Capítulo dois – Anos atrás
Naquela manhã Remo acordou com uma enorme dor de cabeça. Levantou-se e se assustou, todos já estavam devidamente uniformizados, até Sirius que era o mais preguiçoso de todos.
Remo era sempre o primeiro a acordar, feito isso chamava seus companheiros, primeiramente Sirius, que era o último a sair da cama.
- Vocês que acordaram cedo, ou eu dormi demais? – perguntou, saindo das cobertas e sentindo um frio imenso por todo seu corpo. Ninguém respondeu e achou estranho. – Alguma coisa de errado?
- Bem... Eu acho... – começou Pedro, parecendo bastante nervoso - Vejo vocês mais tarde.
- Nada disso – impediu Sirius – Está com medo de quê?
De repente, iniciou-se uma tremenda discussão e Lupin não entendia nada.
- BASTA! – vociferou Lupin – O que vocês têm a me dizer?
Tiago e Sirius se entreolharam.
- Acho melhor você se sentar, Remo – pediu Sirius, com uma voz estranha.
- Estou bem assim, o que está acontecendo? Pedro, se você quiser ir. Vá – disse Lupin, um pouco nervoso.
Em um piscar de olhos, Pedro já estava fora do dormitório da Grifinória, pertencente ao sétimo ano. Encarou os outros dois novamente, estavam bastante tensos.
- Remo... Você se lembra da noite de ontem? – perguntou Tiago.
Ele fez força, mas em sua memória estava apenas registrado o momento que saíra para os jardins de Hogwarts, acompanhado de Madame Pomfrey. Mesmo quando lobo, ele mantia sua memória. Olhou para Sirius, que agora estava sentado em uma poltrona se chocalhando de ansiedade. Tiago ainda estava em pé, talvez até mais ansioso que Sirius.
- Não... Não consigo me lembrar.
- Está ficando bom em poções, Pontas – disse Sirius.
- Ontem, aconteceu um acidente – começou Tiago – Nós descuidamos por alguns segundos de você e...
Lupin soava frio, sentiu as pernas ligeiramente bambas, um medo intenso percorreu por todo o seu corpo.
- Lembra, de tarde estava mal humorado? E acho que isso afetou um pouco, quando você se transformou, estava um tanto inquieto.
- Ataquei alguém do povoado? – perguntou Lupin, temendo a resposta.
- Não – respondeu Tiago. Remo sentiu uma ponta de alívio e sorriu.
- Vocês me assustaram! – disse um pouco feliz.
- Aluado, não sabemos se você chegou a morder, não havia sangue em sua boca – disse Sirius.
- Como? Nós íamos para as colinas e... – começou Remo, sentindo o nervoso tomar conta de seu corpo novamente.
- Não, Remo. Foi uma garota da escola. Elas apareceram de repente, a culpa foi nossa. Descuidamos, e quando vimos você já estava... – falou Sirius, engasgando e olhando desesperadamente para Lupin.
- Calma, calma! – interrompeu Remo, muito assustado – Duas garotas da escola?
- Espere, sente-se e nós... – começou Tiago, encarando-o penosamente.
- Não me olhe assim, Tiago! Quem foi? Quem foi?
- Foi a Melane... – respondeu Tiago, aproximando-se do amigo.
O nome da garota ecoou longamente em sua cabeça, sentou-se em sua cama. Olhou para Tiago e Sirius, que agora estavam próximos. Olhava e via a boca de ambos se mexerem, não escutava nada. Seus rostos eram vultos, suas mãos suavam, e sua cabeça latejava ainda mais.
Atacara Melane, a mulher que amava com todas as forças, com seu amor reprimido e comprimido em seu peito. "Remo? Remo?!" perguntava Tiago, chacoalhando-o. "Não havia sangue, não havia sangue, Remo!" dizia Sirius continuamente. Ele se livrou das mãos de Tiago, que chacoalhavam seus ombros e dirigiu-se ao banheiro, trancando a porta.
A informação ainda não havia sido processada corretamente em sua mente. Escorregou pela porta, sentando no chão frio do banheiro. Longe, ouvia Sirius esmurrando a porta e Tiago pedindo calma. Mas estava tão longe, perdido em seus pensamentos desesperados. Mais uma vez sentiu nojo de si mesmo, de sua pele, do lobo que dormia dentro de si.
Depois de alguns minutos, encontrava-se em um silêncio mortal. Não soube se sua mente havia ficado longe o bastante para não ouvir as investidas de Sirius na porta do banheiro ou se ele havia desistido. Levantou-se, quase sem forças, e entrou debaixo da água quente, de roupa e meias.
Talvez sentiu-se menos desprezível com a água escorrendo por seu corpo, menos sujo... mais humano.
Tentou chorar, mas não conseguiu. Tentou gritar, mas nada saiu de sua boca. A única coisa que conseguia ouvir era a voz de Tiago ecoando dolorosamente em sua cabeça, "Foi a Melane...".
Arrancou suas roupas, começou a se lavar. Esfregava-se tanto, tentando se livrar da sua suposta sujeira. Seus braços já estavam vermelhos, assim como seu rosto e pernas.
Estava desesperado, queria morrer. Preferia a morte a ter mordido Melane. Estava morrendo aos poucos. Sabia muito bem o que estava por vir. Mordera Melane, traíra a confiança de Dumbledore e havia induzido seus amigos a se tornarem animagos ilegais, tudo de uma vez só. Fechou o registro de água rapidamente, saiu molhado do banheiro, abriu a porta que dava para o dormitório, que estava vazio. Secou-se e se vestiu rapidamente, apanhou seus livros e sua varinha e desceu para o Salão Comunal. Já estava tudo perdido mesmo, teria que ver como estava Melane, era a única coisa que se importava.
Descendo a escada de caracol, encontrou apenas seus amigos no Salão Comunal, sentados nas poltronas próximas à lareira. Já deveria ter começado as aulas, estava atrasado, naturalmente.
Caminhava silenciosamente para o buraco na parede, quando ouviu a voz de Tiago.
- Remo! Remo! Onde está indo? Temos que conversar, você não ouviu tudo ainda!
Ele virou-se, sentiu-se mais nervoso. Existia o "ainda". O que mais penoso estava por vir? Sirius correu até ele e segurou seu braço.
- Estamos no horário. – informou Sirius, olhando-o fixamente e segurando seu braço.
- Tenho que vê-la.
- Isso parece estranho, mas ainda não temos muito com que se preocupar. Veja... – disse Sirius, tirando do bolso um pedaço de malha azul. - Esta é a malha de Melane, não há sangue nela. Também não havia em sua boca.
- Já ouviu falar em saliva, Sirius?
- Você é inteligente o suficiente para saber que uma mordida arranca bastante sangue, não é a saliva que vai limpar a sua boca toda. Ainda não vimos Melane e nem Lílian...
- Isso não significa nada, sabe disso – retrucou Lupin.
- Isso significa tudo! – retrucou Sirius.
- Vamos descer, comer alguma coisa – disse Tiago aproximando-se, acompanhado de Pedro, que segurava o material dos três.
- Não estou com fome, Pontas – respondeu Lupin, um pouco mais calmo.
- Vamos comer alguma coisa, – repetiu Tiago, empurrando Lupin para fora do Salão Comunal – e depois passar na enfermaria e pedir um remédio para o seu estômago, aposto que está doendo. Aproveitamos e especulamos a Madame Pomfrey se alguém estava ferido, com algum corte, mordida ou seja lá o que for. Tudo bem?
- Tudo... – respondeu Lupin. Era impressionante como Tiago o deixava mais calmo. Seu estômago doía, só agora que percebera, mas a dor de cabeça e consciência doíam muito mais.
Havia poucos alunos no Salão Principal, e Lupin olhava de tempos em tempos para a porta do salão. Aparentemente estava tudo normal, mas a inquietação de ver Melane não passava. Mexia seu suco desanimadamente, quando ouviu a voz familiar de Lílian.
- É impressão minha, ou aconteceu alguma coisa? – perguntou Lílian, sentando-se ao lado de Tiago.
Tiago, Sirius e Pedro resmungaram alguma coisa. Foi então que alguém se sentou ao seu lado, era Melane.
- O que estão tramando desta vez? – perguntou sorrindo – É alguma peça contra Snape? Se for, eu...
- Existe alguma possibilidade de ursos pinheiro-do-campo aqui por perto? – interrompeu Melane.
Todos estremeceram, inclusive Lílian, que até agora estava disfarçando bem o que havia acontecido na noite passada.
- Por que a pergunta? – interrogou Sirius, rapidamente.
- Curiosidade– respondeu Melane.
- Você disse "pinheiro-do-campo"? – perguntou Tiago pasmo.
- Já ouviu falar?
- Não! Não mesmo... – respondeu Tiago, bastante convincente.
- Vai, vamos mudar de assunto – falou Rabicho, surpreendente – Semana que vem temos o baile! Última semana de aulas!
Iniciou-se uma longa conversa, apenas Melane e Lupin estavam perdidos em seus pensamentos.
- Está mais quieto que o normal, hein? – brincou Melane.
- Você também está bastante quieta– ele respondeu.
Foi quando Melane apanhou uma maçã e Remo viu sua mão enfaixada. Realmente a havia mordido.
- O que fez em sua mão? – perguntou desesperado.
- Ah, isso... Me cortei ontem.
- Ontem você não estava com isso na mão.
- De noite, eu me machuquei...
- Onde? – perguntou mais desesperado.
- Ei, foi só um corte! – disse um pouco nervosa.
- Deixa eu vê-lo?
- Anh? – resmungou surpresa.
- Melane, Remo é bom em feitiços. Talvez ele pode lançar algo em sua mão – disse Tiago.
- No que Lupin não é bom? – perguntou sarcasticamente, estendendo a mão para ele.
Melane e Lupin sempre tinham briguinhas, ele sempre estudioso, e ela sempre alienada e não se dedicando aos estudos como deveria. Tiago costumava a dizer que era a versão feminina de Sirius, só que um pouco mais pentelha. Mandona, sarcástica, sorridente e engraçada, assim era Melane Walker. Seus cabelos eram compridos, levemente ondulados e castanho escuro a um palmo e meio abaixo do ombro. Sobrancelhas finas, olhos achocolatados, um nariz engraçado e lábios vermelhos. Não era a garota mais bela de Hogwarts, mas Lupin já a amava fazia três anos.
Ninguém sabia de nada, mas Tiago tinha uma leve desconfiança sobre seus sentimentos por Melane. Todos achavam, inclusive ele, que Sirius e Melane ficariam juntos, por se parecerem bastante e serem os recordistas em detenções.
Analisou a mão da garota, fina e gelada. Tirou a bandagem com cuidado, temendo o que estaria por vir. Era um enorme corte, estava visivelmente inflamado. Não parecia uma mordida, mas aquilo não o animou. De repente, ela puxou a mão. Ele a olhou, estava assustada.
- Tem... Tem certeza que isso é um machucado? – gaguejou Lupin, sentindo o coração pulsar desesperado.
- Tetetetenho – brincou Melane – O que foi? Acha que isso é uma mordida?
- Eu acho que...
- Se eu te conheço, deve estar achando que um lobisomem me mordeu ontem! – disse brincalhona – Não é mesmo, Lílian?
- É, também acho – concordou a ruiva, com um sorriso nervoso.
"Eu a mordi", concluiu Remo tristemente, que sentiu seu estômago se revirar. "De uma forma estranha, mas eu a mordi".
- Vamos, – disse Sirius levantando-se - temos que falar com a velha Pomfrey.
- Quem está doente? – perguntou Lílian.
- Oh, ninguém. Remo está com uma dor de estômago – explicou Sirius.
- Humf! Estudar demais faz isso... É prejudicial à saúde, vivo dizendo isso para este garoto, mas parece que não escuta. Já ouviu falar em uma loção para limpar os ouvidos? Faz bem de vez enquanto...
- Você nunca cresce mesmo, hein? – retrucou Lupin, levantando-se.
- Por que não vai junto, Mel. Daí você aproveita e vê este seu corte – disse Lílian, ainda sentada.
- Não! Não tem o que ver aqui, é apenas um corte idiota. Mas podem ficar aí, garotos, eu acompanho o Lupin. Vem... – disse a morena, levantando-se e puxando-o pelas vestes – Vamos logo, senão não entramos na primeira aula.
Como sempre, ela não parava de falar um minuto sequer, e ele não estava muito preocupado em ouvi-la, não hoje e nem naquelas circunstâncias.
Não era mais a sua vida que estava em jogo, ele não era o único jogador. O que Dumbledore iria falar? Os pais de Melane, os pais de seus amigos? Todos iriam ficar sabendo. E, principalmente, o que Melane faria?
Subitamente ele parou de andar, precisava lhe contar o seu segredo.
- Que há com você hoje? Você já é estranho, hoje esta fora do comum.
- Preciso que me diga a verdade, Melane.
- Verdade sobre o quê? – perguntou, franzindo o cenho.
- Sobre o seu ferimento.
- Putz, ainda está pensando nisso?
- É importante. Será que pelo menos uma vez na vida você não pode começar a levar as coisas a sério?
Ela bufou alto e cruzou os braços.
- Às vezes você parece meu pai, Remo! Você só tem dezessete anos, já parou para pensar nisso?
- Melane! – reprimiu Lupin.
- Talvez seja melhor você ir à enfermaria sozinho – disse rispidamente, saindo correndo de sua vista.
Ele chegou em cima da hora para aula de D.C.A.T, sentou-se ao lado de Sirius.
- E aí? Madame Pomfrey examinou o ferimento? – perguntou Sirius, com uma voz ansiosa.
- Não, ela foi embora e me deixou falando sozinho. – respondeu Lupin. – Isso não interessa agora. Depois desta aula, vou falar com Dumbledore. Ele precisa saber.
- Não! – disse Sirius em alto tom de voz.
- O que está acontecendo, senhor Black? – perguntou professor Giblas. – Algum problema com os senhores?
- Não está acontecendo nada, professor – respondeu Lupin.
Giblas resmungou alguma coisa e continuou a sua aula.
- Conversamos depois – sussurrou Sirius – Não vá fazer besteiras.
