Prova de Amor

CAPITULO 2

Os dias passaram sem que Shun tivesse nenhuma notícia sobre Hyoga. Seiya já tinha voltado de viagem e passava bastante tempo na mansão, Shun gostava muito da companhia do amigo que era sempre animado e divertido. Ikki também passava mais tempo com o irmão do que o usual, ele costumava sumir por meses, mas agora dia sim dia não ele aparecia para uma visita.

Os dias se transformaram em semanas. Shun estava em seu quarto sentado na cama olhando para algo em suas mãos. Era o rosário de Hyoga, ele nem tinha tido chance de devolvê-lo. Lágrimas silenciosas caiam na cruz dourada.

- Já faz quase um mês... – pensou – Um mês sem você aparecer, sem dar notícias pra ninguém... Eu estava certo então? Quando pensei que você não me amava?

Naquele momento alguém bate na porta, Shun limpa os olhos com as costas da mão direita e pendura a cruz em seu pescoço escondendo-a por dentro da blusa. Olha-se no espelho que tinha perto do armário, seu rosto e boca estavam vermelhos, estava óbvio que estivera chorando, mas não dava para disfarçar. As batidas na porta continuavam e ele podia ouvir a voz do irmão vindo do corredor.

- Shun, posso entrar?

- Pode.

- Acabamos de receber uma ligação do santuário. – Ikki já estava dentro do quarto, mas continuou de pé próximo à porta.

- Aconteceu alguma coisa? –Shun perguntou preocupado.

- Não, não aconteceu nada. É a Saori, ela vai voltar pra cá depois de amanhã.

- Ah, que bom. Já faz tempo que não a vemos.

- Sim, ela pediu para nos reunirmos aqui. Seiya está falando com Shiryu no telefone, acho que ele vai vir e os outros cavaleiros de bronze que estão no Santuário também vão estar aqui.

- Sim, eles devem estar com saudades do Japão... – Shun não olhava diretamente para o irmão e mantinha o rosto baixo para que ele não percebesse que estivera chorando.

- Bem, só está faltando falar com Hyoga.

- Ele vem? – o garoto levantou o rosto ansioso pela resposta.

- Não sei. Ninguém consegue falar com ele.

Shun suspirou, pensou que finalmente iria revê-lo, mas parecia que Hyoga não queria mesmo contato com mais ninguém. Ikki continuou:

- Acho que vão mandar alguém até lá para cham�-lo... Bem, eu vou dar uma volta, mais tarde eu apareço.

- Certo...

Shun fechou a porta e se deitou na cama com as duas mãos debaixo do travesseiro. Queria que Hyoga pudesse estar l�, mas ao mesmo tempo não sabia o que faria, manteria distância ou fingiria que estava tudo bem para que os outros não desconfiassem?

- Provavelmente ele nem vai vir...

-""-

Finalmente o dia chegou, estava nublado como todos os outros durante todo aquele mês. Shun acordou cedo, tomou banho e sentou-se sozinho na mesa do café. Olhou para o relógio de ponteiros na parede à sua frente, eram quase 10 da manhã. Há essa hora Saori e os outros deveriam estar pegando o avião na Grécia.

- Eles só devem chegar à tarde... – pensava sem prestar atenção nos empregados que começavam a retirar a mesa - Melhor... Assim tenho tempo de chamar o Seiya e procurar meu irmão. Não quero ter que ficar sozinho com eles ouvindo aquelas conversinhas idiotas de sempre. – Realmente ele não estava o menor espírito para receber os colegas.

Passadas algumas horas Ikki apareceu na mansão, Shun estava numa das salas do primeiro andar assistindo televisão quando o irmão senta no sofá ao seu lado.

- Ainda não chegaram? – Ikki passou os dois braços pelas costas do sofá e cruzou as pernas.

- Não... – Shun suspirou.

Ikki estava começando a ficar preocupado com o desanimo do irmão. Geralmente Shun ficava muito feliz quando Ikki estava na casa, mas ultimamente ele parecia não ligar pra nada, ficava sozinho, quase sempre em seu quarto. Shun sempre foi um menino quieto, mas sempre estava participando das conversas, rindo... Pensando agora, Ikki percebeu que não via o irmão rir de verdade há muito tempo.

- Shun, o que aconteceu?

- Como assim? – o garoto não demonstrou emoção na pergunta.

- Você anda desanimado e não adianta falar que é impressão minha!

- Não foi nada... – Shun sabia que não poderia contar a verdade.

- Esse nada tem nome? – Ikki continuava na mesma posição e olhava para Shun com o olhar sério.

- Como? – surpreendeu-se Shun.

Sentiu o rosto corar rapidamente e o coração disparar, será que Ikki desconfiava de algo? Será que sabia o que acontecia entre ele e Hyoga?

- Eu apenas pensei que você poderia estar triste por causa de alguém. Do jeito que você sempre se preocupa com os outros, é bem capaz de ser isso.

- Ah não... Ninguém está com problemas...

- Você está.

-... Prefiro não falar sobre isso...

- Shun... Eu sei que quase nunca estou presente e que não gosto muito dessas conversas sentimentais... E eu também sei que sou a última pessoa que poderia dar bons conselhos para animar você, mas se você quiser me contar qualquer coisa fique sabendo que pode.

Shun sorriu ao ouvir as palavras do irmão, finalmente sentiu que poderia desabafar, mas algo dentro dele dizia que Ikki não iria gostar nem um pouco de ouvir que ele e Hyoga estavam tendo um caso. Preferiu não dizer nada.

- Obrigado, eu sei que posso contar com você sempre. Não se preocupe... Daqui a pouco você vai ver que vou estar melhor... Deve ser só uma fase...

- Sim, você está numa idade horrível... Sabe... Hormônios... Eles são um problema... Pode ser por isso que você está assim, aposto que daqui a uns meses você vai mudar de voz e vai ficar mais alto, mais forte... E não quero nem pensar na chuva de garotas que vai cair em cima de você!

Shun sorriu com o comentário, não ligava para garotas agora e não iria ligar nunca. Olhou para o irmão e pensou pela primeira vez em como Ikki reagiria se soubesse que era gay... Com certeza não aprovaria.

Finalmente os dois ouvem vozes vindo da sala principal. Saori e os cavaleiros haviam chegado. Ikki suspira e se levanta indo em direção à sala, pára na porta e olha para o irmão caçula que continuava sentado no sofá.

- Não vai vir?

- Não tenho outra escolha mesmo...

- Anda, vai que você se anima. É bom ter bastante gente aqui pra variar. E também... Você não vai me deixar sozinho com eles vai?

- Não... – Shun sorriu com a cara de Ikki de quem não iria agüentar – Vamos.

Depois de cumprimentar a todos Saori se retira dizendo que estava cansada da viagem e que há muito tempo não dormia numa cama decente. Os outros cavaleiros também foram descansar cada um em seu respectivo quarto deixando novamente os irmãos sozinhos.

- Bem, até que não foi difícil... Tomara que durmam o dia todo!

- Ah Ikki, não exagere!

- Bem, mudando de assunto... Vamos almoçar?

-""-

Já era fim de tarde quando Seiya apareceu e os outros cavaleiros começaram a acordar. Nacchi e Jabu estavam na sala conversando com Seiya, Shun e Ikki. Contavam como a vida no Santuário era diferente, eles treinavam bastante, pois não tinham participado de tantos combates quanto Seiya, Shiryu, Hyoga, Shun e Ikki. Os cinco principais cavaleiros de bronze de Atena nem precisavam mais de treinos, já tinham ultrapassado até a força dos cavaleiros de ouro, por isso Saori deixou-os continuar morando fora do Santuário, achava que os cinco precisavam de descanso e precisavam ficar longe de lutas por um tempo.

- É bom vocês irem aproveitando a moleza enquanto podem. – Dizia Jabu – A senhorita me disse outro dia que durante as batalhas muitos dos cavaleiros de prata também foram mortos e são eles quem treinam os candidatos as armaduras na maioria das vezes. Eu acho que daqui a pouco ela vai é acabar chamando a gente pra treinar os pirralhos!

- Sério? – Seiya se surpreendeu.

- Mas você pode ficar tranqüilo. Ela não iria chamar uma criança pra treinar outra. – Ikki disse com um sorriso no canto da boca.

Os quatro riram menos Shun que estava prestando mais atenção na marca de copo molhado em cima da mesa do que na conversa. Saori não ia gostar nada daquilo. Sua atenção só voltou para os amigos quando ouviu Nacchi perguntando sobre Hyoga e Shiryu. Seiya foi quem respondeu:

- Shiryu deve chegar mais tarde. Eu liguei pra ele e ele confirmou que viria. O Hyoga eu não sei se conseguiram falar com ele... Sabe alguma coisa Shun?

- Não... – Shun balançou a cabeça negativamente e voltou a olhar para a mesa na sua frente.

- Deve estar querendo privacidade... Provavelmente conheceu alguma garota e não quer que a gente atrapalhe o clima... – Jabu tentava brincar com a situação.

- Pode até ser... Quando eu fui lá pra Sibéria ajud�-lo com o problema do mestre dele eu vi algumas gatinhas por lá... – Seiya continuava a brincadeira.

- Vocês não pensam em outra coisa não? – Shun interrompe levantando-se com pressa do sofá para então subir até seu quarto.

- O que deu nele? – Seiya olhava sem entender para a escadaria que Shun acabara de subir.

Trancou-se no quarto batendo a porta com mais força do que pretendia e se jogou na cama afundando o rosto no travesseiro. Sabia que Seiya e Jabu não tinham dito nada de mais, mas por mais que não quisesse sentia uma pontada de ciúmes. Hyoga já estava sozinho na Sibéria há um mês e nada o impedia de ficar com outras pessoas, afinal não estavam mais juntos. Mas Shun não parava de pensar nas últimas palavras do loiro antes de partir... Iria provar que o amava... Mas até agora nada tinha acontecido, era mais provável que Hyoga tivesse desistido e decidido morar de vez na Sibéria. Esse pensamento apenas fez com que Shun ficasse ainda mais triste, não sendo nem capaz de controlar o choro forte que tentava abafar no travesseiro.

Quase uma hora depois Ikki estava novamente batendo na porta do irmão:

- Shun, é bom você ir se arrumando. Daqui a pouco vão servir o jantar.

- Eu não vou jantar. – Shun não escondia a voz de choro, até por que não conseguiria se quisesse.

- É claro que você vai! Saori quer todos lá embaixo! Você ta chorando de novo?

-...

- Lava esse rosto e se veste pra jantar. Já está quase todo mundo aqui!

Shun esperou um pouco até ter certeza de que Ikki não estava mais no corredor, correu até o banheiro e lavou o rosto tentando disfarçar a vermelhidão que o choro causara. Minutos depois desce, vestiu um jeans azul escuro e uma blusa de manga comprida vinho que mostrava as curvas de seu corpo magro, mas bem desenhado. Avistou o irmão sentado no sofá com um copo de bebida na mão. Ao seu lado estavam Nacchi e Jabu. No sofá do lado Ichi, Saori, Seiya e Shiryu que havia chegado enquanto Shun estava no quarto. E de pé conversando próximos à janela Geki e Ban. Shun foi até onde Ikki estava e sentou-se ao seu lado olhando para os amigos na sala.

- Ikki...

- Fala. – Fênix se virou para o irmão.

- O Shiryu chegou agora?

- Não, já tem uma meia hora.

- Então por que você disse que já tinha chegado quase todo mundo se já estão todos aqui?

- Ah, enquanto você estava lá em cima a Saori disse que tinha conseguido falar com o Hyoga ontem. Ele já deve estar chegando.

Shun sentiu que o coração tinha dado um pulo até sua garganta. Hyoga chegaria a qualquer instante! Não sabia o que fazer, nem o que pensar. Por um momento até sua capacidade de raciocinar parecia ter desaparecido!

- Calma Shun – pensava consigo mesmo – É apenas um jantar e estão todos aqui, nada vai acontecer então se acalme!

Enquanto pensava ouviu o som da campainha tocando. Se ajeitou no sof�, o coração ainda batendo insistentemente. Queria sair dali, não podia encarar Hyoga, sabia que outra das suas crises de choro iria começar ali na frente de todo mundo... Tinha que sair dali de qualquer jeito! Estava quase se levantando quando Ikki encostou em seu braço para chamar sua atenção.

- Segura meu copo, por favor, que eu tenho que ir ao banheiro?

- Por que você não deixa na mesa? – Shun olhava apreensivo do copo para o mordomo que abria a porta.

- Ta louco? Saori me mata se descobrir que fui eu quem manchou a mesa dela hoje cedo! Segura ai que eu já volto.

Ikki empurrou o copo nas mãos de Shun e se levantou rápido indo em direção ao banheiro daquele andar. Shun não tinha outra escolha a não ser ficar ali, baixou o rosto para não olhar para o loiro que tinha acabado de entrar na sala e agora cumprimentava os que estavam mais perto com um aceno de cabeça e um sorriso sem graça. Shun acabou não resistindo e olhou para Hyoga discretamente, o loiro usava calça jeans preta e uma blusa de botões da mesma cor com as mangas dobradas mostrando os pulsos, os dois primeiros botões abertos deixando um pouco de seu tórax a mostra. Os cabelos loiros caindo por seu rosto e ombros. Estava lindo, até mais lindo do que antes, se isso era possível. Sem pensar o garoto acaba bebendo todo o líquido que estava no copo que segurava tentando afastar os pensamentos que teve ao ver Hyoga. O loiro senta no sofá que estava vazio, bem na frente de Shun, parecia estranhar que o garoto estivesse bebendo álcool, pois sempre dizia que era contra e que só fazia mal a saúde.

Shun não ousava olhar para ele e muito menos dizer alguma coisa, mas não precisou se preocupar, pois Seiya nem esperou o russo chegar direito e já foi perguntando por onde ele andava. Sua pergunta foi apoiada pelos outros que também queriam saber por que Hyoga havia se distanciado.

- Problemas pessoais – Hyoga pegava um copo de vinho que lhe era oferecido pelo mordomo.

- Eu disse que era uma garota. – Seiya continuou.

- Garota? Não, não é isso... Não é nada de importante.

- Nada de importante... – Shun pensava - Ficou sem dar noticias por um mês por algo que não era importante então eu sou menos ainda!

Soltou o copo na mesa sem se importar de Saori ia ou não reclamar e rapidamente olhou para Hyoga percebendo que o loiro também o olhava. Baixou o rosto na mesma hora, cruzou os braços e as pernas lutando contra a vontade de olhar novamente para aqueles olhos azuis com os quais sonhava quase todas as noites.

Saori se levantou ao ver Ikki voltando:

- Bem, já que estamos todos aqui, o que acham de irmos jantar?

- Ótima idéia! –Seiya respondeu levantando do sofá – Estou morrendo de fome!

Shun esperou todos irem na frente, sabia como alguns dos amigos eram quando estavam juntos, provavelmente iam brigar por lugares e roubar os pratos um do outro antes de começarem a comer. Esperou que Hyoga fosse com eles, mas o loiro continuava sentado no sofá na sua frente, o olhar fixo em Shun como se pedindo para que ele ficasse. Aquilo começou a incomodar o garoto que não teve outra escolha a não ser se levantar e seguir o grupo em direção à sala de jantar deixando bem claro que não queria ter nenhum tipo de conversa naquele momento.

A sala de jantar era simples, uma grande mesa de 12 lugares ocupava seu centro, o resto da decoração eram coleções de objetos antigos em prateleiras e alguns quadros pendurados nas paredes. Saori, como era de costume, sentou-se na cadeira principal e os outros se dividiram nas cadeiras restantes. Shun foi o último a entrar, tirando Hyoga que ainda estava na outra sala. Ikki estava sentado na última cadeira da ponta, Shun sentou ao seu lado e olhou ao redor. Eram exatamente 11 pessoas, apenas uma cadeira sobraria e as únicas que estavam desocupadas era uma do seu lado esquerdo e a outra que ficava na extremidade oposta a cadeira de Saori onde nenhum cavaleiro costumava sentar, na verdade nem haviam colocado um prato naquele lugar. Só havia um lugar onde Hyoga poderia sentar e era exatamente de seu lado. Não queria ficar naquela situação desconfortável e o desconforto só aumentou quando viu o russo entrando e olhando para o único lugar vazio na mesa.

- Ikki, pode trocar de lugar comigo? – Hyoga estava agora dando a volta para chegar à cadeira.

- Por quê?

- Nada, só queria ficar na ponta... Por favor?

Ikki não entendeu o pedido do irmão, mas não custava nada trocar de lugar, se levantou esperando Shun passar para a cadeira do lado e sentou-se no mesmo instante em que Hyoga puxava a outra para sentar.

Para surpresa de Shun o jantar correu sem confusões, apenas conversas e as já usuais piadinhas amigáveis entre os cavaleiros. Os únicos que não participavam muito eram justamente ele, Hyoga e Ikki, mas esse último já era mais do que normal não participar.

Shun foi o primeiro a se levantar, sabia que estava sendo um pouco antipático durante todo o dia, mas ele só pensava em sair dali o mais rápido possível e ficar sozinho. Foi para uma das salas que estavam vazias, fechou a porta e sem acender as luzes se aproximou da grande janela aberta sentindo o vento frio bater em seu corpo. As nuvens acinzentadas no céu continuavam l�, mas agora estavam menores e já se via um pouco das estrelas brilhando. Deitou no pequeno sofá de dois lugares com os joelhos um pouco dobrados. Finalmente silêncio, ali poderia ficar sozinho por um tempo, pelo menos até o irmão encontr�-lo. Uma brisa mais forte entra pela sala, aquele vento gelado fez seu corpo se encolher na tentativa de se manter aquecido, fechou os olhos recostando a cabeça nas costas do sofá deixando a luz da lua que aparecia por detrás de uma grossa nuvem iluminar seu rosto triste.

Hyoga não saia de sua cabeça, imagens antigas de momentos felizes em que estavam juntos... Queria voltar no tempo, voltar para aqueles momentos que pareciam tão distantes agora. Acabou cochilando ali mesmo na escuridão daquela sala sem se importar em voltar para a companhia dos outros.

Shun não percebeu quando Hyoga abriu a porta daquela sala e entrou sem fazer barulho. O vento vindo da janela fazia seus cabelos loiros esvoaçarem, ele a fecha e senta na poltrona ao lado do sofá onde Shun estava deitado, precisava falar com ele, mas até agora não tinham tido chance de ficar a sós. Aquela talvez fosse a única chance daquela noite e ele não podia esperar até o dia seguinte, mas não tinha coragem de acord�-lo. Estava extremamente belo com a luz do luar em seu rosto adormecido, Hyoga considerava Shun um verdadeiro anjo, não só por sua aparência angelical, mas também por seu interior. Não existia um ser mais puro e bom no mundo, mesmo tendo se entregado a Hyoga diversas vezes isso não tirava a pureza do coração do garoto.

-O amor é o sentimento mais puro que existe... – pensava enquanto o admirava.

Hyoga estava perdido em pensamentos. Ajoelhou no chão na frente do sofá e tocou de leve o rosto de Shun com os dedos. Aquele toque tão simples fez o garoto despertar, soltou um leve gemido de quem não queria ser acordado e permaneceu com os olhos fechados e o rosto voltado para as costas do sofá. Hyoga sorriu com a reação de Shun, ele devia estar muito cansado para não ter reconhecido o cosmo gelado que seu corpo emanava.

- Shun... Acorde... Sou eu. – Hyoga falava quase num sussurro.

Shun reconheceu a voz na hora e abriu os olhos assustado encarando o russo que estava debruçado próximo de seu corpo. A expressão assustada muda de repente para uma séria, Shun senta no sofá passando as mãos pelo rosto para espantar o cansaço.

- Por que está aqui?

- Precisamos conversar. – Hyoga ainda mantinha a voz baixa e sentou-se ao lado de Shun.

- Se não percebeu eu vim pra cá exatamente pra evitar conversas. Com qualquer um!

- Tudo bem, você não precisa falar comigo, eu só preciso que você me ouça.

- E se eu não quiser? – Shun mantinha o olhar fixo na lua lá fora.

- Por favor... Eu sei que você deve estar me odiando agora...

- Ódio é uma palavra muito forte não acha? – Shun interrompe.

- Então, vai me ouvir?

- Fale logo. – Shun soltou o corpo deixando-se cair no encosto do sofá.

O loiro tinha muitas coisas para dizer e não sabia por onde começar. Tinha pensado em várias formas de explicar sua ausência, mas achava que nenhuma era boa o suficiente. Precisava contar tudo para que Shun pudesse pensar em perdo�-lo.

- Primeiro eu quero te explicar o motivo pelo qual eu sempre voltava para a Sibéria...

- Isso eu já sei – Shun interrompe novamente.

- Eu sei que sabe, mas eu quero te dizer com minhas palavras o que me levava a voltar sempre.

Shun ficou em silêncio levando Hyoga a acreditar que podia continuar.

- Eu perdi minha mãe com cinco anos e fui mandado pra cá para conhecer meu pai, mas isso não chegou a acontecer. Fui recebido no aeroporto por pessoas que eu nunca tinha visto na vida e que me levaram direto para uma delegacia de menores sem me dar explicações. Eu não falava japonês e por isso eles tiveram que procurar um interprete para me dizer que meu pai estava no hospital em estado grave e que não teria condições de cuidar de mim, pois logo estaria morto. No dia seguinte eu fui mandado para o orfanato e você sabe muito bem como foi ruim pra mim no início, já que eu não falava a mesma língua que vocês. Você foi um dos poucos que me aceitou como amigo e que me ajudava sempre nas aulas de japonês lembra?

- Eu também estava aprendendo, não tinha por que não ajudar. – Shun tentava não se comover com as lembranças de anos atrás.

- Bem, um ano depois eu já falava japonês fluente e já éramos todos amigos, pelo menos a maioria. Pela primeira vez eu senti o que parecia ser felicidade, eu tinha casa, comida, amigos, pessoas que cuidavam de mim... Éramos crianças normais até que Mitsumassa Kido apareceu convocando garotos da nossa idade para um treinamento intenso em sua mansão. Lembra o que ele disse? Nós éramos apenas órfãos e se não pensássemos no futuro um dia iam acabar nos atirando na rua, sozinhos e sem dinheiro. Eu não vejo uma maneira melhor se assustar crianças de 5, 6 anos. Ele sabia que nós não iríamos recusar o convite dele, mas eu aceitei por um motivo pessoal. Viemos morar aqui durante um ano e então nos separamos novamente.

- Eu não vejo como me contar toda essa história vai adiantar em alguma coisa. Pretende chegar a algum lugar com isso? – Pela primeira vez Shun olhou Hyoga nos olhos.

- Você me disse uma vez que eu não conversava com você, que não te dizia o que sentia. Então agora eu estou dizendo, quero te contar tudo. Mas se você não quiser ouvir...

- Continue... – a voz de Shun saiu baixa e ele voltou a olhar para o céu cada vez mais estrelado.

- Você nunca esteve na parte da Sibéria onde eu fui treinado então não pode saber. É um lugar lindo se você estiver visitando, mas um lugar frio e sem graça para os poucos que tem coragem de morar lá. Era bom pra treinar pelo menos, ninguém perturbava e nós tínhamos um campo enorme para nossos treinamentos...

- Nós? – Shun parecia intrigado.

- Sim, eu e Isaac. Eu já te falei dele não?

- Não entrou em detalhes, só me disse que ele era um conhecido seu. E mesmo assim duvido que tivesse me contado se eu não tivesse perguntado quem tinha ferido seu olho...

- É bem provável que não, mas como já disse, agora quero te contar tudo. Isaac já treinava quando eu cheguei a Sibéria e nós nos tornamos muito amigos, afinal era difícil fazer amizade com as outras crianças, todos nos achavam estranhos. No final do ano passado eu contei a ele e a meu mestre o motivo que me fez querer me tornar cavaleiro.

- O motivo?

- Sim – Hyoga continuou depois de uma curta pausa - Quando minha mãe morreu os homens que me resgataram do navio me ouviram dizer enquanto chorava que eu iria resgat�-la daquelas águas congeladas. Eles me disseram que aquilo era impossível e apenas um cavaleiro seria capaz de quebrar aquela camada de gelo e chegar até aquela profundidade. Eu nunca tinha ouvido falar em cavaleiros e perguntei quem eram aqueles homens tão poderosos de quem eles falavam. Mas eles apenas riram me dizendo que era uma lenda boba que tinham ouvido de turistas. Quando Mitsumassa Kido nos contou que ele pretendia encontrar jovens para se tornarem cavaleiros eu não pensei duas vezes e aceitei.

- Eu não sabia disso...

- Bem, você é o primeiro a saber de todos os detalhes.

- Então... Você conseguiu o que queria. Conseguiu quebrar o gelo não foi? – Shun parecia um pouco curioso.

- Sim, consegui. Desci até ela que continuava tão linda quanto da última vez que a vi naquele navio. Mas então uma corrente forte que passava não deixou que eu voltasse à superfície e se não fosse por Isaac eu teria morrido. Ele se sacrificou por mim e foi levado pelo mar em meu lugar. E então eu estava outra vez sozinho naquela terra que congelaria até o coração mais quente, a única coisa que me dava um pouco de alegria era saber que poderia descer até minha mãe quando quisesse... Não me importei quando meu mestre me disse que eu tinha ganhado a armadura de Cisne, eu a deixei lá na grande geleira exatamente onde estava, nem pensava em us�-la. Foi então que recebi uma carta do Japão, o remetente era a Fundação Gallar, você deve ter recebido a mesma carta. – Shun concordou com a cabeça – Eu pensei bastante antes de aceitar o convite para participar do torneio, acho que só acabei aceitando por causa do tédio. Lá eu nunca teria como testar o que eu tinha aprendido durante seis anos e também eu poderia rever a todos. Quando cheguei aqui aconteceu tudo aquilo, seu irmão e depois o santuário. Nem tivemos tempo de descansar e já tínhamos entrado em batalha novamente em Asgard e contra Poseidon e Hades... Tudo isso em menos de três meses! Não dá nem pra acreditar que foi tão rápido! E nesse pouco tempo em que eu fiquei aqui eu sabia que estava me apegando muito a você, primeiro achava que você era só um amigo, mas então mais coisas foram acontecendo e eu descobri que pensava em você de uma maneira muito diferente, não sabia se era amor, só sabia que era mais que amizade. Tentei te falar muitas vezes, me sentia encorajado quando eu percebia que você estava me olhando ou sorrindo pra mim, ficava me perguntando se você também se sentia como eu... Mas eu não sabia como demonstrar, por muitas vezes eu me distanciei de você exatamente por não saber o que fazer com os meus sentimentos. Nós dois somos homens e eu tenho que admitir que nunca fui atraído por nenhum homem, mas com você era diferente. Ainda é. Sempre que estou com você eu me sinto bem, feliz como não me sentia em muito tempo. E quando finalmente eu tive coragem de me declarar e te tive em meus braços foi como se o mundo todo tivesse mudado de repente. Tudo parecia mais claro, mais bonito, você fez meu coração voltar a bater uma vez e desde então ele só bate por você...

- Hyoga... – Shun tentava esconder as lágrimas que caíam pela emoção de estar ouvindo aquelas palavras. – Por que está fazendo isso?

- Só quero que você entenda – Hyoga pegou uma mão de Shun e a colocou entre as suas – Eu nunca tinha amado antes, minha vida inteira eu nunca pensei que pudesse ser capaz de amar alguém. Nem o amor que eu sinto por minha mãe é tão forte quanto o que eu sinto por você e isso me assustou! Eu não podia simplesmente deixar de am�-la, abandonar a única pessoa que me fez feliz quando eu achava que não tinha ninguém! Por isso eu voltava! Voltava para não me esquecer dela!

- Eu nunca quis que você a esquecesse... – Shun agora não controlava mais o choro.

- Eu sei disso. – Hyoga leva uma mão até o rosto de Shun fazendo seus olhares se encontrarem – Senti sua falta...

- Por que não voltou antes então? Por que ficou um mês inteiro sem dar notícias? Você não tem idéia do que eu passei! Queria te odiar por ter me abandonado! – Shun se distancia de Hyoga, as lágrimas encharcando seu rosto agora vermelho.

- Eu não te abandonei... Eu estou aqui não estou?

- Só está aqui por que Saori te chamou! – Shun se levanta tentando secar os olhos em vão. Sua voz saia engasgada com o choro.

Hyoga ia se levantar quando a porta da sala é aberta com força por Ikki, atrás dele todos os outros cavaleiros tentavam espiar o que acontecia do lado de dentro.

- O que está acontecendo aqui? Por que está chorando Shun? – Ikki acendeu a luz e se aproximou do irmão, olhou para Hyoga como se estivesse pronto a pular em seu pescoço – O que você fez?

Hyoga não sabia o que responder. Os dois nem tinham percebido que estavam falando um pouco mais alto do que deveriam e o choro de Shun só deve ter chamado ainda mais atenção para a sala que pensavam estar vazia. Shun respondeu em seu lugar:

- Ele não fez nada.

Saiu da sala passando pelos outros que olhavam sem entender, queria sair dali e ir para seu quarto. Precisava pensar em tudo que Hyoga tinha dito, mas antes que pudesse se distanciar muito sentiu uma mão segurando seu pulso. Se virou e encontrou Hyoga olhando fundo em seus olhos, a boca entreaberta como se estivesse pronto para dizer alguma coisa. O loiro respirou fundo e soltou Shun olhando ao redor, todos estavam olhando para os dois tentando ainda entender o que acontecia. Hyoga mantinha o olhar firme em Shun que agora já tinha se virado para ouvir o que o outro tinha a dizer.

- Eu vendi a minha casa. Por isso demorei tanto. – Os dois se olharam em silêncio por alguns segundos sabendo que estavam recebendo a total atenção dos demais – Não sei se você sabe, mas vender uma casa quando você só tem 15 anos é uma coisa bem difícil, pra não dizer que é contra a lei. Nenhum de nós poderia morar sozinho se não fosse os contatos que a Fundação tem em quase todos os países, afinal somos todos menores de idade. Eu pedi ajuda a Saori há algumas semanas – Hyoga olhou rapidamente para a única jovem entre aquele grupo de cavaleiros – Ela ficou de me ligar quando encontrasse alguém para comprar a casa e bem... Ontem ela mandou alguém para falar comigo.

- Eu estava no Santuário então não pude fazer muita coisa, mas pedi para manterem contato com você – Saori interrompeu a conversa – Mas me disseram que as ligações nunca completavam...

- Sim... A nevasca não ajuda muito nas comunicações e ultimamente o tempo por lá não anda dos melhores. – Hyoga deu um olhar de compreensão para a garota antes de voltar à atenção para a voz baixa e triste de Shun.

- Você podia ter ligado... Ou vindo aqui... – as lágrimas nos olhos verdes estavam prestes a descer novamente.

- Você não falaria comigo se eu te ligasse e me evitaria se eu viesse, assim como fez hoje.

- Se você me dissesse o que estava fazendo eu não iria te evitar! – Shun não ligava para os murmúrios e cochichos dos cavaleiros que assistiam atônitos a cena, cada um dando um palpite para o porquê da discussão entre os dois amigos.

Ikki já estava com o rosto tão vermelho que parecia que ia explodir a qualquer momento, não estava gostando nem um pouco daquela conversa! Deu um passo à frente quando sentiu o braço de Shiryu o impedindo.

- Não acho que seu irmão queira que você se intrometa. – O chinês estava sério e parecia seguro do que dizia.

Hyoga por outro lado estava cada vez mais nervoso com os sussurros e risadinhas que vinham principalmente do grupo de Jabu, mas não sairia dali enquanto não conseguisse o perdão de Shun. Olhou para os amigos demorando um pouco o olhar em Ikki e tomou sua decisão. Era hora de todos saberem.

- Você me disse que queria que nós não precisássemos nos esconder lembra? Que queria que todos soubessem que não somos só amigos... – Hyoga disse com firmeza.

Os cochichos aumentaram quando os outros pareceram finalmente entender o que se passava. Uma briga de namorados e não de simples amigos. Shun estava igualmente nervoso, não esperava que Hyoga fosse dizer aquelas coisas, olhou para Ikki que agora estava sendo segurado não apenas por Shiryu, mas também por Seiya.

- Claro que lembro. – Shun passou a mão no rosto secando um pouco das bochechas molhadas pelo choro tímido.

- Então... Que melhor momento do que esse? – Hyoga se virou um pouco ficando de lado para o grupo que antes estava as suas costas e olhando cada um deles enquanto falava – Bem... Eu amo o Shun. – silêncio – Ikki... – Fênix lhe dava o olhar mais medonho e mortal que ele já recebera – Por favor, não me odeie, eu tenho absoluta certeza que ele sente o mesmo por mim.

Hyoga volta a olhar para Shun e dá alguns passos em direção ao garoto, o olhar dos dois se encontra fazendo o mais novo baixar o rosto tentando esconder mais algumas lágrimas. Hyoga pára a apenas alguns centímetros do namorado, mas ao invés de levantar o rosto molhado do outro cai aos seus pés abraçando com força sua cintura fina apoiando a testa em sua barriga.

- Me perdoa Shun, eu sei que eu errei com você... – O próprio Hyoga já não agüentava a emoção e deixava as lágrimas caírem de seus olhos azuis – Eu prometo que vou tentar melhorar se você me der outra chance!

O coração de Shun deu um salto e batia rápido ao ver Hyoga de joelhos aos seus pés pedindo seu perdão. Por um curto instante ele parou de ouvir as risadas e comentários infames de Jabu e seu pequeno grupo, parou de ouvir os pedidos de Seiya e Shiryu para que Ikki se acalmasse, parecia que eles nem estavam mais na sala. Shun tinha entrado num mundo diferente no qual só estavam ele e Hyoga. O garoto leva as mãos brancas como neve até o rosto de Hyoga que estava escondido em sua blusa fazendo ele olhar pra cima. Os olhos azuis suplicando por perdão e por carinho. Uma gota solitária saída dos olhos verdes cai no rosto de Hyoga, olhos que brilhavam cheios de amor. Shun não precisou responder com palavras, seu olhar já dizia que estava tudo bem. Apenas uma simples palavra saiu de seus lábios:

- Levante.

Hyoga obedeceu levantando-se devagar olhando para Shun como se esperando por seu próximo passo. Andrômeda, que parecia ter voltado à realidade, olhou para os companheiros e depois para Hyoga, falando baixo para que só o loiro o ouvisse.

- Acho melhor terminarmos essa conversa lá fora.