Retratação (que coisa chata): Ai, quem me dera fossem todos meus... são do Seu Masami, viu! Nem ganho dinheiro com isso.
Algum dia...
Estava quase tudo pronto para a partida. O pequeno, curioso como ele só, não deu descanso para o Mestre durante toda a semana, fazendo dezenas de perguntas, as quais o mais velho nunca deixava sem resposta. Achava um absurdo a forma como certos Mestres conduziam o treinamento dos seus discípulos, emburrecendo-os, tolhindo-lhes a curiosidade quase científica que toda criança tem com respostas esdrúxulas para qualquer questionamento que não se referisse à armaduras, golpes e cosmo, a maioria deles sequer era capaz de discorrer, miseravelmente que fosse, sobre astronomia ou mitologia.
Era realmente uma vergonha para todos os cavaleiros o nível intelectual de certas figuras, mas, mais vergonhoso ainda, era que esses tivessem a mais importante incumbência que, na opinião dele, um cavaleiro poderia ter, a de treinar um garoto. Sim, por que, para proteger o perímetro do Santuário eles até que serviam, claro que liderados por alguém mais... digamos, capaz. Agora coloca-los para definir o perfil das futuras gerações de cavaleiros era, no mínimo, assinar um atestado de ignorância, e ignorância escrita em letras garrafais, grifada com caneta luminosa.
Mas, bem, se não podia mudar a realidade do Santuário, podia impedir que o seu aluno, pelo menos, não fosse apenas mais uma vaquinha de presépio naquele rebanho. Por isso continuava aquela luta solitária, e por isso se despencaria de volta para o Santuário aquela tarde, por isso submeteria os seus ouvido à todas as tolices que já estava acostumado à ouvir durante aquela reunião, que levava o imponente nome de Conselho Semestral de Cavaleiros Tutores, mas que não passava de uma reunião de comadres, onde nada de muito importante era discutido.
Porém, apesar de todo o contra-gosto gerado pelo Conselho, a visita ao Santuário também tinha algo de positivo. Depois de tanto tempo distante do mundo, era bom ver que as coisas havia se alterado pouco na rotina dos demais, que realmente não estava perdendo muito por estar fora. Além disso, reencontraria Miro...
Geralmente ia sozinho, mas, dessa vez, resolvera levar o pequeno Hyoga para conhecer o Templo Sagrado de Athena na Terra, mais uma vez no intuito de saciar a curiosidade dele, talvez mostrar-lhe uma meia dúzia de relíquias, ou cópias perfeitas de relíquias, e como era o dia-a-dia daquele lugar. Havia também o observatório astronômico do Santuário que, em outros tempos, servia quase como um oráculo nas mãos de grandes conhecedores das ciências dos céus mas que, atualmente, não passava de play-ground para os Cavaleiros. Revolta, revolta...
Ainda anotava mentalmente tudo o que pretendia mostrar para o pequeno quando ele mesmo lhe chamou atenção, com seus expressivos olhos azuis.
– Mestre Camus, estou pronto.
O jovem Mestre observou-o entrando pela sala da modesta construção em que viviam, carregando uma mochila quase maior do que ele. O pequeno mal conseguia se equilibrar, tamanho era o peso.
– Tem certeza que pode se virar com isso? – perguntou apontando para a mochila. Sabia que o menino responderia que sim, apesar da pequena idade era um garoto orgulhoso e teimoso.
– Claro que posso!
Camus acenou que sim com a cabeça e passou a mão na grande urna que comportava a sua armadura dourada. Claro que Hyoga não sabia que ela era dourada, a deixava muito bem escondida quando em casa e, para transporta-la até o Santuário, havia costurado uma capa de lona que a cobria. Mais uma medida que ele considerava de muitíssimo bom-senso, mas com que pouquíssimos Mestres se preocupavam. Afinal, o Mestre não deve conquistar o respeito e obediência do pupilo pelo medo ou por qualquer admiração ufanística por uma armadura de brilho dourado, não, o poder do Mestre não pode, e não deve, ser conseguido assim. Hyoga somente viria a saber que ele era um Cavaleiro de Ouro quando fosse capaz de entender que isso não mudava nada, que era o Cavaleiro que dava "poder" à armadura e não o contrário.
– Vamos, então.
E seguiu, à passos largos, até o cais de atracação que se situava há cerca de 2 km da casa, aparentando não se importar com a dificuldade que o garoto estava tendo em carregar a pesada mochila sobre a superfície congelada, mas sempre olhando discretamente, por cima do ombro, se estava tudo bem com o pequeno.
Quando chegou, ainda faltava a Hyoga uns 200 m, que o garoto completou em alguns minutos, aproximando-se esbaforido do Mestre. Em pouco tempo estavam entrando na barca. Procuraram assentos próximos à janela e sentaram-se em silêncio. O pequeno estava envolto por uma aura de tristeza, certamente estava se lembrando da última vez que estivera em uma barca como aquela.
Era muito pequeno quando o acidente que lhe roubou a vida da mãe aconteceu, mas jamais conseguiria esquecer daquele dia. Camus percebeu que o garoto estava imerso em memórias desagradáveis, a bem da verdade até já esperava por essa reação, e agradeceu por o remédio contra enjôo também causar sono.
– Eu já volto – e foi se equilibrando em direção ao bebedouro que ficava mais à popa. Retornou com um copo de água, pingando algumas gotas do remédio e entregando na mão do garoto – Beba – e antes que Hyoga pudesse lhe perguntar qualquer coisa – É para você não passar mal durante a viagem.
Imediatamente ele virou tudo goela abaixo, fazendo uma careta ao sentir o sabor amargo do remédio, mas o rostinho voltou a apresentar a expressão de tristeza tão logo o gosto ruim lhe sumiu da boca. Isso preocupava o Mestre, sabia que aquele trauma seria uma das fraquezas, para não dizer a maior fraqueza, do seu jovem discípulo e ele não sabia o que fazer para neutraliza-la, não sabia como ajudar o garoto a superar tal problema. Isso o fazia sentir-se impotente, como poucas vezes se sentia.
Ajeitou-se na cadeira procurando uma posição menos desconfortável. A travessia de barca não era longa, 2 horas de duração se tudo corresse bem, e estariam desembarcando na cidade onde tomariam o avião para a Grécia. Porém os bancos de madeira escura eram um desafio para qualquer um que desejasse não terminar a breve viagem sentindo o corpo tão dolorido como se tivesse levado uma surra. Ouviu o estridente apito e logo a embarcação estava se movendo sobre aquelas águas geladas.
Nem dez minutos se passaram e Hyoga já apresentava os efeitos do remédio, os olhos azuis já estavam estreitos e a cabeça toda hora tombava para frente.
– Deite aqui – Camus disse tocando de leve no ombro do menino.
Ele imediatamente obedeceu, encostando a cabeça sobre a perna direita do Mestre e pegando definitivamente no sono logo em seguida. Camus gostaria de poder fazer o mesmo, fechar os olhos e somente abri-los novamente na Grécia, mas havia duas coisas de muito valor sob a sua responsabilidade, uma delas era a sua armadura de ouro e a outra era o garoto dormindo no seu colo.
Principalmente depois do acidente que tragou o jovem Isaak para o fundo do mar, Camus passou a se preocupar bastante com Hyoga, muitas vezes, inclusive, precisava se controlar para não super-protegê-lo. Sentia-se, de alguma forma, culpado pela tragédia.
– É lindo ver dois irmãos assim tão apegados... – disse uma garota de vastos fios negros que havia se sentado na poltrona contígua à de Hyoga, enquanto buscava o olhar de Camus. Ele apenas lhe sorriu timidamente em resposta.
A garota, sentindo que ainda não conseguira estabelecer um diálogo com o "irmão mais velho", fez uma nova tentativa.
– É a criança mais linda que já vi – disse, passando os dedos delgados pelos fios dourados do pequeno.
Camus encarou-a por um segundo, dessa vez sem nem um sorriso de canto de boca sequer, não estava a fim de conversar. Logo em seguida girou o pescoço para o seu lado esquerdo, fixando a atenção em algum ponto além da janela e encerrando definitivamente qualquer possibilidade de aproximação da garota de cabelos negros.
Depois disso, apenas o silêncio, a travessia se deu tranqüila, sem imprevistos. Assim que a barca encostou no cais ele acordou Hyoga que, ainda sob efeito do remédio, parecia mais um sonâmbulo do que um aspirante a cavaleiro. Camus foi praticamente arrastando-o pela mão enquanto carregava, além da urna da sua armadura nas costas, a mochila do pequeno na frente.
Almoçaram no aeroporto e nem precisaram esperar muito para embarcarem no avião. Hyoga já tinha voltado ao seu estado normal e, completamente excitado por aquele ambiente novo, já voltava a sua rotina de perguntas. A segunda etapa da viagem seria bem mais demorada mas igualmente mais confortável e ambos mantiveram-se acordados o tempo todo. Camus aproveitou a animação do garoto para lhe ensinar mais algumas palavras em grego, que ele aprendia com facilidade. Sabia que o Mestre o repreenderia por ainda não te-lo alfabetizado na língua oficial do Santuário mas, paciência, certamente o Mestre também não fazia nem idéia de como era dura a rotina de treinamento em uma localidade tão erma quanto àquela em que estavam treinando. Paciência.
Assim que desceram do avião sentiram a absurda diferença de temperatura e ambos retiraram os casacos antes de tomarem o táxi que os levou diretamente para o Santuário.
– São feitas de gelo? – Hyoga perguntou enquanto tocava na superfície alva e fria de uma pilastra, olhando meio abobalhado.
– Não, são feitas de um material chamado mármore e foram construídas há alguns milhares de anos atrás.
Os dois estavam aos pés da escadaria que, passando pelas 12 Casas, terminava na sala do Mestre. Já haviam adentrado as terras do Santuário há algum tempo mas aquele lugar somente tomava ares de sagrado das 12 Casas em diante, onde tudo era muito suntuoso e cheio de luxo, um luxo clássico e um pouco antiquado para os padrões modernos, mas ainda assim, luxo. Talvez por que tenha passado boa parte da sua vida ali mas, para Camus aquilo não chamava tanta atenção, considerava aquela ostentação até um pouco desmedida, polarizando com a quase miséria das vilas de Cavaleiros e Amazonas que havia no entorno.
– Essa é a primeira das 12 Casas Zodiacais. Vamos subir até lá – disse apontando para o 13o Templo, onde ficava a sala do Mestre.
– E os Cavaleiros de Ouro vão nos deixar passar?
– Aham, esqueceu que eu também sou um Cavaleiro de... que eu também sou um Cavaleiro, Hyoga? Você pretende atacar o Mestre ou Athena? – perguntou franzindo a sobrancelha, emprestando veracidade ao questionamento.
Ele apenas sacudiu a cabeça negativamente.
– Então passaremos sem problemas.
Era uma mentirinha inofensiva, se ele não fosse um Cavaleiro de Ouro jamais passariam tão tranqüilamente pelas 12 Casas, certamente encontrariam algum Cavaleiros de Ouro fazendo a guarda e teriam grande dificuldade em convencê-lo a deixar que passassem.
Mas nada disso aconteceu quando passaram por Câncer. Camus sentiu o cosmo de Máscara da Morte e ele, certamente, também sentira o seu. Mas nem se dignou a aparecer para dar um oi. Melhor assim, o clima da casa de Câncer já era o suficiente para causar uma má impressão.
O caminho até Aquário foi completamente deserto. Camus ficou muito feliz ao colocar os pés na 11a Casa, sentia-se seguro ali dentro, aquele era o seu território. Colocou-se a observar cada detalhe da construção, esquecendo, por alguns instantes, de vigiar os movimentos de Hyoga. Quando lembrou-se dele olhou em volta em busca da criança loira mas não o encontrou. Sentiu o coração apertar na hora.
– Hyoga... – falou em um tom de voz um pouco mais alto que o habitual e começou a percorrer os salões em sua procura. O encontrou no aposento onde havia uma imensa estátua de Hebe, estava parado em frente à estátua.
– Quem é ela?
Camus se aproximou, parando ao lado do pequeno.
– É Hebe, era ela que, com o auxílio de uma ânfora, servia os Deuses no Olimpo.
O pequeno ouvia atento.
– Mas não foi para ela, e sim para Ganimedes, um mortal que a substituiu, que Zeus colocou a constelação de Aquário no firmamento.
– Zeus e Ganimedes eram amigos?
Pergunta embaraçosa, Camus pensou, na verdade, eles eram um pouco mais do que isso.
– Pode-se dizer que sim...
Não estava mentindo, ele bem sabia que amizade e amor com frequência se confundiam.
E continuaram subindo, em direção à Sala do Grande Mestre. Assim que saíram de Peixes viram se aproximando um homem que vestia armadura dourada, acompanhado de dois garotos que aparentavam serem alguns anos mais velhos que Hyoga. Assim que o reconheceu, Camus bufou, talvez pressentindo que o Cavaleiro de Virgem iniciaria uma das suas lições, cheias de julgamentos e críticas. Nunca se deram bem.
– Olá Aquário – disse parando há menos de 1 metro de distância.
– Boa tarde, Virgem.
– Vejo que desentocou o seu discípulo.
Hyoga não compreendia nada do que os dois falavam, já que se dirigiam em grego. Mas estava impressionado pela armadura dourada daquele Cavaleiro.
– Ele é bem jovenzinho ainda. O outro era mais velho, certo? – perguntou com uma seriedade que incomodava e, sem permitir que Camus ensaiasse uma resposta, talvez por que soubesse que ele não se dignaria a responder uma provocação daquelas, continuou – É uma pena o que aconteceu, ele morreu afogado, não foi? Uma fatalidade, poderia ter acontecido com qualquer um...
– Qualquer um que não fique em eterna contemplação, Virgem – contra-atacou com o mesmo tom neutro de voz.
Fez um manejo com a cabeça como se quisesse dizer "talvez", mal contendo um meio sorriso que começara a se desenhar nos lábios finos. Voltou sua atenção para o garoto, abaixando-se em frente à ele. Só então o pequeno percebeu que aquele Cavaleiro mantinha os olhos fechados, ficou ainda mais impressionado.
– Como você se chama, garoto?
– Hyoga – Camus respondeu puxando-o um pouco para trás.
– Por que não deixa o garoto responder, Aquário? Por acaso ele é mudo?
– Ele ainda não entende bem o grego.
Shaka se levantou balançando a cabeça negativamente, desaprovando o não-conhecimento do garoto pela língua oficial do Santuário.
– Eu não lhe devo nenhuma explicação, Virgem. Não me venha com suas críticas.
– Me admira você, sempre tão certinho...
– Não fale do que não sabe, você sequer faz idéia das condições em que treinamos.
– Você tem razão, não me deve nenhuma explicação, mas sim ao Mestre, sei que ele compreenderá os seus motivos... – disse irônico.
– Com licença – e saiu arrastando Hyoga pela mão.
Já estava há cerca de 5 metros de distância de Shaka quando o virginiano voltou a se dirigir à ele, aumentando o volume da voz, para vencer a distância e se fazer ouvir.
– Por que esconde a sua armadura, Aquário? Por acaso tem vergonha dela?
Desistiu de tentar conter sua hostilidade e permitiu que o cosmo se expandisse livremente, assustando até o pequeno que levava pela mão, olhou por cima do ombro e, em seguida se virou, ficando novamente de frente para o alvo de toda a sua fúria, encarando-o firmemente.
O ar começou a ficar assustadoramente frio, os dois alunos de Shaka já haviam dado vários passos para trás e o Cavaleiro de Virgem também já começara a elevar seu cosmo. Mas Camus nunca fora um sujeito de se deixar perder o controle tão facilmente, logo a temperatura voltou ao normal, demonstrando que ele desistira da loucura que seria enfrentar Shaka.
Camus não disse nada, apenas virou-se novamente e voltou a subir as escadas. Chegou na ante-sala do Mestre, deparando-se com um par de guardas que impediam a entrada de qualquer um.
– Volte mais tarde, Cavaleiro, o Mestre não pode recebe-lo agora – disse um deles em tom impessoal. Camus pensou que se ele soubesse que se tratava de um Cavaleiro de Ouro, o teria tratado de forma diferente. Jamais se valeria de sua posição para esse tipo de favorecimento, mas muitos discordavam dele – E venha de armadura, faz parte das regras.
Camus nem tentou argumentar. Óbvio que regras são regras, e devem ser cumpridas, mas certas regras são tão inúteis... verdadeiramente desnecessárias.
Girou sobre os calcanhares e começou a fazer o caminho de volta, rezando para que não encontrasse com Shaka novamente. Aquela discussão o havia consumido de tal forma que nem notou que o pequeno emudecera desde então. Somente quando pararam em frente à Casa de Escorpião foi que ele dedicou alguma atenção ao garoto, permitindo que ele voltasse ao estado falante de sempre.
– Aquele era um Cavaleiro de Ouro?
– Sim, era o Cavaleiro de Virgem – suspirou, queria esquecer o incidente – vamos entrar.
– Mas essa é a Casa de Escorpião...
– Ficaremos hospedados aqui, o Cavaleiro guardião dessa Casa é meu amigo.
– Assim como Zeus e Ganimedes?
Mais uma vez o pequeno o deixara, sem saber, constrangido, demorou alguns segundos na elaboração da resposta e quando ia solta-la, uma voz muito familiar precipitou-se, respondendo também em russo.
– Exatamente garoto! – e Miro se aproximou, subindo os últimos degraus entre Libra e Escorpião, lançando um olhar que não conseguia disfarçar felicidade para Camus.
Camus, apesar de saber que o garoto não entendia o que significava uma "amizade" nos moldes de Zeus e Ganimedes, corou violentamente.
– Podemos entrar? – agora perguntou em grego, com medo que Miro respondesse em russo algo que não convinha deixar cair no ouvidos de Hyoga.
– Claro, meu... amigo.
Juro por Deus que essa fic vai ter apenas 2 capítulos! Logo o próximo é o último.
Sempre tive vontade de escrever sobre eles, mas jamais teria tido coragem se não tivesse visto uma fanart belíssima, sensibilíssima, que conseguiu sintetizar perfeitamente tudo o que eu pensava sobre a relação mestre/discípulo entre Camyu e Hyoguinha. Quem quiser essa fanart, pode pedir que mando por e-mail.
Agradecimentos mais que especiais à Nana Pizani, que foi quem me mandou essa fanart e quem aturou as minhas primeiras divagações sobre ela, e à Mme. Verlaine, que foi quem mandou essa fanart para a Nana e que me fez rir de MuShaka durante uma madrugada inteira.
Agradeço, desde j�, a quem leu e aproveito para lembrar que mandar review não dói! E faz uma ficwriter feliz!
Bjinhos!
Lola Carilla Spixii
