenhosa, acompanhada por um sinistro tom suave. -Contente!- aquela palavra foi quase cuspida.
Henry levou as mãos para massagear as têmporas, que latejavam. Remo se afastou dos adultos receoso, indo unir-se aos amigos, que não ousavam se encarar.
-Saiam.-a voz de Judy soprou sem aviso, ameaçadora.
-Mas nós estamos famintos!-protestou Tiago, tentando receber o apoio de Sirius com um olhar perturbado.
-Saiam. -ela repetiu mais intensamente, ainda sem erguer os olhos flamejantes para os causadores da destruição.
-Mas...
-AGORA!
Remo fez um movimento para sair empurrando Tiago na direção da porta, quando surpreendentemente, inexplicavelmente, a fúria da Senhora Potter abandonou todos os traços de seu rosto, que se descontraiu num sorriso amável quando ela passou os olhos pelos três novamente, como se os encarasse pela primeira vez:
-Voltem!
Os três se entreolharam; o rato dentro do bolso de Tiago coçou as imensas orelhas para se assegurar de que ouvira direito.
-Voltem...venham,queridos! - Judy agora, por mais incoerente que fosse, gesticulava suas mãos delicadas em busca de um abraço vindo de sua prole. Os marotos se entreolharam alarmados:
-É doida. -sussurrou Sirius. - Doida varrida, completamente insana...está delirando.
-Vamos correr!-sugeriu Remo.
-Cada um por si!-acrescentou Tiago.
Mas mal os garotos terminaram de arquitetar uma fuga indiscreta e desenfreada,e a bruxa e seu marido já começavam a abandonar de vez todo o mal-humor, stress e raiva inicial causados pela demolição da cozinha. Fitando-os minuciosamente, o casal Potter não pôde conter risadinhas que logo se tornaram gargalhadas:
-Posso saber qual é a graça?- Tiago virou-se para os pais visivelmente embaraçado, cruzando os braços em tom desafiador, enquanto Remo os observava passado, como alguém que observa fugitivos de um hospício:
-Oh, garotos!-ofegou a mulher, pousando a mão no peito arfante- Vocês estão tão bonitinhos com esses aventais! Eu só reparei agora!
Tiago, Sirius e Remo trocaram olhares pálidos: o primeiro começou desesperadamente a se desembaraçar dos cordões de seu avental; o segundo assumiu um semblante horrorizado e continuou assim, estático, o último corou até a alma.
Os adultos tentavam conter o espanto, sem sucesso:
-Garotos!- Judy Potter agora encarava a situação muito mais como algo agradavelmente divertido do que como uma catástrofe sem precedentes. -Eu devia era estar pendurando vocês no teto pelas orelhas, mas...-e ela parou para observar os rapazes em seus trajes afeminados, completamente desconcertados (Sirius entrando em pânico já que não conseguia livrar-se do avental, diferente de Tiago, que já lançava o seu pelos ares).- mas vocês estão tão engraçadinhos!
-Engraçadinhos!-ofegou o senhor Potter, meio vermelho - Está louca?O que diabos estava fazendo, filho? Quer que eu o mande pra um colégio interno pra ser educado como homem?
-Pai, nós já estamos num colégio interno.-resmungou Tiago, se possível ainda mais vexado com a situação.-Foi o Remo que me obrigou a usar essa porcaria!
-Cala a boca!-Lupin tremia enquanto lançava um olhar fulminante para Pontas, sem vontade alguma de assumir as rédeas da situação. O casal Potter trocou um segundo olhar ainda mais descontraído:
- Tudo bem querido, não estou mais nervosa. Deveria estar, mas não estou. - Judy estava impressionada com a capacidade que tinha de ser volátil daquela maneira: um segundo atrás a cólera encarnara em suas veias, e no segundo seguinte a zombaria e deleite pareciam relaxar sua alma ...e tudo graças à visão cômica dos aventais! - Eu não consigo ficar brava com vocês, seus palhaços!
-Eu consigo sentir vergonha. - retalhou o pai de Tiago, ocupando-se em não olhar o trio, mas sim em procurar sua varinha a fim de resgatar sua estimada cozinha com um feitiço. -Agora, alguém vá chamar o Pedro, que deve ter fugido com o acesso da Judy, para que possamos comer!- neste momento o ratinho dentro do bolso de Tiago esperneou-se tanto que o rapaz teve que enfiar uma mão lá dentro para contê-lo.
Mas a alegria extrema não dominava apenas Pedro: subitamente, as feições de todos os marotos se iluminaram:
-Vamos comer!
-Comer o que?- empolgou-se Sirius, quase empurrando Remo para o outro lado da casa ao passar por ele. Judy Potter, lançando então um rápido olhar para além da janela aberta da cozinha, por onde tamborilava e escorria água, sorriu:
-Bolinhos de chuva!
N/A: E fim! Ai gente,fala a verdade, bolinho de chuva é a melhor coisa do mundo,né? Nham...bem, falando da fic: a parte comédia acabou,na verdade, no capítulo três. Este aí foi só uma finalização pra não deixar a história sem pé nem cabeça,já que muitas pessoas acharam ela divertida. Obrigada por terem lido e até a próxima!
N/A complementar: Lembrem-se que o Tiago é muito mimado pelos pais, e por isso eu duvido que ele tenha sido castigado alguma vez por ter aprontado. Hum, talvez seja também por isso que ele e Sirius viraram os mestres das detenções em Hogwarts, né?
